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ilustração: Cly Reis |
Lá é lugá de gente, mas gente de tudo qui’é feitio: gente
rúim, gente humirde, trabaiadô, coroné, garimpêro, jagunço, caboclo, curandêro,
ticunã, bandido, moça-da-vida. Gente do bem e otros... nem tanto. Gente viva,
muito da viva, e gente que não tem nem onde caí morta, porque quando morre nem
tem direito à terra pra descansá, que já não tem mais valia pra nada mêmo. E
como morre gente! Ara! Gente cumo a gente que é de lá, entende, seu moço?
Incrusive esse tar que o sinhô me pede pra falá. É: lá é terra de gente anssim
grossêra quinem eu anssim, me adescurpe meu jeito. Gente cumo o sinhô, estudado
nas estranja, conhecedô desse mundão aí fora, deve de achá inté estranho. Deve
de achá que a gente é quase bicho, né? E se não é mêmo?! Anssim, quinem bicho,
a gente se ‘custumô a sê tratado. Quem trabaia amarrado inté definhá pra cumê
um quase-nada por dia é o quê?
Mas é terra bonita, sim sinhô! Ô, se é! Verde que não acaba
mais, terra boa de se plantá. Toda a sementêra que se joga, a terra prenha. É
só oiá lá as fazenda tudo. E tem de montão aquilo que os ôme mais cubiça: os
ôro. Por isso, graça ao Nosso Bão Sinhô e a São Binidito, trabaio nunca fartô.
Os patrão mandavo trazê gente de tudo qui’é lugá com as caçamba pra trabaiá,
gente de monte quinem boiada, quinem furmiguêro, tudo amuntuado. Nem percisava de
tê os dois braço. Miguelino, lá da terra do Tamborão, que diga: bão de garimpo
só com uma braçada por vêiz. Será que já não definhô o pobre do Miguelino?...
Mas que bão que o sinhô me indaga essas cosa. Gosto de prosá.
Anssim, a gente espanta as cosa rúim que fica grudada nos interno da gente. Não
sô de protesto, não, sinhô. Ganho o meu unzinho na páiz do meu Bão Deus e na
certidão que minha finada mãe me ensinô. Hoje, véio anssim, posso descansá. Mas
o sinhô, vivido e entendedô, deve de sabê cumé qui’é vida de quem não tem
mobral: trabaio, de bastante; mas prata, qui’é bão e de direito, um quase-nada.
Por isso, lá, os trabaiadô trabaiavo tudo de cara fechada, no siso, ‘cabrunhado.
Eles trabaio ainda anssim lá. Tudo brigão: se mexê, fáiz quinem carcará: bisa
sem reza nem conversa. Desde de sempre foi anssim. E se não fáiz as obrigação,
toma no lombo. Muita judiação, sabe, seu sinhô... Chibatada, tronco, laço de
faca, de vara, taio de adaga, isso quando não é uma chupada de bala mêmo. Cosa
feia de se vê. Teve um, uma vêiz, que fêiz umas marcriação e ficô dois dia no
tempo dipindurado num cajueiro com os peito lambuzado de mér doce. O sinhô deve
de imaginá o que as abeia fêiz com ele... Cosa do Chico Diabo, o jagunço mais
marvado de lá. Ara, que esse tinha o capa-verde com ele! Mas não só ele, não! Tinha
o Côsa-Feia, o Ambrosino, o Delcino Mete Bala, o Manuelzinho Bulhento, o João
Tição: tudo com mardade nus’óio. Tudo cosa-rúim, tudo mafarrico, excumungado. Fêiz
quarqué cosinha fora do acertado, era castigo nas carne!
Inté que um dia, um dia quarqué desses tanto, deu de aparecê
pelas banda de lá um tar de Assubiadô, esse que o sinhô me apergunta. Roto, pôca
carne, c’as rôpa tudo escangaiada. Cariboca feio didadó! Não prosava com
ninguém. Tumbém: não sabia dizê um “ai”! Só assubiá. Nem cumê direito cumia:
era só pro de si mantê di’pé e tê fortidão pra assubiá. E fazia isso com contento,
sim, sinhô! A gente oiava pr’ele e ele tava com as feição dum santinho, ‘bençoado,
assubiando aqueles estribio. A cara era tar a páiz de Jesuis. Ele apertava os
beiço, dava um segundinho... e sortava. Um som nem fino nem grosso. Era só...
bonito de se ouvi. E não digo só eu, não: todo o garimpo gostava, fosse gente
ou fosse bicho. O passaredo tudo se vinha pra junto dele quando ele assubiava:
aracuã, sapucaia, mutum-poranga, painho, fura-bucho, caraúna, coró-coró. Tudo,
tudo se vinha pra cima das árvre cantá junto.
Fáiz muito tempo isso, seu moço. Ô, se fáiz! De primêro, ele
se chegô cumo se não quisesse nada. E não queria nada mêmo. Só foi ficando pelos
garimpo, ficando, assentado numa pedra, numa árvre, no mato ralo, num cabeço,
assubiando. Era só o que queria. Às vêiz, usava uma fôia verde pra fazê apitá,
e não é que aí era mais boniteza ainda!? Cumo não fazia mar pra ninguém – era
só oiá pras feição dele que se via que não era de rinha – fôro deixando ficá
ali, de garimpo em garimpo, assubiando. Quando mais qu’isso, ganhava um prato
montado com os resto dus’otro. E não se quexava: cumia com gosto e com cara de
‘gradicido.
Quando o tar assubiava era cumo o canto do uirapuru no matagão
fechado. Bonito cumo o cér. A gente, que vivia de cabeça quente, pela lida
forçada e pela mira das espingarda, ia ouvindo aquele assubio e desmanchava um bucado
da raiva, sabe? A gente ia se acarmando, acarmando, via que era milhó fazê o
afazê, que se não a gente ia tá morrendo toda hora, a gente que não tinha arma
de fogo e tinha poca fortidão contra os jagunço, esses, forte e gordo, que cumia
as cumida boa que o patrão dava. Com o assubio do Assubiadô nos ouvido, a gente
trabaiava milhó, inté com gosto, porque o tempo passava num estalo.
Mas o sinhô, seu moço, sabe que tem sempre os que não ‘guenta
domá o fogo que tem no bucho, né? Pois não é que teve um jagunço que cismô com o
Assubiadô? Ele, que não fazia mar pra um ramo de mureré! Isso foi logo dispois
que ele se achegô por lá, e quem fêiz isso foi o Bilico Come-Dorme, jagunço do
Nhô Bandêra, um gordalhão priguiçoso que só sabia cumê, durmi e inticá
cuns’otro. Ele viu aquele ôme assubiando encostado no pé de um pinheiro-manso,
qu’ele gostava, se achegô e foi logo destacando o punhar. “Que tu qué aqui, seu
disgracento!?”, falô, arto que todo mundo escuitô. Os garimpêro tudo pararo de
trabaiá; é que ninguém queria que ele morresse anssim, de faca. E dispois, ele
não tava fazendo um nada! Só tava ali, assubiando cumo se nasceu nessa vida só
pra fazê. Mas não é que com o punhar de fronte pr’ele o Assubiadô seguiu
assubiando, carmo, na paz de Jesuis? De mó’de que ele não parô a cantiga, o
capataz vortô a perguntá: “Qual tua graça? Hein, diz: qual tua graça? Não sabe
fazê mais nada se não assubiá, bicho burro? Deve de sê mêmo muito burro mêmo!”,
se rindo todo do Assubiadô, mas tava mêmo era com raiva dele, que não ‘parentava
medo ninhum no sembrante. Cumo ele não movia uma paia, o Bilico se desgostô
todo e caiu na ameaça braba: “Ah, tu não vai falá!? Qué morrê, disgracento
dus’inferno?!”
Aí foi o que se assucedeu o que o sinhô quiçá nem ‘credite,
que decerto só pra gente de cabeça pôca que nem a gente. É, ‘quilo foi um
milagre, sim, meu sinhô, adescurpe se lhe conto o que parece troça. Mas não é,
não! Por essa lúiz que me alumia! Quando o prevalecido do Bilico Come-Dorme ia
lhe passá o punhar nas tripa, o Assubiadô virô os óio pr’ele, na mêma carma e...
assubiô. Só assubiô. Na minha ‘gnorânça de ôme de fora, eu firmo: foi uma
maravía do Nosso Sinhô. Foi cumo se o Divino que chegô naquele assopro de
cantiga pro desvairido do Bilico. Não teve punhalada, nem carne rasgada. Nem
mais prosa. O jagunço baixô a arma e ficô oiando nus’óio do Assubiadô,
‘dmirado. Decerto, tentando entendê o que tava se assucedendo lá no de dentro
dele mêmo. Dispois, foi s’imbora pé por pé, ‘sustado, e os garimpêro, eu, ‘crusive,
tudo começaro a se ri baxinho, mas que deu pra escuitá. O ôme saiu com o rabo no
meio das perna, cumo se tivesse tomado uns para-te-queto do patrão!
Ô, que eu me rio todo dessas história! É bão lembrá... Só
sei que dispois daquele ocurrido o tar do Bilico Come-Dorme nunca mais judiô de
ninguém. Não buliu mais com ninhum trabaiadô, de móde que Nhô Bandêra lhe mandô
pra imbora do garimpo pra nunca mais, que não lhe servia de nada jagunço com “modo
de moça”. Foi o que me disséro – isso anos dispois –, que o Bilico tinha
entrado pra igreja, e ajuda o padre numa paroquinha d’otra paragem não muito disiguar
de lá. Que Deus o conduza, né mêmo, seu moço? O que eu sei é que tar do
Assubiadô era um pobre que não sabia nem o seu pra-quê na vida, mas assubiava
bonito as música inventada dele, e isso fazia um bem danado pros trabaiadô
tudo.
E aí que começa a verdadera história desse desinfeliz de bão
coração, o Assubuiadô, que o sinhô me veio de pronto indagá quem foi. Antão que
chegô tão longe anssim a lenda do Assubiadô, inté lá pra suas banda, foi? Ara!
Valei-me São Binidito! Foi dispois desse ocurrido com o Bilico que ele passô
mêmo a sê mais um de nóis, e foi daí que ele passô a vivê com a gente, ora numa
terra, ora nôtra, se ‘comodando ca’gente nas estalage, sempre assubiando seu
assubio, ajudando os trabiadô a trabaiá com mais gosto. Na hora da lida, era só
ele passá um meio-dia com nóis, soprando o vento pra fazê cantiga, que tudo se
corria na maió das tranquilidade.
Os sim-sinhô, dono dos garimpo e das terra – o seu moço deve
de imaginá –, de primêro estranharo aquilo. Querío tudo sabê quem era esse tar,
por que assubiava, por que não prosava, donde saiu, essas cosa de gente
desconfiada e dona dus’otro. Só que era tão meió quando ele tava, e dispois do
‘currido com o Bilico curria nos ovido que ele não bulia com ninguém, que inté
os patrão não se importaro de dexá. Só ele que pudia andá por tudo, que não
tinha amarração no pé quinem nóis, pro sinhô vê. Adispois, os ôme começaro a
enxergá que quando o Assubiadô tava lá, assubiando enquanto os garimpêro
garimpava, o trabaio rendia mais. Aí é que os patrão, que sabe ganhá as prata e
usá o trabaio dus’otro, não quiséro mais que o Assubiadô fosse s’imbora.
Era tão bão quando o Assubiadô tava que os garimpo começaro
a querê ele sempre, sem deixá us’otro aproveitá tumbém. Tivéro inté que se
reuni o Nhô Bandêra mais o Nhô Quim, Nhô Tião, coroné Vaca-Brava, coroné Vilêga
e coroné Salustiano pra mó’de organizá cada dia que o Assubiadô ia tá em que
garimpo. Tudindim batido no relójo. Os jagunço já ficava esperando de banda, e
quando batia a hora, pegavo o Assubiadô e levavo pr’otro garimpo. E anssim era
o dia todo, zanzando pr’um e pr’otro. “E ele?”, o sinhô me apergunta? Não se
desgostava. Deixavo ele assubiá, antão tava mais de bão pr’ele. Decerto, nem
atinava que passô a sê mais um trabaiadô cumo nóis. Só que ao invéis de trabaiá
com os braço e mercúro nas mão, ele só usava os beiço. Nem percisava de mais
nada.
Anssim foi por um bão dum tempo. Foi o tempo mais bão que
teve por lá, isso é acertado. Os garimpêro passaro a trabaiá mais e meió, e
anssim passaro a rendê mais prata pros patrão. Os patrão, anssim, começaro a de
tê mais prata que já tinho, e pra móde de não perdê o que já tava bão, passaro
a dá mais prata tumbém pros garimpêro. Época boa ‘quela, seu moço! Ô, se foi! Época
de pogresso. Os garimpêro não trabaiava mais de fuça cerrada, río trabaiando e
fazío as cosa com gosto. Teve inté uns que queria bamburrá iguar aos patrão! Todo
mundo teve menos moléstia; tomavo agora água limpa; os bodeguêro vendío muito
mais quebra-goela e di-cumê. Inté as ramêra tínho mais criente pra fazê ‘quilo
que os ôme e as muié gosta de fazê.
E o assubio do Assubiadô voziando tudo a gente todos dia.
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A vida de todo mundo miorô, e parecia que as cosa ío ficá
daquele jeito bão que tava. Mas o sinhô sabe, né, seu moço, que nesse mundão
erva má depressa cresce. Não se ademorô muito prus´ôme começá a se disintendê.
Foi só o coroné Vilêga, um que falava todo ‘revezado, se apercebê que os
garimpo do Nhô Quim e do Nhô Tião tava dando mais riqueza, e que os estrangêro
tava começando a comprá mais deles, que as brigaiada começaro tudo de novo.
Adispois, ‘inda por cima o Nhô Bandêra enfiô na cabeça que o coroné Salustiano
tava mandando os garimpêro dele tirá ôro das terra que era de seu pertence. E
isso era desverdade, seu sinhô. Valei-me São Benidito se eu tivé dizendo cosa
errada! É que o Nhô Bandêra, sempre de ôio nas cosa dus’otro, não gostava do
Salustiano, e isso era briga antiga das famía. Mas como o povo diz: “Em tempo
de guerra, mintira é cumo terra”. Aí foi que se desintendêro tudo. Promessavam
de morte, pararo de dá as prata boa pros garimpêro e inté as corrente vortaro
pra prendê os trabaiadô. O Assubiadô, que nem sabia o que tava se assucedendo, paricia
fole de oito-baxo: ia pra lá, ia pra cá. Não tinha mais paradêro. Tudo os
patrão querío ele e não tinha mais combinação de relójo. Só pra móde tirá
vantage um d’outro. Era a hora que eles querío e pronto!
A cosa toda foi de um jeito que se estragô o que tava bão. Ninguém
trabaiava mais cum gosto nem podia comprá mais pinga nem aporveitá as noite
no meretriço. Tudo vortô a sê cumo era de antes do Assubiadô chegá: cara
triste, vida sofrida, tóchico, bibida, morte de arma, judiação, desatino de
cabeça por causa dos mercúro. Nem o assubio dele ajudava mais os garimpêro,
porque os jagunço pegavo ele toda hora toda hora. Mar dexavo ele ficá num
garimpo só, e os garimpêro nem conseguia mais escuitá as cantiga de assubio
dele.
Me adescurpe do que eu vô lhe falá, seu moço, mas é verdade
verdadera: o bicho ôme não sabe arresorvê as cosa dotro móde que não na rinha.
Foi anssim que o coroné Vaca-Brava, ôme marvado por demais, arresorveu o
embaraço: se não era ele a tirá vantage, ninhum dus’otro patrão igual ele que
ia tirá. Ele mandô o Chico Diabo mais trêis capanga ‘traiz do Assubiadô, tudo
de cospe-fogo na mão. Não foi difícer de achá o Assubiadô. Tava ele lá,
encostado no pinheiro-manso que ele gostava de se encostá pra assubiá pro ar.
Não fêiz movimento ninhum quando oiô o camionetão do coroné Vaca-Brava enfreá de
pertinho dele, de móde que a puêra se foi toda pra cima dele. Os capanga –
gente tisnada, que Deus me aperdoe! –, descêro no depressa cumo se o pobre do Assubiadô
fôsse corrê ou ameaçá eles. Óia só o sinhô, que desabsurdo! O Chico Diabo, esse
sim com o cão-tinhoso por de dentro, veio carmo, mas ‘quela carma de quem tá
seco pra metê bala, se lambendo, que gostava duma morte matada.
Foi antão que o Chico Diabo escarrô no chão um cuspe grosso
e disse pro Assubiadô: “Vai ‘subiá pro diabo ‘agora, seu desinfeliz!”. O
Assubiadô ficô só parado, sem medo ninhum, nem raiva paricia sintí. Antes de se
ouvi o estampido, diz que ele esticô o braço na direção do Chico Diabo
‘ferecendo a fôia verde qu’ele fazia as música. Se fêiz ‘quele clarão. Tar um
sor que se nasce e logo em siguidinha ‘noitece...
Mas o fío do tisnado do Chico Diabo não se contava
cunh’essa: com a espingarda mirada, ele oiô de banda, pra que nenhum garimpêro se
bobiasse em querê se provalecê ou desforrá por causa do Assubiadô. Só que
quando foi oiá de novo pro cadáve... quedê? O Assubiadô: quedê? Estranhô tanto
o jagunço e os ôme dele que se alevantaram tudo as arma de novo, ‘sustado que
ficaro. Os garimpêro tudo parado, sem se mexê, sem dizê um “ai”, que quarqué
cosinha cumia bala de novo cun’sôme naquele nervoso que tava. Foi antão que se
tornô a ouvi um assubio. E era o assubio... tar e quar do Assubiadô! E vinha da
árvre ‘quele som. Será que era dos passarim? Será qu’ele tava lá escundido?
Todo mundo se arvoroçô, sem ninhum entedimento, e foi aí que
o Chico Diabo virô diabo mêmo! Só que de raiva. Ele cuspiu fogo pra riba, e um
passarim saiu vuando do meio da copada, ‘sustadinho. Só que o assubio não parô.
O Chico Diabo, sem sabê o que fazê, falô arto: “É tu que tá iscundido,
disgracento?! ‘Parece! ‘Parece aqui, que eu vô te metê bala no teu bucho de
novo!” Brabo que tava. O sinhô sabe qual foi o retruco? O assubio. Que continuô
lindo daquele jeito que só o Assubiadô fazia. E não parava, e não parava. O
Chico Diabo se vortô pra oiá se não era ninhum garimpêro que tava se engraçando
em ‘remedá o assubio do Assubiadô. Mas não era, não: tava tudo de bico fechado,
cun’beiço pregado de vexado que tava tudo. Devia de pensá o Chico Diabo: cumé
que podia o disgracento fugi se tinha ele certidão que tinha metido bala no
desinfeliz? Foi antão que o Chico Diabo, pra móde não passá vergonha na frente
dos trabaiadô que ele bulia, pegô os ôme dele no ligêro e se foi-se ‘imbora no
camionetão do coroné Vaca-Brava cuspindo fogo pelas venta.
Ficô tudo mundo estaqueado, sem entendê o assucedido. E o
assubio do Assubiadô cismava nus’ovido da gente. Ou era os passarim das árvre
que fazia? Ficô uns achando disconfiado que fosse sempre o gogó dos bichinho que
assubiava, e não o Assubiadô. Pudia. Mas pudia sê tumbém que o espetro daquele
ôme tivesse ido pra árvre, aquele pinhêro-manso qu’ele tanto gostava, que já
era quase iguar a ele mêmo: árvre e gente. Teve inté um que disse: “É o espríto
dele, cês não enxerga?” Eu, seu moço, posso lhe dizê que eu não vi espríto
ninhum. Mas vai sabê se não era mêmo? Otros, inda achava que era o Assubiadô
mêmo, que tava já lá no cér essas hora encostado num travissêro de núve assubiando
pros lá no chão, se rindo, gracejado.
Ninguém sôbe dizê donde foi pará o cadáve do Assubiadô. Se
fugiu, se saiu avoando, se entrô pra dentro da árvre. Era tão minguado o
judiado que, no acertado, um tiro só serviu pra fazê ele sumi todinho duma vêiz
só! Só sei lhe dizê que não que dispois desse ocurrido ninguém mais enxergô o
Assubiadô, nem lá nem em lugá ninhum paricido ou desparicido c’aquele.
Quero não tê ‘borrecido o sinhô cué’ssa história toda. Foi
não? Bão! Me dá sastisfação de sabê. Inda mais hoje, que vivo aqui, tão longe
de lá d’onde passei tanto tempo da vida. E adispois é o sinhô que tá me fiando,
o sinhô, sujeito letrado, conhecedô das cosa boa desse mundão aí. Decerto, deve
de tê mêmo nessa história ‘cabrunhada que lhe prosei cosa boa tumbém, né? E
adescurpre se distraí dalgum bucadim de história. Cabeça de gente véia quinem eu
dêxa passá as cosa. É que já fáiz tanto tempo isso tudo! Ara, se fáiz! Me
arrecordo bem sim é de quando foi esse ocurrido: otubro de doismilequinze.
A Lenda do Assubiadô
ilustração de Cly Reis