Montar uma lista com músicas preferidas de Chico Buarque é, antes de mais nada, desafiador, mas também garantia de uma seleção do mais alto nível da música brasileira. Dada a magnitude e qualidade de sua obra – além de extensa, sempre muito significativa – não haveria como ser diferente. Para celebrar o aniversário de 80 anos deste mestre da nossa cultura completos esta semana, juntamos, então, uma lista de 80 músicas preferidas por alguns de seus inumeráveis fãs.
Disso, porém, uma coisa foi quase unânime: a reclamação dos votantes de que é difícil compor uma lista dessa natureza. Todos os que se dispuseram a realizar essa tarefa quase trocaram o prazer em compô-la por dúvidas atrozes ou, pior, a angústia por não poder escolher mais títulos além de apenas 10. Compreensível. Quando fizemos, em 2022, uma listagem semelhante a esta para o aniversário de outro mestre da música brasileira, Gilberto Gil, o sentimento foi o mesmo. Isso sem falar, após a divulgação, da transformação desse desconforto em arrependimento por não se ter lembrado de incluir esta ou aquela canção...
O fato é que amamos a obra de Chico, e nisso me incluo tanto quanto todos os nossos outros 6 fãs, que toparam comigo e Cly, a ingrata missão de listar apenas 10 músicas da vasta e qualificadíssimo cancioneiro buarqueano. Pois, realmente, 10 é muito pouco para dar a dimensão do quanto o admiramos e da importância de sua obra. Sabemos. Mas, de modo a contemplarmos pelo menos 8 destes ardorosos fãs, a matemática nos obriga a separar apenas uma mísera dezena para podermos completar 80 escolhas celebradoras de suas 80 primaveras.
Para tanto, reunimos um time especial de “buarqueiros” de diferentes áreas. Jornalistas, escritores, publicitários, ilustradores, produtoras culturais. Há, mas são poucos os que não gostam de Chico – e quando gostam, é assim, de “Todo o Sentimento”. A ponto de fazer canção em sua homenagem, como um dos nossos convidados, o músico radicado em Londres Thomas Pappon - da Fellini, Tres Hombres, Voluntários da Pátria, Smack, The Gilgertos e outros vários projetos – coautor da bela “Chico Buarque Song”, da Fellini. Ou mais do que isso: alguém que dedica-lhe uma obra, caso do jornalista e escritor Márcio Pinheiro, esporádico colaborador do blog, que acaba de lançar o livro "O que Não tem Censura nem Nunca Terá: Chico Buarque e a Repressão Artística na Ditadura Militar".
Afora os impasses, o legal é que existe um Chico para cada um. “Paratodos”, mais certo dizer. Há músicas desde sua fase inicial, nos anos 60, dos tempos da “capa do meme”, até a mais recente produção, deste “Velho Francisco” agora oitentão. 80 músicas é pouco, sim. Melhor seriam mais “Umas e outras”, mais um “Frevo Diabo”, mais um “Tango do covil”, um “Partido alto”, uma “Opereta de casamento”. E “Que tal um samba?”, um pra Vinicius, um de Orly, um de adeus?... “Qualquer canção”, desnaturada, inédita, de Pedroca. Não? Então, como diz ele mesmo, “palmas para o artista confundir”. Que prazer é essa confusão de não saber o que mais nos toca da maravilhosa obra de Chico Buarque.
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Kaká Reis
produtora cultural (Rio de Janeiro/RJ)
"HELP! Chegou o momento mais temido da minha vida: escolher 10 musicas do Chico! Eu sei que vou me arrepender muito de alguma coisa, mas segue..."
1. "Tatuagem" ("Chicocanta" ou "Calabar", com Ruy Guerra, 1972)
2. "Bom Conselho" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972)
3. "Pedro Pedreiro" ("Chico Buarque de Hollanda", 1966)
4. "Eu Te Amo" ("Vida" , com Tom Jobim, 1980)
5. "Biscate" ("Paratodos", 1993)
6. "As Caravanas" ("Caravanas", 2017)
7. "Bye Bye Brasil" ("Vida", com Roberto Menescau, 1980)
8. "Mil Perdões" ("Chico Buarque", 1984)
9. "Ode aos Ratos" ("Carioca", com Edu Lobo, 2006)
10. "Todo o Sentimento" ("Francisco", com Cristóvão Bastos, 1987)
Jana Lauxen
escritora e editora (Carazinho/RS)
"Chico Buarque é patrimônio cultural brasileiro, lenda viva, meme, galã e puro suco da arte made in Brasil. Não bastasse, canta, compõe, escreve, interpreta, defende a democracia e já enfrentou, na trincheira, dois governos fascistas. Ele me representa de tantas maneiras, que um parágrafo é insuficiente para explicar. Obrigada, Chico!"
1. "Apesar de Você" ("Chico Buarque" ou "Disco da Samambaia", 1978)
2. "O Meu Guri" ("Almanaque", 1982)
3. "Geni e o Zeppelin" (Trilha sonora da peça "Ópera do Malandro", 1977)
4. "Roda Viva" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 3", 1968)
5. "Jorge Maravilha" (aka Julinho da Adelaide, 1974)
6. "Cotidiano" ("Construção", 1971)
7. "Cálice" ("Chico Buarque" ou "Disco da Samambaia", com Gilberto Gil, 1978, por Milton Nascimento e Chico Buarque)
8. "Construção" ("Construção", 1971)
9. "Hino da Repressão" (Trilha Sonora do filme "Ópera do Malandro", 1985)
10. "Meninos, Eu Vi" (Trilha Sonora do filme "Para Viver um Grande Amor", com Tom Jobim, 1983)
Leocádia Costa
publicitária, produtora cultural e locutora (Porto Alegre/RS)
1. "Biscate"
2. "Paratodos" ("Paratodos", 1993)
3. "Tua Cantiga" ("Caravanas", com Cristóvão Bastos, 2017)
4. "Imagina" ("Carioca", com Tom Jobim, 2006)
5. "Baioque" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972, por Maria Bethânia)
6. "Minha Canção" ("Os Saltimbancos", com Sérgio Bardotti e Enriquez, 1977)
7. "Beatriz" ("O Grande Circo Místico", com Edu Lobo, 1983)
8. "Roda Viva" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 3", 1968)
9. "Samba e Amor"("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", 1970)
10. "Cotidiano" ("Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo", 1972, com Caetano Veloso)
Clayton Reis
arquiteto, cartunista e blogueiro (Rio de Janeiro/RJ)
"Que tarefa ingrata escolher só dez. Meu Deus! Vai indo 1, 2, 3 e vai se aproximando de 10 e a gente fica pensando, 'mas essa vai ficar de fora', 'e aquela...', 'e aquela outra...'. É uma obra incrível, muita coisa maravilhosa, letras incríveis, fases distintas, temas, motivações. Não tem nem o que falar. Só aplaudir um cara assim, agradecer por existir há 8 décadas e nos dar coisas como essas."
1. "Construção"
2. "Rosa dos Ventos" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", 1970)
3. "O que Será? ((À flor da pele)" ("Meus Caros Amigos", 1976)
4. "Vai Passar" ("Chico Buarque", com Francis Hime, 1984)
5. "Cotidiano"
6. "Apesar de Você"
7. "Agora Falando Sério" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", 1970)
8. "Geni e o Zeppelin"
9. "Samba do Grande Amor" ("Chico Buarque", 1984)
10. "Jorge Maravilha"
Daniel Rodrigues
jornalista, escritor, radialista e blogueiro (Porto Alegre/RS)
"'A gente se torna repetitivo falar que 10 músicas não são suficientes para dar conta da grandiosidade de Chico Buarque. Fazer o quê? Muito queria ter incluído aqui 'Mil Perdões', 'Samba e Amor', 'Leo', 'Pedro Pedreiro', 'Assentamento', 'Ciranda da Bailarina', 'Alumbramento', 'Rosa dos Ventos', 'Sinhá'... mas não cabem. Fico com o sintético depoimento do amigo Tom Jobim, que dizia, atribuindo sua genialidade aos deuses da religiosidade afro-brasileira, que Chico era 'um cavalo'".
1. "Construção"
2. "Vida" ("Vida", 1980)
3. "A Bela e a Fera"("O Grande Circo Místico", com Edu Lobo, 1983, por Tim Maia)
4. "Futuros Amantes" ("Paratodos", 1993)
5. "Vai Passar"
6. "O Meu Guri"
7. "Tua Cantiga"
8. "Beatriz"
9. "Amando sobre os Jornais" ("Mel", 1979, por Maria Bethânia)
10. "Estação Derradeira" ("Francisco", 1987)
Lívia Araújo
jornalista e ilustradora (Porto Alegre/RS)
"Amo Chico e seu repertório pela sua amplidão de temas e estilos: tanto interpretando a realidade brasileira e seus personagens, quanto falando sobre os meandros íntimos de homens e mulheres nos mais variados contextos. A música do Chico, que dá o balanço perfeito entre melancolia e alegria, exaltação e introspecção, é a expressão perfeita de alguém que entende como o brasileiro, em suas próprias palavras na ocasião da entrega tardia do Prêmio Camões, traz nas veias "o sangue do açoitado e do açoitador. Bônus track. 'Samba de Orly'".
1. "Tanto Amar" ("Almanaque", 1982)
2. "Vai Passar"
3. "Feijoada Completa"("Chico Buarque" ou "Disco da Samambaia", 1978)
4. "Joana Francesa" (Trilha sonora do filme "Joana Francesa", 1973)
5. "Geni e o Zeppelin"
6. "João e Maria" ("Os Meus Amigos São Um Barato", com Sivuca, 1977, por Nara Leão)
7. "Roda Viva"
8. "Caçada" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972)
9. "Acorda, Amor" (aka Julinho da Adelaide, "Sinal Fechado", 1974)
10. "Terezinha" (Trilha sonora da peça "Ópera do Malandro", 1977, por Gal Costa)
Thomas Pappon
músico (Londres/Inglaterra)
1. "Samba e Amor"
2. "Cotidiano"
3. "Partido Alto" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972, por MPB-4)
4. "Ana de Amsterdã" ("Chicocanta" ou "Calabar", com Ruy Guerra, 1972)
5. "Construção"
6. "Gente Humilde" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", com Garoto e Vinícius de Moraes, 1970)
7. "Pois É" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", com Tom Jobim, 1970)
8. "Deus lhe Pague" ("Construção", 1971)
9. "Olha Maria" ("Construção", com Tom Jobim, 1971)
10. "Joana Francesa"
Márcio Pinheiro
jornalista e escritor (Porto Alegre/RS)
"Aí vai uma lista idiossincrática: 10 músicas de Chico Buarque em parcerias. A melhor do Chico em parceria com:"
1. Caetano Veloso: "Vai Levando" ("Chico Buarque & Maria Bethânia ao vivo", 1975)
2. Edu Lobo: "História de Lily Braun" ("O Grande Circo Místico", 1983, por Gal Costa)
3. Francis Hime: "A Noiva da Cidade" ("Meus Caros Amigos", 1974)
4. Gilberto Gil: "Cálice"
5. João Donato: "Cadê Você?" ("Francisco", 1987)
6. Miltinho: "Angélica" ("Almanaque", 1982)
7. Ruy Guerra: "Tatuagem"
8. Sivuca: "João e Maria"
9. Tom Jobim: "Retrato em Branco e Preto"("Chico Buarque de Hollanda - vol. 3", 1968)
10. Toquinho: "Samba de Orly" ("Construção", 1971) e Vinicius de Moraes: "Valsinha" ("Construção", 1971)
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As mais votadas
"Construção", "Cotidiano" - 4 votos
"Roda Viva", "Geni e o Zeppelin", "Vai Passar" - 3 votos
"Biscate", "Beatriz", "Apesar de Você", "Cálice", "Tatuagem", "O Meu Guri", "Jorge Maravilha", "Tua Cantiga", "Samba e Amor", Joana Francesa", "João e Maria" - 2 votos
"Vai Levando", "História de Lily Braun", "A Noiva da Cidade", "Cadê Você?", "Angélica", "Retrato em Branco e Preto", "Samba de Orly", "Valsinha", "Partido Alto", "Ana de Amsterdã", "Gente Humilde", "Pois É", "Deus lhe Pague", "Olha Maria", "Tanto Amar", "Feijoada Completa", "Caçada", "Acorda, Amor", "Terezinha", "Vida", "A Bela e a Fera", "Futuros Amantes", "Amando sobre os Jornais", "Estação Derradeira", "Rosa dos Ventos", "O que Será? ((À flor da pele)", "Agora Falando Sério", "Samba do Grande Amor", "Paratodos", "Imagina", "Baioque", "Minha Canção", "Hino da Repressão", "Meninos, Eu Vi", "Bom Conselho", "Pedro Pedreiro", "Eu Te Amo", "As Caravanas", "Bye Bye Brasil", "Mil Perdões", "Ode aos Ratos" e "Todo o Sentimento" - 1 voto
"O Brasil é capaz de produzir um Chico Buarque. Seu talento, seu rigor, sua elegância, sua discrição são tesouro nosso. Amo-o como amo o mundo, o nosso mundo real e único, com a complicada verdade das pessoas. Tudo está na dicção límpida de Chico."
Caetano Veloso
EChico chega aos 80. Mais do que somente um aniversário ou uma mera contagem numérica, o fato de ser ele, Chico, a completar oito décadas de vida, diz muito sobre o Brasil. Um Brasil que, em algum momento, contrariando todas as expectativas negativas e detrações, deu certo. Uma nação colonizada, saqueada e profundamente escravagista que, naqueles anos 40 de seu nascimento, urbanizava-se a duras penas. Um mero exportador de matéria-prima, de traços rurais, que cedia ao populismo e perseguia contrários (entre eles, artistas e pretos). Uma sociedade convencida da falácia da Democracia Racial. Uma terra de revoltas e levantes, oprimida ora pela Política do Café com Leite, ora pela Política da Bombacha. Um Brasil violento, homicida, aporofóbico e injusto e de senso militarista, o mesmo que se conduziu ao poder e à barbárie por tantos tempo anos mais tarde.
Mas, no meio disso tudo, nasceu Chico. Caetano, contemporâneo, disse isso com a sapiência que a admiração lhe confere: "Quando o mundo se apaixonar totalmente pelo que ele faz, terá finalmente visto o Brasil". Do mundo, não sei. O que sei é que Chico concentra tudo que há de melhor num pais continental violento e dado à desgraça, mas, talvez por isso, pela necessidade de contrapor o que se é por destino, mágico e incomparável. Chico é isso: mágico e incomparável. Seja nas obras-primas às menores, independente da fase da carreira. Há uma regularidade sublime em sua obra, tanto na literatura, no teatro ou no cinema.
Na música, sua praia desde a adolescência (e pensar que esse admirador de Niemeyer queria ser arquiteto...), essa regularidade se expressa numa obra tão extensa quanto coesa e profundamente simbólica. Quando se fala em resistência da MPB nos Anos de Chumbo, de quem se lembra? E junto a “Coração de Estudante”, não é sempre “Vai Passar” que vem à memória quando se revive o histórico momento das “Diretas Já!”? Chico está embrenhado em nossa história como nação nestes 80 anos que vivemos junto com ele.
Em todas as épocas, Chico, seja o da “flor da idade” ou “o velho”, traduz em sua música o que há de melhor (ou de pior, traduzido da melhor forma) em nós. “As Cidades”, seu 28º álbum de estúdio, é um dos mais perfeitos exemplos. À época, já consolidado como escritor, o autor passava a cada vez mais rarear seus discos, geralmente intercalados, agora, por algum novo livro. Afora projetos esparsos, “Paratodos”, por exemplo, trabalho musical imediatamente anterior, havia 6 anos de lançamento. Neste ínterim, lançara o segundo romance, o celebrado “Benjamin”, de 1995. Assim, havia, além de grande expectativa para o que traria em um novo álbum de música, o questionamento se ele faria jus à mitologia. “Estará agora dando mais atenção à literatura?” “O homem das canções terá perdido a capacidade de inventar preciosidades como “Mulheres de Atenas” ou “Tatuagem”?” “Chico será ainda Chico?”
Resultado: 100 mil cópias vendidas. Disco de ouro. Ele provava que, sim, ainda era Chico. “As Cidades”, com arranjos e produção de Luiz Claudio Ramos e a marcante capa de Gringo Cardia, abre com a malemolente “Carioca”, uma declaração de pertencimento: "Cidade Maravilhosa, és minha". Samba sincopado marcado no piano, é uma tradução da Rio de Janeiro nada óbvia, pois abrangente, generosa, cronista. “O pregão abre o dia/ Hoje tem baile funk/ Tem samba no Flamengo/ O reverendo/ No palanque lendo/ O Apocalipse”. Música que, aliás, daria exemplo aos trabalhos subsequentes de Chico, com aberturas ou encerramentos dedicadas à sua cidade: “Subúrbio”, em “Carioca” (2006), e “As Caravanas”, de “Caravanas” (2017).
A belíssima “Iracema Voou”, de melodia delicada e letra ainda mais, redimensiona para os tempos modernos o mito indianista de José de Alencar. Que beleza da divisão e do tempo musical dos versos: “Tem saudades do Ceará/ Mas não muita”! O bonito tango rumbado “Sonhos Sonhos São” antecede a igualmente delicada “A Ostra e o Vento”, tema escrito para a trilha sonora do filme homônimo de Walter Lima Jr. de um ano antes. Uma joia. A voz infantil de Branca Lima em duo com Chico transmite a sensibilidade desta canção, capaz de fazer referências visuais ao cenário inóspito do filme, uma ilha de marinheiros apartada do mundo, e àquilo que estes elementos trazem de significado: a ostra, o afloramento da sexualidade feminina; o barco, o destino; o peixe, a fecundidade; o vento, o erotismo e a passagem do tempo.
Belezas e delicadezas são, aliás, uma marca de Chico. “Xote da Navegação”, bem posta logo em seguida de uma música tão marítima quanto sensorial, amplifica esse sensação noutra preciosidade do disco. Parceria com o maior discípulo de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, este xote com ares de fado lusitano retraz o Nordeste profundo, denotando, como disse certa vez Tom Zé, “quão barroca é a alma sertaneja”. “Com o nome Paciência/ Vai a minha embarcação/ Pendulando como o tempo/ E tendo igual destinação/ Pra quem anda na barcaça/ Tudo, tudo passa/ Só o tempo não”. É ou não é o que de melhor uma língua viva pode oferecer – no caso, o nosso tão desvalorizado Português? Como com a faixa “Carioca”, “Xote...” serve de espelho para os próximos trabalhos que Chico faria, quando põe, a aproximadamente esta mesma etapa do repertório, o baião “Ode aos Ratos” (do disco “Carioca”), "Tipo um Baião" (de "Chico", 2011) e “Massarandupió” (de “Caravanas”).
Outra parceria histórica é com o violinista e compositor Guinga na ardente “Você, Você”, típica melodia guinguiana, de inusitados intervalos e formações de acordes, vocalises e complexa harmonia. Na letra exímia de Chico, ele manda versos interrogativos como: “Que roupa você veste, que anéis?/ Por quem você se troca?/ Que bicho feroz são seus cabelos/ Que à noite você solta?”
Se estamos falando de obras-primas, então vem outra: “Assentamento”. Extraída do projeto “Terra”, produzido por Chico juntamente com o fotógrafo Sebastião Salgado, em 1997, é certamente uma das mais preciosas canções de todo o cancioneiro buarquiano. Resgatando a atmosfera de músicas antigas suas como “Fantasia” e “O Cio da Terra”, que carregam a temática das lutas fundiárias no Brasil, bem como a literatura de Guimarães Rosa, de quem declama os versos iniciais (“Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão/ contente com minha terra/ cansado de tanta guerra/ crescido de coração”), “Assentamento” é um canto político e de esperança ao Movimento Sem-Terra. “Vamos ver a campina quando flora/ A piracema, rios contravim/ Binho, Bel, Bia, Quim/ Vamos embora”. A luta continua, companheiros.
vídeo de "Assentamento" do DVD "As Cidades Ao Vivo"
Dois belos sambas: “Injuriado”, em dueto com a irmã e referência no meio dos bambas Cristina Buarque, e outra antiga: “Aquela Mulher”, do repertório do filme “Ópera do Malandro”, de 1985, mas que, cantada à época pelo ator Edson Celulari e, logo depois, por Paulinho da Viola, nunca havia sido registrada na voz do seu próprio criador.
Mais uma fineza de música, “Cecília”, parceria com Ramos, antecede o final triunfal no chão onde Chico pisa com tanta emoção: a Estação Primeira de Mangueira. “Chão de Esmeraldas”, criada por ele e Hermínio Belo de Carvalho para o então recente projeto “Chico Buarque da Mangueira”, a música parece não só ter expressado o carinho de Chico pela escola como, pé quente em terreno brilhante, antevisto a vitória da Verde e Rosa após 11 anos no Carnaval de 1998 com Chico como tema.
Motivos para desacreditar no Brasil nestes ¾ de século não são poucos. Suicídio de Getúlio, Serra Pelada, Ditadura, facções criminosas, hiperinflação, RioCentro, roubo da taça, colarinho branco, Collor, Eldorado dos Carajás, Anões do Orçamento, Carandiru, Golpe de Dilma, Lava-Jato, Extrema-Direita, 8 de Janeiro... E o que falar de Marielle, Edson Luiz, Amarildo, Mãe Bernadete, Herzog, Stuart Angel, Chico Mendes?... Não é fácil ser brasileiro.
Mas Chico é sempre Chico. É sempre uma qualidade acima da média, a qualidade potencial de um povo. Por causa dele, “todas as nossas fantasias de autodesqualificação se anulam”, diz Caetano. Chico é a Seleção de 70, as formas de Brasília, o oxigênio da Mata Atlântica, a batida de João, o traço de Tarsila, a sintaxe do Português, o baião de Gonzaga, o batuque do terreiro, a cintura da mulata. Chico materializa aquilo que podemos ser. E como é bom ser cidadão de um povo que tem como compatriota Francisco Buarque de Hollanda! Ou pode chamá-lo somente pelo apelido, que ele é gente como a gente. Essa gente.
Acima, capa do vinil original de 1983; a outra, capa da versão em CD
"O médico de câmara da imperatriz Teresa – Frederico Knieps –
resolveu que seu filho também fosse médico,
mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes,
com ela se casou, fundando a dinastia de circo Knieps
de que tanto se tem ocupado a imprensa."
Versos de abertura do poema "O Grande Circo Místico", de Jorge de Lima, 1938
"Uma enciclopédia da música brasileira."
Antônio Carlos Miguel, jornalista e escritor
Não é incomum ouvir de admiradores da música brasileira que “O Grande Circo Místico” é o melhor disco já produzido no Brasil. Mesmo que nessa seara naturalmente venha à mente obras como “Elis & Tom”, “Acabou Chorare” ou “Getz-Gilberto”, não é descabida a consideração atribuída a esta obra. Afinal, em que projeto se reuniu para cantar boa parte do primeiro escalão da MPB, leia-se Gilberto Gil, Tim Maia, Gal Costa, Milton Nascimento, Simone, Jane Duboc e Zizi Possi? E quando que esse time de estrelas estaria junto para interpretar temas de uma peça infanto-juvenil feita para o curitibano Teatro Ballet Guaíra sobre um poema clássico da língua portuguesa? Mais: quando contariam com o reforço de músicos do calibre de Oberdan Magalhães, Jamil Joanes, Cristóvão Bastos, Marcio Montarroyos, Antonio Adolfo, Leo Gandelman, Hélio Delmiro, entre outros? E, mais ainda: em que ocasião tudo isso gravitou em torno de um repertório inédito e tão qualificado, que é o sumo de uma então recente parceria de dois gênios da música do século XX?
Pois este disco adorado pelos fãs e cheio de significados chega a 40 anos de lançamento no mesmo ano em que um de seus artífices, Edu Lobo, completa o dobro de idade. Na linha do que foi produzido nos anos 70 e 80 para o público infantil, ”O Grande...” traz o espírito de especiais clássicos como “Plunct Plact Zum”, “A Arca de Noé” e “Pirilimpimpim”, a começar pelo primor musical e estético que não subestima o bom gosto da criança. Porém, neste caso, tal atmosfera vem encapsulada por um diferencial: o encontro de Edu com seu melhor parceiro: Chico Buarque. A dupla cria 11 temas novinhos em folha com o mais alto nível não apenas para aquilo que pode ser classificado como “música infanto-juvenil”, mas em toda a história da música popular brasileira.
Se hoje esta dobradinha dourada se tornou uma das mais celebradas da MPB, muito se deve a ”O Grande...”. Até então, os caminhos de Edu e Chico haviam se cruzado apenas duas vezes: na orquestração que Edu fizera para a peça “Calabar”, de Chico e Ruy Guerra, em 1973, e numa única e frutífera composição, a música “Moto-Contínuo”, que o segundo gravara em seu disco “Almanaque”, de 1981. Pronto: estava dada a magia! Edu, que já havia produzido a excelente trilha para o balé Guaíra “Jogos de Dança”, sem letras e usando apenas as vozes dentro do arranjo instrumental, foi novamente convidado pelo cenógrafo, dramaturgo e figurinista Naum para um novo projeto da companhia. Porém, tratava-se de uma adaptação do singular poema surrealista de mesmo nome de 1938, de autoria do poeta modernista Jorge de Lima, composto de uma estrofe e 45 versos. O texto conta a trajetória de Knieps, que abandona a corte e a medicina, apaixonando-se pela equilibrista Agnes, começando a dinastia do Grande Circo Místico. Algo que Edu, desde os anos 60 envolvido com teatro, normalmente delegava a parceiros, como a Gianfrancesco Guarnieri em “Arena Canta Zumbi” (1965) e a Vinícius de Moraes em “Deus lhe Pague” (1975).
Edu e Chico no início dos anos 80: encontro que não os separaria jamais
Para aquela nova empreitada, a bola da vez era o mais recente parceiro. Afeito ao texto para palco, haja vista que já havia escrito, além de “Calabar”, ”Roda Viva”, em 1968, Chico também era mestre nas adaptações para teatro. Escreveu sozinho todas as composições sobre o poema de João Cabral de Melo Neto para “Morte e Vida Severina”, em 1966, adaptou, com Paulo Pontes, “Medeia” de Eurípides em “Gota D’Água” para a voz de Bibi Ferreira, em 1975, e trouxe Bertold Brecht e John Gay para a realidade brasileira noutro musical, “Ópera do Malandro”, de 1978. Porém, mais do que todos estes exemplos – que já seriam suficientes para justificar um convite –, Chico sabia lidar com o universo infantil. Além do livro “Chapeuzinho Amarelo”, que lançara em 1979, o pai de Sílvia, Luísa e Helena já tinha realizado, dois anos antes, a deliciosa peça musical “Os Saltimbancos”, inspirada no conto "Os Músicos de Bremen", dos irmãos Grimm, junto a Sergio Bardotti e Luis Bacalov, amigos italianos dos tempos de autoexílio na terra de Michelangelo. Ali se revelava mais uma faceta do Chico plural: afora o malandro, o militante político, o cronista, o amante, a voz feminina e vários outros, via-se agora o autor para os pequenos. Edu, que enfileirara parceiros da categoria de Joyce, Cacaso, Dori Caymmi, Ferreira Gullar, Paulo César Pinheiro e outros, sabia ter achado a pessoa ideal para letrar suas músicas.
O resultado é um desbunde capaz de encantar crianças e adultos há quatro décadas. Começando pela instrumental “Abertura do Circo”, com fantástico arranjo escrito por Edu e orquestração do maestro Chiquinho de Moraes, um tema circense tão marcante, que dá a impressão de se tratar daquelas melodias folclóricas antigas e de autor desconhecido. Mas tem autor, sim, e é Edu Lobo. Na sequência, uma pausa na rotação do planeta, pois é Milton Nascimento cantando a balada “Beatriz”. “Olha/ Será que ela é moça/ Será que ela é triste/ Será que é o contrário/ Será que é pintura/ O rosto da atriz...” Considerada por oito entre 10 uma das maiores canções da música brasileira de todos os tempos, este clássico não pode ser classificado de outra coisa, que não de perfeito. Em melodia, em arranjo, em letra e, principalmente, na interpretação de Milton. A voz do gênio de Três Pontas é de uma afinação tão precisa e atinge registros tão improváveis, que fica impossível imaginar outro ser capaz de cantá-la. Além, claro, da emoção transcendente que Milton transmite. Uma obra-prima, que apenas Zizi, numa permissão para o Songbook de Chico, ousou regravar. Também, pudera.
Seguindo adiante, Jane Duboc entra no picadeiro e usa de toda sua brandura e sentimento na linda “Valsa dos Clowns”, cuja letra fala da famosa dicotomia da tristeza do palhaço, escondida por detrás da figura sempre engraçada: “Em toda canção/ O palhaço é um charlatão/ Esparrama tanta gargalhada da boca pra fora/ Dizem que seu coração pintado/ Toda tarde de domingo chora”. Cantada em coro, na sequência, "Opereta do Casamento”, como uma breve e alegre história popularesca, antecede outra história: a de Lily Brown. Personagem criada no poema de Jorge de Lima, mas cuja saga é totalmente inventada pela mente de Chico. Ele dá vida à “deslocadora” Lily Brown, a que “tinha um santo tatuado no ventre”, atribuindo-lhe contornos de uma moça sonhadora, que acredita ter encontrado o “homem de seus sonhos”. Ao fim, entretanto, não concordando com sua vida mambembe, ele a abandona. Num estonteante jazz bluesy, a melodia e o primoroso arranjo de Edu acompanham os versos de Chico, que deita e rola na poética. Por exemplo: o raro uso de rimas “preciosas”, que combina a fonética de palavras de idiomas distintos, é largamente usada. Caso de “cheese” com “feliz”, “dancing” com “romance” e “azul” com “flou”. Outro elemento-chave para a canção é, novamente, a adequação da interpretação, que não poderia ser mais exata, pois toda a sensualidade que a música exige está devidamente contida na voz de Gal e seu timbre de cristal.
Outra linda balada: a sentimental “Meu Namorado”, interpretada por Simone, é das mais perfeitas do repertório. Os teclados de Cristóvão Bastos comandam o toque da arpa, da gaita e das cordas, fazendo cama para os versos potentes e líricos emitidos pela voz da baiana: “Meu namorado/ Minha morada é onde for morar você”. De arranjo bem mais enxuto, mas não menos brilhante, "Sobre Todas as Coisas” tem no violão de Gil a única do álbum apenas com um instrumento acompanhando o vocal. De fato, não precisa mais, pois a genialidade do autor de “Aquele Abraço” é tão inata, que desta rara interpretação de Gil a uma canção de Chico e Edu sai o tema mais contemplativo e filosófico do disco. Gil dá ares de um spiritual à canção, tal uma canção-prece dos trabalhadores negros escravizados dos Estados Unidos, clamando pelo entendimento da existência e de um amor não correspondido. “Ao Nosso Senhor/ Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor/ Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor/ Criado pra adorar o Criador”.Caetano Veloso bem captou tamanha profusão de significados ao mencionar na sua música “Pra Ninguém”, de 1997, em que enumera músicas de autores da MPB cantados por outros autores/cantores da música brasileira, justamente esta entre tantas que poderia escolher do vasto repertório de versões de Gil a outros compositores.
Contracapa do álbum com desenhos de Naum, que reproduzem a ideia da cenografia da pela
Congele-se o firmamento mais uma vez, pois é hora de Tim Maia soltar seu vozeirão para a incrível "A Bela e a Fera”. Jazz-soul surpreendente de Edu – ainda mais após um número tão melancólico como o anterior – com seu arrojado arranjo de metais a la Quincy Jones, a bateria suingada de Paulinho Braga e o baixo vivo e inconfundível do “Black Rio” Jamil Joanes. Toda esta qualidade a serviço do “Síndico” em uma de suas melhores performances. Tim escalando as notas para cantar versos como: “Ouve a declaração, ó bela/ De um sonhador titã/ Um que da nó em paralela/ E almoça rolimã” é simplesmente histórico! Chico, também em uma de suas melhores letras, repete a dose em uma nova rima “preciosa” ainda mais improvável: “rolimã” com “Superman”! Musicando a saga do bruto boxeur Rudolf, da história original, Chico recria o personagem sob a perspectiva da famosa fábula do século 16, produzindo versos de admirável beleza como: “Não brilharia a estrela, ó bela/ Sem noite por detrás/ Sua beleza de gazela/ Sobre o meu corpo é mais/ Uma centelha num graveto/ Queima canaviais/ Queima canaviais/ Quase que eu fiz um soneto”. Para terminar arrebatando e elevando a emoção, Tim promove um dos lances mais sublimes da música brasileira, aumentando cirurgicamente o registro vocal para dizer: “Abre o teu coração/ Ou eu arrombo a janela”. De arrombar o coração, sim. O de quem escuta!
Quebrando mais uma vez a sequência rítmica, aquela que certamente é a mais infantil de todo o repertório. Se “Opereta...” contava com coro adulto, "Ciranda da Bailarina” traz agora vozes de crianças sobre uma lúdica ciranda de tons medievais, ainda mais pela sonoridade marcante de cravo e flauta doce forjados no sintetizador. E quem são as crianças? Os filhos de Chico e Edu, mais a pequena Bebel Gilberto (desde sempre envolvida com a música) e outros dois meninos. A sessão com a criançada é tal como recentemente a turma experimentava na trilha sonora do filme “Os Saltimbancos Trapalhões”, que Chico versara de sua peça para o famoso quarteto humorístico um ano antes. E que versos! Semelhantemente aos “Saltimbancos”, a letra de “Ciranda...” era, ironicamente, a mais política de todo o disco. Mesmo se tratando da aparentemente mais ingênua faixa, “Ciranda...” foi a única afetada pela ainda ativa censura. A palavra “pentelho”, ridiculamente, foi cortada na execução, provocando um hiato bizarro na audição. Se nos Anos de Chumbo uma música como esta seria sumariamente vetada pelo simples fato do autor se chamar Chico Buarque, ao menos os ventos da Abertura Política não a subtraíram totalmente. E ainda bem que, anos depois, com a democracia conquistada e consolidada, foi possível regravá-la e reencená-la diversas vezes, incluindo as belas versõesde Adriana Partimpim, em 2009, e a do próprio Edu, em 2013.
Poster original do show no Teatro Guaíra, em Curitiba
Quase finalizando, Zizi vocaliza com brilhantismo o tema-título, o preferido do disco para o próprio Edu. Mas para finalizar mesmo, não havia de serem outros, que não os autores. Intercalando uníssonos e combinações vocais, "Na Carreira” é uma comovente marchinha circense de despedida, que deixa um sabor de pipoca e algodão-doce na boca ao final do espetáculo. Uma tradução poética da vida mambembe: “Hora de ir embora/ Quando o corpo quer ficar/ Toda alma de artista quer partir/ Arte de deixar algum lugar/ Quando não se tem pra onde ir”. A arte do palhaço presente em “Piruetas”, que Chico coescrevera para “Os Saltimbancos Trapalhões” (”Salta sobre a arquibancada/ E tomba de nariz/ Que a moçada/ Vai pedir bis”) empresta inspiração para “Na Carreira” quando esta diz: “Palmas pro artista confundir/ Pernas pro artista tropeçar”. Pode-se ler, aliás, como uma metáfora de artistas brasileiros como eles, saídos da Ditadura e vislumbrando um país livre e democrático com a então nascente campanha das Diretas Já!. Artistas estes que, igual ao que as duas músicas tratam, não desistem de apresentar sua arte, independentemente das condições. “O espetáculo não pode parar”, diz uma, e a outra: “Ir deixando a pele em cada palco/ E não olhar pra trás/ E nem jamais/ Jamais dizer/ Adeus”.
Desde então, Chico e Edu nunca mais se distanciaram. Vieram, na esteira de “O Grande...”, outras três trilhas para teatro da dupla: "O Corsário do Rei" (1985), "Contos da Meia-Lua" (1988) – também para o Guaíra – e "Cambaio" (2001), além da coletânea "Álbum de Teatro", de 1997. Desses, mais joias do cancioneiro nacional saíram, a exemplo de "Choro Bandido", "A Permuta dos Santos", "Bancarrota Blues" e "Ode aos Ratos". Mas nada se compara ao que realizaram naquele efetivo encontro no início dos anos 80 tanto na excelência das músicas quanto na coesão da obra, lindamente ilustrada por Naum. Revisitado várias vezes, seja nos palcos e até no cinema, "O Grande..." guarda qualidades incontestes, que o credenciam a ser considerado um marco na música brasileira. Quiçá, o maior. Se o próprio Edu a tem como uma das suas cinco melhores obras da assertiva, longa e nobre carreira, um indício bastante forte há nisso. O exigente Ed Motta, músico e colecionador, acha o mesmo. O tempo, sem dúvidas, ajudou a formar tal reputação. Fato é que, há 40 anos, esta trilha vem sendo notícia nos principais meios e consta não raro em listas de melhores discos da música no Brasil. “O Grande...” consolidou-se neste patamar e no imaginário do público. Um feito tão maravilhoso "de que tanto se tem ocupado a imprensa" há quatro décadas.
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clipe de"O Circo Místico", comZizi Possi, no programa Bar Academia (1983)
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FAIXAS:
1. "Abertura do Circo (Instrumental)" (Edu Lobo) - 2:30
2. "Beatriz” (Milton Nascimento) - 5:01
3. "Valsa dos Clowns” (Jane Duboc) - 3:39
4. "Opereta do Casamento” (Coro) - 3:55
5. "A História de Lily Braun” (Gal Costa) - 3:51
6. "Meu Namorado” (Simone) - 2:44
7. "Sobre Todas as Coisas” (Gilberto Gil) - 5:00
8. "A Bela e a Fera” (Tim Maia) - 2:55
9. "Ciranda da Bailarina” (Coro Infantil) - 2:22
10. "O Circo Místico” (Zizi Possi) - 3:41
11. "Na Carreira” (Chico Buarque & Edu Lobo) - 4:06
Faixas-bônus da versão em CD:
"Oremus - Coro (Instrumental)" (Edu Lobo) - 1:57
"O Tatuador (Instrumental)" (Edu Lobo) - 3:26
Todas as composições de autoria de Edu Lobo e Chico Buarque, exceto indicadas
Grande Otelo em "Rio, Zona Norte" com o seu realizador, Nelson Pereira dos Santos, que chega para ficar
Chegamos à terceira parte de nossa lista dos 110 melhores filmes brasileiros, em comemoração aos 110 anos do primeiro filme realizado no Brasil, “Os Óculos do Vovô”. E justo naquele em que é celebrado o Dia do Cinema Brasileiro! E podemos dizer que a coisa está ficando cada vez mais séria. Não que os primeiros-últimos da ordem já não garantissem uma qualidade excepcional. Afinal, separar APENAS 110 títulos entre tantos memoráveis foi tarefa não só difícil como incompleta. Porém, é óbvio que, à medida que vai se avançando na classificação, também se intensifica a importância das obras.
É bem o caso do nosso novo recorte, que vai do 70º ao 51º posto. E em verdade vos digo: só tem filmão! Se nos 40 títulos anteriores já figuravam grandes realizadores, como Eduardo Coutinho, Glauber Rocha, Hector Babenco e Humberto Mauro, agora entram no páreo outras referências indeléveis do cinema nacional, como Leon Hirzsman, Nelson Pereira dos Santos e Kleber Mendonça Filho com seus primeiros listados. Por que, claro, todos eles voltarão mais pra frente com mais obras. Mesmo caso de Cláudio Assis, aqui com “A Febre do Rato”, e Ruy Guerra, já mencionado com seu "Os Cafajestes" (102º) e agora representado por um dos raros musicais de toda a seleção: “Ópera do Malandro”. Como Guerra, Walter Avancini, Julio Bressane, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr. e Rogério Sganzerla, já presentes, voltam à carga com todo merecimento.
Entre as mulheres, se até então apareceram apenas filmes de Suzana Amaral, Laís Bodanzky e Tatiana Issa, Sandra Kogut amplia a representatividade feminina trazendo uma obra-prima da recente cinematografia brasileira: “Três Verões”. Por falar em época, ao contrário do recorte imediatamente anterior, onde calhou de não haver nenhuma produção dos anos 80, nesta, pelo contrário, elas são maioria entre as décadas, com 8 títulos, 4 a mais que a segunda com mais filmes, os anos 60. Este é um dos retratos de momentos importantes do audiovisual brasileiro que uma lista de teor histórico como esta pode suscitar. A constatação é uma mostra (à exceção de “Morte e Vida Severina”, teledrama da TV Globo) do quanto a Embrafilme, bem estruturada nos anos 80, rendeu ao cinema brasileiro frutos muito qualificados e duradouros. A mesma Embrafilme desmontada nos anos 90 por Collor... Mas isso é outra história.
Confiram, então, mais uma parte da lista destes filmes que, se não são necessariamente todos os melhores, infalivelmente guardam qualidades que os credenciam a estarem aqui.
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70.“O Homem que Virou Suco”, João Batista de Andrade (1981)
A forte e memorável atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e “Morte e Vida Severina”, leva o filme, que conta a história do poeta popular nordestino Deraldo. Ele quer tenta viver em São Paulo de sua arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor Filme em Moscou e Nevers, é daquelas corajosas realizações ficcionais, mas abertamente realista que quase documental, e de extrema importância para o período de abertura política no Brasil após os Anos de Chumbo da Ditadura Militar.
69. “Sem Essa Aranha”, Rogério Sganzerla (1970)
68. “Pra Frente, Brasil”, Roberto Faria (1982)
67. “Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro”, José Padilha (2010)
66. “Ópera do Malandro”, Ruy Guerra (1986)
65. “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, José Mojica Marins (1968)
64. “O Padre e a Moça”, Joaquim Pedro de Andrade (1966)
63. “Três Verões”, Sandra Kogut (2020)
62. “Ele, O Boto”, Walter Lima Jr. (1987)
61. “A Pedreira de São Diogo”, Leon Hirzsman (1962)
60.“Os 7 Gatinhos”, Neville D’Almeida (1980)
Neville é daqueles cineastas da “elite intelectual carioca” que produz coisas às vezes intragáveis, mas esse é um acerto inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos “caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste longa referencial.
59. “O Mandarim”, de Julio Bressane (1995)
58. “Morte e Vida Severina”, Walter Avancini (1981)