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terça-feira, 1 de setembro de 2015

“Esse Tal de Borghettinho” – Sessão de autógrafos com Márcio Pinheiro e Renato Borghetti – Livraria Saraiva – Shopping Praia de Belas – Porto Alegre/RS


Nós com o Borghettinho
foto:editora Belas-Letras
“[Renato Borghetti é] um dos maiores símbolos da música
 do Rio Grande do Sul em qualquer estilo,
em qualquer época.” 
Márcio Pinheiro

“Não tive uma formação musical, tive muitas.” 
Renato Borghetti



Um dos maiores virtuoses da gaita no mundo; dos principais compositores do Rio Grande do Sul vivos; um dos mais importantes artífices da fusão do tradicionalismo gaúcho com outros ritmos (jazz, MPB, rock, tango); ator fundamental no reconhecimento e expansão da música nativista; militante da música instrumental no Brasil; único a ganhar Disco de Ouro com um álbum de canções “não-cantadas”. Se fosse só por isso, já seria de bom tamanho para que fôssemos Leocádia e eu à sessão de autógrafos do livro em homenagem a Renato Borghetti. Mas têm ainda mais dois fatores consideravelmente afetivos que, para nós, se equiparam a tais qualidades no que se refere a essa simpática figura que, saído daqui do frio gauchesco – assim mesmo, pilchado e cabeludo –, rompeu as barreiras froteiriças do Estado e se embrenhou por querências nacionais e internacionais.
Borghettinho dando uma palhinha
de sua música na Saraiva
foto: Daniel Rodrigues

Primeiro, que “Esse tal de Borghettinho” (Belas-Letras, 2015) é escrito nada mais nada menos do que por meu amigo Márcio Pinheiro, jornalista cuja experiência de décadas militando em várias áreas das várias redações pelas quais passou (todas as principais, de Jornal da Tarde a JB, de Estadão a Zero Hora) são usadas a serviço de um texto cristalino, criativo, exemplar e não menos emotivo. No livro, que não li ainda mas estou louco para tal, certamente não é diferente. Qualidade a favor da qualidade nesta biografia que é a primeira escrita por Márcio (já era hora, meu amigo!). Foi ele mesmo que, querido e brincalhão como sempre, disse-me na hora do autógrafo: “Agora vou retribuir, pois só eu que tenho um autógrafo teu”. Empatamos.

A dupla com as capas de 
"Esse tal de Borghettinho" à frente
foto: Daniel Rodrigues
O segundo motivo é que todas as qualidades possíveis de se ressaltar de Borghettinho se somam a outro fator que, a Leocádia e eu, é bastante simbólico: a lembrança de sua figura no palco da Concha Acústica do Multipalco Theatro São Pedro no primeiro show que assistimos juntos, no verão (alto verão!) de 2012. Fevereiro, exatamente. Sol de 40 graus em um show no final da tarde de horário de verão. Ou seja, 18h que significavam sol das 17h! Nada que, no entanto, tirasse nossa admiração daquela encantadora e marcante apresentação. Claro, que dissemos isso a Borghetti, que, simpático como de costume, demonstrou ter gostado.

Autógrafos de Márcio e
Borghettinho a nós
foto: Daniel Rodrigues
Antes da concorrida sessão de autógrafos, quando tanto Márcio quanto Borghettinho nos fizeram uma carinhosa dedicatória, o músico ainda se apresentou junto com seus companheiros de banda. Momento único.

A obra, vale ressaltar, ainda conta com texto de apresentação do jornalista Juarez Fonseca, caprichados projeto gráfico e capa de Celso Orlandin Jr. e coordenação editorial de Fernanda Fedrizzi. Leitura obrigatória para todo gaúcho, para todo admirador de música e para qualquer um que se interessa em conhecer quem é esse cara que há quase 40 anos se esconde atrás da cabeleira, do chapéu “desabado”, com descreve Márcio, e claro, dos maravilhosos sons que produz. Esse tal de Borghettinho.










segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

João Donato - "Quem é Quem" (1972)


“Senão ninguém cantava,
ninguém gravava.”
João Donato
sobre gravar pela primeira vez
músicas com cantadas por ele



Depois de ter atravessado os anos 60 vivendo na Califórnia, João Donato estava com saudades do Brasil. O cachê conseguido com os discos “A Bad Donato” e “Donato/Deodato“ (parceria com o também compositor e arranjador brasileiro Eumir Deodato e com participações de Airto Moreira, Randy Brecker e Ray Barreto) seria usado para pagar a passagem de volta. Chegou ao país como um nome das “internas” da bossa nova. Era um músico dos músicos, respeitado pelos seus pares mas pouco conhecido pelo público. Da convivência com o cantor Agostinho dos Santos, um grande incentivador de seu trabalho, nasceu a ideia de colocar letras nas suas músicas.

Assim, em 1972, surgiu “Quem é Quem”, disco que trazia a novidade de ter no repertório músicas com letras cantadas pelo próprio compositor, com destaque para “Até Quem Sabe”, “Mentiras” (as duas feitas em parceria com o irmão, Lysias Ênio) e “Chorou, Chorou” (com Paulo César Pinheiro).

Revigorado pela temporada americana, João Donato se sentia também mais seguro para dar às inspiradas melodias e letras os arranjos que, pela primeira vez, eram todos assinados por ele. Donato confessa que, na época, lembrava muito do seu amigo, o maestro Laércio de Freitas, um de seus principais incentivadores. “Ficava na dúvida sobre uma frase musical e perguntava: Laércio, é melhor isso ou isso? Ele respondia simplesmente: ‘Acredita!’”.

por Márcio Pinheiro

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FAIXAS:
1. Chorou, Chorou (Paulo César Pinheiro, João Donato) (2:40)
2. Terremoto (Paulo César Pinheiro, João Donato) (2:28)
3. Amazonas (Keep Talking) (João Donato) (2:10)
4. Fim De Sonho (João Carlos Pádua, João Donato) (3:39)
5. A Rã (João Donato) (2:31)
6. Ahiê (Paulo César Pinheiro, João Donato) (2:52)
7. Cala Boca Menino (Dorival Caymmi) (2:23)
8. Nãna Das Águas (Geraldo Carneiro, João Donato) (2:20)
9. Me Deixa (Geraldo Carneiro, João Donato) (2:18)
10. Até Quem Sabe? (Lysias Ênio, João Donato) (2:11)
11. Mentiras - com Nana Caymmi – (João Donato, Lysias Ênio) (4:15)
12. Cadê Jodel? (Marcos Valle, João Donato) (2:01)
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Ouça:
João Donato Quem é Quem



Jornalista gaúcho, Márcio Pinheiro é especialista na área de jornalismo cultural, principalmente literatura, história, televisão e música. Em duas décadas de profissão, passou pelas redações de Zero Hora, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, Gazeta Mercantil, RBS TV e TVCOM, além de ter colaborado com sites, jornais e revistas como Usina do Som, Jornal Musical, O Estado de S. Paulo, Showbizz, Placar e Revista Imprensa. Realiza trabalhos de redação e edição de textos para diferentes publicações e projetos em TV e cinema, tendo escrito o roteiro dos documentários “Mais uma Canção", sobre o cantor e compositor gaúcho Bebeto Alves, de 2013, e o premiado “Renato Borghetti - Quarteto Europa”, de 2010. Ocupa há cerca de 3 anos e meio o cargo de coordenador do Livro e da Literatura da Secretaria de Cultura de Porto Alegre.


sexta-feira, 8 de novembro de 2013

ClyBlog 5+ Artista/Banda


Qual a sua banda do coração?
Qual seu cantor predileto?
Qual a maior cantora, na sua opinião?
E aquele que não canta nada mas você curte assim mesmo?
E banda? Qual a maior banda de todos os tempos? Beatles ou Stones? (ou nenhum dos dois?)
Todo mundo tem os seus favoritos, não é? Por isso, na sequência dos especiais de 5 anos do clyblog  perguntamos a 5 amigos quais seus artistas de música prediletos, sejam eles cantores, cantoras, performers, bandas, instrumentistas, DJ's, etc. O que saiu disso foram mais algumas interessante listinhas dos nossos convidados.
Saquem só aí: clyblog 5+ artista/banda.



1. Renata Seabra
fotógrafa
(Rio de Janeiro/RJ)


"Nem preciso pensar. Sei bem minhas preferências
A lista é extensa mas meu 'top 5'' ta aí."

A Legião, banda de devoção 
quase religiosa dos fãs



1 - The Cure
2 - The Smiths
3 - Legião Urbana
4 - Metallica
5 - Chico Buarque







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2. Marcello Campos
jornalista e
escritor
(Porto Alegre/RS)


"Chico é o casamento perfeito de letra e música. 
Letra é sempre o menos importante, mas gênios como Chico me fazem prestar atenção no "conteúdo". 
Até porque são letras em que as palavras e a narrativa não são apenas legendas para a obra de arte abstrata, 
mas parte da própria construção formal.
Ed Motta, tal como um Hitchchcok da música brasileira,
é um exemplo de que se pode ser popular e sofisticado ao mesmo tempo, tal como um xis-burguer de cordeiro.
Parliament/Funkadelic, além dos grooves, me ensinaram que boa música dispensa a necessidade de boas letras e temas lógicos.
Ou seja, a boa e velha lição de que nem sempre se precisa levar as coisas a sério!
Rachmaninoff, o russo me despertou para a música clássica,
com um trabalho que influenciaria dois de meus ídolos supremos, Astor Piazzolla e Tom Jobim.
João Gilberto. A síntese. A beleza e o estranhamento que me fizeram ouvir um "clic", em 1980,
quando eu assistia distraidamente a novela "Água Viva" na Rede Globo.
Assim que ouvi "Wave", corri pra perguntar aos adultos quem era aquele cantor."



Chico Buarque



1 - Chico Buarque
2 - Ed Motta
3 - Parliament/Funkadelic
4 - Sergei Rachmaninoff
5 - João Gilberto






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3. Michele Santos
estudante de engenharia,
música e 
colaboradora do ClyBlog
(Viamão/RS)


"Ai que difícil!
Não pode ser duas listas de 5?
Listo mais 5 sem problemas."

1 - Pink Floyd
2 - The Rolling Stones
3 - The Allman Brothers
4 - Iron Maiden
5 - Guns'n Roses




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4. Márcio Pinheiro
jornalista e
crítico musical
(Porto Alegre/RS)
João Donato, destacado pelo
crítico Márcio Pinheiro


"Nem sei se o Chico é top.
Falei os cinco que mais ouço.
E por ouvir, ao longo da vida, diria que o top talvez fosse o Jorge Ben.
Jobim e Donato foram paixões velhas.
Já tinha 20 anos quando os descobri."

1 - Chico Buarque
2 - Tom Jobim
3 - João Donato
4 - Jorge Ben
5 - Caetano Veloso




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5. Paulo Roberto Guazzi
publicitário,
coordenador de eventos
e músico
(Rio de Janeiro/RJ)


"Eu tenho um gosto bastante eclético, mas acho que meus cinco principais são esses.
Beatles não poderia faltar. "



Não poderiam faltar os quatro rapazes de Liverpool
















1 - The Beatles
2 - The Rolling Stones
3 - Emerson, Lake and Palmer
4 - Black Sabbath
5 - Led Zeppelin






sábado, 8 de janeiro de 2022

83 anos da Blue Note - Os 10 discos preferidos

Entre as gravadoras, o nome Blue Note é certamente o mais mencionado entre todos aqui no blog quando falamos de música. Mais do que qualquer outro selo do jazz, como Atlantic, Impulse!, Columbia ou ECM, ou mesmo da música pop, como Motown, Chess, Factory e DefJam, a Blue Note Records já foi destacada em nossas postagens em pelo menos um cem número de vezes, aparecendo em diversos de nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS como informação essencial para, inclusive, a essencialidade das próprias obras. Não à toa. O selo nova-iorquino, que completou 83 anos de fundação esta semana, feito encabeçado pelos produtores musicais Alfred Lion e Max Margulis nos idos de 1939, transformou-se, no transcorrer das décadas, num sinônimo de jazz moderno de alta qualidade e bom gosto.

O conceito, aliás, já está impregnado nas caprichadas e conceituais artes dos discos, como nas capas emblemáticas de Reid Miles, as fotos de Francis Wolff e, por vezes, a participação de designers convidados, como Burt Goldblatt, Jerome Kuhl e, nos anos 50, um então jovem artista visual de Pittsburgh chamado Andy Wahrol. Tudo encapsulado pela mais fina qualidade sonora e técnica, geralmente gerenciada pelas hábeis mãos do engenheiro de som Rudy Van Gelder em seus mágicos estúdios Englewood Cliffs, em New Jersey, outro emblema de qualidade associado à marca Blue Noite.

Mas, claro, o principal é a música em si. Musicalmente falando, a gravadora em diferentes épocas reuniu em seu elenco nomes como Horace Silver, Herbie Nichols, Lou Donaldson, Clifford Brown, Jimmy Smith, Kenny Burrell, Jackie McLean, Freddie Hubbard, Donald Byrd, Wynton Marsalis, Andrew Hill, Eric Dolphy, Cecil Taylor, Hank Mobley, Lee Morgan, Sonny Clark, Kenny Dorham, Sonny Rollins e tantos outros. Há, inclusive, os que lhe tiveram passagem rápida, mas que, mesmo assim, não passaram despercebidos, como Miles Davis, nos primeiros anos de vida do selo, ou Cannonball Adderley e John Coltrane, que em seus únicos exemplares Blue Note, no final dos anos 50, deixaram marcas indeléveis na história do jazz.

Pode-se dizer sem medo que pela Blue Note passaram bem dizer todos os maiores músicos do jazz. Se escapou um que outro – Charles Mingus, Chet Baker, Albert Ayler, Ahmad Jamal – é muito. Outros, mesmo que tenham andando por outras editoras musicais, tiveram, inegavelmente, alguns de seus melhores anos sob essa assinatura, tal Wayne Shorter, Dexter Gordon e McCoyTyner.

Tanta riqueza que a gente não poderia deixar passar a data sem, ao menos, destacar alguma lista como gostamos de fazer aqui. Melhor, então: destacamos cinco delas! Para isso, chamamos nossos amigos jornalistas – e profundos conhecedores de jazz – Márcio Pinheiro e Paulo Moreira, contumazes colaboradores do blog, para darem, juntamente conosco, Cly e eu, suas listagens de 10 discos preferidos da Blue Note Records. Ainda, para completar, puxamos uma seleção feita pelo site de música britânico JazzFuel, em matéria escrita pelo jornalista especializado em jazz Charles Waring no ano passado. A recomendação, então, é a seguinte: não compare uma lista com outra e, sim, aproveite para ouvir ou reouvir o máximo possível de tudo que cada uma traz. Garantia de que as mais harmoniosas notas azuis vão entrar em sua cabeça.


Márcio Pinheiro
Jornalista

2 - Eric Dolphy - "Out to Lunch" (1964)
3 - Grant Green - "The Latin Bit" (1962)
4 - Herbie Hancock - "Takin' Off" (1962)
6 - Joe Henderson - "Mode for Joe" (1966)
7 - John Coltrane - "Blue Train" (1958)
9 - Ron Carter - "The Golden Striker" (2002)
10 - Sonny Rollins - "Newk's Time" (1959)



Paulo Moreira
Jornalista

1 - Thelonious Monk - "Genius Of Modern Music Vols. 1 e 2" (1951/52) 
3 - Eric Dolphy - "Out to Lunch"
4 - John Coltrane - "Blue Train"
5 - Bud Powell - "The Amazing Bud Powell Vol. 1 e 2" (1949/51)
6 - Art Blakey And The Jazz Messengers - "Moanin'" (1959)
8 - Sonny Clark - "Cool Struttin'" (1958)
10 - Grant Green - "The Complete Quartets With Sonny Clark" (1997)
Mais Três Discos Bônus: 
11 - Freddie Hubbard & Woody Shaw - "The Freddie Hubbard And Woody Shaw Sessions" (1995)
12 - Hank Mobley - "The Turnaround" (1965)
13 - James Newton - "The African Flower" (1985)


Cly Reis
Arquiteto, cartunista e blogueiro

1. Cannonball Aderley - "Sonethin' Else"
3. Horace Silver - "Song for My Father"
4. Lee Morgan - "The Sidewinder"
8. Wayne Shorter - "Speak No Evil"
9. Herbie Hancock - "Maiden Voyage" 


Daniel Rodrigues
Jornalista, radialista e blogueiro

1 - Herbie Hancock – "Maiden Voyage" (foto)
2 - Cannonball Adderley - "Somethin Else"
3 - Lee Morgan - "The Sidewinder"
4 - Wayne Shorter - "Night Dreamer"
5 - Grant Green - "Matador"
6 - McCoy Tyner - "Extensions"
7 - Horace Silver - "Song for my Father"
8 - John Coltrane - "Blue Train"
9 - Dexter Gordon - "Go"
10 - Cecil Taylor - "Unit Structures" (1965)


Charles Waring
Jornalista da JazzFuel

1 - Bud Powell – "The Amazing Bud Powell (Vol 1)" (1949)
2 - Clifford Brown – "Memorial Album" (1956)
3 - Sonny Rollins – "A Night At The Village Vanguard" (1957)
4 - John Coltrane – "Blue Train"
5 - Art Blakey and The Jazz Massangers – "Moanin’" 
6 - Kenny Burrell – "Midnight Blue" (1963)
7 - Horace Silver – "Song For My Father" 
8 - Lee Morgan – "The Sidewinder" 
9 - Eric Dolphy – "Out to Lunch"
10 - Herbie Hancock – "Maiden Voyage" 

 Daniel Rodrigues

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Os Melhores Filmes dos Anos 60/70 #2 - "A Trama", de Alan J. Pakula (1974)


por Márcio Pinheiro


Em astronomia, paralaxe é a diferença na posição aparente de um objeto visto por observadores em locais distintos. "The Parallax View" – no Brasil, "A Trama" – trata disso, não astronomicamente falando. O filme de Alan J. Pakula, com Warren Beatty no papel principal, é de 1974, no auge da crise do Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon. "A Trama" fala de tudo isso: de política e de imagens distorcidas.

Warren Beatty interpreta um repórter de TV de uma emissora de Seattle. Na torre da cidade, uma colega sua testemunha um assassinato de um político seguido de uma perseguição e morte do suspeito da morte. A partir de então, uma série de fatos – aparentemente sem interligação – vão se sucedendo, criando uma engenhosa trama de suspense político e policial.


Engenhoso roteiro do filme de Pakula: como um paralaxe

"A Trama" fala também de dois traumas americanos: o assassinato de políticos (os casos dos irmãos Kennedy são os mais claramente lembrados) e as traições políticas (novamente Watergate, de forma implícita, se faz presente no filme). O que liga os dois assuntos muitas vezes é a paranoia – que frequentemente não é apenas paranoia.


trailer original de "A Trama"


quinta-feira, 2 de junho de 2022

Milton, enfim, voou

 

Seu Chico, personagem de Milton em "Carandiru", de 2003
Dia desses conversava com um colega sobre a grandeza de alguns atores brasileiros que, não fosse o entrave cultural à língua portuguesa no mundo do entretenimento (ou a qualquer outro idioma que não o inglês), estariam voando alto mundo afora. Vários grandes ficaram apenas para “consumo interno” do brasileiro na tevê, no cinema ou no teatro. Alguns, tiveram em produções internacionais, como José Wilker, José Lewgoy e Grande Otelo, mas não despontaram internacionalmente. A exceção são Carmen Miranda, ícone, e Sônia Braga e Rodrigo Santoro, que se adaptaram ao idioma de fora. Fernanda Montenegro é também um caso que não foge à regra: vencedora de Globo de Ouro e concorrente ao Oscar falando português há 25 anos, nunca mais concorreu a algo deste vulto mesmo com excelentes trabalhos posteriores a “Central do Brasil”. Por quê? Seguiu falando somente (e suficientemente) o português.

Semelhante ocorreu com Milton Gonçalves, que faleceu no último dia 30, aos 88 anos. Lembro do policial que ele viveu em “O Beijo da Mulher Aranha”, de Hector Babenco, em 1986, filme que deu o Oscar de Melhor Ator para o norte-americano John Hurt, com quem Milton contracena, contudo, sem dever em nada. Milton foi, sim, da altura de Hurt, Freeman, Hopkins, Lancaster, Hanks, Lee Jones. A diferença? O português.

Se no cenário internacional Milton foi um dos que quase alçou, em seu terreiro, contudo, voou alto. Foi uma das vozes negras mais importantes da dramaturgia brasileira em mais de 60 anos de carreira. Por esse protagonismo preto, para além de outros grandes atores brasileiros como ele, deixou uma marca insubstituível no teatro, na TV e no cinema. Este mineiro de Monte Santo teve importante atuação no Teatro de Arena de São Paulo, no Teatro Experimental do Negro de São Paulo, no Grupo Opinião, no Teatro dos Quatro e em outras companhias. Como ator de novelas e seriados, nem se fala! Embora pouco lembrado por isso, foi também foi o primeiro negro a dirigir uma novela na Globo – e não qualquer novela, mas sim o sucesso internacional da primeira versão de “A Escrava Isaura”, de 1976. Mas não só isso: esteve decisivamente em todos os momentos demarcatórios do cinema brasileiro: no neorrealismo dos anos 50 (“O Grande Momento”), no Cinema Novo (“Macunaíma”), no udigrudi (“O Anjo Nasceu”), na fase Embrafilme (“Eles Não Usam Black-Tie”), na primeira internacionalização (“O Beijo da Mulher Aranha”), na retomada (“Carandiru”) e na produção atual (“Pixinguinha: Um Homem Carinhoso”).

Dotado de espontaneidade e carisma, dominava a arte dramática com maestria, indo do pastelão ao melodrama com a naturalidade dos grandes. Interpretou textos dos maiores, de Guarnieri a Dias Gomes, de Steinbeck a Millôr. Sabia como tratar um texto. De todos os personagens que fez, de Zelão das Asas a Bráulio e Seu Chico, no entanto, um se destaca especialmente para mim: “A Rainha Diaba”, filme de Antonio Carlos Fontoura, de 1974. Espécie de blackexplotation à brasileira, o longa, centrado na atuação de Milton, nasceu do desejo do diretor de mostrar o submundo das drogas e da prostituição no Rio de Janeiro dos anos 70, com influências decisivas do teatrólogo Plinio Marcos – responsável pelo argumento – e do artista plástico Helio Oiticica. Como lembra o jornalista Márcio Pinheiro, trata-se de um filme livremente inspirado na vida de Madame Satã, porém com mais violência e menos romantismo. “’A Rainha Diaba’ é, em muitos aspectos, mais autêntico e biográfico do que o próprio filme que leva o nome do mitológico travesti da Lapa”, diz em uma postagem nas redes sociais. Milton dá vida a este personagem andrógeno, que põe pela primeira vez um negro LGBTQIA+ como protagonista de um filme no Brasil. E isso é muito.


Até o primeiro brasileiro num Emmy Internacional (prêmio ao qual concorreu como Melhor Ator Internacional, em 2006) ele foi quando entregou a estatueta de Melhor Programa Infantojuvenil ao lado da atriz norte-americana Susan Sarandon. Predileção pela estreia, como um ator que sobe ao palco renovado a cada noite de espetáculo.

Também tive, aliás, uma primeira – e única – vez com Milton. Uma ocasião em que o vi pessoalmente, a poucos metros. Estava no Rio de Janeiro, nos arredores da emblemática Cinelândia, acompanhado de minha esposa e de meu irmão numa tarde de agosto de 2018. Nós saímos de uma livraria e ele, provavelmente, de algum dos teatros daquele quadrante em busca de um dos infindáveis taxis do Rio. Durante os segundos de espera dele na calçada, pintou-me a dúvida: “Falo com ele?” Mas para dizer-lhe o quê? pensei. “Parabéns”? “Obrigado”? Minha hesitação momentânea impediu que achasse algo mais válido que isso e o taxi, obviamente, chegou. Ele embarcou e foi-se embora com toda sua importância e grandeza. Voou. Aliás, como há muito se ensaiava, seja como Zelão, que sobrevoou Sucupira, seja como o velho Chico, aprendiz das pipas no Carandiru. Eu fiquei na calçada, pés plantados, olhando para cima e sabendo que havia deixado escapar a oportunidade. Não agarrei suas asas. Depois vi que fiz o certo: deixei-o subir. Quantas asas ele já havia me dado sem saber para que eu, negro homem, um dia voasse também.


MILTON GONÇALVES
(1933-2022)



Daniel Rodrigues

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

“Brado Retumbante” – Sessão de autógrafos com Paulo Markun – Sala Álvaro Moreyra – Porto Alegre/RS



Markun autografa o meu
"Na Lei Ou Na Marra"
“Na democracia, você pode reclamar pedindo pela ditadura, que nada vai te acontecer. Mas vai fazer o contrário pra ver o que te acontece...” Estas sábias palavras podem parecer óbvias, mas não são. Em épocas de desconfiança do valor da democracia, acho saudavelmente significativo que um jornalista referencial como o paulista Paulo Markun esteja lançando não um, mas DOIS volumes sobre o tema. Pois estive, a convite dos amigos Márcio Pinheiro e Marcello Campos, na sala Álvaro Moreyra, no Centro Municipal de Cultura de Porto Alegre, na sessão de autógrafos do projeto de Markun intitulado “Brado Retumbante”, livro composto de dois volumes: “Na Lei ou na Marra (1964-1968)” e “Farol Alto Sobre as Diretas (1969-1984)”. Ele comentou um pouco sobre a demorada e trabalhosa feitura do livro, abrindo para perguntas do público depois.
Os livros têm base em mais de 70 entrevistas com políticos, artistas, sindicalistas, intelectuais, jornalistas, artistas que protagonizaram ou testemunharam a redemocratização brasileira, como Leonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso, José Sarney, Lula, Mário Covas, Fernando Gabeira, José Dirceu, Otto Lara Rezende, Roger Moreira (Ultraje a Rigor), Maitê Proença, Fafá de Belém, Dom Evaristo Arns, entre outros. O resultado é um painel abrangente da história do País nas últimas décadas, 50 anos após o Golpe Militar e 30 desde o movimento “Diretas Já”. 
Mesmo que focando os acontecimentos políticos e sociais que levaram à vitória da democracia, demarcada pelo ano de 1989, é um jorro de luz sobre nossa consciência democrática combalida. Com tantas leituras por cumprir, comprei por enquanto o primeiro volume, este que o autor autografa para mim na foto. Já é mais do que um bom começo.


                                                                                                                                                  


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2014


Sim, amigos, Chegou a hora da verdade! Os números não mentem e falam por si. é hora de fazer aquele pequeno balanço de 2014 e da atual situação dos A.F. do Clyblog. Qual artista tem mais discos indicados, que país botou mais álbuns, qual o ano que mais apresenta destaques ou qual a década mais recheada de grandes obras da música, além dos principais destaques do ano que passou.
Em 2014 o blog continuou tendo participações especiais como vem acontecendo costumeiramente em datas ou momentos importantes e não foi diferente com os ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, que, por sinal, já começou o ano com a resenha especialíssima do jornalista e crítico musical Márcio Pinheiro, com o ótimo "Quem é Quem" de João Donato, além do essencial "Rubber Soul" dos Beatles, resenhado pelo convidado Eduardo Lattes, numa espécie de postagem-dobradinha com o álbum antagonista, "Pet Sounds" dos Beach Boys, que por sua vez estrearam, antes tarde do que nunca, no seleto time do A.F.
E falando em estreia, o ano passado marcou outros ingressos significativos no hall dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, como os de Ella Fitzgerald, The Police, Funkadelic e Gal Costa, que já saiu metendo dois logo de cara, por exemplo, e algumas reafirmações como as de Prince, Sepultura, Sonic Youth, R.E.M. e Madonna que botaram na roda seu segundo álbum fundamental, cada.
Mas enquanto alguns, recém, levam seu segundo trabalho ao pódio, alguns disparam na liderança, e os Rapazes de Liverpool que no último ano haviam finalmente tomado a ponta, este ano viram o Camaleão, David Bowie, empatar a parada e dividir com eles o topo da tabela, e de quebra, os rivais, Rolling Stones, aproximarem-se perigosamente. Isso no geral, porque se ficarmos no âmbito nacional, Titãs, Legião e Jorge Ben, estão mandando no pedaço. Mas se é para sermos bem exatos mesmo, quem está na frente mesmo é o Babulina que com o ingresso de seu fantástico "África Brasil", se somarmos ao clássico "Gil & Jorge" chega isoladamente à primeira posição de álbuns resenhados nos A.F.entre os brasileiros. "África Brasil" que, a propósito foi um dos que integraram a seleção diferenciada de álbuns que tinham alguma coisa a ver com futebol nas edições especiais dedicadas à Copa do Mundo chamada ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ClyBola, que também contou com discos como o "Novos Baianos F.C.", "Chico Buarque vol.4" e "Nuvens" de Tim Maia.
Outra coisa bacana que rolou nos A.F. em 2014 foi que, no ano em que a Blue Note Records, gravadora pioneira do jazz americano, completaria 50 anos, resenhas de grandes artistas do gênero pintaram por aqui pelas mãos de Daniel Rodrigues, destacando "Empyrean Isles" de Herbie Hncock e "The Sidewinder" de Lee Morgan.
Como curiosidades, tivemos o fato de que Richard Strauss com seu "Zaratustra" de 1895 tornou-se o 3º mais antigo da seção, só atrás em antiguidade da "9ª de Bethooven" de 1824, e d"As Quatro Estações" de Vivaldi, de 1725; e lá na outra ponta, entre  os mais atuais, o interessante é que só este ano tivemos destacados mais álbuns do século XXI do que tivéramos até então em 5 anos de blog.
Mas paremos com essa conversa fiada e vamos aos números. Vamos ao que interessa.

PLACAR POR ARTISTA (GERAL)

  • The Beatles: 5 álbuns
  • David Bowie 5 álbuns
  • The Rolling Stones 4 álbuns
  • Stevie Wonder, Cure, Led Zeppelin, Miles Davis, Pink Floyd e Kraftwerk: 3 álbuns cada


PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Jorge Ben (4)
  • Titãs (3)
  • Legião Urbana (3)
  • Gilberto Gil (3)


PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 2
  • anos 40: -
  • anos 50: 12
  • anos 60: 55
  • anos 70: 79
  • anos 80: 76
  • anos 90: 55
  • anos 2000: 7
  • anos 2010: 4


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1

PLACAR POR ANO

  • 1986: 14 álbuns
  • 1985: 13 álbuns
  • 1972 E 1991: 12 álbuns cada
  • 1967: 11 álbuns
  • 1968, 1969, 1970, 1971, 1976 e 1992: 10 álbuns cada


PLACAR POR NACIONALIDADE

  • Estados Unidos: 110 ártistas
  • Inglaterra: 77 artistas
  • Brasil: 70 artistas
  • Alemanha: 6 artistas
  • Canadá e Irlanda: 4 artistas cada
  • Escócia: 3 artistas
  • México: 2 artistas
  • Suiça, Jamaica, Islândia, Gales, Itália, Austrália e Hungria: 1 cada










sexta-feira, 17 de outubro de 2014

João Donato - 1º Porto Alegre Jazz Festival – Parque da Redenção – Porto Alegre/RS (12/10/2014)



Água!

Chuva só se foi de musicalidade com o versátil e eclético João Donato no palco.
O temor era de que caísse um toró como ocorrera na manhã daquele domingo. O espetáculo estava marcado para as 11h, porém, ali pelas 9h, o tempo mostrava-se nublado mas estável, sem nenhuma chuva. Com a programação confirmada pelas redes sociais, fomos, Leocádia e eu, assistir ao principal e derradeiro dos shows gratuitos do 1º Porto Alegre Jazz Festival. E, ao contrário do que pudesse se esperar, não foram pingos que caíram sobre nós, mas um sol forte de mormaço que assolou o Parque da Redenção. O clima abafado, entretanto, não tirou o prazer de assistir a uma das lendas vivas da MPB e da música mundial: o pianista, acordeonista, arranjador, compositor e cantor acreano João Donato.

Com sua simpatia peculiar, Donato, um dos principais músicos brasileiros de todos os tempos, veio à cidade comemorando seus 80 anos de vida. Acompanhado de uma maravilhosa banda – Robertinho Silva, craque da bateria; Luiz Alves, baixo acústico; Ricardo Pontes, sax alto e flauta; e José Arimatéa, flughorn e sax tenor –, ele nos inundou com o que há de mais cristalino na música brasileira sintonizada com o mundo. Tudo compartilhado com o público com a sabedoria e a doce malandragem que sempre lhe foram características. Não à toa, o tema inicial do show foi “Amazonas (Keep Talking)”, clássico do álbum "Quem é Quem", de 1972, resenhado aqui no blog por Márcio Pinheiro. Sente-se nela o mambo cubano, o jazz fusion, a Bossa Nova, a soul music, tudo enredado num riff de piano inconfundível e solos magníficos de Donato, de Alves e dos dois sopros. Grandiosa como o rio que leva seu nome.

A sensação mágica de estar vendo João Donato ao vivo logo se ressalta. É assombroso perceber que justo aquele senhor animado e tomado de genialidade no palco é o ÚNICO compositor pré-Bossa Nova vivo. O único! Todos já se foram: Dolores Duran, Antonio Maria, Billy Blanco, Johnny Alf, Paulo Moura, Moacir Santos – e, claro, o próprio Tom Jobim, que foi pré, durante e pós-Bossa. Donato, este músico de formação tão erudita quanto popular, que viveu o boom da Bossa Nova mas logo se bandeou para os Estados Unidos para realizar obras referenciais como “A Bad Donato” (1970) e “Donato/Deodato” (em parceria com Eumir Deodato, de 1973), não só seguiu produzindo espantosamente nos anos 70, 80 e 90 afora como, está aí até hoje, desbravando oceanos.

Sensação mágica de estar vendo ao vivo
um dos maiores gênios da música brasileira.
Mas se o assunto era água, em seguida Donato chamou a todos para caírem na lagoa com “O Sapo”, outro marco de seu repertório que, na versão do show, não veio com a letra de Caetano Veloso (que a reintitula de “A Rã”), mas com o vocalise clássico – algo como: “Pã-rã-rã-rã/ Pã-rã-rã-rã-rá daza-inguê/ Daza-inguê-inguê guin-rin-gui-din/ Guin-rin-gui-din gui-din gon-ron-gon-don/ Gon-ron-gon-don pã-rã-rã-rã...” – que, até onde vai meu conhecimento, teve sua “letra” inventada por João Gilberto quando este a gravou em 1971 no disco “João Gilberto en Mexico”.

Vieram outras belezas de total musicalidade: “Rio Branco” (referência à cidade-natal do compositor mas não menos aquífera em conceito); a gostosa “Nasci para Bailar”, que trouxe novamente os ritmos caribenhos; a romântica “Até quem sabe”; o bop “Song of my Father”, do pianista norte-americano Horace Silver; e o samba cool “Café com Pão”.

Das celebradas parcerias com Gilberto Gil tivemos o privilégio de ouvir algumas das melhores. Primeiro, “Bananeira” (“Bananeira, não sei/ bananeira, sei lá/ a bananeira, sei não/ a maneira de ver...”), animada e cantada pela plateia. “Lugar Comum”, das mais belas do cancioneiro de ambos os músicos, veio em ritmo de bossa nova, como a água do mar batendo, como um “começo do caminhar pra dentro do fundo azul”. A sabedoria oriental desta (“Tudo isso vem, tudo isso vai/ Pro mesmo lugar de onde tudo sai...”) se reflete em outra parceria da dupla, “A Paz”, das preferidas do público. Esta, porém, quase foi estragada por uma participação (nada) especial do músico gaúcho Totonho Villeroy (ah, não pode mais chamar de “Totonho”? Tem que ser Antonio agora, pra dar o ar de “artista sério”? Puxa, desculpe, mas até João Donato o anunciou assim). Não fosse o espetacular riff, a melancólica e profunda letra de Gil (que remonta ao cinema de Ozu à "Rosa de Hiroshima" de Vinícius) e o primor da execução da banda, Villeroy, desatento e sem brilho, quase direcionou a bomba atômica que cairia sobre o Japão para Porto Alegre. Ele conseguiu, apenas cantando e no único momento em que esteve no show, errar a letra! E duas vezes! O público e Donato (este, com oito décadas nas costas) tiveram que lembrá-lo, como num karaokê. Ridiculamente desnecessário.

Ainda rolaram duas de autoria de Donato com Martinho da Vila, mostrando o quanto a natureza africana e rural do segundo se reflete na universalidade estilística do colega. Uma delas, “Suco de Maracujá”, um samba maxixado cuja engraçada letra, de estilo literário típico do compositor carioca, relata a preocupação de um homem prestes a se casar com uma mulher muito fogosa (“Pra me casar com você/ Eu vou ter que me cuidar/ Contratar um personal/ Treiner pra me acelerar”). E, dependendo das situações do cotidiano do casal, a dieta dele vai se alterando: “Quando a gente for deitar/ Um bom pó de guaraná/ Se a quentura tiver morna/ Come um ovo de codorna/ E se a noite for infinda/ Aí só Pau de Cabinda/ Se ela quiser bis no fim/ Pimenta no amendoim/ E depois pra me acalmar/ Suco de maracujá.” O outro samba, “Daquele amor nem me fale”, também chistosa, dá uma cutucada no Governo: “Posso até discutir religião/ Ou falar num domingo de sol/ Criticar a terrível inflação/ O machismo, o racismo a tortura/ Mas daquele amor, Nem me fale...”.

O show terminou com João agradecendo aos gaúchos por terem trazido o sol, mas não sem antes gritar seu tradicional jargão para que a banda finalize os números: “Água!”. Coincidência ou não com a chuva que se prenunciava e não precipitou, ouvimos isso duas vezes, uma delas, inclusive, na faixa que encerrou a apresentação abaixo de muito sol, a marchinha “O bicho tá pegando” (“O coro tá comendo/ O bicho tá pegando”), que instaurou um clima de dança de salão no parque.

Assistir João Donato, ainda mais já numa idade assim tão avançada (e que, pelo contrário, ele não parece ter), é realmente muito especial, pois fica ainda mais evidente nessas horas a grandiosidade da música brasileira, que, naturalmente, se posiciona entre todos os chamados “estilos” musicais. Donato é genuinamente jazz? É. E é genuinamente MPB? É também. É tudo – e mais um pouco. Tanto faz o rótulo. O fato é que saímos, com perdão do trocadilho, encharcados de boa música, de música pura, límpida. Tu és água, João Donato.