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sexta-feira, 4 de outubro de 2024

"Othelo, O Grande", de Lucas H. Rossi dos Santos (2024)



Othelo, o ainda maior

Uma das características emblemáticas das personagens criadas por William Shakespeare é a profundidade existencial. Há sempre nelas uma série de sentimentos que lhes podem ser associados e, não raro, mais de um ao mesmo tempo. Inveja, rancor, ciúme, ganância, torpor, vaidade, estoicismo, insegurança, euforia, culpa. E quanto mais se leem as obras do autor inglês, mais se identificam essências do comportamento humano, como se nunca chegasse a decifrar a complexidade e a grandiosidade dessas personagens.

Não é por acaso que o maior ator brasileiro de todos os tempos tenha recebido, ainda na infância, quando começava a revelar seu talento nos palcos, uma alcunha referente a um personagem shakespeariano: Othelo. Afinal, para minimamente dimensionar o tamanho simbólico deste pequeno mineiro de extenso nome Sebastião Bernardes de Souza Prata para a arte brasileira é justo associá-lo a um personagem tão fascinante quanto controverso e cuja personalidade ainda é uma esfinge a ser decifrada mesmo 4 séculos após a estreia da peça original. 

Curiosamente, o documentário “Othelo, O Grande”, de Lucas H. Rossi dos Santos, espelha a mesma contradição: um grande filme, mas insuficiente para dar a ideia da grandiosidade de seu protagonista. Mas como classificar de "grande filme" se este aparentemente falha em expressar com inteireza exatamente o objetivo analisado? A resposta está no próprio "objeto" analisado, Grande Othelo.

A opção narrativa do filme concentra todas as explicações, das quais decorrem o que é bom e o que não é tanto assim. Construído em forma de autodepoimentos, o documentário se vale de diversas e muito bem pesquisadas entrevistas, vídeos e fotos do múltiplo Grande Othelo, ator, comediante, cantor, poeta, compositor, produtor e entrevistador. Diante do que se propõe a narrar, o material, aliás, dá conta muito bem. A começar pela impactante sequência inicial em que se escuta a voz do ator falando de si mesmo numa entrevista para o Museu da Imagem e do Som enquanto, num outro registro, este, visual, ele, à vontade no sofá de casa, mira com olhar penetrante a câmera, que o foca em zoom até fechar em seu rosto sob o som de um samba enfezado. A junção de tempos de cada material e o "descompasso" entre o que se fala e o que se cala expressam muito bem uma das ideias centrais de “Othelo, O Grande”: a dificuldade de inserção de um homem negro e fora dos padrões excludentes da sociedade em uma nação jovem e preconceituosa. Mas também, metaforicamente, acaba por simbolizar uma fragilidade do filme.

Olhar forte e penetrante do maior ator do Brasil na sequência inicial do filme

Com uma edição impecável, capaz de interligar ideias distintas da cosmologia do ator e imprimir um ritmo muito interessante à narrativa, visto que convidativo à observação e à reflexão, o filme acerta ao trazer a voz na primeira pessoa, recuperando falas de Grande Othelo como as que ele rememora a infância, a primeira experiência com a Companhia Negra de Revistas, nos anos 20, a vez em que contracenou com Josephine Baker e a admiração que despertou em Orson Welles. As falas também são contundentes, como as que reclama abertamente do racismo que sofreu, da falta de oportunidades na carreira e de ver seu talento relegado. É revelador ouvi-lo dizer, em certo momento, que a Atlântida, estúdio de cinema responsável pelo sucesso das chanchadas dos anos 40/50, tinha dois símbolos: o chafariz, que estampa sua logo, e... Oscarito. Piada, só que não. Qualquer um que minimamente conheça as comédias "teatro de revista" desta fase do cinema brasileiro se refere à dupla indistintamente como a cara da Atlântida. Na hora de assinar os contratos, no entanto, não era bem assim, visto que o ator negro entre os dois era menos valorizado.

Há uma certa melancolia e até sisudez na forma como a figura de Grande Othelo aparece, contrapondo a imagem cômica que o Brasil guardou dele do cinema ou da TV. Essa quebra ideológica, proposital e perfeitamente aceitável, abre porta, contudo, para um dos aspectos em que o filme peca, que ė não ter explorado tudo que seu protagonista ofereceu em vida. As entrevistas que Grande Othelo conduziu na TV, espaço desejado por todos os artistas da época, e as esquetes humorísticas na Globo nos anos 60 (quando batizou Antônio Carlos Bernardes Gomes de Mussum) não são visitados. Igualmente, as novelas em que brilhou, como “Feijão Maravilha” e “Uma Rosa com Amor”. Também, o lado não só sambista, mas de poeta ou o envolvimento com o comunismo, visto que mantinha amizade próxima com Luís Carlos Prestes. Aspectos que não são mencionados e que ajudariam bastante a dar maior consistência ao teor "não-satírico" proposto.

Na história da dramaturgia brasileira, a percepção de Grande Othelo mais como ator e não apenas "escada" para outros começa a mudar na segunda fase do Cinema Novo, nos anos 60. Ele relembra que foi Joaquim Pedro de Andrade que o fez, já veterano, renascer no tropicalista "Macunaíma", de 1969, uma analogia com a clássica cena do parto inicial do filme – muito bem aproveitada, aliás, sob esta perspectiva simbólica no documentário. A montagem em que faz passar da cena de Macunaíma no rio para a de “Fitzcarraldo” é digna de aplauso. Porém, novamente o diretor parece ter se preocupado em não exagerar na exemplificação da magnitude de seu protagonista. "Barão Othelo e o Barato dos Milhões", a comédia non-sense escrita especialmente por Miguel Borges para o ator em 1971, é restringida a poucas cenas ilustrativas e sem maiores créditos.

Cena de "Quilombo": ausente no filme
Outro aspecto sobre Grande Othelo ausente no filme salta aos olhos de quem se acostumou a vê-lo no cinema brasileiro dos últimos 50 anos. Sua participação em obras marcantes da cinematografia nacional, por menor que fosse, sempre teve o poder de abrilhantá-las. Poder, aliás, que atores experientes e com considerável bagagem atingem a partir de determinada fase da carreira, como Jack Nicholson em “Questão de Honra” ou Marlon Bando em "Apocalipse Now". O filme não esquece de ressaltar esse fator ao resgatar muito bem a ponta de Grande Othelo em "Fitzcarraldo", a grande produção de Werner Herzog filmada na Amazônia brasileira em 1982. No entanto, haveria mais. Othelo, quando em cena, redimensiona com sua atuação filmes como "Quilombo", em que faz o sábio Baba, "Natal da Portela" (Seu Napoleão) e "Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia" (Dondinho). O filme, portanto, poderia ter trazido essa percepção exaltadora à figura de Grande Othelo, tão consciente na cultura norte-americana, dona da indústria cinematográfica mais pujante do mundo, e talvez muito pouco clara em terras tupiniquins.

Essa contradição, aliás, é desculpada até certo ponto em razão de refletir a própria vida de Grande Othelo, um artista subaproveitado. Fosse nos Estados Unidos, os diretores se estapeariam para colocá-lo em seus projetos. A se ver por Brando, cuja idolatria em seu país se assemelha a de Othelo no Brasil, não faltaram produções em que tenha protagonizado até que, por motivos próprios, se distanciasse das telas. Grande Othelo, pelo contrário, nunca o volume de convites acompanhou o reconhecimento popular. Até nisso o doc de Santos acerta indiretamente: não explora a totalidade da obra de um homem que não a teve em vida explorada em sua totalidade.

Mesmo com tudo isso, “Othelo, O Grande” é, sem dúvida, dos melhores documentários produzidos no país neste século. Excelentes edição, roteiro e condução. Entretanto, tal como o general mouro de Veneza, o Othelo do Brasil teria muito mais othelos para serem revelados, principalmente em um filme cujo título propõe, justamente, a dar a ideia do quão magnânimo é o seu homenageado. A sensação é que, mal comparando, ocorre com "Othelo,  O Grande" o mesmo que "O Palhaço" (Selton Mello): um ótimo filme que, por detalhe, perdeu a chance de ser uma obra-prima. Num documentário biográfico, não que seja obrigatório incluir tudo sobre o pesquisado, mas a impressão que fica é de que havia mais a ser dito e para conseguir amarrar tudo a seu jeito, preferiu-se omitir algumas coisas. 

O êxito da obra, embora essas lacunas, deve-se, claro, à competência de quem o dirigiu, capaz de lhe dar coesão e coerência discursiva ao que se propôs, mas também ao próprio personagem. Mesmo inexplorado, Grande Othelo garante ao espectador, principalmente, o brasileiro, o orgulho de também pertencer à mesma terra. Como falou o cineasta, professor e filósofo Dodô Oliveira: “Grande Othelo vive em mim”. Uma grandeza maior até do que aquilo que se silencia.

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trailer de "Othelo, O Grande"


"Othelo, O Gtrande"
Direção: Lucas H. Rossi dos Santos
Gênero: Documentário
Duração: 83 min.
Ano: 2024
País: Brasil
Onde encontrar: Cinemas


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Daniel Rodrigues

sexta-feira, 12 de maio de 2023

CLAQUETE ESPECIAL 15 ANOS DO CLYBLOG - Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes (parte 2)

 

O novíssimo "Marte Um" já figurando
na lista dos melhores da história
A lista dos 110 filmes dos 110 anos de cinema brasileiro continua. Nesta segunda parte, na ordem decrescente iniciada da última posição, são mais 20 títulos, e a diversidade e criatividade típicas do cinema nacional se fazem cada vez mais presentes. Obras marcantes da retomada, como “Bicho de Sete Cabeças” e “O Invasor” convivem com clássicos combativos do cinema novo (“O Desafio”), documentários de décadas distintas (“Partido Alto”, dos anos 70, e “Jorge Mautner, O Filho do Holocausto” e “O Fim e o Princípio”, anos 2010) e longas recentíssimos. Entre estes, “Marte Um”, o mais novo de toda a lista, que precisou de menos de um ano de lançamento para carimbar seu lugar ao lado de consagradas chanchadas ou de produções inovadoras, tal o experimental "A Margem" e “A Velha a Fiar”, primeiro “videoclipe” do Brasil em que o tarimbado Humberto Mauro ilustra a canção popular de mesmo nome do Trio Irakitã.

A ausência, pelo menos neste novo recorte, são os filmes dos anos 80, que geralmente pipocam entre os escolhidos, mas que certamente virão mais adiante. Interessante perceber que cineastas mundialmente consagrados como Babenco, Karim e Coutinho se emparelham com novos realizadores como os jovens Gabriel Martins e Gustavo Pizzi. Tradição e renovação. Fiquemos, então, com mais uma parte da listagem que a gente traz como uma das celebrações pelos 15 anos do Clyblog.

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90.
“A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água”, Walter Avancini (1978)

Possivelmente, em algum momento o brasileiro viu uma cena em que Paulo Gracindo bebe um martelinho num boteco pensando que fosse cachaça e, indignado com a enganação, grita: “Água!”. A palavra ecoa enquanto a imagem congela e uma música brasileiríssima divina começa a tocar anunciando os créditos iniciais. Tanto quanto uma cena como a da nudez na praia de Norma Bengell em “Os Cafajestes” ou da operação do Bope no baile funk em “Tropa de Elite”, este começo do “teledrama” baseado no conto de Jorge Amado tem ainda a primazia de ser uma obra feita para a televisão, o que a coloca em tese em inferioridade diante do comum 35mm do cinema. Mas a questão instrumental não interfere neste média absolutamente brilhante dirigido por Avancini. Atuações e diálogos memoráveis, arte primorosa, ritmo perfeito, figurino geniais de Carybé, trilha magnífica de Dori Caymmi. Não à toa deu um dos Emmy conquistados pela TV Globo.


89. “O Invasor”, de Beto Brant (2001) 
88. “O Desafio”, Paulo César Saraceni (1965) 
87. “Jorge Mautner, O Filho do Holocausto”, Pedro Bial e Heitor d'Alincourt (2013)
86. “Dzi Croquetes”, Tatiana Issa, Raphael Alvarez (2005)
85. “Dois Filhos de Francisco”, Breno Silveira (2005)


84, “Partido Alto”, Leon Hirszman (1976-82)
83. “Eu, Tu, Eles”, de Andrucha Waddington (2000)
82. “O Xangô de Baker Street”, de Miguel Faria Jr. (2001) 
81. “O Homem do Sputnik”, Carlos Manga (1959)

80.
“Bicho de Sete Cabeças”, Laís Bodanzky (2000)

Da leva do início dos 2000, que sinalizam o começo do fim da retomada. Símbolo desta fase, “Bicho...” é um dos filmes que denotaram que o cinema brasileiro saíra da pior fase e entrava numa outra nova e inédita. Além de lançar a cineasta e o hoje astro internacional Rodrigo Santoro, conta com uma estética e edição arrojadas, com sua câmera nervosa e atuações marcantes, tanto a do jovem protagonista quanto dos tarimbados Othon Bastos e Cássia Kiss. Vários prêmios: Qualidade Brasil, Grande Prêmio Cinema Brasil, Troféu APCA de "Melhor Filme", além de ser o filme mais premiado dos festivais de Brasília e do Recife. Ainda, está nos 100 da Abracine. Trilha de André Abujamra e com músicas de Arnaldo Antunes.


79. “Marte Um”, Gabriel Martins (2022)
78. “Madame Satã”, de Karim Ainouz (2002) 
77. “Babilônia 2000”, Eduardo Coutinho (2001)
76. “Benzinho”, Gustavo Pizzi (2018)
75. “A Margem”, Ozualdo Candeias (1967)


74. “Estômago”, de Marcos Jorge (2007) 
73. “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”, Hector Babenco (1976) 
72. “O Fim e o Princípio”, Eduardo Coutinho (2006)
71. “A Velha a Fiar”, Humberto Mauro (1964)


Daniel Rodrigues

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

15 filmes para entender o cinema brasileiro dos anos 70


Seguimos com a listagem de filmes essenciais para entender o cinema brasileiro das décadas de 60, 70 e 80. Começamos com os gloriosos e revolucionários anos 60, do qual extraímos, de um universo numeroso e profícuo, 20 joias. Agora, no entanto, como diz a gíria popular, “o buraco é mais embaixo”. Nos anos de chumbo, com o afunilamento dos direitos sociais e políticos advindos com o AI-5, de 1968, o cerco fechou para qualquer cidadão que quisesse se expressar ou simplesmente dar-se ao direto de pensar diferente do sistema vigente. Torturas, desaparecimentos e perseguições aumentaram. E claro que a classe artística, incluindo quem fazia cinema, foi uma das maiores prejudicadas nos anos 70. Toda a geração de cineastas e autores advindos com a explosão criativa dos 50/60, acuados ou exilados, mal conseguiam levantar recursos para produzir aquilo que pensavam – claro, se aquilo que pensavam não concordava com o que os militares queriam.

Resultado? Perda de espaço para o cinema norte-americano e europeu e, no próprio mercado interno, para as famigeradas “pornochanchadas”, as malditas produções baratas e mal-acabadas financiadas pelo governo não eram nem pornôs nem chanchadas e que serviam basicamente para entreter o povo com o que ele mais gosta e odeia em si: a malandragem e a sacanagem.

O minguamento do cinema de autor foi perceptível: nos anos 70, a grande cabaça do moderno cinema brasileiro, Glauber Rocha, produziu na Espanha, Itália, Cuba, Portugal e Congo, menos no Brasil. Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Paulo César Saraceni e vários outros não conseguiam estabilizar um nível de produção digno, oscilando entre filmes ótimos a fracos. E pior: às vezes, faziam filmes até bons, mas cuja qualidade técnica comprometia tanto que restaram inviáveis de se assistir.

No entanto, era muito talento e coragem para que nada desse certo. De tudo que se produziu na década, 15 longas podem ser considerados, cada um por um motivo, obras essenciais para o, àquela época, ainda mais combalido e combativo cinema brasileiro no século XX. Tanto é verdade de que foram cineastas vitoriosos que todos os títulos elencados são obras de nomes da geração anterior. Nota-se um aperfeiçoamento da linguagem metafórica do Cinema Novo e um amadurecimento do cinema popular, bem escrito e com olhos para todos os públicos. Em contrapartida, há um adensamento da linguagem transgressora do cinema marginal e que o coloca ainda mais à margem do mercado. Então, entre mortos e feridos (literalmente), os 15 filmes essenciais para entender o que é cinema brasileiro nos anos 70:



1 - “Sem Essa Aranha”, Rogério Sganzerla (70) – O cinema underground do Sganzerla avança brutalmente neste filme altamente transgressor e simbólico, onde ele mistura metáforas do terceiro mundo, chanchada, rádio Nacional e cinema de poesia. Anárquico, louco e ainda assim engraçado por conta do maravilhoso Jorge Loredo como Zé Bonitinho, que “ancora” toda a (não)história. Memorável sequência com Luis Gonzaga tocando enquanto Helena Ignez e Loredo encenam.







2 - “Copacabana Moun Amour”, Rogério Sganzerla (70) – O cara tava tão inspirado que fez dois filmes essenciais em apenas 365 dias. Devaneio intelectual na Rio de Janeiro em época de ditadura, numa referência metafórica ao fim da civilização, à nouvelle vague (principalmente Resnais de “Hiroshima Moun Amour”) e, claro, ao cenário político brasileiro. E a trilha é algo de genial, composta especialmente por Gilberto Gil, que a mandou do exílio em Londres, e que virou um disco clássico da carreira do baiano.







3 - “São Bernardo”, Leon Hirszman (71) – Adaptação do livro do Graciliano Ramos, que transporta para a tela não só a história, mas a secura das relações e a incomunicabilidade numa grande fazenda do início do século XX, escorada na desigualdade dos latifúndios. Não há diálogo: a vida é assim e pronto. Daqueles filmes impecáveis em narrativa e concepção. E o Leon, comunista como era, não deixa de, num deslocamento temporal, dar seu recado quanto à reforma agrária.







4 - “O Doce Esporte do Sexo”, Zelito Viana (71) – Filme de episódios com ninguém menos que Chico Anysio, na época, no auge de sua criatividade como ator e escritor. Dirigido por seu irmão, Zelito, é um bom exemplo de que já se faziam comédias mesmo numa época de produções pobres como foi os anos 70, considerando que hoje se faz esse gênero às pencas no Brasil com ótimas produções mas nem de perto com a qualidade de texto de “O Doce Esporte...”.







5 - “Como Era Gostoso o Meu Francês”, Nelson Pereira dos Santos (71) – Nelson Pereira teve dificuldades nos 70 de produzir com a qualidade técnica que ele sabe, mas esse aqui saiu perfeito. Comédia bizarra sobre antropofagia cultural e canibal. Uma fantasia que põe Hans Staden em cores modernistas e que evidencia uma série de lacunas de nossas cultura e civilização. Ganhou Brasília e foi indicado ao Urso de Ouro em Berlim. Engraçado e profundo.








6 - “Vai Trabalhar, Vagabundo”, Hugo Carvana (73) – Outra ótima comédia, primeiro filme do Carvana atrás das câmeras – que se pôs na frente também, pois ele mesmo faz o hilário Secundino Meireles, personagem principal que retrata o brasileiro consciente com a situação do País mas de saco cheio com a miséria moral e política. Trama inteligente, crônica da sociedade da época. Venceu Gramado. Trilha original linda do Chico Buarque. Um barato.








7 - “O Marginal”, Carlos Manga (74). O Manga produziu pouca coisa pra cinema depois dos 60. Esse é o único de ficção dele dos anos 70, mas toda sua experiência de cenas de aventuras nas várias chanchadas que dirigiu desde os anos 40 estão aqui, adicionado a um teor psicológico superconvincente e bem conduzido. Música original de autoria de Roberto e Erasmo, um luxo. E o Tarcisão tá ótimo.






8 - “Dnª Flor e seus Dois Maridos”, Bruno Barreto (76) – Provavelmente a melhor adaptação de Jorge Amado para a tela grande e o melhor brasileiro da década. Por 34 anos foi recordista de público no cinema brasileiro, levando mais 10 milhões de espectadores às salas de exibição. Fotografia, roteiro, trilha e atuações memoráveis. Cheio de cenas inesquecíveis, como a da morte do Vadinho e os diálogos entre Wilker e Sônia Braga. Um clássico vencedor de Gramado e indicado ao Globo de Ouro de Filme Estrangeiro.






9 - “Xica da Silva”, Cacá Diegues (76) – Também sucesso de bilheteria. Cacá emendou uma sequência de ótimas produções nos anos 70, talvez o cineasta que melhor tenha produzido de todos os remanescentes do Cinema Novo. Este é um “épico à brasileira”. Zezé Mota encarnou super bem Xica, o grande papel dela no cinema. Mais uma vez, a trilha do filme do Cacá se destaca: a música original é do Jorge Ben.








10 - “A Queda”, Ruy Guerra e Nelson Xavier (76) – Ruy Guerra, outro comunista irrefreável como o Leon, co-dirige com o também ator Xavier um pequeno episódio de um operário que morre na queda de um andaime, história que usa pra gerar toda uma crítica político-social. Trilha do cineasta (que também era compositor) em parceria com ninguém menos que Milton Nascimento. Urso de Prata em Berlim e Margarida de Prata pela CNBB.








11 - “Iracema, Uma Transa Amazônica”, Jorge Bodanzky e Orlando Senna (76) – Quer filme mais “marginal” do que um com cara de documentário anárquico, rodado com câmera na mão, usando vários atores amadores nativos, Pereio cheirado e fumado até as guampa, proibido pela censura e que só foi exibido pós-Abertura, 6 anos depois de finalizado? Filme que inspirou muito Fernando Meirelles. Palavras dele.







12 - “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”, Hector Babenco (76) – Lembro que assisti esse filme pequeno e me deixou com medo, de tão tenso que é. Policial bem realista, com Reginaldo Faria estupendo no papel do assaltante de bancos em crise de identidade, mas que não tem como sair daquele círculo vicioso. Forte pra caralho. Melhor Filme na Mostra Internacional de Cinema São Paulo, além de levar vários Kikitos em Gramado (Ator, Ator Coadjuvante, Fotografia e Edição).







13 - “Chuvas de Verão”, Cacá Diegues (78) – Filme pequeno com cara de conto. Delicado e atípico em tema, pois aborda o amor na terceira idade. Interessantes as ligações com a vida social brasileira e do choque de culturas do velho e do novo. Uma joia que levou prêmios em Brasília, Rio e São Paulo.










14 - “Tudo Bem”, Arnaldo Jabor (78) – Embora não goste do Jabor, pretensioso e “intelectualóide” reacionário, esse aqui é muito legal. Durante a obra de uma antiga casa no subúrbio carioca, a sociedade brasileira (a qual se transformaria na classe média atual) aparece como uma “fauna”: caricata, preconceituosa, mal-resolvida. Fernanda Montenegro e Paulo Gracindo geniais.





15 - “Bye Bye Brasil”, Cacá Diegues (79) – Demarca o fim da segunda fase de Cacá, com referências do Cinema Novo mas mais amadurecido. Ao mesmo tempo que reflete com crueza a vida de pessoas pobres e sem perspectivas, também ressalta a beleza e a magia intuitiva de artistas mambembes. Daqueles filmes feitos na hora certa e pela pessoa certa. Um registro sociocultural e político de um Brasil florescendo e que veio a dar naquilo que somos hoje. Destaque de novo pra trilha, não só as músicas originais do Chico Buarque mas também os “bregas”, que tocam aqui e ali e funcionam tri ambientais.







quarta-feira, 1 de abril de 2009

100 anos do Sport Club Internacional


Visitando o site do meu clube do coração, esta semana, encontrei lá destacado um texto do jornalista Mauro Beting homenagenado o clube que completará 100 anos de fundação no próximo sábado.

Na condição de colorado fanático não posso deixar de ficar emocionado com textos como este e de exibí-lo aqui.


INTERNACIONAL, 100



Naquela noite de 1969, nos Eucaliptos, Tesourinha e Carlitos viram as luzes se apagando no estádio. Foram até as goleiras, retiraram as redes do velho campo colorado, e deixaram nuas as traves naquelas trevas. Era a última cerimônica antes da inauguração do Beira-Rio. Onde iniciaria o ciclo vitorioso e virtuoso que começou com um Falcão imperial nos anos 70 e acabou num Gabiru iluminado na noite japonesa e mundial, em 2006.
Ficou tudo escuro nos Eucaliptos no último ato da velha cancha naquele entrevado ano brasileiro de 1969. Em 14 de dezembro de 1975, a tarde de Porto Alegre estava cinza. Até um raio de sol iluminar a grande área onde o ainda maior Figueroa subiu para anotar o gol do primeiro dos três Brasileiros da glória do desporto nacional naqueles anos 70. O maior time do país em uma das nossas melhores décadas. O melhor campeão brasileiro por aproveitamento, no bicampeonato, em 1976. O único campeão invicto nacional, em 1979.
0 Internacional centenário. O clube da família italiana Poppe que deixou São Paulo para fazer a vida em Porto Alegre, em 1909. Tentaram jogar bola no clube alemão – não deixaram. Tentaram jogar tênis, remar, dar tiro – não deixaram. Então, juntaram um time de estudantes e comerciários para fazer um clube que deixasse entrar gente de todas as cores e credos. Dois negros assinaram a ata. O primeiro “colored” da Liga da Canela Preta (Dirceu Alves) atuou pelo clube em 1925, enquanto o rival só foi aceitar um negro em 1952 – justamente o Tesourinha, glória gaudéria nos anos 40, na década do Rolo Compressor que durou 11 anos, e dez títulos estaduais.
Inter que ergueu estádios com o torcedor que vestiu a camisa, arregaçou as mangas, e construiu arquibancadas de cimento armado e amado. Inter que apagou as luzes dos Eucaliptos para acender um gigante no Beira-Rio e ascender aos maiores lugares de pódios brasileiros, sul-americanos e mundiais. Superando potências e preconceitos, fincando a bandeira colorada da terra gaúcha no gramado do outro lado da Terra, vencendo um gaúcho genial como Ronaldinho e um Barcelona invencível aos olhos da bola.
Mas quem ousa duvidar da pelota que peleia? Dizem que o futebol gaúcho só é duro, só é viril. Diz quem não viu o Inter de Minelli, fortaleza técnica, tática e física. O Rolo inovador no preparo atlético e no apetite por gols. O futebol que ganhou o mundo em 2006 marcando como gaúcho, e contra-atacando como o alagoano Gabiru. Campeão com gringos como Figueroa, Villalba, Benítez, Ruben Páz, Gamarra, Guiñazú e D’Alessandro, com forasteiros como Fernandão, Valdomiro, Manga, Falcão, Bodinho, Dario, Larry, Lúcio, Nilmar, Mário Sérgio, gaúchos como Tesourinha, Carlitos, Oreco, Nena, Taffarel, Carpegiani, Chinesinho, Batista, Mauro Galvão, Dunga, Flávio, Paulinho, Claudiomiro, Jair.
Tantos de todos. Nada mais internacional. Poucos como o Internacional centenário. Aquele time de excluídos que, em 100 anos, hoje tem o sétimo maior número de sócios do planeta. São mais de 83 mil que têm mais que uma carteirinha. Eles têm um clube para amar que não depende de documento. Números e nomes não sabem contar o que uma bandeira vermelha pode fazer à sombra de um eucalipto. Uma bandeira vermelha pode ensolarar um estádio apagado, uma tarde cinzenta, e o mundo na terra do Sol Nascente. Aquele que iluminou Figueroa, aquele que inspirou Gabiru, aquele que neste 4 de abril vai nascer mais vermelho.



Mauro Betting