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quinta-feira, 16 de julho de 2020

O (re)nascimento de uma nação: racismo no cinema norte-americano



Por mais reprimida que seja, toda desigualdade entre os homens será sempre um campo de conflito. O racismo é uma dessas instituições sociais cujo avanço da sociedade o faz ser cada vez mais discutido no caminho daquilo que se pretende: sua dissolução. Longe disso se está, infelizmente. A emergência atual do tema se dá não pela conscientização coletiva, mas pela via mais dolorida e revoltante. A morte do ex-segurança George Floyd, em Minneapolis, nos Estados Unidos, abriu novamente a cortina sobre a questão: a da confirmação de uma repetição de atrocidades enquanto não se enfrentar o monstro.

Aliados para isso há, e o cinema norte-americano – também resultante das mudanças sociais daquele país desde o movimento pelos Direitos Civis nos anos 60 e 70 – vem refletindo cada vez mais esse necessário espaço de conflito. Se hoje é possível ver a questão racial recorrentemente trazida para as telas, bem como profissionais negros mais atuantes atrás e à frente das câmeras, também é verdade que esse fenômeno acompanha a evolução da situação política nas duas últimas décadas. Desde que Doze anos de escravidão, de 2013, venceu o maior prêmio do Oscar, tal viragem em nome de um digno resgate e retratação histórica tem se mostrado recursiva e pulsante, com obras como "Moonlight" (2017), "Corra!" (2017), "Se a Rua Bale Falasse" (2018) e os recentes "Luta por Justiça" (2020) e "Destacamento Blood" (2020).

"O Nascimento..." de Griffith: serviço
ao cinema e desserviço à sociedade
Não foi sempre assim, obviamente. Os caminhos para se chegar ao âmago das coisas são tão tortuosos quanto a construção social de toda a população segregada e desvalorizada pelo preconceito. Como revoltar-se contra o que é tácito e de consenso? A representação do negro na história da indústria norte-americana vai desde a culpabilização à inexpressão. Mesmo com todos os méritos cinematográficos inquestionáveis, o desserviço civil que "O Nascimento de uma Nação", de D. W. Griffith, prestou, no início do século XX, estendeu-se por décadas. Noutro extremo, se não culpado, o negro era representado pelo “excêntrico”, tanto o raro quanto o animalesco. Isso, quando não relegado à completa inexistência uma vez que esmagado pela branquização. Precisou quase meio século para que, nos anos 60, com Adivinhe quem vem para jantar (1967) e No calor da noite” (1968), a questão racial fosse tratada, finalmente, como um problema. Mas não bastou. Se a Blackexplotation dos anos 70 trouxe o orgulho do Black Power e o protagonismo negro para as telas, também o fez reativa e brutalmente. Ser um negro de sucesso significava (re)afirmar o estigma reducionista (e altamente racista) da capacidade instintiva e “desbranquiçada” da imposição física.

Eddie Murphy: um ídolo que não se
leva a sério
Vieram os anos 80 que, embora começassem a venerar figuras como Eddie Murphy, essencial na iconografia negra, também, por contexto histórico-social, este simbolizava a imagem do negro “esperto” e “cômico”, seja o policial atilado Axl Foley de "Um Tira da Pesada" ou o vagabundo sortudo de "Trocando as Bolas". Traduzindo, o negro não precisa ser temido pela violência: ele pode encarnar o malandro para fazer rir. Os tempos andaram ainda mais um pouco e a questão continuava a ser desviada. Enquanto os avanços sociais e políticos pressionavam, o sistema respondia: “se acharam ofensivo serem agressivos ou piadistas, que tal, então, inteligentes?” O assaltante e gênio em computação de Clarence Gilyard Jr.em "Duro de Matar" (1988) não deixa mentir. Enfim, concedia-se aos negros mais esta branquificação: a da inteligência. Claro, novamente como “escada” e jamais protagonista em sua própria natureza.

Como se vê, a sina do estereótipo não é brincadeira e nem descuido. E a sociedade entendeu isso. Tamanha força opressiva, que carrega consigo séculos de escravidão e descaso de uma supremacia, precisava ser enfrentada com munição tão poderosa quanto. É quando, nos anos 80, surge Spike Lee. Se em um de seus primeiros trabalhos o jovem cineasta ia em cheio à raiz da questão ao criticar "O Nascimento de uma Nação" ("The Answer", de 1980), é em 1989 que seu "Faça a Coisa Certa", um marco da discussão aberta do racismo no cinema, traz de vez o olhar balizado tanto do opressor quanto, principalmente, do oprimido. Algo que se é capaz de fazer, quase que inequivocamente, somente quando se está na segunda posição. Seu cinema abertamente engajado à causa negra pode ser criticado pela apropriação artística para fins ideológicos. No entanto, é evidente que lhe é mais do que justificável a escolha e que esta faz muito sentido quando se olha para trás e se vê o rastro de desigualdade, desrespeito e desumanização deixado pelo preconceito racial.

O genial Spike Lee em seu "Faça a Coisa Certa", que ia à coisa certa há 31 anos atrás
O atual momento da representatividade do negro na indústria do cinema também tem outro elemento propulsor, que se chama Donald Trump. A esperança igualitária de Barack Obama, em certa medida, esgotou-se no Nobel da Paz ganho pela simbologia de um homem negro no mais alto cargo mundial. Deveria, mas não foi suficiente. As questões raciais estruturais, nos oito anos de seu mandato, permaneceram pouco tocadas, e tiveram que aumentar o volume quando da reassunção do conservadorismo abertamente racista de Trump. A intensa reação à morte de George Floyd, histórica e antropologicamente, passa por estes processos.

Por sorte, o caminho foi aberto por Spike Lee há pouco mais de 30 anos. Ava DuVernay, Barry Jenkins, Jordan Peele, Ryan Coogler, Steve McQueen, Kasi Lemmons e tantos outros cineastas negros que hoje, nutridos de consciência histórica e atribuição simbólica, fazem com que seja possível enxergar o negro não apenas pela lente distorcida do estereótipo, mas, principalmente, como agentes ativos deste espaço de conflito ideológico e sujeitos críticos da maior degradação moral que o ser humano pode conceber: o racismo. Não somente porque o cinema norte-americano é indústria cultural, mas porque, sendo isso, tem o poder de chegar a todos tanto com a negação quanto com o sim. E agora, não tem volta: é hora de toda essa nação acordar para renascer.

Daniel Rodrigues

Artigo publicado originalmente no site da Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS), vinculado ao debate sobre o tema no programa Cinema em Transe #1-racismo no cinema, com a participação de Daniel Rodrigues, no canal da Accirs no You Tube

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Oscar 2019 - Os Indicados



E saiu a lista dos indicados ao Oscar 2019! "A Favorita", filme de época  do diretor Yorgos Lanthimos, e "Roma", do já oscarizado de Alfonso Cuarón, que concorre não somente a melhor filme como a melhor película estrangeira, são os líderes em indicações, mas "Nasce Uma Estrela" com a estrelíssima Lady Gaga, vem logo em seguida com oito e com boas chances. "Pantera Negra", de certa forma, surpreende com sete nominações, tornando-se o filme de super-heróis com maior reconhecimento neste sentido pela Academia, e o badalado “Bohemian Rhapsody”, biografia de Freddie Mercury, garantiu cinco indicações, incluindo, é claro, a de melhor ator com a ótima atuação de Rami Malek que, por sinal não terá vida fácil, especialmente contra Christian Bale, por seu papel em "Vice", e Willem Defoe, por "No Portal da Eternidade". Me surpreende um pouco a escassês de indicações para "O Retorno de Mary Poppins", que achei que fosse passar o rodo nos itens técnicos e, não tão surpreendente assim, uma vez que as qualidades de "Infiltrado na Klan" vem sendo exaltadas constantemente, mas louvável é a ascensão de Spike Lee ao time dos grandes com sua primeira indicação a melhor diretor.
Depois dessa breve passada, vamos ao que interessa. Conheça os indicados ao Oscar em 2019:


  • Melhor Filme
Pantera Negra
Infiltrado na Klan
Bohemian Rhapsody
A Favorita
Green Book: O Guia
Roma
Nasce Uma Estrela
Vice

  • Melhor Atriz
Yalitza Aparicio (Roma)
Glenn Close (A Esposa)
Olivia Colman (A Favorita)
Lady Gaga (Nasce Uma Estrela)
Melissa McCarthy (Poderia Me Perdoar?)

  • Melhor Ator
Christian Bale (Vice)
Bradley Cooper (Nasce Uma Estrela)
Willem Dafoe (No Portal da Eternidade)
Rami Malek (Bohemian Rhapsody)
Viggo Mortensen (Green Book: O Guia)

  • Melhor Atriz Coadjuvante
Amy Adams (Vice)
Marina De Tavira (Roma)
Regina King (Se a Rua Beale Falasse)
Emma Stone (A Favorita)
Rachel Weisz (A Favorita)

  • Melhor Ator Coadjuvante
Mahershala Ali (Green Book)
Adam Driver (Infiltrado na Klan)
Sam Elliott (Nasce uma Estrela)
Richard E. Grant (Poderia Me Perdoar?)
Sam Rockwell (Vice)

  • Melhor Direção
Spike Lee
Pawel Pawlikowski
Yorgos Lanthimos
Alfonso Cuarón
Adam McKay

  • Melhor Roteiro Original
The Favourite
First Reformed
Green Book: O Guia
Roma
Vice

  • Melhor Roteiro Adaptado
The Ballad of Buster Scruggs
BlacKkKlansman
Can You Ever Forgive Me?
If Beale Street Could Talk
A Star is Born

  • Melhor Figurino
The Ballad of Buster Scruggs
Pantera Negra
A Favorita
O Retorno de Mary Poppins
Duas Rainhas

  • Melhor Cabelo
Border
Mary Queen of Scots
Vice

  • Melhor Direção de Arte/Design de Produção
Black Panther
The Favourite
First Man
Mary Poppins Returns
Roma

  • Melhor Trilha Sonora
Pantera Negra
Infiltrado na Klan
Se a Rua Beale Falasse
Ilha de Cachorros
O Retorno de Mary Poppins

  • Melhor Canção Original
All the Stars – Black Panther
I’ll Fight – RBG
The Place Where Lost Things Go – Mary Poppins Returns
Shallow – A Star is Born
When A Cowboy Trades His Spurs For Wings – Ballad of Buster Scruggs

  • Melhor Fotografia
Cold War
The Favourite
Never Look Away
Roma
A Star is Born

  • Melhor Edição
Infiltrado na Klan
Bohemian Rhapsody
A Favorita
Green Book: O Guia
Vice

  • Melhor Edição de Som
Pantera Negra
Bohemian Rhapsody
O Primeiro Homem
Um Lugar Silencioso
Roma

  • Melhor Mixagem de Som
Pantera Negra
Bohemian Rhapsody
O Primeiro Homem
Roma
Nasce Uma Estrela

  • Melhores Efeitos Visuais
Avengers: Infinity War
Christopher Robin
First Man
Ready Player One
Solo: A Star Wars Story

  • Melhor Documentário
Free Solo
Hale County This Morning, This Evening
Minding the Gap
Of Fathers and Sons
RBG

  • Melhor Animação
Os Incríveis 2
Ilha de Cachorros
Mirai
Wifi Ralph
Homem-Aranha no Aranhaverso

  • Melhor Filme Estrangeiro
Capernaum
Cold War
Never Look Away
Roma
Shoplifters

  • Melhor Curta Metragem – Animação
Animal Behavior
Bao
Late Afternoon
One Small Step
Weekends

  • Melhor Curta Metragem – Documentário
Black Sheep
End Game
Lifeboat
A Night at the Garden
Period. End of Sentence.

  • Melhor Curta Metragem – Live-Action
Detainment
Fauve
Marguerite
Mother
Skin