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domingo, 26 de fevereiro de 2017

Dia de Oscar


E esta noite acontece a cerimônia de entrega do Oscar, um dos prêmios mais importantes e, sem dúvida, o mais badalado da indústria cinematográfica. O musical "La La Land - Cantando Estações", com 14 indicações surge como inevitável grande favorito mas é bom abrir o olho com os bons "Manchester à beira mar", "A Chegada" e "Moonlight" que correm por fora também com boas possibilidades.
Confira a lista com todos os indicados:


Melhor Filme
Melhor Diretor
Melhor Atriz
Melhor Ator
Melhor Ator Coadjuvante
Melhor Atriz Coadjuvante
 Melhor Roteiro Original
 Melhor Roteiro Adaptado
Melhor  Animação
 Melhor Documentário em Curta-Metragem
  • Extremis
  • 4.1 Miles
  • Joe's Violin
  • Watani: My Homeland
  • Os Capacetes Brancos
Melhor Documentário em Longa-Metragem
  • Fogo no Mar
  • Eu Não Sou Seu Negro
  • Life, Animated
  • O.J.: Made in America
  • 13ª Emenda
 Melhor Longa Estrangeiro
  • Terra de Minas (Dinamarca)
  • A Man Called Ove (Suécia)
  • O Apartamento (Irã)
  • Tanna (Austrália)
  • Toni Erdmann (Alemanha)
Melhor Curta-Metragem
  • Ennemis Intérieurs
  • La Femme et le TGV
  • Silent Nights
  • Sing
  • Timecode
Melhor Curta em Animação
  • Blind Vaysha
  • Borrewed Time
  • Pear Cider and Cigarettes
  • Pearl
  • Piper
Melhor Canção Original
  • "Audition (The Fools Who Dream)" | Música de Justin Hurwitz, canção de Benj Pasek e Justin Paul - La La Land: Cantando Estações
  • "Can't Stop the Feeling" | Música e canção de Justin Timberlake, Max Martin e Karl Johan Schuster - Trolls
  • "City of Stars" | Música de Justin Hurwitz, canção de Benj Pasek e Justin Paul - La La Land: Cantando Estações
  • "The Empty Chair" | Música e canção de J. Ralph e Sting - Jim: The James Foley Story
  • "How Far I'll Go" | Música e canção de Lin-Manuel Miranda - Moana: Um Mar de Aventuras
Melhor Fotografia
Melhor Figurino
Melhor Maquiagem e Cabelo
Melhor Mixagem de Som
Melhor Edição de Som
Melhores Efeitos Visuais
Melhor Design de Produção
  • Patrice Vermette (design de produção) e Paul Hotte (decoração de set) - A Chegada
  • Stuart Craig (design de produção) e Anna Pinnock (decoração de set) - Animais Fantásticos e Onde Habitam
  • Jess Gonchor (design de produção) e Nancy Haigh (decoração de set) - Ave, César!
  • David Wasco (design de produção) e Sandy Reynolds-Wasco (decoração de set) - La La Land: Cantando Estações
  • Guy Hendrix Dyas (design de produção) e Gene Serdena (decoração de set) - Passageiros
Melhor Edição
Melhor Trilha Sonora


C.R.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

"Moonlight - Sob a Luz do Luar", de Barry Jenkins (2016)



Acho que já falei isso, ou algo parecido em algum texto antes: acho muito bacana (e apoio) o discurso de “seja você mesmo”. Até aí, ok. Se você se aceita está tudo bem, porém o “não importa o que a sociedade pensa”, aí já não é bem assim. Não adianta a pessoa se aceitar se o mundo vai oprimi-la, discriminá-la e inferiorizá-la. O MUNDO também deve aceitar aquela pessoa do jeito que ela é. Aceitem a diversidade!

Em “Moonlight - Sob a Luz do Luar”, Black (Trevante Rhodes) trilha uma jornada de autoconhecimento enquanto tenta escapar do caminho fácil da criminalidade e do mundo das drogas de Miami. Encontrando amor em locais surpreendentes, ele sonha com um futuro maravilhoso.

Não chega a ser um defeito (longe disso) mas as rápidas passagens de tempo do filme podem parecer estranhas para alguns, pois dão uma sensação de que a gente perdeu algo. Acredito que tenha sido proposital, algo pensado pelo diretor e roteirista Barry Jenkins para que fiquemos mais ansiosos em saber o desfecho da história. Mas, sim, essas lacunas que faltam podem atrapalhar se o espectador está acostumado com narrativas mais tradicionais.

Cena fabulosa de Moonlight em que tudo funciona,
fotografia, som, atuações, dilálogos...
Tecnicamente, o longa é muito bom, sua estética e narrativa funcionam muito bem e a construção dos personagens também é  bastante bem feita. Mesmo com os saltos no tempo, a relação deles com o ambiente que os cerca é muito bem trabalhada. "Moonlight" é um filme que foge de clichês e estereótipos e isso faz com que ganhe força. Apesar das ótimas atuações de Janelle Monáe e Naomie Harris (esta segunda com mais destaque devido à carga dramática de sua personagem), cada uma representando um tipo de papel materno, é Mahershala Ali, como Juan, que me ganhou. Ele aparece pouco, mas enquanto está em cena puxa nossa atenção para ele por conta da intensidade dos seus diálogos.

O personagem principal é vivido por três atores diferentes, todos muito bem, mas nenhum que vá saltar aos olhos. O visual do filme é, de fato, seu maior chamariz. A forma como as cenas são construídas, o suspense, o silêncio, como os olhares são captados. O diretor consegue nos colocar dentro das cenas, muito próximo dos personagens sem que percamos nenhum detalhe. Claro, o roteiro é maravilhoso, com algumas passagens muito poéticas e outras extremamente fortes.

Que atuação imponente de Ali
Um exemplo que mostra muito bem o talento do diretor em nos colocar na cena, e mesmo assim, transformá-la em algo fantástico e muito artístico, é a da primeira experiência sexual de Black. Que construção, que detalhes, que exploração do silêncio! Temos também os diálogos de Juan e o pequeno Black no início do filme, quando o garoto começa a se questionar sobre o que ele é, que são fabulosos também. Deveríamos colocar esse diálogo para que todo mundo ouvisse. TODO MUNDO MESMO!

Em “Moonlight”, acompanhamos a história de um garoto delicado e gentil que acaba se descobrindo para vida, se aceita, mas acaba tendo que mudar para se adequar à sociedade, deixando claro o quanto é difícil nos dissociarmos da sociedade que nos cerca. Isso tudo é mostrado com uma fotografia linda e diálogos magistrais. Uma obra-prima ao mesmo tempo tão natural e simples. "Moonlight” nos põe a pensar sobre estereótipos, oferecendo-nos um olhar mais profundo de personagens da vida real. O traficante de droga é vilão o tempo inteiro? O homossexual tem que aceitar a sociedade e não a sociedade a ele? Por todos esses motivos, digo: que filme!


por Vágner Rodrigues

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

"Infiltrado na Klan", de Spike Lee (2018)


Pessimista
por Vagner Rodrigues


Até os momentos finais do filme, meu texto teria um tom mais alegre. Reflexivo, sim, mas ainda assim positivo. Mas meus amigos, acho que minhas esperanças estão indo embora. Mas, a propósito,... que baita filme!
Em 1978, Ron Stallworth, um policial negro do Colorado, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunicava com os outros membros do grupo através de telefonemas e cartas e, quando precisava estar fisicamente presente, enviava um outro policial branco no seu lugar. Depois de meses de investigação, Ron se tornou o líder da seita, sendo responsável por sabotar uma série de linchamentos e outros crimes de ódio orquestrados pelos racistas.
“Infiltrado na Klan” algumas vezes acaba pendendo para um lado cômico demais ao retratar alguns personagens, até aliviando um pouco o peso de suas atitudes erradas, fazendo até parecer que não seriam pessoas tão más (E SIM, SÃO, SIM) e, sim, apenas idiotas (SIM. SÃO ISSO TAMBÉM). Mas com uma direção segura, mesmo nesses momentos onde o humor parece exagerado percebemos que Spike Lee o está fazendo propositadamente para que o impacto no final seja ainda maior.  Lee não perde a oportunidade de fazer um discurso forte, político e de posicionamento bem claro. Se é isso que espectador espera dele num filme como esse, é exatamente isso que ganha.
As impactantes e divertidas ligações de Ron para a KKK.
Adam Driver, que faz Flip Zimmerman, é o personagem que mais evolui ao longo da trama, o que mais sofre mudanças, mudando sua percepção de si mesmo e do mundo à sua volta, destacando-se bastante exatamente por conseguir transmitir isso de manira bastante convincente. John David Washington, como Ron Stallworth, é outro que está superbem. Sua veia cômica e incrível mas se sai muito bem, igualmente, nas cenas mais sérias e tensas mantendo um bom equilíbrio.
Ainda que a evolução do personagem Flip chamem atenção e suas cenas infiltrado serem bem tensas, como a da reunião da KKK, por exemplo, gosto bastante também das cenas em que fica evidente o desconforto interno que o personagem passa por estar naquele ambiente e ainda assim ter que manter a tranquilidade. Porém é obvio que as cenas fortes são as mais impactantes. Temos o segundo discurso para universitários negros relatando um caso de violência, com fotos e fazendo referência ao filme “Nascimento de uma Nação”(1915), e, especialmente, os 5 minutos finais do longa que, meu amigo e minha amiga, são de chorar. Prepare seu psicológico senão você vai desabar.
Um filme que cumpre todos os objetivos: é muito bem, diverte, e nos faz refletir. Não tenho intenção de influenciar as pessoas positivas mas, após assistir ao filme e chegar ao seu final, eu fiquei pessimista quanto ao nosso futuro próximo. Espero estar errado. Spike Lee mostra mais uma vez que é genial. Atira para todos os lados e acerta em todos.


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Merece mas não leva
por Daniel Rodrigues


Patrice Dumas (Laura) e Ron Stallworth (Washington):
par no romance e no ativismo
Não é tarefa fácil contar uma história passada há mais de 40 anos e atá-la com a realidade atual com incisão. Ainda mais quando o enredo toca em questões delicadas e polêmicas, como racismo e os direitos civis. Pois o experiente Spike Lee conseguiu esse feito com “Infiltrados na Klan” (2018), seu novo filme, pelo qual recebeu, com décadas de atraso, a primeira indicação ao Oscar de Melhor Diretor. No centro da trama: a ação nazifascista da Ku Klux Klan em meados dos anos 70. Com isso em mãos, o cineasta (que assina ainda o Roteiro Adaptado, pelo qual também é indicado, igualmente em Filme) expõe o quanto não se evoluiu o suficiente neste aspecto na sociedade norte-americana – ou o quanto se retrocedeu. O resultado é um dos melhores filmes da extensa e referencial filmografia do autor de “Faça a Coisa Certa” e “Febre da Selva”, aliando entretenimento, cinema de arte e registro documental.
Em 1978, Ron Stallworth (John David Washington), um policial negro do Colorado, consegue, incrivelmente, se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunica com os outros membros do grupo através de telefonemas e cartas, mas quando precisa estar fisicamente presente, envia outro policial branco no seu lugar, o colega Flip Zimmerman (Adam Driver, concorrente ao Oscar de Ator Coadjuvante). Depois de meses de investigação, Ron se torna, ainda mais absurdamente, o líder da seita, sendo responsável por, às escondidas, sabotar uma série de linchamentos e outros crimes de ódio orquestrados pelos racistas. As coisas se complicam, contudo, quando ele se envolve com a ativista Patrice Dumas (Laura Harrier), alvo do grupo extremista por sua atividade militante.
Spike Lee, como ocorre com todo negro que consegue se destacar nos Estados Unidos, é produto da dor. Angela Davis, Martin Luther KingLouis ArmstrongMuhammad Ali e Jean-Michel Basquiat são exemplos de afrodescendentes que, com talento e, principalmente, perseverança, não apenas passaram por cima das dificuldades impostas em uma nação institucionalmente racista para trazerem a público suas contribuições como têm, justamente, o objeto de suas ações focado nesta causa. Lee, desde o curta “The Answer”, de 1980, é afetado pelo totalmente justificável sentimentos de reação. Crítico da sociedade em que vive, ele trilhou muitas vezes pelo caminho do combate ao racismo e ao direito à cidadania das “minorias” em suas obras, tornando-se um ícone ativista. Em “Infiltrados...”, não é diferente, mas o recado político é dado de forma mais inteira.
O tempo parece ter ajudado a melhorar o discurso de Lee e lhe trazido, aos 61 anos de vida e mais de 40 atrás das câmeras, maior maturidade. “Infiltrados...” é uma prova disso. Unindo os elementos característicos de seu estilo – cenas de ação, humor ácido, romance, resgate histórico e, claro, crítica social – o filme tem provavelmente sua mais bem conduzida direção, acertando em ritmo, contrastes narrativos, estética e no próprio discurso. Divertido e empolgante, concilia a representação ficcional e os elementos documentais por meio da edição de Barry Alexander Brown, outro concorrente ao Oscar nessa categoria. O filme dá, assim, um claro recado ao expectador de que o cinema pode ser tanto entretenimento quanto campo de discussão, pois a realidade é, acima de tudo, muito mais brutal e impiedosa. Isso tudo, aliado a diálogos impagáveis (como as ligações de Ron para o líder da KKK, Michael Buscemi), direção de arte competente (Marci Mudd), que faz boas referências à Blackexplotation, e, igualmente, a trilha sonora (também indicada a Oscar). “Infiltrados...”, assim, guarda a contundência peculiar de Lee, porém com um controle absoluto do tom narrativo que os anos lhe trouxeram.
Lee no set com o ator Adam Driver,
que como ele, também concorre ao Oscar
Com um delay de 30 anos, entretanto, veio a Lee a indicação ao Oscar de Melhor Direção. E o pior: ele não deve ganhar. Mesmo com as recentes presenças de outros cineastas negros nesta categoria, como Jordan Peele, Steve McQueen e Barry Jenkins (estes dois últimos, vencedores pelos filmes que realizaram, “12 Anos de Escravidão” e “Moonlight”, respectivamente, mas não pela direção), a falta do nome de Lee em outras edições vem se somar às igualmente injustificáveis ausências de Don Cheadle por seu “Miles Ahead” ou de Antoine Fuqua por “Sete Homens e um Destino”, ambos em 2016. A explicação para isso é bem menos devido à proporcionalidade de profissionais negros aptos, em menor quantidade em comparação a cineastas de origem “não-africana” por motivos histórico-sociais evidentes, e mais pela relutância de se enfrentar questões espinhosas e maculáveis à imagem da democrática “América”. Afinal, quando se fala de Spike Lee, essa premissa é totalmente refutável, uma vez que ele, um dos mais talentosos cineastas de sua geração, é merecedor já de muito tempo. “Faça...”, de 1989, um dos melhores filmes da história da cinematografia norte-americana, e “Malcom X”, de 1992, outra realização impecável, são pelo menos dois exemplos.
Em épocas de governo Trump e da ascensão da extrema-direita em vários países – entre eles, o Brasil –, “Infiltrados...” é, assim, não apenas essencial como necessário. As cenas finais mostrando as imagens reais das passeatas neonazistas ocorridas recentemente em Charlottesville, na Virgínia, denotam a urgência da obra. Porém, por melhor resultado que tenha obtido, Spike Lee provavelmente não vencerá o Oscar ao qual concorre. A Academia, embora a visível tentativa de maior arejamento nas duas últimas décadas, geralmente, quase que por convenção, premia o diretor da produção que não leva o principal Oscar da noite, o de Melhor Filme, numa estratégia de equilibro entre aqueles que, geralmente, são os favoritos. Ou seja: pelas estimativas, este ano a coisa deve ficar entre “A Favorita” (Yorgos Lanthimos) e “Roma” (Alfonso Cuarón), no máximo “Vice” (Adam McKay).
A questão é que Spike Lee, o ativista e o artista, representa justamente a injustificável venda nos olhos da Academia para com a sua obra e, logicamente, para a questão do racismo e das injustiças sociais. Um reflexo da sociedade norte-americana em formato de estatueta dourada. Em quase 40 anos de realizações, é sabido por que Lee nunca havia sido indicado: sua cor e seu discurso, seu discurso e sua cor. Como ocorreu, por outros motivos, com os Oscar para Scorsese, Chaplin e Hitchcock, a Academia relutou, relutou, mas uma hora teve que dar o braço a torcer – ainda que quase tarde demais em alguns casos. Por esta lógica, o desafio de Lee se faz imenso e ainda instransponível, o que, em compensação, talvez só aumente a façanha de “Infiltrados...”.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

O (re)nascimento de uma nação: racismo no cinema norte-americano



Por mais reprimida que seja, toda desigualdade entre os homens será sempre um campo de conflito. O racismo é uma dessas instituições sociais cujo avanço da sociedade o faz ser cada vez mais discutido no caminho daquilo que se pretende: sua dissolução. Longe disso se está, infelizmente. A emergência atual do tema se dá não pela conscientização coletiva, mas pela via mais dolorida e revoltante. A morte do ex-segurança George Floyd, em Minneapolis, nos Estados Unidos, abriu novamente a cortina sobre a questão: a da confirmação de uma repetição de atrocidades enquanto não se enfrentar o monstro.

Aliados para isso há, e o cinema norte-americano – também resultante das mudanças sociais daquele país desde o movimento pelos Direitos Civis nos anos 60 e 70 – vem refletindo cada vez mais esse necessário espaço de conflito. Se hoje é possível ver a questão racial recorrentemente trazida para as telas, bem como profissionais negros mais atuantes atrás e à frente das câmeras, também é verdade que esse fenômeno acompanha a evolução da situação política nas duas últimas décadas. Desde que Doze anos de escravidão, de 2013, venceu o maior prêmio do Oscar, tal viragem em nome de um digno resgate e retratação histórica tem se mostrado recursiva e pulsante, com obras como "Moonlight" (2017), "Corra!" (2017), "Se a Rua Bale Falasse" (2018) e os recentes "Luta por Justiça" (2020) e "Destacamento Blood" (2020).

"O Nascimento..." de Griffith: serviço
ao cinema e desserviço à sociedade
Não foi sempre assim, obviamente. Os caminhos para se chegar ao âmago das coisas são tão tortuosos quanto a construção social de toda a população segregada e desvalorizada pelo preconceito. Como revoltar-se contra o que é tácito e de consenso? A representação do negro na história da indústria norte-americana vai desde a culpabilização à inexpressão. Mesmo com todos os méritos cinematográficos inquestionáveis, o desserviço civil que "O Nascimento de uma Nação", de D. W. Griffith, prestou, no início do século XX, estendeu-se por décadas. Noutro extremo, se não culpado, o negro era representado pelo “excêntrico”, tanto o raro quanto o animalesco. Isso, quando não relegado à completa inexistência uma vez que esmagado pela branquização. Precisou quase meio século para que, nos anos 60, com Adivinhe quem vem para jantar (1967) e No calor da noite” (1968), a questão racial fosse tratada, finalmente, como um problema. Mas não bastou. Se a Blackexplotation dos anos 70 trouxe o orgulho do Black Power e o protagonismo negro para as telas, também o fez reativa e brutalmente. Ser um negro de sucesso significava (re)afirmar o estigma reducionista (e altamente racista) da capacidade instintiva e “desbranquiçada” da imposição física.

Eddie Murphy: um ídolo que não se
leva a sério
Vieram os anos 80 que, embora começassem a venerar figuras como Eddie Murphy, essencial na iconografia negra, também, por contexto histórico-social, este simbolizava a imagem do negro “esperto” e “cômico”, seja o policial atilado Axl Foley de "Um Tira da Pesada" ou o vagabundo sortudo de "Trocando as Bolas". Traduzindo, o negro não precisa ser temido pela violência: ele pode encarnar o malandro para fazer rir. Os tempos andaram ainda mais um pouco e a questão continuava a ser desviada. Enquanto os avanços sociais e políticos pressionavam, o sistema respondia: “se acharam ofensivo serem agressivos ou piadistas, que tal, então, inteligentes?” O assaltante e gênio em computação de Clarence Gilyard Jr.em "Duro de Matar" (1988) não deixa mentir. Enfim, concedia-se aos negros mais esta branquificação: a da inteligência. Claro, novamente como “escada” e jamais protagonista em sua própria natureza.

Como se vê, a sina do estereótipo não é brincadeira e nem descuido. E a sociedade entendeu isso. Tamanha força opressiva, que carrega consigo séculos de escravidão e descaso de uma supremacia, precisava ser enfrentada com munição tão poderosa quanto. É quando, nos anos 80, surge Spike Lee. Se em um de seus primeiros trabalhos o jovem cineasta ia em cheio à raiz da questão ao criticar "O Nascimento de uma Nação" ("The Answer", de 1980), é em 1989 que seu "Faça a Coisa Certa", um marco da discussão aberta do racismo no cinema, traz de vez o olhar balizado tanto do opressor quanto, principalmente, do oprimido. Algo que se é capaz de fazer, quase que inequivocamente, somente quando se está na segunda posição. Seu cinema abertamente engajado à causa negra pode ser criticado pela apropriação artística para fins ideológicos. No entanto, é evidente que lhe é mais do que justificável a escolha e que esta faz muito sentido quando se olha para trás e se vê o rastro de desigualdade, desrespeito e desumanização deixado pelo preconceito racial.

O genial Spike Lee em seu "Faça a Coisa Certa", que ia à coisa certa há 31 anos atrás
O atual momento da representatividade do negro na indústria do cinema também tem outro elemento propulsor, que se chama Donald Trump. A esperança igualitária de Barack Obama, em certa medida, esgotou-se no Nobel da Paz ganho pela simbologia de um homem negro no mais alto cargo mundial. Deveria, mas não foi suficiente. As questões raciais estruturais, nos oito anos de seu mandato, permaneceram pouco tocadas, e tiveram que aumentar o volume quando da reassunção do conservadorismo abertamente racista de Trump. A intensa reação à morte de George Floyd, histórica e antropologicamente, passa por estes processos.

Por sorte, o caminho foi aberto por Spike Lee há pouco mais de 30 anos. Ava DuVernay, Barry Jenkins, Jordan Peele, Ryan Coogler, Steve McQueen, Kasi Lemmons e tantos outros cineastas negros que hoje, nutridos de consciência histórica e atribuição simbólica, fazem com que seja possível enxergar o negro não apenas pela lente distorcida do estereótipo, mas, principalmente, como agentes ativos deste espaço de conflito ideológico e sujeitos críticos da maior degradação moral que o ser humano pode conceber: o racismo. Não somente porque o cinema norte-americano é indústria cultural, mas porque, sendo isso, tem o poder de chegar a todos tanto com a negação quanto com o sim. E agora, não tem volta: é hora de toda essa nação acordar para renascer.

Daniel Rodrigues

Artigo publicado originalmente no site da Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS), vinculado ao debate sobre o tema no programa Cinema em Transe #1-racismo no cinema, com a participação de Daniel Rodrigues, no canal da Accirs no You Tube

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Um King Kong no Oscar



E o que foi aquilo ontem?
Não fosse o constrangimento, a reversão de expectativa, até algum comprometimento de credibilidade, eu poderia até achar que aquilo tudo teria sido proposital talvez para aumentar o impacto em torno do anúncio do vencedor, um golpe promocional, mais uma das piadas do mestre de cerimônias, qualquer coisa do tipo, mas não. O anúncio do prêmio principal da noite do Oscar tornou-se provavelmente um dos maiores micos da história desde que o homem passou a celebrar eventos e exibi-los publicamente. Mico, não! Praticamente um King Kong.
Tudo ia caminhando conforme o script: o apresentador Jimmy Kimmel ia fazendo suas gracinhas; todo mundo, à sua maneira, ia tirando uma lasquinha do Trump; "La La Land" ia ganhando os seus mas não ia fazendo "a limpa"; as premiações iam se dividindo irmanamente entre os favoritos, com alguma justiça; coincidência ou não mas, depois da polêmica racial do ano passado, negros iam ganhando praticamente todos os prêmios que disputavam; uma zebra aqui, outra ali ia pintando mas sem maiores absurdos, até que na hora da categoria final, a de melhor filme, um dos momentos mais aguardados da noite, a dupla Bonnie and Clyde, Warren Beatty e Faye Danaway, encarregada de anunciar o prêmio, depois de hesitar um pouco, parecendo um pouco em dúvida, anunciou "La La Land" como o grande vencedor, o que somado às suas 6 estatuetas já conquistadas e ao Oscar de melhor diretor já arrebatado por Damien Chazelle, garantiam-lhe uma condição de absoluta superioridade em relação a seus concorrentes. Representantes chamados ao palco, diretor, atoes, produtores se abraçando, comemoração, discurso iniciado... Até que... peraí, paraí, paraí... E não é que estava errado? Inacreditável! O próprio produtor de "La La Land" alertado do equívoco apressou-se em corrigir avisando que "Moonlight" era quem havia vencido. Beatty e Danaway, apesar da idade avançada não haviam lido mal ou cometido um engano de velhos gagás. A produção, por alguma carga d'água, sabe-se lá porquê, entregara ao casal de apresentadores o envelope de melhor atriz, prêmio que já havia sido entregue, vencido por Emma Stone, de "La La Land". Daí a confusão dos velhinhos que, vendo-se com aquele envelope na mão, apesar de alguma hesitação, acharam, "Bom, deve ser esse mesmo".O vexame histórico, que repetiu o recentemente acontecido no concurso de Miss Universo, no fim das contas reestabeleceu parte do equilíbrio necessário à premiação uma vez que "La La Land", apesar de seu enorme número de indicações, não era tão superior assim aos outros a ponto de sair com tantos prêmios a mais e arrebatar de quebra filme e direção. "Moonlight - Sob a luz do luar", que era tido como o possível estraga-prazeres do favorito, cumpriu seu destino e estragou a festa de seu concorrente... e da maneira mais desagradável possível.


Confira abaixo a lista dos vencedores da noite de ontem:




Waren Beatty mostrando o envelope correto e corrigindo o erro.
Melhor Filme

Melhor Diretor

Melhor Atriz

Melhor Ator

Melhor Ator Coadjuvante

Melhor Atriz Coadjuvante

Melhor Roteiro Original

Melhor Roteiro Adaptado

Melhor  Animação

Melhor Documentário em Curta-Metragem
  • Os Capacetes Brancos

Melhor Documentário em Longa-Metragem
  • O.J.: Made in America

Melhor Longa Estrangeiro
  • O Apartamento (Irã)

Melhor Curta-Metragems
  • Sing

Melhor Curta em Animação
  • Piper

Melhor Canção Original

Melhor Fotografia

Melhor Figurino

Melhor Maquiagem e Cabelo

Melhor Mixagem de Som

Melhor Edição de Som

Melhores Efeitos Visuais

Melhor Design de Produção

Melhor Edição

Melhor Trilha Sonora


C.R.