Pessimista
por Vagner Rodrigues
Até os momentos finais do filme, meu texto teria um tom mais alegre. Reflexivo, sim, mas ainda assim positivo. Mas meus amigos, acho que minhas esperanças estão indo embora. Mas, a propósito,... que baita filme!
Em 1978, Ron Stallworth, um policial negro do Colorado, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunicava com os outros membros do grupo através de telefonemas e cartas e, quando precisava estar fisicamente presente, enviava um outro policial branco no seu lugar. Depois de meses de investigação, Ron se tornou o líder da seita, sendo responsável por sabotar uma série de linchamentos e outros crimes de ódio orquestrados pelos racistas.
“Infiltrado na Klan” algumas vezes acaba pendendo para um lado cômico demais ao retratar alguns personagens, até aliviando um pouco o peso de suas atitudes erradas, fazendo até parecer que não seriam pessoas tão más (E SIM, SÃO, SIM) e, sim, apenas idiotas (SIM. SÃO ISSO TAMBÉM). Mas com uma direção segura, mesmo nesses momentos onde o humor parece exagerado percebemos que
Spike Lee o está fazendo propositadamente para que o impacto no final seja ainda maior. Lee não perde a oportunidade de fazer um discurso forte, político e de posicionamento bem claro. Se é isso que espectador espera dele num filme como esse, é exatamente isso que ganha.
|
As impactantes e divertidas ligações de Ron para a KKK. |
Adam Driver, que faz Flip Zimmerman, é o personagem que mais evolui ao longo da trama, o que mais sofre mudanças, mudando sua percepção de si mesmo e do mundo à sua volta, destacando-se bastante exatamente por conseguir transmitir isso de manira bastante convincente. John David Washington, como Ron Stallworth, é outro que está superbem. Sua veia cômica e incrível mas se sai muito bem, igualmente, nas cenas mais sérias e tensas mantendo um bom equilíbrio.
Ainda que a evolução do personagem Flip chamem atenção e suas cenas infiltrado serem bem tensas, como a da reunião da KKK, por exemplo, gosto bastante também das cenas em que fica evidente o desconforto interno que o personagem passa por estar naquele ambiente e ainda assim ter que manter a tranquilidade. Porém é obvio que as cenas fortes são as mais impactantes. Temos o segundo discurso para universitários negros relatando um caso de violência, com fotos e fazendo referência ao filme “Nascimento de uma Nação”(1915), e, especialmente, os 5 minutos finais do longa que, meu amigo e minha amiga, são de chorar. Prepare seu psicológico senão você vai desabar.
Um filme que cumpre todos os objetivos: é muito bem, diverte, e nos faz refletir. Não tenho intenção de influenciar as pessoas positivas mas, após assistir ao filme e chegar ao seu final, eu fiquei pessimista quanto ao nosso futuro próximo. Espero estar errado. Spike Lee mostra mais uma vez que é genial. Atira para todos os lados e acerta em todos.
*****************
Merece mas não leva
por Daniel Rodrigues
|
Patrice Dumas (Laura) e Ron Stallworth (Washington):
par no romance e no ativismo
|
Não é tarefa fácil contar uma história passada há mais de 40
anos e atá-la com a realidade atual com incisão. Ainda mais quando o enredo
toca em questões delicadas e polêmicas, como racismo e os direitos civis. Pois
o experiente
Spike Lee conseguiu esse feito com “Infiltrados na Klan” (2018),
seu novo filme, pelo qual recebeu, com décadas de atraso, a primeira indicação
ao
Oscar de Melhor Diretor. No centro da trama: a ação nazifascista da Ku Klux
Klan em meados dos anos 70. Com isso em mãos, o cineasta (que assina ainda o
Roteiro Adaptado, pelo qual também é indicado, igualmente em Filme) expõe o quanto não se evoluiu o
suficiente neste aspecto na sociedade norte-americana – ou o quanto se
retrocedeu. O resultado é um dos melhores filmes da extensa e referencial
filmografia do autor de “Faça a Coisa Certa” e “Febre da Selva”, aliando entretenimento, cinema de arte e registro documental.
Em 1978, Ron Stallworth (John David Washington), um policial
negro do Colorado, consegue, incrivelmente, se infiltrar na Ku Klux Klan local.
Ele se comunica com os outros membros do grupo através de telefonemas e cartas,
mas quando precisa estar fisicamente presente, envia outro policial branco no
seu lugar, o colega Flip Zimmerman (Adam Driver, concorrente ao Oscar de Ator Coadjuvante).
Depois de meses de investigação, Ron se torna, ainda mais absurdamente, o líder
da seita, sendo responsável por, às escondidas, sabotar uma série de
linchamentos e outros crimes de ódio orquestrados pelos racistas. As coisas se
complicam, contudo, quando ele se envolve com a ativista Patrice Dumas (Laura
Harrier), alvo do grupo extremista por sua atividade militante.
Spike Lee, como ocorre com todo negro que consegue se
destacar nos Estados Unidos, é produto da dor. Angela Davis,
Martin Luther King,
Louis Armstrong,
Muhammad Ali e
Jean-Michel Basquiat são exemplos de
afrodescendentes que, com talento e, principalmente, perseverança, não apenas
passaram por cima das dificuldades impostas em uma nação institucionalmente
racista para trazerem a público suas contribuições como têm, justamente, o
objeto de suas ações focado nesta causa. Lee, desde o curta “The Answer”, de
1980, é afetado pelo totalmente justificável sentimentos de reação. Crítico da
sociedade em que vive, ele trilhou muitas vezes pelo caminho do combate ao
racismo e ao direito à cidadania das “minorias” em suas obras, tornando-se um
ícone ativista. Em “Infiltrados...”, não é diferente, mas o recado político é
dado de forma mais inteira.
O tempo parece ter ajudado a melhorar o discurso de Lee e
lhe trazido, aos 61 anos de vida e mais de 40 atrás das câmeras, maior
maturidade. “Infiltrados...” é uma prova disso. Unindo os elementos
característicos de seu estilo – cenas de ação, humor ácido, romance, resgate
histórico e, claro, crítica social – o filme tem provavelmente sua mais bem
conduzida direção, acertando em ritmo, contrastes narrativos, estética e no
próprio discurso. Divertido e empolgante, concilia a representação ficcional e
os elementos documentais por meio da edição de Barry Alexander Brown, outro
concorrente ao Oscar nessa categoria. O filme dá, assim, um claro recado ao
expectador de que o cinema pode ser tanto entretenimento quanto campo de
discussão, pois a realidade é, acima de tudo, muito mais brutal e impiedosa.
Isso tudo, aliado a diálogos impagáveis (como as ligações de Ron para o líder
da KKK, Michael Buscemi), direção de arte competente (Marci Mudd), que faz boas
referências à Blackexplotation, e, igualmente, a trilha sonora (também indicada
a Oscar). “Infiltrados...”, assim, guarda a contundência peculiar de Lee, porém
com um controle absoluto do tom narrativo que os anos lhe trouxeram.
|
Lee no set com o ator Adam Driver,
que como ele, também concorre ao Oscar
|
Com um delay de 30 anos, entretanto, veio a Lee a indicação
ao Oscar de Melhor Direção. E o pior: ele não deve ganhar. Mesmo com as recentes
presenças de outros cineastas negros nesta categoria, como
Jordan Peele, Steve
McQueen e
Barry Jenkins (estes dois últimos, vencedores pelos filmes que
realizaram, “12 Anos de Escravidão” e “Moonlight”, respectivamente, mas não pela
direção), a falta do nome de Lee em outras edições vem se somar às igualmente
injustificáveis ausências de Don Cheadle por seu “Miles Ahead” ou de Antoine
Fuqua por “Sete Homens e um Destino”, ambos em 2016. A explicação para isso é
bem menos devido à proporcionalidade de profissionais negros aptos, em menor
quantidade em comparação a cineastas de origem “não-africana” por motivos
histórico-sociais evidentes, e mais pela relutância de se enfrentar questões
espinhosas e maculáveis à imagem da democrática “América”. Afinal, quando se
fala de Spike Lee, essa premissa é totalmente refutável, uma vez que ele, um
dos mais talentosos cineastas de sua geração, é merecedor já de muito tempo.
“Faça...”, de 1989, um dos melhores filmes da história da cinematografia
norte-americana, e “Malcom X”, de 1992, outra realização impecável, são pelo
menos dois exemplos.
Em épocas de governo Trump e da ascensão da extrema-direita
em vários países – entre eles, o Brasil –, “Infiltrados...” é, assim, não
apenas essencial como necessário. As cenas finais mostrando as imagens reais
das passeatas neonazistas ocorridas recentemente em Charlottesville, na Virgínia, denotam a
urgência da obra. Porém, por melhor resultado que tenha obtido, Spike Lee
provavelmente não vencerá o Oscar ao qual concorre. A Academia, embora a visível
tentativa de maior arejamento nas duas últimas décadas, geralmente, quase que
por convenção, premia o diretor da produção que não leva o principal Oscar da
noite, o de Melhor Filme, numa estratégia de equilibro entre aqueles que,
geralmente, são os favoritos. Ou seja: pelas estimativas, este ano a coisa deve
ficar entre “A Favorita” (Yorgos Lanthimos) e “Roma” (
Alfonso Cuarón), no
máximo “Vice” (Adam McKay).
A questão é que Spike Lee, o ativista e o artista,
representa justamente a injustificável venda nos olhos da Academia para com a
sua obra e, logicamente, para a questão do racismo e das injustiças sociais. Um
reflexo da sociedade norte-americana em formato de estatueta dourada. Em quase
40 anos de realizações, é sabido por que Lee nunca havia sido indicado: sua cor
e seu discurso, seu discurso e sua cor. Como ocorreu, por outros motivos, com
os Oscar para
Scorsese, Chaplin e
Hitchcock, a Academia relutou, relutou, mas
uma hora teve que dar o braço a torcer – ainda que quase tarde demais em alguns
casos. Por esta lógica, o desafio de Lee se faz imenso e ainda instransponível,
o que, em compensação, talvez só aumente a façanha de “Infiltrados...”.