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sábado, 10 de agosto de 2024

"Rivais", de Luca Guadagnino (2024)

 



Tudo é tênis.

Tudo é relacionamento.

Tênis é relacionamento.

Relações se confundem com o jogo e o  jogo tem o poder de excitar, despertar desejo.

"Rivais" é tênis, é relacionamento, é um estranho triângulo amoroso entre três tenistas envolvidos desde a adolescência.

Enquanto uma partida é jogada, flashbacks vão nos revelando quem são aqueles dois caras se enfrentando, e aquela charmosa espectadora inquieta na plateia.

Um deles, Art Donaldson, é hoje um tenista de sucesso, ganhador de torneios de Grand Slam, porém em má fase, jogando um torneio pequeno para voltar a vencer e recuperar a confiança; o outro, um tenista fracassado, Patrick Zweig, que podia ter ido além na carreira, mas que agora mal consegue pagar um café da manhã, que com o dinheiro da premiação do torneio pretende, pelo menos, conseguir um lugar onde dormir. Os dois, outrora amigos, parceiros de adolescência desde os tempos dos torneios de juniores, se enfrentam agora na final da modesta competição sob o olhar de Tashi, ex-tenista que teve que deixar as quadras cedo por uma lesão, atualmente esposa e treinadora de Art mas que já tivera também um passado com Zweig. Ou melhor, um passado compartilhado com ambos.

As três pontas do triângulo: Art, Tashi e Patrick.

A partida, que poderia simplesmente estar decidindo mais um troféu para ocupar espaço numa prateleira, uma grana para algumas diárias de Patrick em um hotel, ou uns trocados dispensáveis para Art, que ele daria de gorjeta, tem contornos maiores do que imaginamos inicialmente e que vão sendo esclarecidos ao longo da trama, numa edição ágil e muito envolvente.

Roteiro muito bem elaborado, ótimos diálogos, uma montagem impecável, cenas de jogo empolgantes, Zendaya numa atuação excelente, e tudo isso ao som de uma trilha sonora eletrônica alucinante do Nine Inch NailsTrent Raznor com seu parceiro para cinema, Atticus Ross.

Em "Rivais", adversários são amigos, amigos são namorados, inimigo é  amante, treinadora é esposa, vida é jogo, e tênis... é sexo.

Winner de Luca Guadagnino


"Rivais" - trailer



"Rivais"
Título Original: "Challengers"
Direção: Luca Guadagnino
Com: Zendaya, Mike Faist e Josh O'Connor
Gênero: Drama / Romance /Comédia
Duração: 131 min.
Ano: 2024
País: Estados Unidos


🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬



por Cly Reis

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Oscar 2021 - Os Vencedores



A diretora Chloé Zaho, de "Nomadland",
o grande vencedor da noite.
E o Oscar de 2021 foi diferente! Pra começar, foi agora, em abril, e não em fevereiro, como tradicionalmente ocorre; não aconteceu em um auditório cheio de gente e sim numa cerimônia quase intimista com os convidados dispostos em mesas protocolarmente distanciadas; teve indicados recebendo prêmios em vários lugares do mundo, ao vivo; os números musicais foram externos, breves e distribuídos, em sua maioria, antes da cerimônia; sem orquestre e com um DJ; o prêmio de melhor filme não sendo anunciado por último; mas o mais importante: poucas vezes houve tanta diversidade e representatividade, tanto nas indicações quanto na premiação. Negros, mulheres, asiáticos, homossexuais foram premiados de forma natural e justa, por inegável mérito de seus trabalhos muito mais do que por uma pressão social como em outros momentos quando a qualquer gritaria de "mais mulheres", "mais negros", se dava três ou quatro estatuetas só para satisfazer os grupos e depois voltar à normalidade dos critérios da academia. Me pareceu que, mais que nunca, eram tão incontestes as virtudes das minorias representadas, que seria impossível não lhes prestar o reconhecimento com as vitórias em suas categorias. 

Numérica e quantitativamente, não tivemos, novamente, nenhum grande vencedor, como acontecia em outros tempos quando uma só produção fazia uma limpa nos prêmios, arrebatando sete ou oito estatuetas, mas não há como negar que um filme que leva as categorias de filme, direção e protagonista é, sem dúvida o grande vencedor. Foi o caso de "Nomadland", que já vinha sendo multipremiado em outras competições e festivais e que só confirmou seu favoritismo, marcando também a segunda vitória de uma mulher Chloé Zaho, na categoria de direção. Outras mulheres também fizeram história como foi o caso de Emerald Fennel, a jovem diretora que em sua estreia ganhou o prêmio de melhor roteiro original, Youn Yuh-jung, a primeira sul-coreana a vencer o prêmio de atriz coadjuvante, e  Mia Neal e Jamika Wilson , as primeiras negras a vencerem o prêmio de maquiagem e cabelo. Por falar em representatividade negra, além diversas indicações, representantes negros foram premiados em diversas categorias, nas mais variadas modalidades como na, já mencionada, maquiagem, na música, como no caso do parceiro de Trent Raznor e Atticus Ross, na trilha de "Soul", Jon Baptiste, e pela canção de "Judas e o Messias Negro" interpretada pela cantora H.E.R.; no curta "Two Distant Strangers", produzido por negros, e que aborda a morte de afro-americanos pela força policial; e especialmente, na categoria de melhor ator coadjuvante, com o prêmio para Daniel Kaluuya, interpretando o líder dos Panteras Negras, Fred Hampton.

Ainda falando em representatividade, é marcante também a participação de "O Som do Silêncio", que se só por sua mera proposta já era extremamente significativo ao abordar a temática dos deficientes auditivos, tornou-se ainda mais importante ao vencer duas categorias, a de produção  de som, na qual era esperado e justíssimo, e montagem, na qual acabou sendo, de certa forma, uma agradável surpresa. 

Por falar em surpresa, para muitos a grande surpresa da noite ficou com o prêmio para melhor ator, vencida pelo veterano Anthony Hopkins, pelo filme "Meu Pai", numa categoria que muitos apontavam o falecido ator Chadwick Boseman como favorito a um prêmio póstuma por sua atuação em "A Voz Suprema do Blues".

No mais os prêmios ficaram bem divididos e, acredito que, de um modo geral, com bastante justiça, premiando exatamente as melhores virtudes de cada um dos concorrentes. Dois para "Mank", , dois para "Judas e o Messias Negro", dois para "Meu Pai", dois para "Soul", dois para "O Som do Silêncio", três para "A Voz Suprema do Blues" e todos saíram felizes. Até a Glenn Close que, mesmo não levando a estatueta, em sua oitava indicação, roubou a cena da cerimônia, rebolando no desafio musical do DJ da festa. Impagável!



Confira abaixo todos os vencedores em todas as categorias:


Melhor Filme

  • Nomadland 

Melhor Direção

  • Chloé Zhao – Nomadland

Melhor Ator

  • Anthony Hopkins – Meu Pai

Melhor Atriz

  • Frances McDormand – Nomadland

Melhor Ator Coadjuvante

  • Daniel Kaluuya – Judas e o Messias Negro

Melhor Atriz Coadjuvante

  • Yuh-jung Youn – Minari

Melhor Roteiro Original

  • Bela Vingança

Melhor Roteiro Adaptado

  • Meu Pai

Melhor Fotografia

  • Mank

Melhor Figurino

  • A Voz Suprema do Blues

Melhor Trilha Sonora Original

  • Soul

Melhor Canção Original

  • “Fight For You” – Judas e o Messias Negro

Melhor Design de Produção

  • Mank

Melhor Edição

  • O Som do Silêncio

Melhores Efeitos Visuais

  • Tenet

Melhor Cabelo e Maquiagem

  • A Voz Suprema do Blues

Melhor Produção de Som

  • O Som do Silêncio

Melhor Documentário

  • My Octopus Teacher

Melhor Filme Estrangeiro

  • Another Round (Dinamarca)

Melhor Filme de Animação

  • Soul

Melhor Documentário em Curta-metragem

  • Colette

Melhor Curta-metragem de Animação

  • Se Algo Acontecer… Te Amo

Melhor Filme em Curta-Metragem

  • Two Distant Strangers

C.R.

terça-feira, 16 de março de 2021

Oscar 2021 - Os Indicados

 



2020 foi uma no esquisito! Tudo parou, coisas foram suspensas, canceladas, adiadas, e não foi diferente com a indústria cinematográfica. Por conta disso, a premiação do Oscar, que, a essas alturas já teria sido realizada, em circunstâncias normais, só agora teve divulgados os indicados das produções da última temporada.
Mas se a época foi complicada, repleta de interrupções percalços e dificuldades, não foi por isso que deixamos de ter grandes filmes e ótimos concorrentes este ano. "Mank", filme de David Fincher, lidera as indicações com 10 categorias, incluindo melhor filme mas, contra minhas apostas iniciais, fica fora de melhor roteiro. original, contudo, o número de indicações não lhe garante nenhum favoritismo prévio considerando que "Minari", de Lee Isaac Chung, e "Nomadland", de Chloé Zhao, vêm abocanhando as principais categorias em outras premiações,
Por falar em Chloé Zaho, o Oscar desse ano marca o ineditismo de, pela primeira vez, ter duas mulheres concorrendo na categoria de melhor direção, tendo a sul-coreana a concorrência de Esmerald Fennel, por "Bela Vingança".
No que diz respeito a nós brasileiros, a expectativa que se alimentava de que "Bacurau" pudesse ter indicações, acabou não se materializando, mas, certamente, não é nada que desmereça a qualidade do filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que já faturou o prêmio do júri de Cannes, no ano passado. 
No que diz respeito a atuações, Chadwick Boseman, a exemplo de Heath Ledger, foi indicado a prêmio póstumo por seu papel em "A Voz Suprema do Blues" e, assim como o brilhante Coringa, tem boas chances de ter premiada sua interpretação; na parte musical, a curiosidade fica por conta dos Nine Inch Nails, Trent Raznor e Atticus Ross, já vencedores por "A Rede Social" , que dessa vez tem dupla chance de ganhar, concorrendo por dois filmes, "Mank" e "Soul", filme da Pixar que, por sinal também tem grandes chances na categoria de animação.
A cerimônia de premiação acontece, dessa vez, em 25 de abril então a gente aproveita para deixar você a par de todos os indicados pra você aproveitar esses novos tempos em que, em parte por causa da pandemia, em parte por conta de novos hábitos e tendências, muitas das produções estão disponíveis, desde já, em plataformas de streaming.
Dá uma conferida na lista aí abaixo, prepara a pipoca e cai dentro dos aplicativos na Smart TV.


***************


Melhor Filme

  • Meu Pai
  • Judas e o Messias Negro
  • Mank
  • Minari
  • Nomadland
  • Bela Vingança
  • O Som do Silêncio
  • Os 7 de Chicago

 

Melhor Direção

  • Chloé Zhao – Nomadland
  • Thomas Vinterberg – Another Round
  • David Fincher – Mank
  • Lee Isaac Chung – Minari
  • Emerald Fennell – Bela Vingança

 

Melhor Ator

  • Riz Ahmed – O Som do Silêncio
  • Chadwick Boseman – A Voz Suprema do Blues
  • Anthony Hopkins – Meu Pai
  • Gary Oldman – Mank
  • Steven Yeun – Minari

 

Melhor Atriz

  • Viola Davis – A Voz Suprema do Blues
  • Andra Day – The United States vs. Billie Holoday
  • Vanessa Kirby – Pieces of a Woman
  • Frances McDormand – Nomadland
  • Carey Mulligan – Bela Vingança

 

Melhor Ator Coadjuvante

  • Sacha Baron Cohen – Os 7 de Chicago
  • Daniel Kaluuya – Judas e o Messias Negro
  • Leslie Odom Jr. – Uma Noite em Miami
  • Paul Raci – O Som do Silêncio
  • LaKeith Stanfield – Judas e o Messias Negro

 

Melhor Atriz Coadjuvante

  • Maria Bakalova – Borat: Fita de Cinema Seguinte
  • Glenn Close – Era Uma Vez um Sonho
  • Olivia Colman – Meu Pai
  • Amanda Seyfried – Mank
  • Yuh-jung Youn – Minari

 

Melhor Roteiro Original

  • Judas e o Messias Negro
  • Minari
  • Bela Vingança
  • O Som do Silêncio
  • Os 7 de Chicago

 

Melhor Roteiro Adaptado

  • Borat: Fita de Cinema Seguinte
  • Meu Pai
  • Nomadland
  • Uma Noite em Miami
  • O Tigre Branco

 

Melhor Fotografia

  • Judas e o Messias Negro
  • Mank
  • Notícias do Mundo
  • Nomadland
  • Os 7 de Chicago

 

Melhor Figurino

  • Emma
  • A Voz Suprema do Blues
  • Mank
  • Mulan
  • Pinóquio


Melhor Trilha Sonora Original

  • Destacamento Blood
  • Mank
  • Minari
  • Notícias do Mundo
  • Soul


Melhor Canção Original

  • “Fight For You” – Judas e o Messias Negro
  • “Hear My Voice” – Os 7 de Chicago
  • “Husavik” – Festival Eurovision da Canção
  • “Io Si (Seen)” – Rosa & Momo
  • “Speak Now” – Uma Noite em Miami

 

Melhor Design de Produção

  • Meu Pai
  • A Voz Suprema do Blues
  • Mank
  • Notícias do Mundo
  • Tenet


Melhor Edição

  • Meu Pai
  • Nomadland
  • Bela Vingança
  • O Som do Silêncio
  • Os 7 de Chicago

 

Melhores Efeitos Visuais

  • Lov and Monsters
  • O Céu da Meia-Noite
  • Mulan
  • O Grande Ivan
  • Tenet

 

Melhor Cabelo e Maquiagem

  • Emma
  • Era Uma Vez Um Sonho
  • A Voz Suprema do Blues
  • Mank
  • Pinóquio

 

Melhor Produção de Som

  • Greyhound
  • Mank
  • Notícias do Mundo
  • Soul
  • O Som do Silêncio


Melhor Documentário

  • Collective
  • Crip Camp: Revolução pela Inclusão
  • The Mole Agent
  • My Octopus Teacher
  • Time

Melhor Filme Estrangeiro

  • Another Round (Dinamarca)
  • Better Days (Hong Kong)
  • Collective (Romênia)
  • The Man Who Sold His Skin (Tunísia)
  • Quo Vadis, Aida? (Bósnia)

 

Melhor Filme de Animação

  • Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica
  • Over The Moon
  • Shaun, o Carneiro: O Filme – A Fazenda Contra-Ataca
  • Soul
  • Wolfwalkers

 

Melhor Documentário em Curta-metragem

  • Colette
  • A Concerto is a Conversation
  • Do Not Split
  • Hunger Ward
  • A Love Song For Latasha

 

Melhor Curta-metragem de Animação

  • Burrow
  • Genius Loci
  • Se Algo Acontecer… Te Amo
  • Opera
  • Yes-People

 

Melhor Filme em Curta-Metragem

  • Feeling Through
  • The Letter Room
  • The Present
  • Two Distant Strangers
  • White Eye



C.R.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

"Mank", filme de David Fincher (2020)

 

VENCEDOR DO OSCAR DE
MELHOR FOTOGRAFIA E
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO


Uma viagem à Hollywood dos anos 30
por Vagner Rodrigues


Uma mentira contada várias vezes pode virar uma verdade? Bom, é o que dizem e, particularmente, acho isso perigoso. David Fincher nos dá um belo filme, com destaque para as atuações e fotografia, porém pelo fato da história narrada que não ser exatamente uma verdade, uma vez que há muito mais coisas por trás daquilo tudo que o longa conta, coisas muito além das fofocas hollywoodianas, acabei me distanciando um pouco do filme, devo confessar.
Tecnicamente, o filme é muito bom, embora seu ritmo e o fato de ser preto e branco possa não agradar a alguns, mas isso é bem pessoal. Bem como minha maior bronca também é algo extremamente pessoal: o filme toma partido de um boato já desmentido faz muito tempo, de que Orson Welles não tinha participação nenhuma na construção do roteiro, uma das maiores lendas urbanas hollywoodianas. Esse boato ganhou força com o artigo escrito por Pauline Kael, mas mesmo na sua época, nos anos 40, já tinha sido desmentido e ficado provado que sim, Orson tivera grande participação no roteiro final de “Cidadão Kane”. Mas claro se você não se importa com esses “babados de Hollywood”, pode passar por cima disso, tranquilamente.
O trabalho técnico do filme é impecável e muito imersivo fazendo com qiue o espectador realmente se sinta na Hollywood clássica, andando pelos grandes estúdios. A fotografia em preto branco e a montagem do filme, são meus destaques. Por mais que para alguns o longa possa parecer confuso, por ser cheio de idas e vindas no tempo, se estiver atendo vai ver que antes das cenas tem uma letreiro que funciona como roteiro (roteiro no papel) de um filme, indicando se a cena é um flashback, onde ela se passa, etc. É só um detalhe pequeno mas que engrandece muito a obra. Sobre individualidades, destaque para Gary Oldman, como sempre muito bem, Lily Collins tem bastante tempo de tela e consegue apresentar bem sua personagem, Amanda Seyfried tem algumas cenas, não muitas, mas gostei dela  e não duvido que algum desses três apareça como indicado nas premiações desse ano. Sobre David Fincher, sempre aguardamos muito suas obras com grande expectativa e essa não decepciona. Desta vez e ele fez seu trabalho conta com roteiro de seu pai, Jack Fincher, e, se não tem o peso de seus grandes filmes, vale a homenagem para o pai.
Se você gosta da Hollywood dos anos 30,40, vai adorar o longa. Um belíssimo trabalho técnico, um roteiro bem atrativo, personagens fortes, uma trama principal que consegue segurar o filme, mesmo com outras coisas acontecendo, como o cenário político da época, muito bem retratado por Fincher, em um de seus grandes acertos, num cenário de fake-news que dialoga muito com tempos atuais, aliás BEM atuais. 
Longe de ser o melhor trabalho do diretor, é uma obra com inegáveis grandes qualidades. Visualmente lindo, o que nos atrai, nostálgico na medida certa, e se você já viu “Cidadão Kane”, não que seja necessário, mas se já viu, “Mank” é um bom complemento da obra de Welles (com exceção da parte que fala de Welles, mas não vou voltar para o mundo das fofocas...) Beba com responsabilidade e assista a “Mank”.
Que filme imersivo! Adorei a viagem o tempo.



********


David Fincher está de volta!
por Cly Reis



"E o Oscar de melhor roteiro original vai para... Herman W. Mankewicz e Orson Welles, por "Cidadão Kane"
. Este é o ponto onde culmina o excelente "Mank", filme de David Fincher, que trata, exatamente, de todo o processo de concepção do roteiro da obra-prima de Orson Welles, todo o contexto social, político e histórico daquele momento na Hollywood pós-depressão e os envolvimentos e relações do brilhante mas complicado escritor e roteirista Herman J. Mankiewicz.
Mank, como era conhecido, era dono de uma personalidade forte, ideias bem definidas, um texto criativo e uma língua afiada. Assim, por conta, exatamente, de seus posicionamentos políticos, sua irredutibilidade, sinceridade e por não ter papas na língua, por mais brilhante que fosse, Mankiewicz passou a ser, de certa forma, persona non grata dentro do universo dos grandes estúdios de Hollywood.
Fincher nos traz essa história toda de maneira não menos incrível, com idas e vindas, flashbacks oportunos, construções de expectativa, suspenses, apresentando seu filme como uma leitura de roteiro em movimento, sob um visual de filmes noir e com uma fotografia em preto e branco espetacular.
"Mank" é, para mim, a recuperação do velho e bom David Fincher do visual dos videoclipes da época de Madonna, como em "Vogue", por exemplo, da atitude de "Clube da Luta", da astúcia de "Vidas em Jogo", da intensidade de "Se7en". "Mank", desde já se credencia como um dos grandes candidatos, em potencial, às principais categorias na próxima edição do Oscar. A luz é maravilhosa, a fotografia é incrível, Gary Oldman está espetacular no papel do protagonista, a trilha de Trent Raznor e Atticus Ross é precisa e impecável, Fincher conduz o longa com maestria, e o roteiro, do pai do diretor, sobre um dos mais incríveis e revolucionários roteiros da história do cinema, muito possivelmente está destinado, assim como foi com o filme do qual trata, a ouvir na noite de premiação da Academia, a mesma frase que foi dirigida a Mankiewcz e Welles: "E o Oscar de melhor roteiro original vai para..."

A fotografia, a luz, os figurinos, a atuação de Oldman...
tudo demais!



segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Prodigy - "The Fat Of The Land" (1997)





“A nossa atitude é:
estamos aqui,
amem-nos ou odeiem-nos.
Se isso é ser punk,
 então somos punk”
Liam Howlett




Sem dúvida pioneiros como o Suicide colocaram a cara a tapa apresentando seu som eletrônico em pleno movimento punk naquele contexto pouco recomendável pra que alguém viesse com "maquininhas" fazendo música. É certo que grupos como o Front 242 já uniam minimalismo e agressividade ao eletrônico ali pela metade dos anos 80, e que músicos talentosos como Trent Raznor já punham o maquinário a serviço do peso para produzir seu intenso e barulhento som industrial. Mas mesmo com todos estes precedentes creio ser justo afirmar que nunca a música eletrônica foi tão suja, tão pesada, aproximou-se tanto do punk quanto em "The Fat of The Land" do Prodigy, lançado em 1997.
O grupo encabeçado pelo prodígio Liam Howlett já havia dado mostras de sua inclinação para o peso em seu disco anterior, o ótimo "Music For Jilted Generation" (1994) com o "metalzão" "Their Law" e a eletrizante "Voodoo People", mas "The Fat Of The Land" catalisava aquelas tendências de uma maneira mais efetiva materializando assim um produto final simplesmente bombástico.
O visual que o grupo assumia naquele momento, em especial seu MC Keith Flint, uma espécie de Bozo do inferno, levava muitos a pensar que estavam se "fantasiando" de punks de modo a estabelecer uma coerência visual com a proposta musical que então apresentavam aproveitando assim para entrar na onda roqueira que ainda predominava naquele final de anos 90. É evidente que o mundo pop tem todo seu show-business e o grupo aproveitou a rebarba do grunge para encarnar um tipo mais rocker, mas que o lado rebelde, transgressor e punk não era meramente uma encenação, definitivamente não era. Suas rusgas com autoridades por conta de restrições a raves e festas afins já vinha de longa data e a já mencionada "Their Law" do disco anterior não somente era uma pedrada sonora como na letra, em poucas palavras como é característico do gênero, metia o dedo na cara dos legisladores e da polícia: "Fodam-se vocês e suas leis".
Agora eles atacavam de novo e vinham com mais munição: sexo, drogas, assassinatos, incêndios, caos... O carro-chefe de "The Fat of The Land" era nada mais nada menos que uma música de título ambíguo que sugeria estupro, agressão mas que na verdade tratava-se de uma expressão popular para o consumo de heroína. "Smack My Bitch Up", uma pancada eletrônica de ritmo fenético e uma certa  levada árabe, como se não bastasse sua sonoridade alucinante, trazia a tiracolo um videoclipe alucinante de câmera na mão, em primeira pessoa, repleto de putaria, consumo de drogas, álcool, violência e todo tipo de comportamento inadequado, tão hardcore, tão inapropriado, que chegou a ser banido da MTV americana e de televisões de vários outros países. Quer mais punk que isso?
"Breathe", que a segue no álbum, não deixa por menos num petardo sonoro que flerta com o grunge e chega a lembrar "Anarchy in the U.K." dos Sex Pistols no refrão pela voz rasgada e pela entonação. "Diesel Power" dava uma aliviada na violência  e carregava no funk com uma letra bem interessante sobre a tecnologia e a loucura do mundo moderno; e a frenética "Funky Shit" cheia de gritinhos de torcida de colégio e  com seu sampler do tema da S.W.A.T. mantinha o nível lá em cima.
Aí chega "Serial Thrilla" entrando de voadora com os dois pés nos peitos! Uma mistura explosiva do funk de "Diesel Power" com a potência de "Smack My Bitch Up" que levaria até um aleijado pra pista de dança. "Mindfields" é mais climática, lembra algo como uma trilha de filme de espionagem ruim, e "Narayan" que a segue, extensa, cheia de variações, parece não corresponder ao tamanho de suas pretensões. Já a incendiária "Firestarter", é outro daqueles exemplos do punk aplicado a música eletrônica de maneira perfeita. Uma bomba, um coquetel molotov de samples sinuosos e ziguezagueantes, uma batida drum'n'bass aceleradíssima e perturbadora, e um vocal nervoso e ameaçador. A boa "Climbatize", crescente e bem elaborada, é uma boa ponte para o final do disco e "Fuel My Fire" que põe a tampa no caixão, ao contrário das demais que tinham doses de peso em músicas predominantemente eletrônicas, tem nos efeitos, samples e programações meros coadjuvantes para uma tijolada sonora conduzida por guitarras, baixo e bateria de verdade, além de vários convidados, numa espécie de festa punk de encerramento do álbum.
Que Kraftwerk, Silver Apples, Throbbing Gristle, Suicide, tiveram papéis mais importantes na história da música eletrônica, não existe discussão, que outros contemporâneos do Prodigy  como Chemical Brothers e Orbital tenham mais recursos e alternativas creio que não seja um absurdo afirmar, mas que "The Fat Of The Land" à sua maneira inaugurava naquele momento um novo capítulo na história do gênero, me parece que seja algo que não esteja muito longe da verdade.

**********

FAIXAS:
  1. Smack My Bitch Up (5:430
  2. Breathe (5:35)
  3. Diesel Power (4:18)
  4. Funky Shit (5:16)
  5. Serial Thrilla (5:11)
  6. Mindfields (5:40)
  7. Narayan (7:07)
  8. Firestarter (6:43)
  9. Climbatize (6:38)
  10. Fuel My Fire (4:19)

***********
Ouça:
Prodigy - The Fat Of The Land


Cly Reis

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Marilyn Manson - "Antichrist Superstar" (1996)



Duas versões da capa do álbum
"Vejo meu trabalho como
sendo alguém que deve provocar as pessoas.
Não quero ser apenas mais um.
Não quero ser apenas um rosto risonho
que aparece na TV apresentando
algum tipo insípido de lixo de fácil digestão."
Marilyn Manson



O mundo do rock sempre teve seus palhaços. Desde que David Bowie inventou inventou um personagem extraterrestre, tirou as sombrancelhas, abusou da maquiagem e adotou um visual andrógino, o número de artistas do universo pop a aderirem a máscaras, maquigens, caras pintadas, personalidades paralelas, encenações, etc. só fez aumentar. New York Dolls, Kiss, Gwar, Alice Cooper, mais recentemente o Slipknot, e até os brasileiros dos Secos e Molhados são apenas alguns desses arlequins fantasiados que a cena musical nos apresentou o longo dos anos. Mas quando eu falo 'palhaços' não tenho a intenção de ser pejorativo. Acho legal essa coisa do personagem, da pose, da indumentária. Utilizo a figura mais pelo fato de esconderem-se atrás de um “rosto artificial”, criarem um determinado padrão de procedimentos pré-concebidos, e pela teatralidade que a proposta exige. Mas acho legal, acho que tem tudo a ver com rock. Muitos não valem nada, é verdade, são muita imagem, muita pose, muito efeito especial, pirotecnia, estardalhaço, mas música, que é bom, nada. Mas de vez em quando o mundo do rock nos sai com um desses bufões que valem a pena e um dos mais relevantes dos últimos tempos é um cara que combina um nome feminino de um dos maiores símbolos sexuais da história do cinema com o de um dos mais brutais e terríveis assassinos psicopatas de todos os tempos. A combinação sexo+cinema+violência+rock, acrescida de muito peso, doses equilibradas e precisas de tecnologia, somada a uma quase convincente teatralidade, resulta em um dos personagens musicais mais interessantes do cenário nas últimas décadas: eu falo de nada mais nada menos que Marilyn Manson.

Escabroso, satânico, pervertido, sádico, bizarro, escatológico? Pode ser tudo isso e pode não ser nada também, mas o fato é que o cidadão nascido Brian Hugh Warner, trazia no meio da década de 90 com a banda que leva seu nome artístico, um industrial vibrante, renovado, cheio de peso e tecnologia, apadrinhado por um dos mestres do gênero, Trent Raznor, do Nine Inch Nails, que produziu seu álbum de estreia de 1994, “Portrait of an American Family” e seu brilhante segundo álbum, “Antichrist Superstar” uma pequena ópera rock que, de forma mais perfeita, coesa e técnica que seu antecessor, funde elementos eletrônicos, metal e pop.

Numa época em que o CD já mandava no pedaço e os álbuns não podiam contar mais com a divisão lados A e B para marcar características diferentes dentro de uma mesmo álbum, como em "Low" do já citado Bowie, "Autobahn" do Kraftwerk, o "V" da Legião Urbana, “Antichrist Superstar”, sem este recurso, é dividido em 'ciclos', “O Hierofante”, “A Inauguração do Verme” e “A Ascenção do Desintegrador”, com características musicais sutilmente diferente entre si, referindo-se cada uma delas a fases da vida/carreira do artista e reforçando a intenção conceitual da obra.

Se tematicamente o trabalho é repleto de referências filosóficas, especialmente em relação a Nietzsche, e discute questões como a formação de mitos, da exposição de mídia e do pensamento coletivo, sonoramente o disco é uma pedrada com inserções eletrônicas, samples, e um trabalho minucioso, cuidadoso e preciso de Trent Raznor na mesa de produção. A abertura com “Irresponsible Hate Anthem”, é incendiária; “The Beautiful People” com seu início galopante é um tijolaço; a provocativa “Mister Superstar”, detona; e a faixa que dá nome ao disco e que abre o último ciclo, “A Ascenção do Desintegrador”, com seus gritos que sugerem uma espécie de saudação nazista, abordando exatamente a idolatria cega a devoção a falsos líderes, soa messiânica e monumental.

Não dá pra deixar de destacar também o metal bem pop “Dried Up...”; a ótima “Wormboy”; a bomba "Angel with the Scabbed Wings"; a muito bem elaborada "Kinderfeld"de ótimo trabalho de produção; e a levada funkeada do baixo de “Minute to Decay”.

Muitos fãs levam a sério toda a imagem que Marilyn Manson tenta passar e, sendo justo com ele, tenho que admitir que o cara se esforça um pouco mais do que outros similares para dar credibilidade ao seu personagem. Mas particularmente prefiro me ater mesmo ao som que foi uma das coisas mais revigorantes no cenário metal dos últimos tempos com a fúria e o peso que o gênero exige, mas com um toque pop e uma teatralidade que acabaram por ser os diferenciais de MM.

Satanismo, autodeformações físicas, perversões, maltratos a animais? Hum... Não sei. Acredite se quiser. Eu recomendo apenas ouvir. Na dúvida, apenas ouça.
********************************

FAIXAS:
  • Ciclo I - O Hierofante
1. "Irresponsible Hate Anthem" - 4:17
2. "The Beautiful People" - 3:38
3. "Dried Up, Tied and Dead to the World" - 4:16
4. "Tourniquet" - 4:29 


  • Ciclo II - A Inauguração do Verme
5. "Little Horn" - 2:43
6. "Cryptorchid" - 2:44
7. "Deformography" - 4:31
8. "Wormboy" - 3:56
9. "Mister Superstar" - 5:04
10. "Angel with the Scabbed Wings" - 3:52
11. "Kinderfeld" - 4:51


  • Ciclo III - A Ascensão do Desintegrador

12. "Antichrist Superstar" - 5:14
13. "1996" - 4:01
14. "Minute of Decay" - 4:44
15. "The Reflecting God" - 5:36
16. "Man That You Fear" - 6:10
99. "Track 99" - 1:31
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Ouça:




por Cly Reis