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quinta-feira, 28 de abril de 2022

Titãs - Gigantinho - Porto Alegre /RS (1992)

 


A belíssima arte do álbum
no poster promocional
da gravadora.
Era uma banda ferida, machucada e por isso mesmo, extremamente pilhada e disposta a dar o melhor de si.
A critica havia sido bastante dura com eles por conta de seu, então, último disco "Tudo ao mesmo tempo agora", no qual, pela primeira vez, assinavam a produção de um álbum próprio e, contrariando as expectativas, abandonavam a evolução técnica de sua genial trilogia "Cabeça Dinossauro", “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” e "Õ Blésq Blom", em nome de uma sonoridade muito mais primária, dura, com letras em alguns momentos, ainda mais agressivas que as que costumavam fazer.
O que se via no palco, no Gigantinho, naquela noite de 1992, eram oito caras determinados a mostrar que haviam feito a escolha certa. Que o caminho musical que haviam escolhido era aquele mesmo e estavam unidos em bancar sua convicção. Poucas vezes vi uma banda com tanta gana. Os cinco vocalistas que se revezavam no microfone, ao passarem o comando para o seguinte, se abraçavam, batiam as mãos com o outro, faziam sinais de cabeça de aprovação dando moral para o companheiro. Parecia aquele time determinado a ganhar, com os jogadores vibrando até por lateral.
Todo esse tesão não poderia dar em outra coisa senão em um show eletrizante. Mas se engana quem pensa que somente essa energia foi o que segurou o show. O repertório era bom! A imprensa pegou no pé do disco por não ser tão requintado e sofisticado quanto os anteriores e pelo expectativa que se criará em cima da evolução que acontecerá até ali, mas "Tudo ao mesmo tempo agora" tinha muita coisa boa. "Clitóris" que abria o show com força e intensidade; "Cabeça", agressiva; "Agora" musicalmente uma das mais elaboradas do disco; e a carro-chefe, a arrebatadora "Saia de Mim", figuram entre as melhores do repertório da banda e, como não podia deixar de ser, foram alguns dos grandes momentos do show. Isso sem falar em outras já conhecidas, como "O Pulso", "Comida", "Diversão", que dentro da proposta mais crua da turnê, ganhavam releituras ao vivo sem todo o aparato técnico de programações, samples e lapidações de suas versões originais.
Um show no qual os Titãs, com sua performance, entusiasmo, força, defendiam com convicção sua obra, a qual, por fim, com o tempo, acabou recebendo o devido reconhecimento, sendo hoje visto por grande parte dos fãs e até pela crítica, como um dos grandes trabalhos da banda e um dos mais significativos de sua época.
Quantas vezes a gente vai num show e fica com aquela sensação de que o artista só está ali cumprindo contrato, doido pra passar o tempo e passar no caixa pra pegar o cachê? Pois isso passou longe do que se viu naquela noite no Gigantinho. Aquilo era uma banda afinzona, babando, com sangue nos olhos...
É bom ver um show assim.


Show dos Titãs da turnê "Tudo ao mesmo tempo agora",
no Imperator - Rio de Janeiro, em 1992



Cly Reis

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Música da Cabeça - Programa #264

O MDC 264 é o último de abril, mês do aniversário de 5 anos do programa. O que não está terminando, porém, é a nossa promoção. Sim! Vamos prorrogar até o dia 2/5 para quem quiser concorrer às 3 camisetas personalizadas da Regentag na #promo5anosmdc. Confere nas nossas redes do Instagram e Facebook e participa. Além disso, o programa hoje vai ter música, notícia uma entrevista rodada em julho de 2020 na nossa retrospectiva. Então, não desgruda da Rádio Elétrica hoje, às 21h, que vai estar legal como sempre. A produção e a apresentação são de Daniel Rodrigues (quem sabe, não rola até um pedaço desse bolinho aí...)



 

Rehab - You Know That I'm No good

 




Rehab - You Know That I'm No Good
REIS, Cly - ilustração digital (GIMP)





Rehab - You Know That I'm No Good
Cly Reis

segunda-feira, 25 de abril de 2022

cotidianas #752 - Pílula Surrealista #48

 

A cotação das LCIs havia despencado, deixando todos os membros do Comitê de Relações com Investidores preocupados. A reunião, que havia iniciado às 4 da manhã, foi chamada às pressas logo após, na Ásia, o anúncio da quebra de uma gigante do setor imobiliário. Eram mais de 9 da noite. O leve almoço, servido sobre aquela mesma mesa a qual rodeavam há horas, sorvera-se em intensos desgastes mentais. Gravatas afrouxadas e desabotoadas as camisas na casa da altura do pescoço: restavam todos exaustos. E sem solução para aquela situação, que fugia ao controle de quem costuma, através de estatutos, protocolos e governanças, controlar tudo que lhes rodeia. Naquele caso, não havia o que fazer, e isso podia comprometer seriamente o erário da empresa. Mesmo que não houvesse solução, no entanto, assim como era esperado, o CEO, tal como lhe é exigido pela posição e expectativas, retomou a questão que haviam discutido o dia inteiro sem encontrar uma saída. 

Ele sabia que não existia essa saída – todos sabiam –, mas cabia-lhe, pelo poder e responsabilidade, atiçar os seus comandados para promover uma encenação corporativa eficiente. Como combatentes de uma guerra, caras amassadas e feridas, estonteados pelas horas de fogo cruzado, os soldados engravatados foram pouco a pouco levantando-se de trás da mesa como de trincheiras escavadas empunhando as armas em forma de tablets digitais ao comando do esfuziante e ilógico líder. Ruiz, Diretor Jurídico, foi convocado a encabeçar a coluna, que iria retomar a investida sobre o território inimigo. Porém, ele não ouviu a voz de comando – mesmo que esta tenha sido proferida em alto e bom som. O comandante da tropa repetiu, colérico como todo militar contrariado, mas não adiantou novamente. Ruiz, olhando sorridente e vidrado para cima, na direção do ar condicionado, parecia enxergar algo excelso, alguma imagem divina, talvez uma solução, mas não aquela a que o grupo não havia tido competência de encontrar. Os graves impropérios que lhe foram ditos aos berros pelo superior, suficientes para justificarem sua baixa, nem assimilou. O pensamento já tinha voado definitivamente e nunca mais desceu de volta. Perdera-se Ruiz.

Daniel Rodrigues