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Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
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quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A Arte do ClyBlog em 2015






Mesmo já quase no fim de janeiro, mas ainda em clima de retrospectiva, relembramos aqui algumas das artes de divulgação do blog, na maior parte das vezes apresentadas apenas nas redes sociais e que não apareceram como publicações e postagens. Adaptações de posteres de filmes, de capas de discos, brincadeiras com marcas, logos, com obras de arte, com personagens, paródias e criações livres, eis aqui algumas das imagens que o clyblog esteve espalhando por aí ao longo do ano que passou.



Clyblog chamando!
adaptação da capa de "London Calling", do The Clash
para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS

Sônico!
adaptação da capa de "Goo" do Sonic Youth
para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS

A nova ordem é curtir o ClyBlog.
adaptação da capa de "Low-Life" do New Order
para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS


Que tal uma voltinha de bike?
adaptação da capa de "Tour de France Soundtracks" do Kraftwerk
para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS


Olhe bem.
adaptação da capa de "Todos os Olhos" de Tom Zé
para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS

Nascidos para ver filmes.
adaptação do poster de "Nascido Para Matar" de Stanley Kubrick
para a seção CLAQUETE

O sertão vai virar mar!
adaptação do poster de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha
para a seção CLAQUETE


Sem medo da altura.
adaptação do poster do filme "Um Corpo Que Cai", de Alfred Hitchcock
para a seção CLAQUETE


Foooogo!!!
adaptação do poster do filme "O Encouraçado Potemkin", de Sergei Eisenstein
para a seção CLAQUETE

As muitas faces do cinema
chamada para a seção CLAQUETE

Hora do recreio.
chamada do ClyBlog
sobre capa do disco "School's Out" de Alice Cooper

Nossa, que blog!
chamada do ClyBlog a partir de obra
de Roy Lichenstein

O Velho Safado sabe das coisas
chamada ClyBlog

Risco biológico.
chamada ClyBlog

Fora do Ar.
chamada ClyBlog

Ops! Alguma coisa errada!
chamada ClyBlog

Altamente inflamável!
chamada ClyBlog

Shhhhhhh!!!
chamada ClyBlog

Let's Rock!
chamada ClyBlog

Chega a dar desespero.
campanha "Esse tá precisando conhecer o ClyBlog"

Internet pode dar um sono...
campanha "Esse tá precisando conhecer o ClyBlog"

Ás vezes de cortar os pulsos
campanha "Esse tá precisando conhecer o ClyBlog"

De arrancar os cabelos.
campanha "Esse tá precisando conhecer o ClyBlog"
Um brinde ao novo ano!
chamada para o Ano Novo, dezembro 2015.



*todas as artes Cly Reis





Cly Reis


segunda-feira, 16 de outubro de 2023

CLAQUETE ESPECIAL 15 ANOS DO CLYBLOG - Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes (última parte)

 

Coutinho dirige e atua em seu "Cabra...", um dos 10
maiores e um dos 5 filmes do diretor na lista
Chegamos, enfim, ao momento mais aguardado: o final do nosso especial “Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes”. Ou melhor, o início, já que seguimos uma ordem numeral inversa, partindo dos últimos da lista para, agora, os primeiros. Chegou a hora de dar fim a um dos conteúdos especiais alusivos aos 15 anos do Clyblog em 2023, iniciada em abril e publicado em cinco partes ano longo dos meses. Nossa proposta foi trazer aqui, de forma criteriosa e misturando noções de crítica e história do cinema com preferências pessoais, títulos que representassem o cinema brasileiro neste corte temporal. E justamente num ano em que o cinema brasileiro completou 125 de nascimento segundo a efeméride oficial. O que não invalida a nossa intenção, a qual teve como referência, se não a gênese da produção cinematográfica nacional, em 1898, outro marco inconteste para a história da cultura audiovisual sul-americana, que é a exibição do mais antigo filme brasileiro preservado: “Os Óculos do Vovô”, de 1913.

Embora as corriqueiras e até salutares ausências (afinal, listas servem muito para que outras também sejam compostas), o que se viu aqui ao longo da extensa classificação foram títulos da maior importância e qualidade daquilo que foi produzido no cinema do Brasil neste mais de um século. De produções clássicas, passando pela fase muda, os alternativos, o cinema da atualidade aos sucessos de bilheteria. Num país de dimensão continental, houve trabalhos do Norte ao Sul, com representantes de seis estados da nação: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia. Entre as décadas, leva pequena vantagem os anos 60 sobre os 80 e 2000, com 25, 24 e 23 títulos respectivamente, dando uma boa ideia dos períodos de maior incentivo à produção 

Diretores consagrados e filmes marcantes para a cinematografia brasileira e mundial também percorreram a listagem de cabo a rabo. Nomes como Glauber Rocha, Cacá Diegues, Hector Babenco, Kléber Mendonça Filho, Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos, Eduardo Coutinho e Joaquim Pedro de Andrade se fizeram presentes de forma consistente e todos com mais de um título, provando sua importância basal para a concepção formativa do cinema brasileiro. Glauber, maior cineasta brasileiro, encabeça, com seis filmes, seguido de Coutinho, com cinco, e Nelson, Leon e Babenco, com quatro cada. Porém, os novatos, nem por isso deixaram de também demarcarem seus espaços, feito talvez ainda mais louvável uma vez que, com pouco tempo de realização, já figuram entre os grandes. Caio Sóh, com “Canastra Suja”, de 2018, (107º colocado), Gustavo Pizzi, de “Benzinho” (2018), e Gabriel Martins, com “Marte Um”, de 2022 (79º) estão aí para provar.

Katia, uma das 7 cineastas
mulheres: pouca representatividade
Embora em menor número, as diretoras não deixam de contribuir com seu talento ímpar. Kátia Lund (com duas co-direções, junto a Fernando Meirelles e a João Moreira Salles), Anna Muylaert, Daniela Thomas (“Terra Estrangeira”, com Walter Salles Jr.), Sandra Kogut, Laís Bodanzky, Tatiana Issa e Suzana Amaral formam o time de sete cineastas mulheres, que dão um pouco de diversidade à lista. Muito a se evoluir? Sim. Representatividades negras, LGBTQIAPN+ e indígenas aparecem de maneira periférica, até superficial, consequência natural participação de tais minorias na economia cultural brasileira ao longo da história. Quem sabe, daqui a mais uns anos não se precise demorar tanto mais para que se incluam definitivamente entre os essenciais do cinema brasileiro?

Outro recorte que vale ser frisado são os documentários, que se estendem por todas as postagens dessa série. Além de contarem com um dos dois mais representativos realizadores, Coutinho, rivalizam muito bem com as ficções, totalizando nada mais nada menos que 13 títulos neste formato, 11,8% do geral. Enfim, análises que podem se deduzir a uma coleção de filmes tão interessantes e simbólicos de uma nação, aqui representados por aqueles mais bem colocados e, de certa forma, mais significativos. Por isso, diferentemente do que vínhamos procedendo até então, ao invés de comentarmos apenas de 5 e 5, todos desta vez merecem algumas palavras. Afinal, eles podem se vangloriar de serem os 10 melhores filmes brasileiros de todos tempos. Ao menos, nesta singela e propositiva seleção. 

************

10.
“Pixote, A Lei do Mais Fraco”, Hector Babenco (1980) 

Babenco chega à maturidade de seu cinema e faz o até hoje melhor trabalho de sua longa e regular filmografia. Com ar de documentário, toma forma de um drama realista e trágico, trazendo à tona mais uma mazela da sociedade brasileira: a desassistência político-social às crianças e a violência urbana. O pequeno Fernando, que, ao interpretar Pixote, faz bem dizer ele mesmo, nos emociona e nos entristece. Marília está num dos papeis mais espetaculares da história. Indicado ao Globo de Ouro e vencedor do New York Film Critics Circle Awards (além de Locarno e San Sebastian), é considerado dos filmes essenciais dos anos 80 no mundo.




09. “Eles não Usam Black Tie”, Leon Hirszman (1981)
Como um “Batalha de Argel” e “Alemanha Ano Zero”, é uma ficção que se mistura com a realidade, e neste caso, por vários fatores. Adaptação para o cinema da peça dos anos 50 de Gianfrancesco Guarnieri sobre uma greve e a repressão política decorrente, transpõe para a realidade da época do filme, de Abertura Política e ânsia pela democracia, retratando as greves no ABC Paulista. E ainda: tem o próprio Guarnieri como ator, que, segundo relatos, codirigiu o filme. Filme lindo, que remete a Eisenstein e Petri. Música original da peça de 58 de autoria de Adoniran Barbosa. Prêmio do Júri em Veneza.


08. ”Cabra Marcado para Morrer”, Eduardo Coutinho (1984) 
Mestre do documentário mundial, Coutinho não se entregava mesmo quando parecia impossível. “Cabra...”, um dos maiores filmes do gênero, é um documentário do documentário. Interrompido em 1964 pelo governo militar, narra a vida do líder camponês João Pedro Teixeira e teve suas filmagens retomadas 17 anos depois, introduzindo na narrativa os porquês da lacuna. Premiado na Alemanha, França, Cuba, Portugal e Brasil, onde conquistou Gramado e FestRio.


07“Cidade de Deus”, Fernando Meirelles e Kátia Lund (2002)
Talvez apenas “Ganga Bruta”, “Rio 40 Graus”, “Terra em Transe” e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” se equiparem em importância a “Cidade...” para o cinema nacional. Determinador de um “antes” e um “depois” na produção audiovisual não apenas brasileira, mas daquela produzida fora dos grandes estúdios sem ser relegada à margem. Pode-se afirmar que influenciou de Hollywood a Bollywood, ajudando a provocar uma mudança irreversível nos conceitos da indústria cinematográfica mundial. Ou se acha que "Quem quer Ser um Milionário?" existiria para o resto do mundo sem antes ter existido "Cidade..."? O cineasta, bem como alguns atores e técnicos, ganharam escala internacional a partir de então. Tudo isso, contudo, não foi com bravata, mas por conta de um filme extraordinário. Autoral e pop, “Cidade...” é revolucionário em estética, narrativa, abordagem e técnicas. Entre seus feitos, concorreu ao Oscar não como Filme Estrangeiro, mas nas cabeças: como Filme e Diretor (outra porta que abriu). Ao estilo Zé Pequeno, agora pode-se dizer: "Hollywood um caralho! Meu nome agora é cinema brasileiro, porra!".



06. “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, Roberto Santos (1965)
Uma joia meio esquecida. Leonardo Villar, de novo ele, faz o papel principal, que ele literalmente encarna. Baseado no conto-novela do Guimarães Rosa, é daquelas adaptações ao mesmo tempo fiéis mas que souberam transportar a história pra outro suporte. Obra-prima pouco lembrada.


05. 
"O Cangaceiro”, Lima Barreto (1953)
No nível do que Nelson Pereira faria com Jorge Amado e Ruy com Chico Buarque anos mais tarde, Lima Barreto teve a o privilégio de contar com diálogos escritos por Raquel de Queiroz. O que já seria suficiente ainda é completado por um filme de narrativa e condução perfeitas, com uma trilha magnífica, figurinos de Carybé, uma fotografia impecável e enquadramentos referenciados no Neo-Realismo de Vittorio De Sica e no western norte-americano de John Ford. O precursor do faroeste brasileiro ao recriar sua atmosfera e signos à realidade do nordeste. Se "Bacurau" foi aplaudido de pé em Cannes 66 anos depois, muitas dessas palmas devem-se a "O Cangaceiro", onde o filme de Barreto já havia emplacado o prêmio de Melhor Filme de Aventura e uma menção honrosa pela trilha sonora. Primeiro filme nacional a ganhar prestígio internacional, também levou os prêmios de Melhor filme no Festival de Edimburgo, na Escócia, Prêmio Saci de Melhor Filme (O Estado de S. Paulo) e Prêmio Associação Brasileira de Cronistas Cinematográficos.




04. “Limite”, Mário Peixoto (1930)
Scorsese apontou-o como um dos mais importantes filmes do séc. XX, tanto que o restaurou e para a posteridade pela sua World Cinema Foundation. David Bowie escolheu-o como o único filme brasileiro entre seus dez favoritos da América Latina. Influenciado pelas vanguardas europeias dos anos 20, Peixoto, que rodou apenas esta obra, traz-lhe, contudo, elementos muito subjetivos, que potencializam sua atmosfera experimental. Impressionantes pelo arrojo da fotografia, da montagem, da concepção cênica. Considerado por muitos o melhor filme brasileiro de todos os tempos. Um cult.


03. “Vidas Secas”, Nelson Pereira dos Santos (1963)
Genial. Precursor em muitas coisas: fotografia seca, roteiro, cenografia, atuações. Daquelas adaptações literárias tão boas quanto o livro, ouso dizer. Tem uma das cenas mais tristes do cinema mundial, a do sacrifício da cachorra Baleia. Limite também entre Neo-Realismo e Cinema Novo. Indicado a Palma de Ouro. Aula de cinema.




02. “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, Glauber Rocha (1963)
A obra-prima do Cinema Novo, um dos maiores filmes do século XX. De tirar o fôlego. Sobre este, reserva-se o direito de  um post inteiro, escrito no blog de cinema O Estado das Coisas em 2010. Mais recentemente, este marcante filme de Glauber mereceu outra resenha, esta no Clyblog.



1º.
 
"O Pagador de Promessas", Anselmo Duarte (1960) 

Com absoluta convicção, o melhor de todos os tempos no Brasil. Perfeito do início ao fim: fotografia, atuações, roteiro, trilha, edição, cenografia. Obra de Dias Gomes transposta para a tela com o cuidado do bom cinema clássico. Brasilidade na alma, das mazelas às qualidades. Cenas inesquecíveis, final arrepiante. E tem um dos papeis mais memoráveis do cinema: Leonardo Villar como Zé do Burro. E ainda é um Palma de Ouro em Cannes que venceu Antonioni, Pasolini e Buñuel. Tá bom pra ti? Irretocável.





Daniel Rodrigues

domingo, 9 de agosto de 2020

Claquete Especial Dia dos Pais - 9 filmes sobre paternidade


Aproveitando a data comemorativa do Dia dos Pais, lembramos aqui de filmes que, sob enfoques distintos entre si, abordam o tema da paternidade. Produções de diferentes nacionalidades e épocas que, a seu modo, trazem, por conta das peculiaridades culturais e históricas, também diferentes formas de expressão daquilo que é ser pai. Porém, uma coisa fica evidente em todos estes títulos: o amor. Seja incondicional, conflituoso, arrependido, culpado ou manifesto, está lá sentimento que norteia a relação entre eles, pais, e seus filhos. 

Fazendo uma panorâmica, vê-se que há menos filmes significativos sobre pais do que de mães. Pelo menos, aqueles em que o pai é protagonista e não simplesmente uma figura acessória. Até por isso, torna-se interessante levantar uma listagem como esta no dia dedicado a eles. Escolhemos 9 títulos, afinal, estamos no dia 9. E detalhe: selecionamos apenas filmes premiados, desde Oscar até premiações estrangeiras ou nacionais. Indicações imperdíveis aos que ainda não viram, lembrança bem vinda aos que, como eu, terão a felicidade de revê-los - de preferência, com seus pais.


PAI PATRÃO, irmãos Taviani (Itália, 1977)

Baseado no romance autobiográfico de Gavino Ledda, conta a história da dura infância e adolescência do escritor quando, aos seis anos, é obrigado pelo pai a abandonar os estudos para trabalhar no campo. Todas as suas tentativas de mudar de vida são abortadas pela ignorância e violência do patriarca. Aos 20 anos, ainda analfabeto, Gavino acaba entrando para o exército, onde adquire, enfim, algum conhecimento. Renunciando à carreira militar, ele volta à sua terra para seguir estudando. No entanto, o choque com o pai é inevitável.

Explorando a linda paisagem e luz naturais da região da Sardenha, “Pai Patrão” é um tocante e contundente drama que põe a nu extremos da relação entre pais e filhos, fazendo-se psicanalítico mesmo naqueles confins da Itália. O pai (muito bem interpretado por Omero Antonutti) é uma representação do quanto os instintos do bicho homem falam mais alto quando a ignorância impera. O amor, existente – e contraditoriamente motor disso tudo –, submerge diante do medo e da insegurança de uma pessoa despreparada para aspectos da paternidade. A abordagem dos Taviani é crítica ao ressaltar o comportamento de vários personagens muito próximo ao de animais. Também, surpreendem ao desviar em alguns momentos o foco dos protagonistas, mostrando ações e pensamentos de outros que os rodeiam, evidenciando sentimentos muito parecidos com os de Gavino e de seu pai.

Gavino, já adulto, encara seu pai: amor e ódio
Palma de Ouro no Festival de Cannes, “Pai Patrão” foi a afirmação dos irmãos Vittorio e Paolo Taviani como importantes cineastas da cinematografia moderna italiana a partir dos anos 70, uma vez que tinham como herança a responsabilidade de fazer jus à obra de gênios já consolidados como Fellini, Antonioni e Pasolini. Os Taviani, no entanto, cunharam um estilo mais próximo ao dos neo-realistas, principalmente De Sica, no engenhoso jogo de grandes e médios com primeiros planos, adicionando a isso um modo sempre muito peculiar de contar as histórias, este, próprio do cinema moderno.


A FONTE DA DONZELA, de Ingmar Bergman (Suécia, 1960)

Na Suécia do século XIV, um simples casal cristão dono de uma propriedade rural incumbe a filha Karin (Birgitta Pettersson), uma adolescente pura e virgem, de levar velas para a igreja da região. No caminho, ela é estuprada e assassinada por dois pastores de cabras. Quando a noite chega, ironicamente os dois vão pedir comida e abrigo para os pais de Karin, onde são recebidos cordialmente. Porém, ao descobrirem a tragédia, os pais são tomados pelo sentimento de ódio.

Temas recorrentes na obra do sueco, a morte, a religiosidade e a compaixão servem de tripé para essa história magistralmente dirigida por Bergman. O contraste entre luz e sombra da fotografia em preto-e-branco do mestre Sven Nykvist realça, principalmente a partir da segunda metade da fita, a polaridade emocional da trama: bem e mal, Deus e Diabo, brutalidade e candura, vingança e perdão, vida e morte. O dilema recai sobre o pai, interpretado pelo lendário Max Von Sydow (recentemente morto, no último mês de março), que, com o coração dilacerado e pressionado pela mulher a matar os criminosos, perde a cabeça. E sua religiosidade? E a culpa em sujar-se de sangue? E a dor sua e da esposa? Isso aplacará a perda? Como administrar tudo isso?

filme "A Fonte da Donzela"

Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e do Globo de Ouro na mesma categoria, esta obra-prima de Bergman valoriza, como em “Pai Patrão”, os elementos da natureza (água, pedra, sol, terra) como representação dos desafios essenciais da vida, mas difere do filme dos Taviani no tratamento da relação pai-filho. Se no outro a questão centra-se na distância emocional entre os personagens, aqui, é a morte que se impõe como separação. Por este ângulo, mesmo num filme transcorrido na Idade Média, “A Fonte da Donzela” é atualíssimo, pois traz um dilema muito comum na sociedade urbana atual: o de como os pais se posicionam diante da perda de um filho vitimado pela violência. Afinal, trata-se de uma obra incrível e significativa a qualquer época.


STALKER, de Andrei Tarkowski (Rússia, 1979)

Em um país não nomeado, a suposta queda de um meteorito criou uma área com propriedades estranhas, onde as leis da física e da geografia não se aplicam, chamada de Zona. Dentro dela, segundo reza uma lenda local, existe um quarto onde todos os desejos são realizados por quem pisa seu chão. Com medo de uma invasão da população em busca do tal quarto, autoridades vigiam o local e proíbem a entrada de pessoas. Apenas alguns têm a habilidade de entrar e conseguir sobreviver lá dentro: os chamados "stalkers". É aí que um escritor, um cientista querem entrar e contratam um stalker para guiá-los lá dentro. No caminho até o quarto, vão passar por rotas misteriosas e muitas vezes, mutáveis, que simbolizam uma ida ao subconsciente e a verdades de suas próprias naturezas nem sempre afáveis. Acontece que este stalker (Alexandre Kaidanovski) quer salvar a sua filha mutante e desenganada alcançando o misterioso quarto.

Talvez o melhor filme de Tarkowski, “Stalker” é uma ficção-científica hermética e reflexiva sobre o homem e a sua existência, sendo a questão da paternidade a chave para tal reflexão. Trazendo a atmosfera onírica comum aos filmes do russo, vale-se do fantástico de “Solaris” (1971), porém burilando-lhe o cerebralismo existencial. A narrativa, transcorrida num clima de suspensão do tempo/espaço, tem como motor o amor de um pai desesperado em salvar sua filha. Ou seja: assim como em “Solaris”, a percepção difusa da realidade é totalmente explicável pelo estado de angústia vivido pelo protagonista. É como se, participante de sua busca, o espectador também adentre naquele mundo surreal. A sempre brilhante fotografia sombreada, o cenário apocalíptico e o recorrente uso de elementos sonoro-visual-narrativos como a água (símbolo da vida) unem-se ao ritmo muito peculiar, pois contemplativo e poético, de Tarkowski.

Os três homens adentram a Zona, mas é o pai que carrega a motivação mais genuína
Vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes de 1980, este filme ímpar na história do cinema alinha-se, em verdade, com outros filmes de arte do gênero ficção científica produto do período de Guerra Fria, em que a noção temporal é imprecisa, a humanidade jaz desenganada, o estado comprometeu-se e os avanços tecnológicos, promessas de avanço no passado, não deram tão certo assim no presente. Haja vista “Alphaville” (Godard, 1965), “Laranja Mecânica” (Kubrick, 1972) e “Fahrenheit 451” (Truffaut, 1966).  Esse compromisso de crítica recai ainda mais sobre Tarkowski como cidadão da Rússia, um dos pilares da tensão planetária junto com os Estados Unidos.


KRAMER VS. KRAMER, de Robert Benton (EUA, 1979)

Se já falamos da questão paterna nos confins da Itália rural, na Idade Média e num lugar imaginário, aqui o tema é colocado na modernidade urbana norte-americana. No enredo, Ted Kramer (Dustin Hoffman), leva seu trabalho acima de tudo, tanto da família quanto de Joanna (Maryl Streep), sua mulher. Descontente com a situação, ela sai de casa, deixando Billy, o filho do casal, com o pai. Ted, então, tem que se deparar com a necessidade de cuidar de uma vida que não apenas a dele, dividindo-se entre o trabalho, o cuidado com o filho e as tarefas domésticas. Quando consegue ajustar a estas novas responsabilidades, Joanna reaparece exigindo a guarda da criança. Ted porém se recusa e os dois vão para o tribunal lutar pela custódia de Billy.

“Kramer vs. Kramer” é arrebatador. Começando pelas interpretações dos magníficos Hoffman e Maryl. No entanto, mesmo com o talento que os é inerente, não estariam tão bem não fosse o roteiro contundente, que aprofunda o drama familiar e social aos olhos do espectador. Os diálogos são tão reais e bem escritos, que naturalmente transportam o espectador para situações conflituosas da vida cotidiana, gerando identificação com os personagens. Quantos pais já não foram despedidos do emprego justo no momento em que estava tentando se erguer. E qual pai não ficaria desesperado e sentindo-se culpado por um acidente com seu filho, principalmente quando o acontecido pode ser usado pela mãe para justificar a perda da guarda?

Ted aprendendo e gostando de ser pai
Tamanho êxito como obra não passou despercebido. O filme foi o principal vencedor do Oscar de 1980, abocanhou os de Melhor Filme, Diretor, Ator, Atriz Coadjuvante e Roteiro Adaptado, além de vários Globo de Ouro e outros festivais. Exemplo de drama da cinematografia norte-americana, uma vez que o filme de Robert Benton consegue unir atuações muito bem dirigidas, um roteiro “europeizado”, visto que forte e realista – feito raro em Hollywood – e um enredo tocante, mas que facilmente poderia escorregar para o piegas ou uma enfadonha DR. Filmado no mesmo ano de “Stalker”, traz a figura do pai em um momento de autorreconhecimento desta condição, ao passo de que o filme russo, esta condição já foi compreendida. No entanto, em ambas as produções, a distância entre as culturas são movidas pela mesma busca de um pai pela sobrevivência do filho.


A BUSCA, de Luciano Moura (Brasil, 2012) 

Filme brasileiro relativamente recente, renova o olhar para o problema da distância entre pais e filhos (estado inicial e propulsor da narrativa de “Kramer...”) por questões sentimentais não resolvidas ou dialogadas. Theo Gadelha (Wagner Moura) e Branca (Mariana Lima) são casados e trabalham como médicos. O casal tem um filho, Pedro (Brás Antunes), que desaparece quando está perto de completar 15 anos. Para piorar a situação, Theo fica sabendo que Branca quer se separar dele e que seu mentor (Germano Haiut) está à beira da morte. Theo sai em busca do filho sumido, viagem que o impele a se redescobrir e a ressignificar a relação com o filho.

Road-movie muito bem realizado, “A Busca” tem na atuação de Moura, principalmente, a grande força da obra. Ele transmite ao espectador desde a irascibilidade e insensibilidade de um homem controlador e fechado em si próprio até, conforme o trama se desenrola nos lugares que percorre em busca do filho, passar pelo desespero, a frustração, a esperança e o encontro consigo mesmo. Todos estes momentos perfeitos por uma grande solidão emocional, estado ao qual o caminho lhe dá condições de repensar e transformar.

Wagner Moura em etapa do trajeto em busca de seu filho e de si mesmo
Vencedor do Prêmio do Público no Festival do Rio 2012, “A Busca” lembra o recorrente mote narrativo de filmes iranianos, a se citarem “Vida e Nada Mais”, “Gosto de Cereja”, “O Círculo” e “O Balão Branco”. Sempre há algo a se buscar, seja alguém ou algo que não se sabe exatamente ao certo. Metáfora da vida, essa busca simboliza a passagem do tempo e a (mesmo que não acontece durante o filme) inevitável morte, que um dia alcançará a todos independentemente da rota. Essa simbologia ganha ainda mais realce pelo fato de se tratar da genealogia sanguínea, ou seja: a única possibilidade de não-morte. O longa de Luciano Moura reafirma o entendimento de que, mais do que o final, o importante mesmo é o que se faz na jornada.


IRONWEED, de Hector Babenco (EUA, 1987)

Francis Phelan (Jack Nicholson) e Helen Archer (Maryl Streep, olha ela aí de novo!) são dois alcoólatras que vivem mendigando nas ruas tentando sobreviver às lembranças do passado: Ela, deprimida por ter sido uma cantora e pianista cheia de glórias e hoje estar na sarjeta. Já o caso dele é o que tem a ver com o tema em questão: o motivo por viver como um vagabundo é a não superação do trauma de ter sido o responsável pela morte do filho, ao deixá-lo cair no chão ainda bebê 22 anos antes. Ao mesmo tempo, Francis precisa voltar à realidade, e conseguir um emprego para dar um pouco de conforto à companheira Helen, já muito doente e enfraquecida. E o sentimento de pai do protagonista é, ao mesmo tempo, pena e salvação, uma vez que se configura como a única força capaz de tirá-lo da condição de mendicância.

Ainda mais do que “Kramer...”, “Ironweed” é um filme sui generis na cinematografia dos Estados Unidos, e isso se deve, certamente, ao olhar sensível do platino-brasileiro Hector Babenco. Com o aval dos estúdios para fazer uma produção própria em terras yankees após o grande sucesso do oscarizado “O Beijo da Mulher Aranha”, produção financiada com dinheiro norte-americano mas bastante brasileira em conteúdo e abordagem, o cineasta transpõe para as telas – com a habilidade de quem havia extraído poesia do abandono infantil – o romance de William Kennedy e dá de presente para dois dos maiores atores da história do cinema um roteiro redondo. Isso, ajudado pela fotografia perfeita do craque Lauro Escorel e edição de outra perita, Anne Goursaud, responsável pela montagem de filmes com “Drácula de Bram Stocker” e “O Fundo do Coração”, ambos de Francis Ford Coppola.

cenas de "Ironweed"

“Ironweed” levou o prêmio da New York Film Critics Circle Awards de Melhor Ator para Nicholson, embora tenha concorrido tanto a Oscar quanto Globo de Ouro. Babenco foi um cineasta tão diferenciado que, conforme contou certa vez, Nicholson, bastante sensibilizado com o filme que acabara de realizar, procurou-o um dia antes da estreia e pediu para ir à sua casa para o reverem juntos e que, durante aquela sessão particular, segurou bem firme na mão de Babenco e não a soltou até terminar.


À PROCURA DA FELICIDADE, de Gabriele Muccino (EUA, 2007)

Chris (Will Smith) enfrenta sérios problemas financeiros e Linda, sua esposa, decide partir e deixá-lo. Ele agora é pai solteiro e precisa cuidar de Christopher (Jaden Smith), seu filho de 5 anos. Chris tenta usar sua habilidade como vendedor de aparelhos de exames médicos para conseguir um emprego melhor, mas só consegue um estágio não remunerado numa grande empresa. Seus problemas financeiros, inadiáveis, não podem esperar uma promoção nesta empresa e eles acabam despejados. Chris e Christopher passam, então, a dormir em abrigos ou onde quer que consigam um refúgio, como o banheiro da estação de trem. Mas, apesar de todos os problemas, Chris continua a ser um pai afetuoso e dedicado, encarando o amor do filho como a força necessária para ultrapassar todos os obstáculos.

Se é difícil a vida de um pai solteiro na América urbana, como em “Kramer...”, imaginem um jovem-adulto negro e pobre 30 anos atrás? Baseado na história real do empresário Chris Gardner, este comovente filme tem alguns trunfos em sua realização. Primeiramente, o de trazer à luz a superação individual de um negro na sociedade norte-americana e no meio corporativo capitalista, ainda hoje majoritariamente dominado por brancos. Segundo, por revelar Jaden, filho de Will na vida real que, além de uma criança graciosa, é talentoso, vindo a lograr uma carreira de sucesso a partir de então a exemplo do pai, também um talento mirim no passado. Por fim, o êxito de consolidar Will como um dos mais importantes nomes de sua geração, daqueles Midas de Hollywood capazes de fazer brilhar onde quer que ponham a mão.

Will e Jaden: pai e filho no cinema e na vida real
Além de indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro, “À Procura da Felicidade” faturou o NAACP Image Award de Melhor Filme mas, principalmente, premiou pai e filho por suas maravilhosas atuações. Will, o Phoenix Film Critics Society Awards. Já o pequeno Jaden levou não só este como o MTV Movie Award de Melhor Revelação. A sintonia entre pai e filho na frente e atrás das câmeras é captada com delicadeza pelo cineasta italiano Gabriele Muccino, que se valeu desta química para transpor para o cinema esta história inspiradora para qualquer pessoa, quanto mais, para um pai. 


UP: ALTAS AVENTURAS, de Pete Docter (EUA, 2009)

Carl Fredricksen é um solitário idoso vendedor de balões que está prestes a perder a casa em que sempre viveu com sua esposa, a falecida Ellie. Após um incidente, Carl é considerado uma ameaça pública e forçado a ser internado. Para evitar que isto aconteça, ele põe balões em sua casa, fazendo com que ela levante voo e vá em direção a Paradise Falls, na América do Sul, onde ele e Ellie sempre desejaram morar. Porém, Carl descobre que um “problema” embarcou junto: Russell, um menino de 8 anos.

A divertida e tocante animação, dirigida pelo assertivo Pete Docter (dos dois primeiros “Toy Story” e “Wall-E”), é das mais felizes realizações da Disney/Pixar. Acertos técnicos inquestionáveis como é de costume ao megaestúdio, mas principalmente, no enredo e nas metáforas que suscita. A simbologia do voo como elevação espiritual, da velhice e a proximidade com a morte é uma delas, bem como a casa como representação do corpo e daquilo que há no interior de cada um. Mas a trama toca também na questão da amizade, da lealdade e da paternidade, mas não necessariamente sanguínea. O ranzinza Carl, contrariado de princípio com a presença de Russell, vai se afeiçoando ao menino e compreendendo a importância do papel e da figura para este de um pai, o qual, ocupado com sua vida, pouco lhe dá atenção. As altas aventuras vividas por eles provam o quanto o pai também pode ser o que adota. Não no papel, mas no sentido mais emocional da palavra. Com o coração. O garoto, por sua vez, traz para o melancólico cotidiano de Carl, além de confusões – afinal, criança dá trabalho também – vida. Ah, e nisso inclui também a tiracolo um cãozinho, o simpático (e falante!) Dug.

O trio impagável de "Up": paternidade de quem adota com o coração
“Up” ganhou Oscar e Globo de Ouro de Melhor Filme de Animação e Melhor Trilha Sonora (Michael Giacchino), e chegou a concorrer a Oscar de Filme com títulos como “Guerra ao Terror” (vencedor), “Bastardos Inglórios”, “Avatar” e “Preciosa”, um feito para uma animação que seria igualado apenas por “Toy Story 3”, um ano depois. Uma qualidade do filme é que, devido à sua abordagem fantástica e resolução da trama, dificilmente terá uma continuidade, que, assim como acontece com várias outras animações, seguidamente entregam a primeira realização pela inconsistência e pela mera repetição caça-níquel. Vale muito também a pena assistir a versão brasileira dublada, que tem Chico Anysio impagável como Carl Fredricksen em um dos últimos trabalhos do humorista antes de morrer.


RAN, de Akira Kurosawa (Japão/França, 1985)

Adaptação de “Rei Lear”, de William Shakespeare, retrata de forma épica e brilhante o Japão feudal do século XVI, onde um velho senhor da guerra Hidetora, patriarca do clã Ichimonji (Tatsuya Nakadai), renuncia ao poder, entregando o seu império e conquistas aos três filhos: Taro, Jiro e Saburo. Tarô, o mais velho, seguindo a tradição do patriarcado japonês, torna-se o líder do clã e recebe o Primeiro Castelo, centro do poder, ficando Jiro e Saburo, respectivamente, com o Segundo e o Terceiro Castelo. Hidetora retém para si o título de “Grande Senhor” para permanecer com os privilégios Contudo, ele subestima como o poder recém-descoberto dos filhos irá corrompê-los e levá-los a virarem-se uns contra os outros. 

Obra-prima, “Ran” é mais uma adaptação de Shakspeare que Akira Kurosawa promoveu de forma pioneira no cinema japonês – assim como para com outros autores não-orientais como Dostoiévski, Gorky e Arsenyev. Porém, desta vez em cores, diferentemente do que fizera em 1957 adaptando “Macbeth” em “Trono Manchado de Sangue”, o que amplia a magnífica fotografia em grandes planos, o desenho de cena primoroso, os figurinos em que os tons simbolizam estados psicológicos e cenografia que remete ao milenar teatro japonês.

trailer de "Ran"

“Ran” levou o Oscar de Melhor Figurino e concorreu a Melhor Direção de Arte, Fotografia e Diretor, sendo a primeira e última vez que Kurosawa seria nomeado pela Academia. A tragédia teatral ganha uma dimensão ainda mais bela na tela grande, mais do que adaptações anteriores da mesma peça, ao retratar os desacertos internos dos Ichimonji, evidenciando um problema recorrente em famílias poderosas, que é a briga pelo poder e o desafio à autoridade e figura do pai. Numa produção digna do anseio de seu realizador, "Ran" revela conflitos e sentimentos muito genuínos como inveja, cobiça e orgulho e questionando a ancestralidade como formas de manutenção (ou não) do sangue.


Daniel Rodrigues
com colaborações de Leocádia Costa e Cly Reis


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Duelo - com José Eugenio Guimarães






Nosso primeiro colaborador da série Duelo, de entrevistas sobre cinema western e clássicos da sétima arte, é o capixaba e morador de Niterói, José Eugenio Guimarães. Zootecnista, Cientista Social e professor universitário de profissão. Cinéfilo de coração, o cara é dono do ótimo Blog Eugenio em filmes. Além de escrever em sua page diversos textos sobre várias fases do cinema, ele é um assíduo colaborador de muitas páginas culturais e sobre o tema na internet. Eugenio, que veio de uma família de cinéfilos, assistiu seu primeiro filme bem precocemente, aos dois anos de idade e que depois não parou mais. Ele mantém aquele costume voraz dos aficionados por cinema de rever uma grande produção muitas e muitas vezes. Conta que assistiu “No Tempo das Diligências”, mais de 200! O western é só mais uma de suas grandes paixões. Nosso entrevistado é também um profundo conhecedor de cinema independente e um fã declarado do cineasta brasileiro Glauber Rocha. É com ele que vou ter o imenso prazer de bater um papo cinéfilo nestas linhas cheias de intensidade e paixão real pelo cinema.



BINO: José Eugenio, não posso deixar de fugir de uma pergunta meio clichê: qual foi o primeiro grande filme que te impactou, aquele que vem à tua memória sempre num flash rápido?
John Ford
JOSÉ EUGENIO: Impacto, mesmo, senti ao ver “No Tempo das Diligências” (“Stagecoach”, 1939), em 1963, aos sete anos. Meu pai, cinéfilo, era assumidamente fordiano. E, certamente, herdei dele essa paixão pelo cinema de John Ford. Muito antes eu já o ouvia, enquanto fazia a barba ou tomava banho, rememorar diálogos inteiros de “Como era verde o meu vale” (“How green was my valley”, 1941), o filme que ele mais preferia do diretor. Mas a experiência de ver “No tempo das diligências” em tela de cinema, ainda menino, foi algo que jamais esquecerei. Antes de irmos ao Cine Odeon de Viçosa/MG, no qual foi exibido, o velho, como bom pai, começou a preparar o meu espírito para o que eu iria ver. E tudo correspondeu às expectativas. Pareceu que eu estava sonhando. Durante muito tempo “No tempo das diligências” foi o meu filme preferido de John Ford. Só fui revê-lo no cinema, pela última vez, em Belo Horizonte, em 1977, quando entrei na sessão das 14h e só saí ao fim da sessão das 22h, quase à meia-noite. Então, também o vi nas sessões das 16, 18 e 20h. Cinco sessões ao todo, enfileiradas. Saí do cinema meio tonto, mas totalmente em paz comigo mesmo. Já vi “No tempo das diligências” mais de 200 vezes. Também já ultrapassei esse número com “Rastros de ódio” (“The searchers”, 1956) e “O homem que matou o facínora” (“The man who shot Liberty Valance”, 1962), ambos também de Ford. São filmes que sempre revejo, nos quais sempre descubro coisas novas.

B: O primeiro filme que a gente assiste no cinema é como a primeira transa, algo marcante. Que lembranças tens dessa época?
JE: Comigo até que não dá para fazer essa relação. Pois o primeiro filme que vi no cinema foi em 1958. Estava com dois anos. Minha mãe queria ver “Marcelino Pão e Vinho” (“Marcelino Pan y Vino”, 1955), de Ladislao Vajda, e não tinha com quem me deixar. Levou-me junto. Segundo ela, fiquei o tempo todo com os olhos arregalados colados na tela, do começo ao fim. Evidentemente, não guardo lembranças desse meu batismo no cinema. O que ficou dessa ocasião foram as canções do filme, usadas por minha mãe para embalar o meu sono enquanto fui criança de colo. “Marcelino Pão e Vinho” só fui rever em BH, em um relançamento, quando estava com 21 ou 22 anos. Valeu como experiência afetiva, afinal estava tendo a oportunidade de ver o filme que inaugurou a minha cinefilia e que me fez fazer incontáveis birras para voltar ao cinema. Mas o filme mesmo é decepcionante, muito carola e moralista, uma produção típica da Espanha franquista afundada num catolicismo tão retrógrado como medieval.

B: Sobre tuas preferências no cinema em geral, quais escolas tu mais admiras? Fale um pouco delas.
JE: Há muitas "escolas". Prefiro chamar de movimentos. Mas as que fizeram a minha cabeça ou ampliaram os meus horizontes na cinefilia são, principalmente, o Cinema Revolucionário Russo, a Avant Gard Francesa, o Realismo Poético Francês, o Free Cinema Inglês, o Expressionismo Alemão, o Neorrealismo Italiano, a Nouvelle Vague Francesa e o Cinema Novo Brasileiro.
Falar um pouco delas... Vamos lá. Tentarei ser breve.
O Cinema Revolucionário Russo, por ter sido uma experiência que, ao menos por curtíssimo tempo, uniu o cinema a um projeto de mudança política e social. Era o cinema no compasso da revolução, inserido na construção de novos homem e tempo. Infelizmente, Stálin acabou com tudo isso.
A famosa cena do olho de "Um Cão Andaluz",
de Buñuel e Dalí
A Avant Gard Francesa, por trazer a abstração, o universo da subjetividade para o cinema, contaminando-o de poesia, aproximando-o das outras esferas da criação. Poucas vezes o cinema esteve tão perto do sublime e da ousadia, do rompimento de convenções, como neste breve período circunscrito aos anos 20.
O Realismo Poético Francês por investir no lirismo, transitando do otimismo à tragédia em tão pouco tempo. Praticamente foi um movimento que antecipou a tragédia europeia instalada com o Nazismo, incorporando, principalmente em seu momento de auge, a desesperança e o fatalismo.
O Neorrealismo Italiano por mostrar o melhor do humanismo num momento cravado na destruição provocada pela Segunda Grande Guerra. Câmeras nas ruas e becos, sob a realidade do sol ou da noite, acompanhando gente praticamente real, vivenciando problemas comuns, cotidianos, principalmente os que dizem respeito à sobrevivência. Então, é um cinema aliado ao exercício da objetividade, mas sem se esquecer de expressar o que passa em cada particularidade dos seres em cena.
Já o Expressionismo Alemão apreende a realidade num momento de incerteza e dissolução. A Alemanha derrotada na Primeira Guerra entrou numa crise profunda, não apenas econômica como moral, política e social. A mistura de tudo isso gerou perplexidade. O fantástico, inclusive o terror, dominaram a cena. Personagens dementes ou próximas disso davam o tom às narrativas e ações. Não havia explicações plausíveis para os atos. Quase tudo encontrava motivação numa ordem transcendental, inatingível, etérea, inexplicável. A poesia, a psicanálise, a escultura, a pintura eram fortes aliadas da composição cênica. É como se o cinema se tornasse total, ao englobar todos os demais meios de expressão e sem esquecer os rumos incertos que a sociedade vinha tomando. Mas tudo prenunciava o pior, como sabemos.
A Nouvelle Vague, por sua vez, foi o cinema do NÃO. Não a qualquer convenção, a qualquer dependência do cinema à literatura e aos estúdios. A liberdade criativa, a juventude, o espírito de rebeldia dominaram o movimento, que falava principalmente ao ser e às questões da contemporaneidade. Havia uma autonomia autoral sem precedentes. As produções eram baratas, filmava-se onde era possível, o glamour pouco importava. Um espírito de espontaneidade dava a tônica, algo que Jean-Luc Godard ainda hoje preserva em seus ensaios fílmicos.

cena de "Acossado" de Jean-luc Godard

O Free Cinema Inglês é praticamente paralelo e parecido à Nouvelle Vague, mas era menos etéreo, mais centrado nas questões concretas e prementes da existência. Dava para sentir os personagens pulsando de forma mais vigorosa e intensa.
No Brasil, o Cinema Novo, tão radical, com tantos nomes importantes e a vontade de revelar o país além dos grandes centros, também de maneira independente dos esquemas industriais, sem muitas preocupações às fórmulas, mas criando outras. Glauber, maior nome do movimento, era praticamente um cineasta que se reinventava de filme para filme, até chegar na desconstrução plena da narrativa em seu esforço tão pouco compreendido de emancipar o olhar. É um provocador que faz falta à mesmice de agora.

B: Em relação ao western, qual foi a grande contribuição desse gênero para o cinema mundial?
Antônio das Mortes, personagem de Glauber
inspirado em Ford
JE: Ao cinema mundial, não sei. Mundial é muita coisa. O que se sabe de concreto é: o western, por mais que muitos lhe torçam o nariz, foi o gênero que apresentou um tipo de homem que podem ser caracterizado como o indivíduo em sua forma mais bem acabada, sociologicamente falando. O cowboy ou seus similares estavam apoiados única e exclusivamente em suas determinações, desejos e vontades. É algo específico de uma determinada cultura. Historicamente, não há precedentes ao tipo em nenhum outro local do mundo. Geralmente as pessoas estavam vinculadas a alguma estrutura, a uma ordem. O cowboy, não. Goza de uma margem de autonomia sem precedentes. Isso encantou principalmente as plateias fincadas em organizações sociais mais tradicionais. Nisso, de certa forma, o modelo inspirou cineastas japoneses, principalmente Kurosawa. No Brasil, Glauber Rocha, principalmente em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", tem no personagem Antonio das Mortes uma extensão. Aliás, sabe-se claramente que o desenho do personagem está inspirado em Ethan Edwards (John Wayne), de “Rastros de ódio”. Esses filmes de Glauber buscam inspiração nos westerns de Ford, mas sob a capa de um Eisenstein. E há a Itália, país que sempre valorizou o gênero, tanto que inventou uma variante. Outras formas de narrativa heroicas contaminadas pelo western pode ser encontradas no cinema popular chinês, por exemplo. No Brasil, também há os filmes de cangaço, há muito tempo em baixa, com suas estruturas narrativas também herdadas dos westerns, principalmente pelo uso do cavalo pelos cangaceiros, algo que não resiste à menor análise junto à realidade, pois cangaceiro se locomovia a pé. Mas o cowboy, mesmo, é uma experiência única, ímpar, puramente estadunidense. É o indivíduo moldado naquilo que Weber chamou de ética protestante – do puritanismo: alguém que apenas presta contas às suas determinações e vontades.

B: "O Portal do Paraíso" é considerado o filme que matou o western americano, tudo por seu grande desastre comercial. O western spaghetti também passou por seu período turbulento e, após os anos 70, também não teve mais o brilho da era do ouro dos Sergio's e companhia. Com todo esse hiato, raras produções western tiveram destaque no cinema. Um exemplo é “Dança Com Lobos” e "Os Imperdoáveis", que ganharam muitos Oscar e foram muito bem recebidos pela crítica. Poucos estúdios e diretores apostam nesse tipo de produção. Porque você acha que este gênero está tão em baixa nos últimos tempos?
JE: O western é vítima de vários fatores. Há primeiro a televisão, que o banalizou com um punhado de séries familiares e telefilmes de consumo imediato. Também há o politicamente correto. Além do fato de que os estadunidenses em geral têm certa dificuldade de confrontar um passado de conquista que não se afigura tão glorioso para a História, dados os custos humanos do empreendimento. Ainda é muito complicado, para eles, discutir o genocídio dos índios. É um tema praticamente encoberto de tabu. É uma pena, pois se há um gênero que pode ser chamado de genuinamente nacional em se tratando de Estados Unidos, é o western. Quer queira quer não, mostra como o país foi conquistado e unificado. À medida que os EUA foram se urbanizando e se industrializando, ficado mais cosmopolitas, o western foi se tornado um gênero ultrapassado, uma narrativa que não combina mais com a realidade, principalmente por revelar uma etapa que se quer esquecer.

B: Tarantino e os irmãos Ethan e Joel Coen parecem ter apostado no western, cada um a seu estilo. Como você vê a estética e os filmes destes diretores?
Francamente, em termos estéticos não saberia como responder. Sei que são recicladores, cada qual à sua moda. São cineastas que têm um modo próprio de expressão mas sem abrir mão das dívidas a pagar com a tradição. Tanto que seus filmes podem ser sérias releituras ou, dependendo do momento, também podem ser meros pastiches. O que me irrita, hoje, é o extremo valor que se dá a esses nomes. Não tanto os Irmãos Coen, que são brilhantes. Mas faço reservas a Tarantino, não tanto a ele, que é bom cineasta, mas por ser visto, principalmente pelos setores mais jovens, como um valor totalmente original. Não é, mesmo. Pode ser mais barulhento, mas estiloso, mais midiático, mas é também um manipulador em causa própria, um bom marqueteiro de si mesmo. Em todo caso, vamos ver. Não estou dizendo que o abomino, muito ao contrário. Apenas revelo o que para mim desponta como limitações.

B: Se tu tivesses que fazer uma lista de 10 grandes e definitivos westerns de todos os tempos, quais seriam?
Esse negócio de listar "grandes e definitivos" é problemático. Mas, vamos lá, com todo o meu perdão às injustiças que certamente cometerei:
1 - No tempo das diligências (Stagecoach), de John Ford (1939)

2 - Paixão dos fortes (My Darling Clementine), de John Ford (1946)
3 - Rio Vermelho (Red River), de Howard Hawks (1948)
4 - O preço de um homem (The Naked Spur), de Anthony Mann (1953)
5 - Os brutos também amam (Shane), de George Stevens (1953)
6 - Rastros de ódio (The Searchers), de John Ford (1956)
O Duke, John Wayne,
em cena de "Rastros de Ódio"










7 - Galante e sanguinário (3:10 to Yuma), de Delmer Daves (1957)
8 - Onde começa o inferno (Rio Bravo), de Howard Hawks (1959)
9 - O homem que matou o facínora (The Man Who Shot Liberty Valance), de John Ford (1962)
10 - Meu ódio será sua herança (The Wild Bunch), de Sam Peckinpah (1969)
Puxa, apenas 10 títulos! Acabei de excluir cerca de 16 outros, que considero essenciais, da lista. Parece que acabo de cometer pecado mortal.

B: Agora mudando o rumo da conversa. Quando Redford quando criou Sundance queria dar oportunidade ao cinema independente. Muitos diretores e produtores beberam nessa fonte que Cassavetes catapultou anos antes. Que tu acha desse tipo de cinema não tão mainstream? Algum filme ou diretor te chamou atenção nestes últimos anos?
JE: Esse tipo de cinema, à margem, é essencial. E aí que vamos encontrar os germes de renovação, as criatividades. Cinema é indústria e indústria é algo formatado, que pode ser reproduzido em grande escala. O cinema independente está à margem disso, pode se afastar das convenções, investir em pesquisas estéticas, formais, autorais; pode correr riscos com mais facilidade. Pode ousar. Pena que todo sopro de independência, de rebeldia, acaba, com o tempo — e são raras as exceções —se incorporando ao mainstream, ainda mais no cinema americano. Gosto de citar um caso extremo: John Waters, com seu cinema de guerrilha. Já significou mau gosto. Vide “Pink Flamingos”. Hoje, é encenado na Broadway. Seus exercícios autorais, fétidos, imorais e amorais já foram incorporados à industria e refilmados segundo os grandes esquemas. Vivemos tempos cada vez mais perigosos ao autoral e ao independente. O capitalismo incorpora tudo, até o que lhe é contrário. Basta ser domesticado, esquematizado e, claro, dar lucro.
Sobre quem está chamando a minha atenção nos últimos anos: Sophie Deraspe, Martin Laroche, XAvier Dolan, Stéphane Lafleur, Robert Morin, Denis Villeneuve, Alexandro Avranas, Rosario Garcia-Montero, Petra Costa, Peter Webber... deve ter mais alguém.

B: E sobre as produções Brasileiras e Latino-Americanas o que você tem a dizer?
JE: Bom... O cinema brasileiro sempre me interessou, desde que me habituei a vê-lo já na fase final das comédias da Atlântida. Nós temos um cinema muito bom, diferente, com valorosos cineastas. No tempo do Cinema Novo éramos uma das cinematografias mais desafiadores. O cinema brasileiro foi recordista mundial de prêmios em mostras e festivais internacionais nos anos 70. Penas que os contextos políticos não ajudaram.
Já vi muitos filmes mexicanos. Eram exibidos facilmente no Brasil até o começo dos anos 70. Havia aqui uma representação da PelMex – Películas Mexicanas –, que fazia a distribuição do que veio a ser conhecido como Cinema de Lágrimas. O cinema cubano também teve melhores dias entre nós, principalmente o Novo Cinema Cubano (já velho), dos anos imediatamente posteriores à Revolução.
Pouco conhecemos das produção dos nossos vizinhos, excluída, atualmente, a Argentina, que vive um contagiante momento de euforia. Quanto a nós, agora, parece que estamos prisioneiros do formato ditado pela Globo Filmes. Mesmo assim, não podemos reclamar, pois temos Jorge Furtado, Fernando Coimbra, Karim Aïnouz, Cláudio Assis e gente mais velha que ainda está na ativa apesar de todas as dificuldades.

B: O que tu achas do cinema como ferramenta de inclusão social?
As contribuições seriam exatamente a de levar o cinema à população. Tentativa que não é nova e era praticada em tempos mais generosos e mais fartos de filmes com temáticas populares e de acesso mais facilitado ao público em geral, principalmente ao carente de cinema. Nos anos 60 e 70 os cineclubes faziam essa ponte, levando o cinema à população que nunca o teve. Inclusive estimulando-o a tomar a câmera como exercício de criação própria. Cheguei a participar um pouco dessa fase, em meus dias de cineclubismo.

B: Para finalizar, se você se definisse como pessoa em um filme, qual seria ele, e por quê?
JE: Ah! Não sei. Certamente seria alguém semelhante aos personagens interpretados pelo Wilson Grey, pelo Hank Worden, pelo Henry Calvin. Nunca me preocupei com isso. Mas alguém heroico é que não seria. Estou mais perto do perfil dos perdedores. Se tivesse que ser um cowboy, encontraria afinidades com o Monte Walsh vivido pelo Lee Marvin em “Um homem difícil de matar” (Monte Walsh, 1970), de William Fraker.