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segunda-feira, 12 de maio de 2014

“Mário Röhnelt: Uma Retrospectiva” – Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) - Porto Alegre /RS

Mário Röhnelt: imagem, material e transformação






Acrílico e traços em planos ampliados da folha quadriculada,
que ganha outra dimensão, e à direita, a tela em detalhe.
Na semana passada, estive na retrospectiva expográfica da obra de Mário Röhnelt e fiquei de escrever um pouco sobre o que vi reunido pela curadoria de José Francisco Alves. O próprio curador apresenta em seu texto informações sobre a produção do pelotense Röhnelt situando o visitante conhecedor ou não da sua obra produzida nos últimos 30 anos integrando acervos de museus e colecionadores. Mário que tem formação em arquitetura nos oferece uma produção diferenciada e, a meu ver, em alguns períodos ligada ao imenso intercâmbio e diálogo com a obra do santa-mariense, Milton Kurtz com quem dividiu atelier e compartilhou parte da produção, um interferindo no trabalho do outro, intercambiando traços, cores e imagens.
Antes mesmo de comentar alguns dos espaços gostaria de comentar com os amigos virtuais aonde começa minha admiração e interesse por estes dois artistas gaúchos. Em 1997, recebi um catálogo com textos críticos de Ana Albani de Carvalho e Fernando Cocchiarale relativo à uma exposição em homenagem a Milton Kurtz realizada paralelamente ao VIII Salão de Pintura Cidade de Porto Alegre intitulada “ Milton Kurtz, Trabalhos 1970-1996” das mãos do meu sempre Prof. de Cerâmica, Cláudio Ely. Nesta época eu levava pessoalmente os convites aos palestrantes de um seminário que envolvia artistas da cidade de Porto Alegre e convidando também músicos, jornalistas, filósofos, poetas e etc. a palestrar sobre como é ser um artista da vida.
Painéis geométricos em lona e tela
Assim, depois de estudar a participação de Mário Röhnelt no grupo KVHR integrado juntamente por Kurtz, Paulo Haeser e Julio Viegas, descobri que este grupo era responsável por um folheto impresso em off-set, feito por eles mesmos, contendo imagens elaboradas também por eles. O “KVRH de Arte” era distribuído mensalmente, com tiragem de 1 mil exemplares com abrangência ampla, inclusive em outros estados e países. O projeto durou doze meses, entre 1979 e 1980 paralelo a atuação do Centro Alternativo de Cultura Espaço N.O (neste caso formado por Mário Röhnelt e um outro grupo de artistas jovens: Ana Torrano, Cris Vigiano, Carlos Wladimirsky, Heloisa Scnheiders da Silva, Karin Lambrecht, Regina Coeli, Rogério Nazari, Simone Basso, Telmo Lanes e Vera Chaves Barcellos) com objetivo de criar em Porto Alegre um local destinado à veiculação de manifestações artísticas contemporâneas, como performances, instalações, arte-postal, arte-xerox, organizando cursos, encontros e exposições.
Pretos e brancos em dimensões arquitetônicas
Olhando este catálogo e vendo agora a obra reunida de Röhnelt posso perceber os pontos apontados por Ana Albani em seu texto e reforçados por José Francisco relativo ao que há de comum entre as produções dos artistas: em primeiro a arquitetura (ambos cursaram a faculdade de Arquitetura e Urbanismo pela UFRGS), depois à dedicação às artes visuais de forma muito “autodidata”, talvez muito em função do trânsito entre os alunos das Artes e da Arquitetura nessa década, e por fim no caráter estético ou meramente pela abordagem humanística de seus trabalhos.
Selfs, desenhos a partir de fotografias
Aliás, a forma humana está presente em praticamente toda a produção de Röhnelt (desenho, fotografia ou pintura) que nos anos 2000 transformada em linha e sobreposta à cores e cenários sobrevoa, mais livre e ora mais mergulhada no plano acrílico colorido. A retrospectiva está dividida em cinco salas do 2º andar do MARGS, e impressiona o visitante a cada ambiente. Como informa José Francisco em seu texto curatorial, a obra está apresentada em segmentos. No primeiro vemos sua fase como desenhista, ali estão seus selfs ou imagens de amigos e pessoas próximas com base em fotografias. Depois vemos as pinturas muito coloridas que ocupam a década de 80, em acrílica sem tela e pinturas em papel. Nos anos 90 a fotografia, traz o branco e preto, em conjuntos de pinturas sobre tela e lona. Em meio a tudo isso, estão matrizes digitais, maquetes de ambientes, cenários, livros de artista, que invadem a produção nos anos 2000 e nos deixam imersos em linhas, agora digitais, a partir de releituras de obras do renascentista Giotto.
Fotografia, uma das técnicas usadas por Röhnelt
No dia seguinte em que estive no MARGS assisti um episódio da série “Arte Brasileira” veiculada no canal fechado GNT, apresentando o artista contemporâneo Vik Muniz (que em breve estará com exposição no Santander Cultural de Porto Alegre). Em meio a tantas falas e registros em vídeo dos trabalhos de Muniz, um comentário me reportou para a exposição de Röhnelt. Vik comenta sobre o que as pessoas fazem quando elas estão se aproximando e se afastando de quadros em exposições com sua obra. Vik diz: “Elas estão criando uma relação entre a imagem e o material. Quando você se afasta, você vê a imagem, quando você se aproxima, você vê o material que aquela imagem é feita. O sublime na representação não está na imagem ou no material e, sim, no momento em que uma coisa se transforma na outra.” Na exposição de Röhnelt eu senti muito esses momentos durante todo o tempo de visitação, por isso não perca de presenciar na sua frente, desenhos transformando-se em fotografias, fotografias em pinturas, planos bidimensionais em planos e figuras em traços.




texto e fotos Leocádia Costa

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Reproduções digitais


exposição Mário Röhnelt : Uma Retrospectiva"
Museu de Arte do RS / MARGS
até 1º de junho de 2014.
horário de visitação: Terças a domingo, das 10 às 19 horas.
Entrada franca.

www.margs.rs.gov.br






Detalhe de Selfs do artista e da fotógrafa visitante

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Drops: exposição "Neon", de Gelson Radaelli - Margs - Porto Alegre/RS


Porto Alegre se torna a cada dia uma cidade mais e mais “bunda mole”. Poucas coisas das que nos identificam enquanto nativos da capital gaúcha escaparam da deterioração física e/ou imaterial. Gelson Radaelli e sua obra são das coisas que prevalecem. Dono de uma arte abstrata muito pessoal, tanto quanto forte e inquietante, Radaelli acaba de inaugurar uma exposição alusiva aos 30 anos de intensa produção artística no Margs - Museu de Arte do RS, intitulada “Neon”. Pelo pouco que vi, interessei-me muito. São pinturas a óleo com as características pinceladas largas do artista em preto, branco e cinza sobre um fundo rosa. Ainda não fui, mas é certo que passarei lá para conferir a novas telas de Radaelli e, se possível cumprimentá-lo, pessoa simpática que ele é. Posteriormente, volto aqui ao blog para contar o que vi.

Uma das obras novas de Radaelli em exposição no Margs

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Exposição “Neon”
obras recentes de Gelson Radaelli
local: Margs - Museu de Arte do RS
endereço: Praça da Alfândega, s./n., no centro de Porto Alegre
período: de 26 de julho até 10 de setembro, de terças a domingos, das 10h às 19h.
Entrada franca.

por Daniel Rodrigues

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Exposições “Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás”, de Pierre Verger - Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) - Porto Alegre/RS


 

"Verger era um africano nascido na França”. 
Nondichao Bacalou, assistente de Pierre Verger

"Verger é a pessoa que historicamente vem se dedicando mais a essas relações com a África”.
Gilberto Gil

Quando estivemos em Salvador, em 2015, uma das certezas as quais saímos levamos na mala era a de que queríamos ver a obra de Pierre Verger. Tanto quanto a casa de Jorge Amado e Zélia Gattai, o Pelourinho, o Elevador Lacerda, a Sorveteria da Ribeira, o Mercado Modelo, a praia de Itapuã e outros elementos turísticos e culturais da capital baiana, ter contato com o estrangeiro que melhor entendeu e melhor se hibridizou àquela cidade era um desejo alentado por Leocádia e por mim. Conseguimos visitar uma loja da Fundação Pierre Verger com um pequeno acervo próxima ao Pelourinho, onde ficamos hospedados. Saímos com alguns souvenires e roupas temáticas, que até hoje nos fazem lembrar de lá. Porém, considerando os menos de cinco dias que pudemos ficar, e que naquela época qualquer movimento maior numa cidade que não se conhece podia ser realizada apenas de táxi, pois não existiam ainda os aplicativos de transporte, a matriz da fundação, no longínquo bairro Engenho Velho de Brotas, infelizmente, não deu para irmos.

A frustração de não conseguirmos nos estender na obra de Verger, acalentada por um remoto retorno a Salvador, foi parcialmente superada com uma dupla exposição do icônico trabalho do fotográfico do etnólogo, antropólogo e escritor francês em Porto Alegre. “Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás” trazem o olhar de Pierre Fatumbi Verger sobre a diversidade cultural e a influência recíproca da religiosidade nas culturas africanas e afro-brasileiras. Fez-nos sentir ainda mais em Salvador o fato de que mostra é uma parceria com a Fundação Pierre Verger e as obras selecionadas pelo curador de Alex Baradel, especialista responsável pelo acervo fotográfico da Fundação.

“Todos iguais, todos diferentes?” traz um recorte dos retratos feitos por Verger a partir de seus encontros nas viagens que realizou pelo mundo durante mais de 40 anos. São imagens que, a partir de seu olhar, ressaltam os aspectos da diversidade cultural e do respeito ao outro. Vietnã, Espanha, Congo, Oceano Índico, Senegal, Bolívia, México, Togo, Peru, Mauritânia e, claro, Brasil, são alguns dos países e feições literalmente retratados no trabalho de Verger, que explora imagens em primeiro plano de indivíduos, que se tornam, mais do que apenas retratos de pessoas, mas uma intenção sociopolítica democrática e libertária típica da Antropologia Social da geração a qual ele pertenceu. Não errado dizer “de esquerda”.

Visão geral do primeiro salão de “Todos iguais, todos diferentes?”

Já “Orixás”... Nossa, “Orixás”! Este traz nada mais, nada menos do que uma seleção de fotografias ampliadas em grande formato que constam no livro homônimo de Pierre Verger, lançado pela primeira vez em 1981 e considerado como um dos 200 livros mais importantes para se entender o Brasil A exposição compila, de forma plástica e poética, as pesquisas de Verger sobre a história e mitologia dos orixás nas religiões afro-brasileiras, sobretudo em Salvador e Bahia, além de destacar a origem desses rituais na cultura e nos mitos iorubás africanos em países como Nigéria, Daomé (atual Benin) e Togo. Ao realizar esses estudos em suas viagens desde a Bahia e Recife e até a região do Golfo de Benin, entre os anos 1948 e 1978, Verger se tornou pioneiro na pesquisa quanto às influências culturais e religiosas recíprocas entre África e América, tal como passaram a se dar a partir do século XVI, com a diáspora africana ocorrida em função do tráfico de negros escravizados. As fotos são algo simplesmente arrebatador.

A sensação de penetrar no mundo de Verger ganha força a cada fotografia que se passa, a cada olhar de outra pessoa captada por ele, a cada detalhe enquadrado, a cada realidade dita em apenas um click de segundos. Ainda mais na exposição “Orixás”, que nos fez voltar àquela atmosfera da Bahia da qual nos despedimos com sentimento de incompletude. Adensa ainda mais esta percepção o fato de que a mostra é, justamente, resultado de uma parceria do Margs com a Fundação Pierre Verger e que as obras selecionadas pelo curador de Alex Baradel, especialista responsável pelo acervo fotográfico da Fundação. Só podíamos mesmo voltar à mágica Bahia de Todos os Santos, e isso sem precisar sair ali, na beira do Guaíba, abençoada por Yemanjá.

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Iguais e, sim, diferentes


Senhora típica espanhola e um belo jovem vietnamita, em fotos dos anos 30


Trabalhadores do povo daqui e de lá


Mulher africana e Leon Trotsky no exílio México


Vista geral da mostra “Todos iguais, todos diferentes?”


A vitalidade de jovens do Vietnam e de Cuba


Detalhe do preciso sorriso de um pequeno mexicano


Composições semelhantes em Tarabuco, Bolívia (cima) e em Ocongate, no Peru


Detalhe no foco, que está no rosto da jovem em segundo plano


Expressivo retrato de um idoso no Brasil dos anos 50, interior de SP


Outra marcante foto desta linda cubana (1957)


Entre os vários amigos ilustres, Dorival Caymmi, Diego Rivera e Walt Disney, ao centro, de "gaucho"


Foto da impressionante exposição "Orixás" (anos 50)


Trabalho etnológico de Verger, que rendeu fotos históricas da religiosidade africana e brasileira


Divindades do candomblé representadas


A plasticidade própria dos cultos africanos 


Yemanjá (Salvador, 1946)


Um 360° de "Orixás"


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“Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás”
Visitação até 08 de outubro, de  terça-feira a domingo, das 10h às 19h
Local: Museu de Arte do Rio Grande do Sul - MARGS - 1º andar expositivo do MARGS (Pinacotecas e sala Aldo Locatelli)
Praça da Alfândega, s/n°, no Centro Histórico de Porto Alegre - RS
Ingresso: gratuito


Daniel Rodrigues

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Exposição “Neon”, de Gelson Radaelli – MARGS – Porto Alegre/RS



Qualquer pessoa que já tenha tido a felicidade de ir ao Atelier de Massas, no Centro de Porto Alegre, sabe que não se vai lá somente pelas deliciosas comidas que a casa oferece – o que já seria, importante ressaltar, motivo suficiente. Além do jazz rolando em volume adequadíssimo nos alto-falantes (nem alto demais que não se consiga conversar, nem baixo em demasia que não seja possível identificar a música e criar uma atmosfera agradável), as paredes do restaurante são verdadeiramente hipnotizantes. Isso porque Gelson Radaelli, dono do negócio, é, igualmente, um dos mais criativos e expressivos artistas visuais do Rio Grande do Sul, e as paredes do Atelier de Massas são tão abarrotadas de quadros dele quanto de garrafas de vinhos, confundindo o restaurante – propositalmente – com seu atelier de arte.

Faço o paralelo com o vinho, pois, como acontece com a bebida de Baco, a obra de Radaelli também parece melhorar com o tempo. Se não tanto, ao menos se refina – o que a muitos pode ser entendido, sim, como avanço conceitual e técnico. “Neon”, em exposição no MARGS – Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, simboliza essa hipótese: é a celebração de 30 anos de um trabalho forjado essencialmente na pintura e no desenho sintetizado em elementos pictóricos mínimos, mas que denotam a multiplicidade plástica e, consequentemente, a depuração de uma obra artística. São 22 quadros inéditos, maiormente óleo sobre tela, em que a constituição básica são pinceladas largas em preto, branco e cinza (por vezes, algum azul) sobre um fundo rosa.

Assim, as fantasmáticas e desconcertantes figuras humanas vistas em grande parte da obra de Radaelli, que chegam até a assustar com sua expressividade desacomodante, estão presentes na novíssima série produzida para a exposição. Entretanto, homogeneizadas, hibridizadas, como que assimiladas naturalmente. Os corpos humanos ou pedaços de dão lugar a borrões e espessos feixes de tinta. Se o figurativo dá lugar ao pleno abstratismo, a sensação de movimento – não raro, vertiginosa –, a persistência do traço, a sobreposição de camadas e a inquietante fúria do gesto mantêm-se intactas, reelaboradas, renovadas.

A maturidade atingida por Radaelli nesta nova série também pode ser percebida na síntese cromática obtida com a combinação mínima de cores. O fundo rosado funciona como um cenário de múltiplas possibilidades de interação com aquilo que suporta. Assim, o preto, o branco e o cinza, intercalam-se, somam-se, desafiam-se. Nunca suplantando sua base, mas experimentando gestos de todas as ordens: jorros, acasos, redemoinhos, urgências. E ainda deixando escapar sempre, mesmo que discretamente, algum azul. Um azul de existência, de resistência. De luz.

“Neon” faz-se, por estes aspectos e outros vários que possam ser depreendidos, uma mostra desafiadora em sua aparente redução. Radaelli sempre delegou, diferentemente de Iberê Camargo – de quem se notam semelhanças por vezes –, ao apreciador a responsabilidade de lidar com o incômodo, com o embaraço das contorcidas e doloridas figuras humanas que compunha. Nesta série, entretanto e para além disso, a assimilação conceitual pela via da abstração não tira de quem vê tal carga. Põe, sim, a perguntarem-se: onde fomos parar?

Vídeo: Exposição "Neon"



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serviço
Exposição “Neon"
local: Galerias Ângelo Guido, Pedro Weingartner e João Fahrion do MARGS (Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli)
endereço: Praça da Alfândega, s./n., no centro de Porto Alegre/RS
período: até 10 de setembro
horário: de terças a domingos, das 10h às 19h
curadoria de Icleia Borsa Cattani.
entrada franca.

abaixo algumas fotos da exposição:






 









por Daniel Rodrigues

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

“Zoravia Bettiol – o lírico e o onírico”, de Zoravia Bettiol - Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (Margs) – Porto Alegre/RS











O belo e moderno autorretrato de 2002
“Zoravia faz arte como vive.”
Moacyr Scliar




Mais de um motivo levou Leocádia e eu a irmos a vernissage da exposição de Zoravia Bettiol no Margs. O primeiro e mais óbvio é a importância de sua obra para as artes visuais no Rio Grande do Sul e no Brasil nos últimos 60 anos, tempo o qual está sendo comemorado juntamente aos 80 de vida da artista admirada por gente como Jorge Amado, Moacyr Scliar, Erico Verissimo, Mário Quintana, Mário Schemberg e o próprio Vasco Prado, marido por quase três décadas e com quem compartilhara, inclusive, admiração. Só isso, já justificaria a ida. Mas tem mais. Filha de Iemanjá assim como Leocádia, a quem conhece e nutre amizade há pelo menos uma década, Zoravia dedica, entre as 150 obras selecionadas de diversas fases, técnicas e produções, algumas aos orixás e, obviamente, à Rainha dos Mares. Mas não para por aí. Justamente uma das obras mais representativas e impactantes da mostra, uma escultura em ferro fundido de cerca de 1 metro e meio chamada exatamente de “Iemanjá”, de 1973, é do acervo pessoal de Leocádia, que a cedeu para a rica exposição “Zoravia Bettiol – o lírico e o onírico”. Claro que estaríamos lá.

Tal foi nossa surpresa que a referida escultura encontra-se logo na entrada das quatro salas que compõem a diversa e numerosa seleção feita pelos curadores Paula Ramos e Paulo Gomes, a qual vasculha as variadas fases criativas de Zoravia. Há desenhos, pinturas, gravuras, arte têxtil, objetos, ornatos e joias, além de registros de performances. Disso, resulta uma impressionante diversidade de técnicas e estilos, as quais Zoravia domina com naturalidade, sem excetuar seu rigor de perscrutadora voraz e quase obsessiva. Além da visível liberdade criativa e da utilização das cores, nota-se um exercício permanente para encontrar a trama certa dos fios, a pincelada mais expressiva, a textura ideal da impressão. Tudo intenso, em permanente ebulição.

Esse cuidado e labor extremos se notam muito nas xilogravuras, das especialidades de Zoravia. O detalhismo do desenho se expressa lúdico na Série “Circo”, de 1967, cujos traços refazem de os cordéis nordestinos, principalmente na forma das figuras humanas. Na série que versa sobre os pecados capitais, é possível identificar a textura do tramado da corda, vista em trabalhos têxteis feitos à base desse material. O lúdico, igualmente, está presente de maneira incisiva, caso das séries Namorados (1965) e as dedicadas aos deuses gregos (1965-66/76), onde se nota, aliás, parecença com as imagens do candomblé – o maravilhoso “Netuno”, tal um preto velho, não deixa dúvida dessa universalidade. Desta cultura tão brasileira quanto universal, Zoravia extrai outros trabalhos e séries, como a própria série “Iemanjá” (1973). Sobre isso, Jorge Amado tem um depoimento sobre Zoravia destacado na mostra: “Como ninguém, Zoravia canta e transmite a atmosfera desse universo infantil onde o maravilhoso é o cotidiano e onde o insólito é a terra”.

Há também lindas obras como “Criança Adormecida” (xilo, 1961), em que o traço do desenho mostra-se rigorosamente estudado na criação final, e “Meias Amarelas”, da série Romeu e Julieta (1970) A temática sociopolítica, igualmente forte em toda sua carreira, tem uma das longas paredes da mostra praticamente dedicadas com exclusividade. “Só o povo pode fazer o novo” (acrílica sobre madeira, 1984), carrega o espírito do período do clamor pelas Diretas a qual o Brasil passava naquele então. Visto com o olhar de hoje, em que aquele grito democrático parece ter perdido significado, lembrei-me dos realistas versos de Nei Lisboa: “cada povo tem o novo que merece”.

Adentrando a sala mais ao fundo, depara-se com o que talvez tenha mais impressionado a mim e até a Leocádia, acredito: o conjunto completo de xilogravuras para a lenda “A Salamanca do Jarau”, publicada por Simões Lopes Neto em seu célebre “Lendas do Sul” (1913). Zoravia ilustrou o texto em 1959, produzindo 27 imagens que estão sendo expostas pela primeira vez em sua totalidade, acompanhadas por vários – e belos – estudos preparatórios. Cada imagem é de uma riqueza impressionante. Para mim, que já vi algumas séries baseadas em obras literárias, como as que Dalí fez para a "Divina Comédia" ou “Alice no País das Maravilhas”, esta não fica a dever em nada.

Uma exposição de absoluta diversidade, que instiga justamente por isso. Como bem descreve o texto curatorial: “O fato é que Zoravia Bettiol, ao contrário de muitos artistas de sua geração, preocupados com a unidade estilística e fiéis a determinado meio expressivo, buscou na diversidade parcelas dela mesma. Porém, em cada manifestação, em cada trabalho, é sempre ela, Zoravia.”

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“Zoravia Bettiol – o lírico e o onírico”
onde: Margs -  Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli
(Praça da Alfândega, s/n° Centro – Porto Alegre/RS)
quando: até 11 de dezembro, de terça a domingo, das 10h às 19h
entrada: gratuita
curadoria: Paula Ramos e Paulo Gomes

 
Da série Circo, dos anos 60.

Obra da série Namorados.

Os Deuses Gregos em traços que remetem ao candomblé.


Netuno imponente sobre as águas

Estandarte de Oxóssi, da série Iemanjá.

A belíssima criança adormecida, dos anos 60.

Sensualidade na obra da série dedicada a Romeu e Julieta.

Política e causa social em acrílica sobre madeira.

Uma das mais belas séries, inspirada nos 7 Pecados Capitais, de 1987.

Zoravia desenhada pelo marido Vasco Prado
a traços próximos aos de Picasso.

Uma das obras de 2005 em que a artista
interage com diversas técnicas.

Capa da impressionante série dedicada à obra
de Simões Lopes Neto.

Mais uma das xilos de A Salamanca do Jarau.

Outra das gravuras da série inspirada em Simões Lopes Neto.


As duas filhas de Iemanjá com a escultura em homenagem à orixá.



por Daniel Rodrigues