"Verger era um africano nascido na França”.
Nondichao Bacalou, assistente de Pierre Verger
"Verger é a pessoa que historicamente vem se dedicando mais a essas relações com a África”.
Gilberto Gil
Quando estivemos em
Salvador, em 2015, uma das certezas as quais saímos levamos na mala era a de que queríamos ver a obra de
Pierre Verger. Tanto quanto a casa de
Jorge Amado e Zélia Gattai, o
Pelourinho, o Elevador Lacerda, a Sorveteria da Ribeira, o
Mercado Modelo, a praia de Itapuã e outros elementos turísticos e culturais da capital baiana, ter contato com o estrangeiro que melhor entendeu e melhor se hibridizou àquela cidade era um desejo alentado por Leocádia e por mim. Conseguimos visitar uma loja da Fundação Pierre Verger com um pequeno acervo próxima ao Pelourinho, onde ficamos hospedados. Saímos com alguns souvenires e roupas temáticas, que até hoje nos fazem lembrar de lá. Porém, considerando os menos de cinco dias que pudemos ficar, e que naquela época qualquer movimento maior numa cidade que não se conhece podia ser realizada apenas de táxi, pois não existiam ainda os aplicativos de transporte, a matriz da fundação, no longínquo bairro Engenho Velho de Brotas, infelizmente, não deu para irmos.
A frustração de não conseguirmos nos estender na obra de Verger, acalentada por um remoto retorno a Salvador, foi parcialmente superada com uma dupla exposição do icônico trabalho do fotográfico do etnólogo, antropólogo e escritor francês em Porto Alegre. “Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás” trazem o olhar de Pierre Fatumbi Verger sobre a diversidade cultural e a influência recíproca da religiosidade nas culturas africanas e afro-brasileiras. Fez-nos sentir ainda mais em Salvador o fato de que mostra é uma parceria com a Fundação Pierre Verger e as obras selecionadas pelo curador de Alex Baradel, especialista responsável pelo acervo fotográfico da Fundação.
“Todos iguais, todos diferentes?” traz um recorte dos retratos feitos por Verger a partir de seus encontros nas viagens que realizou pelo mundo durante mais de 40 anos. São imagens que, a partir de seu olhar, ressaltam os aspectos da diversidade cultural e do respeito ao outro. Vietnã, Espanha, Congo, Oceano Índico, Senegal, Bolívia, México, Togo, Peru, Mauritânia e, claro, Brasil, são alguns dos países e feições literalmente retratados no trabalho de Verger, que explora imagens em primeiro plano de indivíduos, que se tornam, mais do que apenas retratos de pessoas, mas uma intenção sociopolítica democrática e libertária típica da Antropologia Social da geração a qual ele pertenceu. Não errado dizer “de esquerda”.
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Visão geral do primeiro salão de “Todos iguais, todos diferentes?” |
Já “Orixás”... Nossa, “Orixás”! Este traz nada mais, nada menos do que uma seleção de fotografias ampliadas em grande formato que constam no livro homônimo de Pierre Verger, lançado pela primeira vez em 1981 e considerado como um dos 200 livros mais importantes para se entender o Brasil A exposição compila, de forma plástica e poética, as pesquisas de Verger sobre a história e mitologia dos orixás nas religiões afro-brasileiras, sobretudo em Salvador e Bahia, além de destacar a origem desses rituais na cultura e nos mitos iorubás africanos em países como Nigéria, Daomé (atual Benin) e Togo. Ao realizar esses estudos em suas viagens desde a Bahia e Recife e até a região do Golfo de Benin, entre os anos 1948 e 1978, Verger se tornou pioneiro na pesquisa quanto às influências culturais e religiosas recíprocas entre África e América, tal como passaram a se dar a partir do século XVI, com a diáspora africana ocorrida em função do tráfico de negros escravizados. As fotos são algo simplesmente arrebatador.
A sensação de penetrar no mundo de Verger ganha força a cada fotografia que se passa, a cada olhar de outra pessoa captada por ele, a cada detalhe enquadrado, a cada realidade dita em apenas um click de segundos. Ainda mais na exposição “Orixás”, que nos fez voltar àquela atmosfera da Bahia da qual nos despedimos com sentimento de incompletude. Adensa ainda mais esta percepção o fato de que a mostra é, justamente, resultado de uma parceria do Margs com a Fundação Pierre Verger e que as obras selecionadas pelo curador de Alex Baradel, especialista responsável pelo acervo fotográfico da Fundação. Só podíamos mesmo voltar à mágica Bahia de Todos os Santos, e isso sem precisar sair ali, na beira do Guaíba, abençoada por Yemanjá.
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Iguais e, sim, diferentes |
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Senhora típica espanhola e um belo jovem vietnamita, em fotos dos anos 30 |
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Trabalhadores do povo daqui e de lá |
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Mulher africana e Leon Trotsky no exílio México |
Vista geral da mostra “Todos iguais, todos diferentes?”
A vitalidade de jovens do Vietnam e de Cuba
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Detalhe do preciso sorriso de um pequeno mexicano |
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Composições semelhantes em Tarabuco, Bolívia (cima) e em Ocongate, no Peru |
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Detalhe no foco, que está no rosto da jovem em segundo plano |
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Expressivo retrato de um idoso no Brasil dos anos 50, interior de SP |
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Outra marcante foto desta linda cubana (1957) |
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Entre os vários amigos ilustres, Dorival Caymmi, Diego Rivera e Walt Disney, ao centro, de "gaucho" |
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Foto da impressionante exposição "Orixás" (anos 50) |
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Trabalho etnológico de Verger, que rendeu fotos históricas da religiosidade africana e brasileira |
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Divindades do candomblé representadas |
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A plasticidade própria dos cultos africanos |
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Yemanjá (Salvador, 1946) |
Um 360° de "Orixás"
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“Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás”
Visitação até 08 de outubro, de terça-feira a domingo, das 10h às 19h
Local: Museu de Arte do Rio Grande do Sul - MARGS - 1º andar expositivo do MARGS (Pinacotecas e sala Aldo Locatelli)
Praça da Alfândega, s/n°, no Centro Histórico de Porto Alegre - RS
Ingresso: gratuito
Daniel Rodrigues