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segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Exposições “Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás”, de Pierre Verger - Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) - Porto Alegre/RS


 

"Verger era um africano nascido na França”. 
Nondichao Bacalou, assistente de Pierre Verger

"Verger é a pessoa que historicamente vem se dedicando mais a essas relações com a África”.
Gilberto Gil

Quando estivemos em Salvador, em 2015, uma das certezas as quais saímos levamos na mala era a de que queríamos ver a obra de Pierre Verger. Tanto quanto a casa de Jorge Amado e Zélia Gattai, o Pelourinho, o Elevador Lacerda, a Sorveteria da Ribeira, o Mercado Modelo, a praia de Itapuã e outros elementos turísticos e culturais da capital baiana, ter contato com o estrangeiro que melhor entendeu e melhor se hibridizou àquela cidade era um desejo alentado por Leocádia e por mim. Conseguimos visitar uma loja da Fundação Pierre Verger com um pequeno acervo próxima ao Pelourinho, onde ficamos hospedados. Saímos com alguns souvenires e roupas temáticas, que até hoje nos fazem lembrar de lá. Porém, considerando os menos de cinco dias que pudemos ficar, e que naquela época qualquer movimento maior numa cidade que não se conhece podia ser realizada apenas de táxi, pois não existiam ainda os aplicativos de transporte, a matriz da fundação, no longínquo bairro Engenho Velho de Brotas, infelizmente, não deu para irmos.

A frustração de não conseguirmos nos estender na obra de Verger, acalentada por um remoto retorno a Salvador, foi parcialmente superada com uma dupla exposição do icônico trabalho do fotográfico do etnólogo, antropólogo e escritor francês em Porto Alegre. “Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás” trazem o olhar de Pierre Fatumbi Verger sobre a diversidade cultural e a influência recíproca da religiosidade nas culturas africanas e afro-brasileiras. Fez-nos sentir ainda mais em Salvador o fato de que mostra é uma parceria com a Fundação Pierre Verger e as obras selecionadas pelo curador de Alex Baradel, especialista responsável pelo acervo fotográfico da Fundação.

“Todos iguais, todos diferentes?” traz um recorte dos retratos feitos por Verger a partir de seus encontros nas viagens que realizou pelo mundo durante mais de 40 anos. São imagens que, a partir de seu olhar, ressaltam os aspectos da diversidade cultural e do respeito ao outro. Vietnã, Espanha, Congo, Oceano Índico, Senegal, Bolívia, México, Togo, Peru, Mauritânia e, claro, Brasil, são alguns dos países e feições literalmente retratados no trabalho de Verger, que explora imagens em primeiro plano de indivíduos, que se tornam, mais do que apenas retratos de pessoas, mas uma intenção sociopolítica democrática e libertária típica da Antropologia Social da geração a qual ele pertenceu. Não errado dizer “de esquerda”.

Visão geral do primeiro salão de “Todos iguais, todos diferentes?”

Já “Orixás”... Nossa, “Orixás”! Este traz nada mais, nada menos do que uma seleção de fotografias ampliadas em grande formato que constam no livro homônimo de Pierre Verger, lançado pela primeira vez em 1981 e considerado como um dos 200 livros mais importantes para se entender o Brasil A exposição compila, de forma plástica e poética, as pesquisas de Verger sobre a história e mitologia dos orixás nas religiões afro-brasileiras, sobretudo em Salvador e Bahia, além de destacar a origem desses rituais na cultura e nos mitos iorubás africanos em países como Nigéria, Daomé (atual Benin) e Togo. Ao realizar esses estudos em suas viagens desde a Bahia e Recife e até a região do Golfo de Benin, entre os anos 1948 e 1978, Verger se tornou pioneiro na pesquisa quanto às influências culturais e religiosas recíprocas entre África e América, tal como passaram a se dar a partir do século XVI, com a diáspora africana ocorrida em função do tráfico de negros escravizados. As fotos são algo simplesmente arrebatador.

A sensação de penetrar no mundo de Verger ganha força a cada fotografia que se passa, a cada olhar de outra pessoa captada por ele, a cada detalhe enquadrado, a cada realidade dita em apenas um click de segundos. Ainda mais na exposição “Orixás”, que nos fez voltar àquela atmosfera da Bahia da qual nos despedimos com sentimento de incompletude. Adensa ainda mais esta percepção o fato de que a mostra é, justamente, resultado de uma parceria do Margs com a Fundação Pierre Verger e que as obras selecionadas pelo curador de Alex Baradel, especialista responsável pelo acervo fotográfico da Fundação. Só podíamos mesmo voltar à mágica Bahia de Todos os Santos, e isso sem precisar sair ali, na beira do Guaíba, abençoada por Yemanjá.

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Iguais e, sim, diferentes


Senhora típica espanhola e um belo jovem vietnamita, em fotos dos anos 30


Trabalhadores do povo daqui e de lá


Mulher africana e Leon Trotsky no exílio México


Vista geral da mostra “Todos iguais, todos diferentes?”


A vitalidade de jovens do Vietnam e de Cuba


Detalhe do preciso sorriso de um pequeno mexicano


Composições semelhantes em Tarabuco, Bolívia (cima) e em Ocongate, no Peru


Detalhe no foco, que está no rosto da jovem em segundo plano


Expressivo retrato de um idoso no Brasil dos anos 50, interior de SP


Outra marcante foto desta linda cubana (1957)


Entre os vários amigos ilustres, Dorival Caymmi, Diego Rivera e Walt Disney, ao centro, de "gaucho"


Foto da impressionante exposição "Orixás" (anos 50)


Trabalho etnológico de Verger, que rendeu fotos históricas da religiosidade africana e brasileira


Divindades do candomblé representadas


A plasticidade própria dos cultos africanos 


Yemanjá (Salvador, 1946)


Um 360° de "Orixás"


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“Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás”
Visitação até 08 de outubro, de  terça-feira a domingo, das 10h às 19h
Local: Museu de Arte do Rio Grande do Sul - MARGS - 1º andar expositivo do MARGS (Pinacotecas e sala Aldo Locatelli)
Praça da Alfândega, s/n°, no Centro Histórico de Porto Alegre - RS
Ingresso: gratuito


Daniel Rodrigues

terça-feira, 17 de março de 2015

ARQUIVO DE VIAGEM / Salvador


Banzo de não estar



Faz uma semana que retornei da cidade de São Salvador. Uma viagem em maravilhosa companhia de my love Daniel Rodrigues que ambos desejávamos fazer em período de férias faz muitos anos. Apesar dos sete dias terem se passado, parte de mim permanece lá. E a outra que se deslocou para o RS em estado de banzo.

Muitos diriam, mas por quê? Qual motivo disso?

Antes da viagem tive os mais variados relatos. Amor e ódio permeiam a relação dos visitantes com a cidade. Alguns não toleram ver in loco a miséria, o devaneio e o abandono de alguns cidadãos que vagueiam pela cidade. Outros se defrontam com o medo e o ódio por assaltos ou a permanente insistência dos vendedores ambulantes oferecendo colares, fitinhas, bebidas e drogas. Ainda há os que não conseguem estar senão nas praias que conquistam pela limpeza das águas, a temperatura agradável e a natureza naturalmente bela.

Minha intenção era somente estar lá. Conhecer é claro tudo o que fosse possível no curto espaço de tempo de cinco dias, permeando 500 anos de história, porque Salvador foi a primeira capital brasileira, tendo seu nascimento com a chegada das primeiras naus. Queria ser surpreendida, conquistada e envolvida pelo que até hoje repercute lá. E não falo dos tambores afro-brasileiros, não. Falo de história, de gente e de cultura do viver.

Voltei de lá com algumas vivências muito transformadoras na bagagem e com a certeza de que lá é um pouco a minha casa. Destaco alguns comentários deste que poderá ser meu lar, algum dia, como dizia Vinícius de Moraes, que viveu lá por seis anos, no bairro de Itapuã: “Meu tempo é quando.”


Largo do Cruzeiro com a Igreja
e Convento de São Francisco de Assis (ao fundo)
Fachada do solar Ferrão que abriga coleções primorosas,
datado do século XVIII foi abrigo de Jesuítas e
Centro Operário da Bahia
Vista das fitinhas da grade da Igreja Nossa Senhora do rosário dos Pretos e
acima o Museu da Bahia e a Fundação Casa de Jorge Amado, no Largo do Pelourinho
Altar de uma das lojas comerciais do Pelô
e o sincretismo histórico da Bahia


Pelourinho: os relatos sobre a marginalidade no Pelô são muitos, e, sim, há certa violência/abandono pairando no ar e na visita dos desavisados, principalmente à noite, mas nada que não haja em outras cidades ou bairros do país. Ficamos hospedados no Hostel Laranjeiras, bem situado no Pelô: vizinho do Olodum, do Museu da Música Brasileira, da antiga fábrica de camisas, da Igreja e Convento São Francisco de Assis, do Largo do Cruzeiro, do Ilê Ayê e do Museu do Ferrão, entremeados por Largos outros, Teresa Batista, Quincas Berro D´Água e Pedro Arcanjo. Perto dali, muitas opções gastronômicas e culturais. Mas estar no Pelô excede essa questão prática do que se ver e degustar. Ali, cenário antigo de atos criminosos contra escravos, maltratados e exibidos publicamente em açoites, hoje se apresenta com uma população residente peculiarmente negra que ocupa com altivez e classe todos os espaços do bairro, senhores da sua história. O Pelô é um local de resistência, cultivo e difusão da cultura e história negra. É principalmente um espaço onde povos de outras nações (franceses, alemães, coreanos e americanos) podem conhecer essa história, deparar-se com pessoas que nos recebem com tamanha amorosidade e que não precisam se autoafirmar como vítimas nem mártires, porque dentro dessa biografia tem-se um estado de ser e estar no mundo.

Os cidadãos do bairro surgem como que emoldurados por uma cortina do tempo de ontem e de hoje. Para percebê-los em meio ao ambiente vivo e intenso, tem que ter calma. Daí surgem artistas, transeuntes, habitantes das ruas, senhores dos santos, verdadeiras entidades que emocionam. Cada qual ao seu jeito, ao seu tempo, ao seu estilo e no seu turno de viver contemporâneo. Nem todos se deixam fotografar, mas parte deles esta aqui nas fotos. Outros ficarão na memória como seres saídos de uma história a que desejo retornar sempre.


Baiana moradora do Pelourinho
Comerciante do Pelourinho
Mestre Ivan do Atelier Percussivo Lua Rasta
no Pelourinho
Artista plástica do Pelourinho


Gatos: a população de felinos impressiona. Lentos mais do que o habitual, porque o calor é intenso em todas as horas do dia, eles observam o ritmo de visitantes do Pelô. Deitados, em busca de comida, em meio a brincadeiras, lá estão misturados entre os turistas, moradores e transeuntes. Não se deixam pegar, mas desfilam e posam para as fotos quando acordados é claro, rsrs. Gregório o mais jovem, encontramos no meio da rua, onde vez em quando passam carros. Ele atrás de um copo de plástico brincava sem medo. Ficamos apreensivos pelo seu porte (menos de um mês de idade) e por estar sozinho, sem a companhia de outros gatos. Mas logo vimos que era “gato safo” ao nos ver correu para a porta de um ateliê em que estava não somente sua residência como sua cuidadora. Ela nos contou sobre a chegada dele e daí ficamos sabendo seu nome. Uma figura – que não andava, mas pulava entre os paralelepípedos do Pelô.






Gregório, o gato mais jovem


Habitantes das ruas: vivem vendendo sua arte, oferendo seus colares/fitinhas ou apenas aguardando um dinheiro para consumo de drogas/afins. Conhecemos um deles, que vive acompanhado da sua cachorra Doidinha. Ele e Doidinha perambulam pelo Pelô oferecendo sua arte em azulejo. Ele as cria na hora, pinta as mãos e rosto por causa da técnica que mistura éter a tinta forte que gruda no azulejo. E quase sempre as comercializa junto aos estrangeiros, devido à insistência com que as oferece. Ficou nosso amigo depois que lhe oferecemos um prato de comida. Na realidade, ele (que não soubemos o nome) nem lembrava qual era a sua relação conosco, mas nunca nos perdeu de vista durante o tempo em que lá estivemos, sempre fazendo referência alegre ao cabelo afro do Daniel e nos chamando de “casal feliz”.

Casal de enamorados nas imediações
da Baixa do Sapateiro


Crianças e Idosos: os menores e mais jovens sempre voando pelo bairro, circulam indo para as escolas públicas ali existentes, os projetos sociais de música ou então brincando ao cair da noite – de bola, de pega-pega, de olhar o celular nas calçadas. Elas disputam o espaço democraticamente com as famílias que sentam na frente das casas e senhores de maior idade que jogam dominó até antes do anoitecer.
Menino subindo o Pelô rodopiando
Senhor nas escadarias do Pelourinho
Ciclista descansando nos bancos da Praça Senhor do Bonfim

Ciclista descansando nos bancos da Praça Senhor do Bonfim.

Perambular: caminhar nas ruas de Salvador é uma alegria. Tudo é sentido na pele: o calor, a proximidade das pessoas, o cheiro, as cores, tudo estimula os sentidos. A cidade ferve, faz muito calor, mas é seco. Por vezes a pressão cai e quase vivenciamos um estado de desmaio, mas logo passa. Um astral eleva o prana e aos poucos deixa você com um ar mais descontraído. As pessoas sorriem, conversam, dançam e cantam sem nenhum motivo aparente. Todos são autênticos. Isso é maravilhoso.


Ruazinha do Pelô
(ao fundo a Biblioteca da Faculdade de Medicina)
Baianas do comércio do Largo do Cruzeiro e imediações/
Pelourinho
Ruazinha do Pelô


Turbantes e Tambores: as baianas e os músicos encantam. Alguns parecem de mentira de tão belos. Por toda a cidade escutam-se sons. Às vezes, misturados como na saída do Elevador Lacerda, formando uma massa nem sempre agradável aos ouvidos, mas com um que de composição livre e coletiva. No Pelô, os tambores tocam cadenciados ao anoitecer, como rezas de santos, levando sua alma além dos telhados, durante o jantar. Noutras vezes, surgem com meninos em grupos aprendizes de timbau. Surpreendem num cortejo de pessoas acompanhando os tamboreiros, que invadem nossos ossos e repercutem cá dentro, chegando a nos fazer chorar de emoção. Descobri dois músicos na loja de Ademar em pleno Terreiro de Jesus, o talentoso Tiganá e o lendário Mateus Aleluia. A música de ambos arrepia e comove. Gosto muito de trazer das viagens sonoridades da região. Eles cantaram para mim, e eu os trouxe juntos. Falam com algo muito profundo da nossa essência negra. Falam com nossos mentores. Iluminam. Pretendo escrever sobre eles, aguardem. Olodum, Filhos de Gandhi, Ilê Ayê e Ballet Folclórico da Bahia vivem no Pelô. No Memorial das Baianas, nos arredores do Pelô, sabe-se da relação do turbante afro com o turbante islâmico. Algumas baianas que circulam pelo bairro, lembram grandes bonecas de santo de tão belas. Outras que circulam pela cidade ostentam seus lenços coloridos amarrados de forma muito particular, comunicando aos entendidos sua origem, sua nação, até seu orixá. Nas ruas do Pelô escuta-se um pouco de cada toque ritmado que ora pode ser uma reza, ora um ritual mas sempre um som que transforma seu estado emocional. Ninguém passa imune às baianas e aos tambores. E a pergunta: Qual seu orixá? Antes mesmo de saber o seu nome.


Loja de instrumentos de percussão
no Largo do Pelô
Turbante feito por Dona Nilzete
do Camafeu de Oxóssi
Grupo Tambores e Cores
do Pelourinho
Baiana e a abençoada água de côco
da Praça Senhor do Bonfim


A Cubana e Ribeira: no calor de Salvador uma das opções irresistíveis de sobremesa é degustar sorvetes. Entre as opções pela cidade duas são imperdíveis: A Cubana (com fábrica no Pelô, mas diversos pontos de venda pela capital) e a Sorveteria da Ribeira, que fica longe do Centro mas te arrebata independente do sabor escolhido. Todo final de tarde, a visita A Cubana do Pelô era pontual. O ambiente lembra as sorveterias antigas em azulejos, mas o que vale mesmo são os sorvetes. Meus prediletos: Menina Bonita (castanha com leite), Mangaba e Tiramissu. Outros igualmente maravilhosos: Cajá, Umbu e Cupuaçu. Ah, sempre duas bolas bem servidas!


Sorvetes A Cubana (Pelourinho) -
cada dia um novo sabor!
Cardápio de opções da sorveteria Ribeira:
difícil é escolher um!


Exu, Amado, Abelardo, Verger e Nosso Senhor do Bonfim: Bem, aqui, o devaneio é total. Admira-se ainda mais o literato e homem de religião, Jorge Amado e sua fiel companheira Zélia Gattai. Extrapola-se a admiração pelo educador e colecionador Abelardo Rodrigues, que expõe no Museu do Ferrão parte de sua Coleção de Arte Sacra que deixa alguns acervos de Minas Gerais para trás dada a seleção primorosa das peças e a abrangência de períodos e artistas. E compreende-se porque o francês mais brasileiro e soteropolitano do mundo, Pierre Verger, fotografou, morou e tornou-se um dos maiores estudiosos e práticos da religião afro. Estando em Salvador, não deixe de ir à Fundação Casa de Jorge Amado, na residência A Casa do Rio Vermelho de Jorge Amado e Zélia Gattai e na Fundação/Galeria Pierre Verger. A Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, que é uma atração distante do Centro, vale por toda a sua história, simbologia sincretista e axé. Lá no alto do morro no bairro do Bonfim ela está soberana. Rodeada de pais de santo que te dão um aconchegante axé, você pode perceber a fusão do candomblé e do catolicismo. Ah, e claro, nas ruas, sempre encontramos com os Exus ou “Esu” (Guardião das aldeias, cidades, casas e do axé, das coisas que são feitas e do comportamento humano) está onde há movimento. Vê-se em estatuetas em lojas, na entrada de centros culturais e em obras públicas antes da roda de Orixás no Dique do Tororó.

(Exu em ferro que guarda a Fundação Casa de Jorge Amado
a pedido do escritor)
(Fachada de uma casa que hoje é um bistrô mas que
foi cenário de personagens de Jorge Amado)
Espaço reservado ao Candomblé e sua relação com o escritor Jorge Amado
na Casa do Rio Vermelho
Detalhe do altar da igreja Nossa Senhora do Bonfim...
... e imagem integrante do acervo do
Memorial das Baianas que reproduz
o dia da lavagem da escadaria da Igreja.

Zélia, Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e Yemanjá: Zélia foi casada com Jorge Amado e além de escritora também foi fotógrafa. É dela o acervo de quase 30 mil fotografias existente da vida a dois desse casal que mesclou amor, arte e religiosidade. Em breve escreverei um pouco mais sobre ela, porque descobri uma Zélia que não conhecia; aguardem. As Igrejas em Salvador são um capítulo à parte. Visitar a todas tem sua emoção pela antiguidade, pela história e santos sincréticos. A que mais gostei foi a Igreja na base do Largo do Pelourinho: Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Ali acontecem todas as terças-feiras uma missa ecumênica. Ganhei um dos mais gostosos abraços no meio da missa! Uma das senhoras da comunidade desta Igreja e suas amigas/familiares fez questão de me abraçar e desejar as boas-vindas. O abraço dela era quem sabe como o da Mestre Indiana Amma, que é conhecida por esse acolhimento fraterno e gostoso, de abraçar com o coração. Além disso, todo o missal teve atabaques, cantos e até MPB da melhor qualidade: “Maria, Maria”, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Um final de dia inesquecível, que reverenciou também Santo Antônio de Categeró através da distribuição dos pãezinhos como aqui em Porto Alegre, acontece na Igreja Pão dos Pobres. Yemanjá, a mãe de todos os orixás, como diz a Mãe de Santo Stela de Oxóssi, é a senhora de Salvador. Ela está onipresente em todos os recantos. No bairro dela, Rio Vermelho, local historicamente indígena onde desembarcou o então Caramuru, ela está presente no Largo das Mariquitas, nas embarcações beira-mar, no mar, nas imagens ou nas peças decorativas das lojas do bairro. Rio Vermelho é também o bairro mais boêmio, aquele bairro de galera, da noite cool. Yemanjá é saudada em todos os lugares de Salvador, às vezes de maneira criativa, como neste ponto comercial em pleno Pelô: Ye-Manjar, pode?

Entrada da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
Jardim da Casa do Rio Vermelho onde estão as cinzas dos
escritores Jorge Amado e Zélia Gattai
Praia das Mariquitas
Missa ecumênica na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
Oferendas (pãezinhos) oferecidos após a Missa
Comércio do Pelourinho


Mercado Modelo e Gastronomia: Os mercados públicos das capitais brasileiras são sempre um espaço único. Estar ali é meio que reunir o que de popular existe naquele local. Então guias, santos, axés, produtos baianos dos mais variados estão à disposição do visitante. O que se pode levar em quantidade são as pulseirinhas do Bonfim, as cocadas, as pimentas e os enfeites (colares, balagandãs, tecidos entre outros). Ali está um ponto gastronômico importante da cidade: os restaurantes conjugados: Maria de São Pedro (de 1925, com mais de 80 anos de existência e mantido pelos filhos de Dona Maria 100% baiano) e o angolano Camafeu de Oxóssi. Optamos por almoçar duas vezes no Camafeu de Oxóssi, por sua variedade de pratos e por Dona Nilzete, que nos atendeu com sua simpatia, amorosidade e alegria. Ali degustamos o melhor pastel de camarão da cidade, os melhores bolinhos de bacalhau, uma carne seca de primeira acompanhada de farofa de dendê, macaxeira e feijão fradinho. Foi lá que ganhei meu primeiro turbante feito carinhosamente por Dona Nilzete, que me deu várias dicas de como amarrá-lo. No Mercado Modelo fizemos amizade com Deco, administrador da loja Encontro com as Águas, que comercializa objetos lindos, e nos deu dicas dos passeios as ilhas mais próximas de Salvador. Com ele adquiri a guia dos Filhos de Gandhi para quem sabe num carnaval futuro, desfilar, na ala Filhas de Gandhi!

Loja Encontro das Águas - Mercado Modelo
Balagandâ (utilizado na cintura para os dias de festa pelas escravas e,
segundo os comerciantes do Mercado Modelo, ao completar todos os pingentes
recebia alforria
Comerciante do restaurante Maria de São Pedro/
Mercado Modelo com vestimenta típica
Sob as lojas do Mercado
os guardiões e os axés

Ilhas, Praias e o Mar: Ir a Salvador e não estar navegando, a beira-mar ou dentro d´água, é o mesmo que não ter ido até lá. O mar e suas belezas mais próximas do litoral soteropolitano encantam. O canto das águas nos chama a passear. Fomos então a Ilha dos Frades, Ilha de Itaparica e praias da capital, um pouco mais afastada o Farol de Itapuã. O que dizer se lá somente se pode ver, sentir e navegar? O mais apropriado é vá e conheça. O acesso é fácil, mas precisa de pelo menos um dia e meio para aproveitar um pouco.

Leme da embarcaçõa para as ilhas
Vista da Ilha dos Frades
Pesca no Farol de Itapuã
Final de tarde na orla entre as praias da Paciência e Ondina
Guardo comigo todas as imagens, todos os sabores, todas as cores, todos os cheiros, todos sons, toda atmosfera que Salvador gentilmente nos deu. Guardo o olhar direto e afetivo de seu povo. Guardo ainda aquela descontração de quem está ali essencialmente vivendo. De quem sabe o que é valoroso na vida. O que não podemos esquecer diariamente de cuidar: da integração entre corpo e mente. Da ampliação de estarmos aqui vivendo em comunhão com tudo o que nos faz sentirmos vivos. Da simplicidade de termos nossa historia, nossa fé e nossas cores, dentro e fora. De acreditar que tudo está em sintonia. De que nem tudo está dito, mas sentido. De que há muitas coisas que estão vivas entre a nossa percepção humana que não dependem do racional, mas somente do coração. Assim levo Salvador comigo. A partir de hoje, sempre, cá dentro ritmado com meu tambor cardíaco, colorido como minhas cores e vivo na historia que guarda a minha e muito de nós todos, brasileiros.

Turbante feito por Dona Luzia do Memorial das Baianas
Nas aldeias africanas situadas no Brasil quando se falava em “banzo”, a maior referência era ao sentimento de melancolia em relação à terra natal e de aversão à privação da liberdade praticada contra a população escravizada. A prática do banzo era uma forma de protesto caracterizado como uma greve de fome, um protesto muito sentido. Também eram comuns, como forma de resistência na época, o suicídio, o aborto, o infanticídio, as fugas individuais e coletivas e a formação de quilombos. Atualmente, nos estados da região Norte do Brasil, “banzo” também é usado de forma irônica para designar uma melancolia injustificada, sinônimo de choramingo. Deixo aqui meu choramingo verdadeiro e pontual de banzo por não mais estar lá, mas com muita vontade de voltar e, quem sabe, permanecer lá por mais tempo. Tempo suficiente de conhecer o que não foi possível, de aprofundar esses laços que mantenho bem fortemente atados em meu ser. Como diz o encantado Gil e a quem uso os versos emprestados: “Eu vim da Bahia, mas eu volto pra lá! Eu vim da Bahia mas algum dia eu volto pra lá.” Que os orixás me deixem retornar, estendendo sua licença ao entrar em terras tão fortemente iluminadas: Mojubá agô! Que assim seja.





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