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quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

"O Último dos Dez" ou "E Não Sobrou Nenhum", de Peter Collinson (1974) vs. "O Caso dos Dez Negrinhos", de Satanislav Govorukhin (1987)

 


Muita gente defende que o jogo de futebol fica melhor e deveria ser jogado com dez jogadores de cada lado. Pois, aqui, no nosso jogo, os dois times já começam com dez. No romance "O Caso dos Dez Negrinhos", da mestra do mistério, Agatha Christie, nos apresenta uma trama em que oito desconhecidos são convidados, por um misterioso anfitrião, para um jantar num local isolado e de difícil acesso, no qual, por meio de uma gravação, são revelados crimes que cada um dos convidados e seus dois mordomos teriam cometido. A partir daí, um a um, eles vão sendo assassinados de maneira muito semelhante à subtração de um conhecido versinho infantil sobre dez negrinhos e para cada um que morre, uma estatueta de um conjunto de dez que enfeita a mesa de jantar, é removida. Haverá um décimo primeiro "jogador" ou um dos próprios convidados é o matador?

Nossos dois adversários contam a mesma história, mas com propostas de jogo um pouco diferentes: "O Último dos Dez", também conhecido como "e Não Sobrou Nenhum", de 1974, de Peter Collinson, ousa e faz algumas alterações na história original: ao invés de situar a trama em uma ilha, como no romance original, transfere a ação para o deserto do Irã, em um luxuoso hotel no meio do nada, ao qual os convidados chegam, deixados de helicóptero. Em nome desse atrevimento, ele é obrigado a fazer outras modificações e a maior parte das mortes acaba sendo diferente das idealizadas pela escritora, sendo adaptadas para situações determinadas pela localização, ambiente, hábitos culturais, comprometendo bastante a ligação dos assassinatos com o poema infantil que os ordena e determina.

As ousadias até funcionam, como adaptação cinematográfica, se formos analisar isoladamente, enquanto proposta, filme de mistério e tal, tá ok: deserto, serpentes, hábitos locais de execução, ruínas, etc. Mas, o problema é que, além de mexer numa obra impecável da maior escritora do gênero, no comparativo com o adversário desse jogão do Clássico é Clássico, a opção pelas alterações acaba pesando.

"O Caso dos Dez Negrinhos", de Stanislav Govorukhin, de 1987, é muitíssimo mais fiel ao original de Agatha Christie. A ação se passa numa casa, em uma ilha, no topo de um rochedo, cujo acesso se dá apenas por barco e apenas quando a maré permite; a produção, embora russa, tem todo o aspecto dos filmes noir norte-americanos, com chapéus, sobretudos, véus, persianas, sem perder, contudo, sua identidade; os crimes seguem à risca os versos do poema dos negrinhos que, por sinal, está exposto, emoldurado, em cada um dos quartos dos convidados, recebendo sua devida importância dentro da trama como acontece no livro; e a atmosfera, a casa, a ilha, o mar, os rochedos, tudo é muito mais angustiante e claustrofóbico do que no filme inglês.


"O Último dos Dez" (1974) - trailer original



"O Caso dos Dez Negrinhos" (1987) - trailer original



*não conseguimos os trailers dublados ou legendados de nenhum dos dois, no entanto a amostragem
destes originais serve para dar uma boa noção de escolhas e elementos visuais que mencionamos na análise das obras.

Enquanto a versão inglesa tem um aspecto árido, quase luminoso, uma decoração rica em ouro e pesada em tapetes persas, a produção russa é cinzenta, sombria, rústica, amadeirada, trabalha em planos fechados, sombras, reflexos, janelas, enquanto o filme de 1974 opta por planos mais abertos, travelings longos, e tomadas, na maioria das vezes, pegando todos os personagens no mesmo plano. 

O filme de Govorukhin traz uma atmosfera mais misteriosa, furtiva, obscura, os convidados se esgueiram, são evasivos e parecem mais suspeitos por mais tempo, até que fique claro, por fim, que são tão vítimas e vulneráveis quanto qualquer outro ali.

O filme de 1974 até tem um elenco mais estelar, com Gert Fröbe, o Goldfinger de 007, Herbert Lohm, o comissário Dreyfuss da Pantera Cor-de-Rosa, Oliver Reed, de "Golpe de Mestre", "O Gladiador", o versátil Richard Attenborough, diretor do clássico "Gandhi, uma ponta do cantor francês Charles Aznavour, o primeiro a morrer, e a voz de Orson Welles, revelando os crimes de cada um dos convidados, mas no fim das contas, com exceção de Attenborough, que faz um bom juiz Cannon e Reed, como Detetive Lombard, tantos medalhões acabam não fazendo tanta diferença assim. O filme russo, ainda que não tenha nomes tão conhecidos no ocidente, traz o aclamado Vladimir Zeldin, a bela Tatyana Drubich, e Alexander Kaydanovski, o "Stalker" do filme de Tarkowski, no papel do investigador Lombard. Os demais, embora nada badalados, têm um um ótimo trabalho coletivo e garantem o bom desenvolvimento e a coesão do filme.

Dentro de campo, onze contra onze..., ou melhor, dez contra dez, o filme de 1987 leva vantagem. A fidelidade à novela original faz diferença e garante um gol para o time de Govorukhin, o clima noir, o visual soturno, o jogo de sombras, reflexos, espelhos, vidros, aumenta a vantagem.

No entanto, a audácia da proposta, da mudança da ambientação, ainda que não totalmente bem-sucedida, merece reconhecimento e a recompensa com um gol. Mas a alegria do time de 1974 não dura muito e a constante referência e a vinculação dos crimes aos versos nas paredes dos quartos, dá mais um gol para o time russo.

No tocante à escalação, Peter Collinson dá a camisa 10 para Oliver Reed, que até dá boa contribuição mas não consegue desequilibrar, até porque, do outro lado, o 10 é o 'Stalker' Alexander Kaydanovski que articula muito bem o jogo o tempo inteiro; Tatyana Drubich, no time de 1987, se sai muito melhor do que Elke Sommer como a secretária contratada pelo incógnito anfitrião, encarnando melhor o espírito da personagem, Vera Clyde, na versão inglesa e Vera Claythorne, na russa; e, de um modo geral, mesmo com mais jogadores destacados, rodados, com passagens por times grandes, o time inglês não consegue impor seu jogo, com exceção de Richard Attenborough, como juiz Cannon, que tem um desempenho excelente, sobretudo na sequência final, que é muito boa também no outro filme, com um flashback crucial e aquela recapitulação característica de Agatha Christie, mas que não supera a performance de Attenborough e a surpresa do filme inglês. No entanto, a cena em questão é resultante de uma mudança decisiva no final do romance original e isso é imperdoável!

(Para quem não leu o livro ou não viu nenhuma das adaptações, aqui vão spoilers - desculpem, mas absolutamente necessários).

Em nome de um final feliz, de ficar bem com o público, de não matar o 'mocinho' e a 'mocinha' do filme, Peter Collinson faz com que Lombard (Reed) depois de uma farsa com Vera Clyde, reapareça vivo, ao final, no salão, em frente ao juiz Cannon que, supondo êxito em seu plano, já dera um gole numa taça de veneno a fim de concluir seu plano, incriminando a garota pelos nove crimes, deixando-a sem opção, induzindo-a a fazer uso da forca já pendurada previamente pelo juiz na sala. Já sob efeito da substância, o velho morre (maravilhosamente bem) e o casal é resgatado do local pelo mesmo helicóptero que os deixara lá.

No outro, não! Depois de atirar, DE VERDADE, em Lombard, desconfiada e com medo dele, Vera volta para casa e encontra em seu quarto apenas a forca dependurada à sua espera. Com a culpa pelo crime que lhe é imputado na gravação e percebendo-se sem saída diante de nove cadáveres que, naturalmente, seriam atribuídos a ela, a garota sobe numa cadeira e coloca seu lindo pescocinho na corda e dá fim à sua vida, para regozijo do juiz que se fingira de morto a fim de fazer a justiça que os tribunais não fizeram. Realizado, ele, mais criminoso que todos ali, mete uma bala na própria cabeça, concretizando seu último ato de justiça, em uma cena, igualmente, de se aplaudir de pé. Pela fidelidade ao original no ápice do filme, na resolução do caso, vai mais um gol para o time russo.

O time britânico ainda marca um nos acréscimos pois, depois da morte do juiz e da retirada dos dois sobreviventes, de helicóptero, a gravação, com a narração de Orson Welles volta a ser rodada enquanto passam os créditos finais. Mas não há tempo para mais nada e o jogo termina assim. 



Podia ter proposto, aqui o enfrentamento de um dos dois, "O último dos Dez" ou "O Caso dos Dez Negrinhos" contra a primeira adaptação para cinema, de 1939, de René Clair, "E Não Sobrou Nenhum", mas preferi tirar um pouco o foco das produções norte-americanas e, embora a Rússia não esteja na Copa do Catar, e venha criando problemas para o mundo inteiro com essa treta com a Ucrânia, achei que seria um confronto internacional mais interessante e original esse embate de russos contra britânicos.
Mas, olha, hein... o time de René Clair também teria sérias dificuldades contra esse ótimo time de Govorukhin.
No alto, à esquerda, o hotel que receberá os convidados, no meio do deserto iraniano, 
e, à direita, a mansão de aspecto sinistro no alto de um rochedo cercado pela água;
na segunda linha, as estatuetas dos dois filmes, que vão sendo subtraídas
conforme uma pessoa morre;
na sequência, os jantares das duas versões, ainda com todos os acusados vivos
na quarta linha, o plano aberto, alto, do filme inglês,
e uma visão mais próxima, mais cúmplice, do filme russo.
Na penúltima linha, o visual típico dos anos 70, com golas rolês, golas cubanas, branco, tweed, do primeiro filme, e o aspecto muito Hollywood anos 40, da outra versão;
e, por fim, na última, as duas Veras (Clyde, no filme de 1974 (esq.), e Claythorne (dir.), no de 1987)
no momento decisivo da trama.





Cly Reis




quinta-feira, 19 de março de 2020

10 Filmes de Epidemias e Contaminações em Geral





As gotículas de saliva livres ao ar no bom sul-coreano "A Gripe".

Essa onda toda de vírus, quarentena, isolamentos, incerteza faz, inevitavelmente vir à cabeça de um cinéfilo diversas vezes em que o cinema retratou situações desse tipo, em alguns casos com muita semelhança. Como fazer listinha de filmes é o que a gente gosta, vamos aqui com 10 filmes em que transmissão de algum tipo de vírus, mal, infecção, doença ou algo inexplicável rendeu um filme e nele causou caos, pânico, alarde, correria, mortes ou tudo isso junto.
Já que não dá pra sair de casa, o negócio é ficar na frente da TV e ver alguns dos filmes que indicamos aqui.
Isso, é claro, se você não for entrar em pânico.
Calma! Calma!
Sem pânico.
Senta na poltrona, saca o controle remoto e simbora catar os filmes da nossa lista no streaming.


***********


1. "Contágio", de Steve Soderbergh (2011) - Não tem como não começar a nossa listinha com esse que, nesses tempos de alto risco de contágio, virou praticamente uma febre (ops!) no streaming. Um dos grandes méritos do filme do diretor Steve Soderbergh é o fato de  ao fato de ser, possivelmente, o mais verossímil e realista do ponto de vista científico e procedimental. O filme mostra, dia a dia, o avanço de uma doença com características muito semelhantes à atual que estamos vivenciando com as consequências sociais, as ações das autoridades e a corrida contra o tempo e contra os números crescentes de vítimas dos pesquisadores e órgãos de saúde. A primeira tosse, o contato com parentes, amigos, a propagação da doença, o aumento vertiginoso de mortes, a impotência das autoridades, o esforço dos cientistas, a quarentena, o consumo histérico, o sensacionalismo de parte da imprensa, o caos... tudo está muito bem retratado em "contágio" e de maneira muito convincente. 
Além de pertinente, na atual situação, um ótimo filme que mantém o interesse e a tensão o tempo todo. Detalhe para as cenas em que o diretor faz questão de mostrar mãos em maçanetas, corrimãos, botões de elevador, barras de ônibus, que só nos fazem lembrar o quento estamos em perigo.




2. "Epidemia", de Wolfgang Petersen (1995) - Outro que vai mais ou menos na mesma linha que o anterior, mas que peca por ser excessivamente hollywoodiano. Neste, um macaco levado para os EUA para pesquisas militares apanhado de uma aldeia na África, que havia praticamente sido dizimada por uma doença possivelmente provocada a partir dele, é "desviado" por um funcionário de triagem ao chegar ao seu destino, nos Estados Unidos, desencadeando a partir daí uma epidemia local rápida e letal, fazendo com que a pequena cidade de Cedar Creek seja mantida em quarentena. O filme até é bom, tem ritmo, tem envolvimento, mas as americanices tipo, soldado bom / soldado mau, perseguições frenéticas (até de helicóptero) e uma solução excessivamente rápida, comprometem um pouco o produto final.

"Epidemia" - trailer




3. "A Gripe", Sung-Soo Kim (2013) - Em meio a todo o exagero e heroísmo característico do cinema de ação sul-coreano, "A Gripe", mantém uma boa coerência e um bom grau de verossimilhança. O filme começa expondo uma situação de trabalho semi-escravo em que imigrantes miseráveis de Hong Kong se sujeitam a  serem transportados dentro de um contêiner para a Coréia para servir de mão de obra barata. O problema é que um deles, lá dentro, já demonstrava pequenos sinais de uma gripe e, um ambiente daqueles, fechado com aglomeração, era a pedida perfeita para o vírus se desenvolver. Ao chegar ao destino, praticamente todos já estão mortos pela doença, com exceção de um que sobreviveu e que foge para a área urbana de Bundang, uma cidade próxima a Seul e espalha a doença. O pânico chega, o caos cresce, o governo isola a cidade e em meio a isso tudo, uma médica, In-hye, especialista em doenças infecciosas vê sua filha ser contaminada pelo novo vírus, para não abandoná-la entre os doentes entra na área de quarentena e, mesmo de lá, com a ajuda do bombeiro Ji-Goo, com as poucas informações e recursos que tem, procura respostas e uma solução para o caso. Meio exagerado, cheio de clichês mas até bastante aceitável no que diz respeito à origem, ao avanço e todo o desenrolar social da coisa toda. 
Se nada convenceu você a não sair de casa, as cenas das gotículas se espalhando no ar quando os infectados tossem, o farão.





4. "Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles (2008) - Aqui a epidemia não traz mortes. Pelo menos, não diretamente. Mas talvez seja o mais assustador se pensarmos a que ponto de degradação moral o ser humano pode chegar. Uma cegueira repentina começa a se alastrar entre a população e, diante do quadro, com um crescente e incontrolável número de casos, as pessoas são levadas pelas autoridades para isolamentos. Neles, com o passar do tempo e com o número de doentes crescendo e os problemas de higiene, comida, comunicação aumentando, revelando da pior maneira possível os mais desprezíveis e abjetos comportamentos humanas. Dentro de um destes locais de quarentena, uma mulher não infectada, em solidadriedade e amor ao marido, é mantida com ele no sanatório e, para não revelar-se a única sã lá dentro, sujeita-se, com toda uma decepção humana e resiliência, a todas as situações que aquele confinamento acarreta. 
O filme do brasileiro Fernando Meirelles baseado na obra de José Saramago, com a aprovação do escritor, traz uma série de outras questões importantes mas, principalmente, escancara como o ser humano se comporta em uma situação crítica dentro de um grupo em um espaço restrito, num estado limite, e como nessas situações, ao invés de prevalecer o espírito de solidariedade, ordem, princípios, o que revela-se é a vaidade, anarquia e sobretudo, o egoísmo. O fato de um cidadão estocar comida, álcool gel e outros gêneros de necessidade, privando vários outros ter terem a possibilidade de adquirir tais produtos, é uma pequena mostra de que muito do que está nessa ficção, não passa muito longe da realidade.




5. "Sentidos do Amor", de David MacKenzie (2011) - Outro filme que explora os sentidos. Mas aqui as pessoas não perdem apenas um, mas todos. Às voltas com a investigação sobre uma aparente epidemia que leva à perda de olfato, uma epidemiologista envolve-se emocionalmente com um chef de cozinha e juntos, cada vez mais apaixonados, eles vão presenciando, vivenciando e sofrendo, em meio a memórias e questionamentos, a gradual perda dos demais sentidos. 
Interessante é que cada perda de sentido é precedida por uma crise emocional individual com choro, raiva, excessos, e um caos coletivo posterior a ela que leva a reações parecidas com a de "Ensaio Sobre a Cegueira", como violência, desordem, ganância, com a diferença que em "Sentidos do Amor", as pessoas, passado o desespero inicial, ao perderem um, meio que conformam-se e acabam meio que se adaptando aos sentidos que restam. "Não consigo cheirar, mas posso sentir o gosto da comida...", "Não consigo sentir o gosto, mas posso ver a cor...", "Não posso ver, mas posso sentir sua textura...", e assim por diante. Mas pelo progresso da epidemia, em breve não restará nenhum sentido e nisso, o filme do escocês David MacKenzie é mais otimista que o de Fernando Meirelles, sugerindo que, ao final, mesmo que percamos todos os sentidos, o amor persistirá. O mais importante  "sentido" de todos.
Muito bom filme. Bela condução, ótima fotografia e boas atuações do casal Eva Green e Ewan McGregor. Daqueles filmes que fui assistir não apostando nada, achando que seria só mais uma historinha romântica boba e me surpreendeu muito positivamente.





6. "[REC]", de Jaume Balgueró e Paco Plaza (2007) - Não tem como falar de epidemias e contágio em massa sem falar em filmes de terror que talvez seja o segmento, que à sua maneira, com a sua linguagem, mais explora o assunto. "[REC]", especificamente, tem uma situação peculiar que torna pertinente sua citação neste momento: o isolamento compulsório, a quarentena imposta por autoridades. Um prédio em Madrid é isolado pelas autoridades após o cão de um dos moradores apresentar, em uma clínica veterinária próxima, sinais de uma perigosa infecção que veio a levá-lo à morte mas, estranhamente, voltar à vida e agir de forma violenta e descontrolada. Só que dentro do prédio, uma dupla de jornalistas que acompanha, despretensiosamente, uma equipe do corpo de bombeiros em uma chamada a respeito de uma senhora que parece estar se sentindo mal ou algo do tipo e o que eles não sabem é que, não só a pessoa que os bombeiros vão atender, como outros moradores já tiveram contato com o animal, ou entre si e o vírus já se espalhou. Aí, véi..., o bicho pega! Como o mal é transmitido pela saliva, cada vez que um é mordido por outro infectado descontrolado e violento, a legião de zumbis aumenta dentro daquele pequeno edifício. E não tem pra onde fugir!
Filme alucinante! Correria escada acima, escada abaixo num espaço restrito sem muito pra onde correr. Um dos melhores filmes de terro e de zumbis dos últimos tempos. A situação não deixa de lembrar, de certa forma, a do navio de cruzeiro atracado no Recife, em quarentena, onde dois passageiros foram diagnosticados com o Covid-19. A mente do cinéfilo já fica pensando: "Imagina se fosse um vírus zumbi do '[REC]'...".




O parasita de laboratório saindo de um dos hospedeiros.
7. "Calafrios", de David Cronenberg (1975) - Mais um exemplo de um filme em que a epidemia começa a se propagar, inicialmente, dentro de um prédio mas que, aqui, inevitavelmente, seguirá mundo afora. Nesse caso, temos um parasita produzido artificialmente, em princípio com a ideia de substituir órgãos humanos, implantado numa cobaia humana, que, por uma mutação, desvia-se, por assim dizer da sua finalidade, e passa a estimular uma atitude sexual desenfreada e violenta no paciente. Sabedor do fracasso de sua intenção inicial e das consequências da ação daquele "órgão" num humano, o médico inventor mata sua cobaia, sua amante, uma adolescente ex-aluna, na intenção de destruir o organismo que criara e, em seguida se mata arrependido da criação e do crime. Mas o que ele não sabia é que a bela Annabelle não era mais popular do que imaginava naquele condomínio e o parasita já estava espalhado por aí.
O filme aborda, à maneira Cronenberg, com muito sangue, gosma e nojeira, as doenças sexualmente  transmissíveis e está entre os grandes clássicos do terror trash da história. Se a epidemia atual não tem a ver, necessariamente, diretamente, com sexo especificamente falando, embora, é claro, o toque, a saliva, a relação em si, possa transmitir, "Calafrios", especialmente seu final, reforça a necessidade de restringir ao máximo alcance de uma epidemia. Porque depois que ela sair do seu lugar de origem...




8. "Os 12 Macacos", de Terry Gillan (1995) - A propósito de cruzar fronteiras, a cena do embarque no avião com a valise cheia de ampolas com o vírus, nos dá uma noção de como uma epidemia passa de um país para o outro. É lógico que no filme foi proposital mas a coisa toda do trânsito é que faz com que essa cena em especial me venha à mente. "Os 12 Macacos"  é mais uma das geniais ficções distópicas de Terry Gillan e nela, em 2027 (olha aí a proximidade!!!), o mundo é devastado por um vírus e os sobreviventes são obrigados a viver no subsolo da Terra. Um prisioneiro é selecionado para voltar a 1996, o ano de início da epidemia, para recolher evidências para que cientistas, no futuro, investiguem suas causas e tentem encontrar uma cura que evite aquele futuro sombrio. Filme que já se tornou um cult, lembra muito visualmente e, um pouco conceitualemente, outros dois do diretor, "Teorema Zero" e "Brazil - O Filme".

cena final - "Os 12 Macacos"




9. "Fim dos Tempos", de M. Night Shyamalan (2008) - Sem dúvida, o pior desta lista! Menciono porque a primeira parte, na cidade, quando a epidemia se manifesta fazendo com que as pessoas se suicidem, é alucinante! Mas fica por aí. O filme é uma droga. Clichês, más atuações, roteiro ruim e tudo mais. O mote é que uma espécie de toxina espelhada no ar faz com que as pessoas percam seu senso de auto-preservação e, assim que em contato com aquele elemento, tirem automaticamente suas vidas. Ok! A coisa toda poderia servir se, além dos defeitos já enumerados, as soluções não fossem tão estúpidas, pífias e pouco plausíveis. Assim que a situação na cidade fica praticamente insustentável, nosso protagonista, Elliot Moore (Mark Wahlberg) um professor de ciências em crise no casamento, resolve fugir para outro o interior de trem com um colega do trabalho, a filha e a esposa, com quem vive uma crise conjugal. Ora, por que diabos aquela coisa se concentraria apenas em um lugar se está no ar? O que leva a crer que aqui você não está a salvo e ali está? Ok... Depois de muito "Acho isso", "Acho aquilo", parece que percebe-se que a toxina está na vegetação, nas plantas e eles que liberam o elemento que causa a perturbação mental responsável pelos suicídios. Mas aí que fica pior porque nosso grupo de sobreviventes, numa área rural passam a evitar a vegetação e a adivinhar qual é nociva ou não. Nem o ritmo ou o interesse se mantém, porque o argumento é tão estapafúrdio que, chega um momento que a gente quer mais é que acabe de uma vez.
O filme é péssimo de um modo geral, mas os personagens fugindo do vento e se escondendo numa casa como se o ar não pudesse entrar por uma fresta, um vão, etc, é o fim dos tempos.




10. "Epidemic", de Lars Von Trier (1997) - Vai um filme de arte aí pra completar a lista? Um escritor e um diretor pressionados para cumprir um prazo para um filme, percebem que o roteiro em que trabalharam durante um ano inteiro está perdido e não poderá ser recuperado, assim o recomeçam e o ao novo projeto dão o nome de Epidemia. Nele, contam a história de um país infectado por uma epidemia, cujos governantes são médicos. Os homens do poder estão em segurança enquanto as pessoas, de um  modo geral sofrem com a doença, mas um deles, um dos médicos-governantes, resolve sair para para combater o mal. Eles terminam este novo roteiro em poucos dias e durante o jantar de apresentação do trabalho para o produtor, um hipnotizador, que aparece de surpresa no local, parece aproximar a ficção criada por eles da realidade, pois logo após a visita inusitada, o roteirista começa a mostrar sinais da doença que escrevera para o filme. 
Filme pouco conhecido do polêmico Lars Von Trier, é estrelado por ele e faz parte da trilogia Europa completada por "Elemento do Crime" e "Europa". Naquela época, um trabalho do ainda promissor Lars Von Trier.

O médico, do filme dentro do filme, saindo de seu gabinete e
indo tentar levar a cura à população.







por Cly Reis
colaboração: Daniel Rodrigues
e Vagner Rodrigues

terça-feira, 7 de abril de 2015

“O Sal da Terra”, de Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado (2014)


Terra sem sal


Fui com grande expectativa ver o último filme do genial cineasta alemão Wim Wenders, “O Sal da Terra” (França/Itália/Brasil, 2014), documentário sobre Sebastião Salgado codirigido por seu filho, Juliano Ribeiro Salgado. Além da indicação ao Oscar de Melhor Documentário (que não levou, mas não me fez perder o interesse) e de ter como tema o trabalho do grande fotógrafo brasileiro, a própria assinatura de Wenders já me significa um bom indicativo.
Expectativa frustrada. Num filme cujo conteúdo principal, a obra e a trajetória de Salgado, poderia ser muito melhor explorado, os diretores derrapam num longa monótono e comumente didático que não diz a que veio: nem pode ser considerado uma biografia (até porque o protagonista ainda tem chão pra correr), nem se configura como um documento poético-visual tal qual Wenders já fizera em outros trabalhos nesse formato como “Pina” (2011) e “Buena Vista Social Club” (1999). Além disso, o roteiro desaproveita os próprios “ganchos” levantados durante a narrativa de “improbabilidades controláveis” típica de documentários, os quais poderiam direcioná-la a algo mais autoral e criativo.
Suspeito que dois fatores tenham influenciado para que “O Sal da Terra” tenha saído assim tão “sem sal”. Primeiro, que Sebastião Salgado está vivo, e falar sobre a vida-obra de pessoas que ainda estão pela tal Terra – ainda mais quando altamente comprometidas com fatores sociais e políticos e quando a pessoa é diretamente envolvida na produção como neste caso – pode acarretar em interferências tanto positivas quanto negativas. Aqui, na queda de braço, as negativas se sobrepuseram. De bom, tem-se a riqueza de percepções do próprio Sebastião Salgado analisando, relatando e comentando projetos e fotos de sua autoria. No entanto, é impossível não cogitar a autopreservação de quem provavelmente tema entrar de cabeça num projeto com potencial de descortinar o que se quer e o que não se quer mostrar. Com Wenders à frente, este desmascaramento tem grandes chances de acontecer sem que o documentado o perceba conscientemente. Quando ele vê, já foi pra ilha de edição. Um homem público como Salgado, que guarda o status de maior em sua profissão no mundo e cujos projetos dependem de instituições financeiras, empresas e verba pública (inclusive, este filme), mesmo que ele não queira, mesmo que seja inconsciente, não permite se expor de um jeito que o discurso artístico o conduza.
Juliano filmando enquanto Sebastião fotografa.
Não digo com isso que haja má índole nem “rabo-preso” da parte de Sebastião Salgado, personalidade ciente de sua trajetória e de postura filosófico-políticas bastante esclarecida. Tanto é fato que, em “Revelando Sebastião Salgado”, outro documentário sobre ele (de Betsie de Paula, de 2013), vários aspectos de sua vida não deixam de ser conhecidos pelo espectador, como a rotina de trabalho, o papel fundamental da esposa Lélia em sua vida e modus operandi e a relação com o outro filho, Rodrigo, que tem Síndrome de Down. Em “O Sal da Terra”, por exemplo, o relacionamento com o filho é abordado de forma bastante superficial e nem se menciona que é Lélia quem organiza seu arquivo de fotos e negativos, dois elementos que denotam bastante da forma de ser de Sebastião. Um pouco por falta de um direcionamento mais assertivo, um pouco pelo ritmo/conceito da montagem, tudo é contado de forma (sono)lenta mas aproveitar essa lentidão para um aprofundamento real. A questão parece-me, sim (e aí entra o outro fator influenciador para a concepção vaga do filme), que o dedo de Juliano trouxe uma amortização de aspectos negativos tanto no sentido de preservação da imagem do pai quanto de uma inaptidão técnica sua por trás das câmeras. Ao invés de ter ajudado, a proximidade pai-filho parece trazer um complicador ao projeto de Juliano, influenciando no roteiro. Ainda mais considerando as vaidades familiares, incontroláveis em exposições tão grandes. Não captei de cara, mas lembrei da entrevista prestada por Juliano na entrega do Oscar, em que, numa mostra sabe-se lá de modéstia ou autismo ele se refere ao “Sebastião Salgado” e não simplesmente ao “pai”, já denotava esta má-resolução psicanalítica.
E onde entra Wim Wenders nisso? Justamente neste bolo de comprometimentos e presunções. Chamado para assumir a codireção – provavelmente pela constatação desta inaptidão de Juliano a que me referi –, o alemão tentou, tentou, mas não soube onde se colocar. São visivelmente dele os tais “ganchos” que poderiam salvar o filme. Primeiro, na sua didática germânica e poética, inicia o longa com um off no qual disseca o termo “fotografia”. Um começo até óbvio que, para não se tornar um jogral de ensino básico, dependeria de se desenvolver esta didática de maneira a penetrar no âmago do objeto foto: luz, escuro, ambiente, calor, frio, posição, emoção, solidão. Expectativa frustrada novamente, pois a narrativa segue para uma exposição cronológica dos projetos e viagens do fotógrafo ao longo dos anos “curiosamente” selecionada a gosto da família Salgado. Quem viu o outro documentário sobre Sebastião ou conhece um pouco de sua carreira sabe que ele prefere, por exemplo, não associar seu sucesso à famosa foto do atentado a Ronald Reagen, em 1981, quando seu trabalho ganhou definitivamente projeção internacional.
A foto de Reagan nem é mencionada em “O Sal da Terra”.
A outra “deixa” sugerida por Wenders e desconsiderada é ainda mais perceptível e até simbólica nessa relação cinema de arte X imagem institucional. Quando o cineasta relata sobre o convite que recebeu para assumir o projeto e começar a rodar, ele destaca na narração que, curiosamente, ao mesmo tempo em que ele apontava a câmera para Sebastião Salgado, o movimento inverso, por força do hábito de fotógrafo, também acontecia. Aquilo supõe que o filme, a partir dali, versaria sobre a profundidade simbólica da linguagem cinematográfica, em que o olhar do cineasta, do protagonista e do espectador pudessem se confundir, confluir e se complementar. “O que é foto?” “O que é filme?” “Quem está documentando quem?” “O quanto importa o movimento contínuo dos frames-fotos para uma significação real do objeto do filme?” Questionamentos estimulantes para qualquer obra cinematográfica.
Fotos-denúncia do fotógrafo feitas na Etiópia
Fantástico!... Não, pois simplesmente a ideia é abandonada mais uma vez para retornar à cômoda, isenta e simplória narração de Wenders e de Juliano (mais de Wenders, diga-se) com incursões de depoimentos de Sebastião. Se o filme seguisse pela lógica da discussão da linguagem de cinema, justificaria, inclusive, a presença do/s diretor/es como personagem/ns. Em outros documentários seus, Wenders optou ou por uma espécie de “presença intrínseca”, como em “Quarto 666” (1983), no qual entrevista cineastas como ele e debate o futuro de sua profissão; “Buena Vista...”, em que a figura de Ry Cooder o “substitui”; ou “Pina”, quando é totalmente diretor/entrevistador, deixando a história se construir através dos bailarinos e da presença imaterial de Pina. Todos obras-primas. Por que será?...
No fim, coube a Wenders tentar dar um ar autoral a “O Sal da Terra”, amarrando-o com offs, depoimentos e muitas, mas muitas projeções de fotos. Até demais. Muito sépia, muito esfumaçamento. Na condução, arriscou aplicar uma cadência contemplativa para dar a sensação de apreensão do tempo. Inútil, pois em todo o decorrer não se aprofundaram questões como a necessidade da espera e/ou a preparação de um fotógrafo em campo para extrair, às vezes, nenhum click. Supõe-se isso na sequência do urso polar, mas se “descarta” a ideia também. O resultado disso é um filme com bons momentos (principalmente, a sequência sobre as tristes fotos da Etiópia) mas que cansa pela lentidão e do qual ninguém sai empolgado da sala de cinema. Se Wenders, que é Wenders, não teve condições de “levantar” o filme, quem dirá Juliano. Como na vida, quando se atribuir uma função para duas pessoas sem distinguir a que cada um será responsável, nenhuma delas acaba por fazer algo por completo. Em “O Sal da Terra” é assim: dois diretores, nenhum autor.
A codireção não é o problema. Wenders já produzira assim e com sucesso, haja vista os belos “O Céu de Lisboa” (1994), em parceria com o português Manoel de Oliveira, ou “Além das Nuvens” (1995), feito a quatro mãos com mestre do cinema italiano moderno Michelangelo Antonioni. Quanto a Juliano, até temia que o filme pudesse ter mais a “cara” dele e menos a do parceiro, que poderia ter se associado de forma a dar uns pitacos providenciais mas, respeitando o ambiente familiar, não interferiria no resultado final – suposição minha que não se confirmou. A questão é que não se criou um espaço real de atuação nem para um, nem para outro.
Seja por influência ou não da família, de Juliano ou do próprio Sebastião, “O Sal da Terra”, com um substrato espetacular para que se compusesse um grande filme que contivesse como temperos elementos instigantes e questionadores, saiu um produto audiovisual “chapa branca”. Branco como sal em pitadas esparsas e imperceptíveis ao paladar.

Trailer "O Sal da Terra"

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

20 filmes para entender o cinema brasileiro dos anos 60



Outro dia, logo após postar no Facebook que havia revisto um dos meus filmes favoritos da cinematografia nacional, “Bye Bye Brasil” (sobre o qual comentarei melhor em um próximo post), surtiram, como geralmente ocorre, alguns comentários. Na ocasião, entretanto, um dos que comentou foi meu primo e colaborador do ClyBlog (especialmente para da seção ClaqueteVagner Rodrigues. Amante de cinema, ele revelou não apenas querer conhecer o filme em questão quanto se aprofundar mais no cinema brasileiro das décadas de 60, 70 e 80.

Dispus-me, então, a elencar para ele títulos que dessem um panorama da produção de cada década no combalido e combativo cinema no Brasil. Até aí, nada incomum, considerando que gosto de compartilhar conhecimento sempre que posso e o considero suficiente para tal. O que eu mesmo não esperava era que, ao comentar brevemente cada filme somente de forma a justificar ao Vágner o porquê de sua presença numa classificação tão seleta, fui me empolgando não apenas com cada anotação, como, principalmente, com a seleção em si. Tanto que, somando-se os três períodos, cheguei a 55 títulos!

Afora a trabalheira prazerosa que sei que dei ao meu primo, acabaram surgindo três listas bem interessantes que dão a dimensão da qualidade, importância, versatilidade e profundidade artística, estilística, sociológica e política do cinema brasileiro em cada uma destas décadas, sem dúvida as melhores em nível qualitativo em toda a história dessa arte no Brasil (e olha que tem como concorrentes os fortes anos 50 e a primeira década do séc. XXI). Ao mesmo tempo, juntos, dão uma mostra bem real do quanto já foi muito mais difícil fazer cinema no Brasil, tanto pela questão técnica (produções quase sem recurso, tecnologia defasada e falta de mão de obra) quanto, principalmente nos 60 e 70, pelo cenário político, tendo em vista que muitos desses filmes – mesmo os corajosamente denunciadores – sofreram com a censura do governo militar antes, durante ou depois de lançados.

Comecemos, então, com a melhor de todas: a década de 60, marcada pelo boom do Cinema Novo – que revelou os gênios Glauber Rocha e Julio Bressane, mestres como Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade e Cacá Diegues e técnicos de primeira linha como Dib Lufti e Eduardo Escorel – mas que presenciou, tanto quanto, obras memoráveis não necessariamente ligadas ao movimento. Enfim, uma seleção de 20 títulos com seus respectivos diretores e em ordem cronológica de ano que me deram muito trabalho para escolher, mas que dão uma ideia legal da produção da época pelo filtro daquilo que gosto e acredito como arte – a sétima, neste caso.



1 - "O Pagador de Promessas", Anselmo Duarte (60) – Com absoluta convicção, o melhor de todos os tempos no Brasil. Perfeito do início a fim: fotografia, atuações, roteiro, trilha, edição, cenografia. E tem um dos papeis mais memoráveis do cinema: Leonardo Villar como Zé do Burro. E ainda é um Palma de Ouro em Cannes que venceu AntonioniPasolini e Buñuel. Tá bom pra ti? Irretocável.






2 – “Barravento”, Glauber Rocha (62) – Primeiro filme do Glauber, coloca-se num ponto entre o Neo-Realismo e o Cinema Novo. Extremamente poético, é o filme que melhor retrata o universo místico do candomblé e da vida dos pescadores do interior, aqueles que raramente temos acesso no mundo urbano. Venceu prêmio na República Checa e tem montagem do Nelson Pereira, quer mais?










3 - “Assalto ao Trem Pagador”, Roberto Faria (62) – Outro daqueles filmes essenciais. O Roberto Faria sempre fez filmes com arte e apelo popular. Esse é bem assim: com uma cara ainda de Atlântida dos anos 40/50, mas com um pé no Neo-Realismo. Atuações fantásticas do irmão Reginaldo Faria, do Grande Otelo e do ator principal, Eliezer Gomes, como o inesquecível Tião Medonho.










4 - “Os Cafajestes”, Ruy Guerra (62) – Clássico do Cinema Novo, tem toda a questão da câmera na mão, do enquadramento intuitivo, do aspecto documental, da inspiração estética e temática na nouvelle vague. Fala sobre a decadência da burguesia, pondo em evidência seu vazio e a falta de sentido. Daniel Filho e Jece Valadão ótimos. E ainda tem o primeiro nu frontal da história do cinema, e quando a Norma Bengell era tri gata!







5 - “Cinco Vezes Favela”, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Miguel Borges, Leon Hirzsman e Marcos Farias (62) – Filme de episódios (5, obviamente), todos retratando algum aspecto das então pouquíssimo retratadas favelas, papel de denúncia que o Cinema Novo foi hiperimportante. O do Cacá, embora ainda cru em termos de estilo, é bem interessante, pois fala sobre uma escola de samba e os problemas da comunidade num dia de carnaval. “Couro de Gato”, do Joaquim Pedro, chegou a ganhar Cannes. O de Leon também é incrível, “Pedreira de São Diogo”, sobre trabalhadores da pedreira que são obrigados a fazer implosões perto de uma comunidade que iria para os ares. O do Miguel Borges, sobre um lixão, é claramente uma das inspirações do “Lixo Extraordinário” e com o recente britânico-brasileiro “Trash”.







6 – “Vidas Secas”, Nelson Pereira dos Santos (63) - Genial. Precursor em muitas coisas: fotografia seca, roteiro, cenografia, atuações. Daquelas adaptações literárias tão boas quanto o livro, ouso dizer. Tem uma das cenas mais tristes que já vi, a o sacrifício da cachorra Baleia. Limite também entre Neo-Realismo e Cinema Novo. Indicado a Palma de Ouro. Aula de cinema.










7 - “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, Glauber Rocha (63) - A obra-prima do Cinema Novo, um dos maiores filmes do século XX. De tirar o fôlego. Sobre este, me reservo o direito de indicar um post inteiro que escrevi sobre ele em meu blog de cinema: http://oestadodascoisascine.wordpress.com/2010/11/09/a-terra-do-homem-e-o-mito-da-morte/









8 - “Os Fuzis”, Ruy Guerra (64) – Um soco no estômago. Sobre um cerco militar que se forma numa cidade do sertão nordestino, pondo à mostra toda a miséria social e moral gerada pelo Estado, quase um presságio do derramamento de sangue que ocorreria com os que combateriam a ditadura militar, então recém-iniciada. Dos filmes preferidos de gente como Gustavo Spolidoro e Eduardo Valente, foi Urso de Prata em Berlim em Direção.








9“Noite Vazia”, Walter Hugo Khouri (64) – O Khouri sempre teve o seu jeito de fazer cinema, abordando temas como a depressão das altas classes, o vazio existencial, a anestesia da vida moderna, e bastante inspirado em Antonioni. “Noite Vazia”, no entanto, não é uma cópia brasileira de “A Noite”: é um filme com personalidade e referencial. Trilha do Duprat, tá louco! E concorreu a Palma de Ouro. Depois, o Khouri só se repetiu, mas esse é demais.










10 - “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, Roberto Santos (65) – Uma joia meio esquecida. Leonardo Villar, de novo ele, faz o papel principal, que ele literalmente encarna. Baseado no conto-novela do Guimarães Rosa, é daquelas adaptações ao mesmo tempo fiéis mas que souberam transportar a história pra outro suporte. Obra-prima pouco lembrada.








11 – “São Paulo S/A”, Luis Sérgio Person (65) – Outro clássico. Walmor Chagas tá ótimo. Na linha d’”Os Cafajestes”, mas sob outra ótica, mostra a asfixia da classe média (paulistana, no caso), imersa na impessoaliadade da vida industrial e maquinal da grande cidade. Recebeu prêmios na Itália, México e São Paulo. Muito atual.








12 – “O Desafio”, Paulo César Saraceni (65) – Parece loucura, mas o diretor fez um filme sobre a ditadura em plena ditadura. Haja peito! E mostra em detalhes a vida daqueles que não se enquadram naquilo, a tristeza de ver seu país tomado sem lado para correr. É um filme revoltado, corajoso e triste com todos os elementos de Cinema Novo: câmera na mão, fotografia natural, improvisação, tom documental, trilha sonora da MPB combativa da época.








13 - “O Padre e a Moça”, Joaquim Pedro de Andrade (66) - Lindo. Primeira ficção do Joaquim Pedro, que foi um contista de mão cheia. Sobre um padre (o maravilhoso Paulo José) que se apaixona por uma moça de família no interior. Claro que dá merda, né? Fotografia PB rigorosa e pouco diálogo, que dá um clima sufocante à história. Indicado ao Urso de Ouro em Berlim.







14 – “O Caso dos Irmãos Naves”, Luis Sergio Person (67) – Filme de tribunal sobre uma história real de um julgamento injusto ocorrido no interior de Minas na Era Vargas envolvendo os tais irmãos da família Naves. Super bem narrado e fotografado. Alto nível. Interpretações, idem. Interessante que, por se passar em uma época antiga, o filme passou pela censura, é os militares burros não perceberam ser uma baita crítica ao governo. Até torturas mostra... Venceu Brasília (Roteiro e Atriz Coadjuvante) e foi indicado em Moscou.







15 - "Terra em Transe", Glauber Rocha (67) - Pra muitos, o melhor do Glauber. Também altamente referencial do que foi o Cinema Novo e a visão dos artistas daquela época no Brasil. Algumas das cenas – captadas pela câmera-personagem de Dib Lufti – e ícones do movimento estão diretamente ligadas a essa filme. Premiado em Cannes, Locarno e Havana. Não menos que genial.








16 - “O Dragão da Maldade Conta o Santo Guerreiro”, Glauber Rocha (68) - Espécie de continuação do “Deus e o Diabo...”, porém num outro conceito e contexto. Altamente Teatro de Arena e Teatro Oficina, considero-o uma “ópera do Sertão” em cores, uma tragédia shakesperiana nordestina. Texto incomparável. Filme amado por Scorsese. Metafórico e forte. Melhor Direção em Cannes.






17 - “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, José Mojica Marins (68) – O genial Mojica traz indiretamente seu célebre personagem, que não aparece mas “representa” os 3 episódios que compõem o longa. Sua melhor produção, que mostra o quanto ele, um dos maiores mestres do terror trash mundial, ao lado de ArgentoCarpenter e Bava, é capaz de fazer miséria com um pouquinho mais de recurso.








18 - “O Bandido da Luz Vermelha”, Rogério Sganzerla (68) – Se existe cinema marginal, é “O Bandido...”. Transgressor, louco, efervescente, non-sense, crítico, revolucionário. Adjetivos são pouco pra definir. Grande vencedor do Festival de Brasília daquele ano. O filme que fez o “terceiro mundo explodir” de criatividade.










19 – “O Anjo Nasceu”, Julio Bressane (69) – Gênio do cinema autoral da atualidade (haja vista que é vivo e segue produzindo), junto com Sganzerla originou o chamado cinema “udigrudi”, o underground brasileiro, que subvertia ainda mais a estética e narrativa do que o Cinema Novo. Segundo filme dele, que, embora tenha um pouco mais de história (o que o diretor praticamente abandonou a partir do final dos 70), é tomado de simbologias e metáforas, que, por sinal, embaralharam a cabeça dos militares, que o proibiram sem saber porquê.






20 – “Brasil Ano 2000”, Walter Lima Jr. (69) – Fala-se muito do “Macunaíma” (referencial certamente, mas um filme confuso), mas esse do Walter Lima é exemplar no que seria um cinema “tropicalista” e “antropofágico”. É um musical com trilha original do Gilberto Gil cujos temas são muito bem integrados à história, pois se trata de uma ficção surrealista inteligente e engraçada. Muita criatividade com pouco.