Charlize Theron em interpretação digna de Oscar. |
sábado, 27 de junho de 2015
“Lugares Escuros”, de Gilles Paquet Brenner (2015)
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
Oscar 2009
Gostei muito de ver que Heath Ledger, com sua brilhante atuação como Coringa em "O Cavaleiro das Trevas", levou o Oscar de coadjuvante derrubando as restrições da Academia, não apenas quanto a homenagens póstumas mas também quanto a personagens de quadrinhos.
quinta-feira, 28 de julho de 2022
"The Batman", de Matt Reeves (2022)
Detective Comics... Quadrinhos de detetive.
"The Batman" faz uma espécie de "Ano Um" do homem-morcego. Um herói ainda jovem, idealista, tentando entender toda a sujeira dos subterrâneos de Gothan City e percebendo que a coisa toda é ainda muito maior do que imaginava. Ironicamente, quem mostra isso a ele é exatamente o vilão: um maluco autointitulado Charada passa a cometer assassinatos e deixar nas cenas dos crimes enigmas que vão desvelando verdades indesejáveis sobre peixes grandes da cidade, como o prefeito, o promotor e até, imagine só, o pai do nosso jovem magnata.
Bruce é um justiceiro ainda confuso, inseguro, o que torna seu personagem noturno, um herói vulnerável em muitos momentos, tanto física quanto psicologicamente. Em meio a essa roda-viva de crimes do Charada, brigas de poder no submundo, eleições para prefeito, policiais corruptos e prisões dos chefes da máfia de Gothan, o mascarado se vê às voltas com Selina Kyle, uma jovem dançarina e garçonete nas boates do mafioso Falcone, e que busca respostas sobre o paradeiro de uma amiga desaparecida que pode estar mais envolvida com coisas perigosas do que ela possa imaginar. Juntos, com motivações diferentes, os dois mergulham em toda a sujeira da cidade, que respinga nos dois e que é apresentada ao povo de Gothan, de maneira prazerosa e sádica, pelo Charada.
O jovem Bruce, tentando juntar as peças do quebra-cabeça do Charada |
"The Batman" é uma grande celebração ao herói mais humano dos quadrinhos. Além de voltar ao início da saga do órfão sedento por justiça, o filme de Matt Reeves, mesmo tão contemporâneo, rende discretas homenagens à série clássica dos anos 60 em detalhes como o da máscara de couro, o próprio nariz da mascara (os mais atentos perceberão), o Batmóvel, mais "carrão" mesmo, mais parecido com a máquina clássica de Adam West, sem falar nas tomadas superiores dos ambientes e até mesmo as semelhanças com as sequências de luta.
O novo Charada, simplesmente assustador. Um dos melhores psicopatas do cinema nos últimos tempos. |
Robert Pattinson, tão discutido, tão contestado, está perfeito no papel de um Batman hesitante; Paul Dano é um maníaco assustador lembrando muito John Doe, o psicopata fanático de "Seven", de David Fincher; a Mulher-Gato é sexy mas sua participação não se limita a seus dotes físicos; a amostragem de Pinguim é promissora; a "canja" de Coringa é instigante; e o final (sem querer dar spoiler) não caracteriza exatamente uma vitória do herói, o que torna o filme ainda mais interessante.
Um filme que dignifica o herói mascarado, dignifica os quadrinhos, que se justifica como um longa de Batman, que prende a atenção, nos deixa envolvidos, nos faz querer ver uma sequência... Isso, DC! Era isso que queríamos! "The Batman" é um filme policial, é um filme noir, é um thriller psicológico, é um suspense, para só depois de tudo isso, ser um filme de herói.
terça-feira, 7 de outubro de 2008
Os 500 melhores filmes de todos os tempos
Mais uma lista daquelas de melhores filmes de todos os tempos...
Esta da revista inglesa Empire escolhida por leitores e cineastas.
Chama a atenção a inclusão do recentíssimo "O Cavaleiro das Trevas" e a posição curiosa de 28° para "Cidadão Kane", quase sempre colocado nas listas como o número 1, ou senão entre os 5, pelo menos.
Na ponta aparece o "...Chefão 1", que eu não concordo, mas compreendo e já vi nesta condição em outras listas, mas o 2° lugar pro "Indiana..." é muita areia pro caminhãozinho do Sr. Jones.
Confiram aí os 30 primeiros e a lista completa no site da revista no link logo abaixo:
4. "Um sonho de Liberdade", de Frank Darabont (1994)
A lista da Empire:
terça-feira, 28 de novembro de 2023
“A Guerra dos Botões”, de Yves Robert (1962)
Botões, bolitas e bytes ou A mesma guerra*
Não é de se estranhar que crianças ou adolescentes, ao perceberem a divisa que se lhes impõe entre infância/adolescência e a desencantada fase adulta, pensem assim. Um dos filhos da psicanálise, o cinema, invariavelmente, toma-lhe emprestado conceitos teóricos para, a seu modo, evidenciar a condição humana e as mudanças sociais. Pois mesmo que nem sempre dita da boca pra fora, esta frase ecoa através das últimas décadas através de filmes que, historicamente pontuais, revelam sentimentos em comum no comportamento juvenil da idade contemporânea. Terreno onde se encontram e dialogam “A Guerra dos Botões” de Yves Robert (“La Guierre des Boutons”, França, 1962), “Os Meninos da Rua Paulo” e “A Rede Social”.
Se a tal frase é proferida em apenas um dos filmes, o fato de não aparecer nos dois outros é quase detalhe. Aliás, nem precisaria, de tão implícita que está. Afinal, todos os três se compõe do mesmo barro: a construção do sujeito e seus limites de razão e moral.
”A Guerra dos Botões” equilibra realidade e sonho, empunhando aspectos sociais universais através de um olhar sincero e lúdico, mas não menos satírico e crítico. Ao estilo dos realistas fantásticos (além de Vigo, lembra bastante Renoir na sua suave complexidade humanística), conta a história de um grupo de estudantes da interiorana e pobre Longeverne, que, liderados pelo rebelde Lebrac, declaram guerra aos da vizinha e igualmente carente Velrans. A ideia é arrancar todos os botões e confiscar os cintos dos “presos”, para que, mais do que serem castigados pelos pais ao voltarem para casa, percam sua honra ao deixar à mostra as cuecas. Revoltado contra a tirania dos adultos, Lebrac - um símbolo inconsciente da criança que quer ter o direito de ser criança - foge para não ser internado no orfanato. Através de uma temperada fotografia p&b e do clima fantástico proporcionado pela ambientação silvestre Robert mostra como o ser humano, a partir de sua tomada de consciência da realidade, elabora as questões de afeto, orgulho, rejeição e socialização.
Peanuts e Ozu
Não à toa, a ”A Guerra dos Botões” foi premiado com o Jean Vigo de Melhor Filme infanto-juvenil, pois presta uma justa homenagem ao diretor de “Zero de Conduta” (1933) a ponto de parecer-lhe uma obra póstuma. Robert, assim como Vigo, joga sua perspicaz lente sobre as questões da criança numa pequeno universo, ajustando o foco sobre os desajustes sociais, o abismo entre as gerações e os valores decaídos. Seu enquadramento lembra o plano rebaixado das tirinhas Peanuts de Charles Schultz e dos filmes do japonês Yasujiro Ozu, tal é a sintonia que estabelece com a vida das crianças. Os adultos aparecem aos poucos, como “fantasmas”, como uma triste materialização do erro a que aquelas crianças se tornarão no futuro.
A turma de Charlie Brown e "Filho Único", de Ozu: Ocidente e Oriente na visão das crianças |
Feito sete anos depois, sob uma textura de cores oníricas que valoriza a tonalidade natural (como o amarronzado da terra, da madeira e das peles coradas da meninice), o húngaro “Os Meninos da Rua Paulo” (“A pál-utcai fiúk”, dirigido por Zoltán Fábri e inspirado no clássico do escritor Ferenc Molnár) se assemelha bastante a “A Guerra dos Botões” estrutural e formalmente falando. A narrativa, os elementos simbólicos, as atribuições de valores, a dinâmica e a variedade dos enquadramentos, etc. Porém, diferente do primeiro, onde o personagem Lebrec revolta-se contra o opressor sistema da família e da escola, neste, é o pequeno Nemecsek quem paga pela bravura ao desafiar os rivais, acamando-se com pneumonia por causa de um banho gelado e, consequentemente, morrendo..
A paisagem inocente de “A Guerra...” é substituída por uma capital Budapeste do final do século XIX de ares bucólicos, uma cidade grande ainda por se tornar grande como aquelas crianças. Os “botões morais”, aqui, se trocam por bolitas de gude – e tão importantes moralmente quanto botões. Se o orfanato antes representava a pena por virar adulo, aqui, passa pela perda do amigo e pelo progresso social que avança ao ser construído sobre o terreno da rua Paulo, palco das divertidas guerrinhas, um moderno e imponente prédio.
Rua Paulo
Pois ambas as obras se unem por um ponto: a necessidade de se inventar convenções de interatividade social. A psicologia infantil julga natural que a criança imite o adulto como um “ensaio para o futuro”. Hoje, no entanto, na era da Internet, jogar gude ou fazer guerrinha na floresta já não é tão interessante às crianças como prática de interação social, e a esta etapa fundamental do que se chama de Psicologia do Desenvolvimento se põe um imenso vazio. A mídia, ditadora de padrões e proto-verdades, ocupa o lugar dos pais em aspectos relevantes da criação, como a elaboração dos valores e a orientação cognitiva. Isso faz com que as crianças/adolescentes pulem etapas, agindo não só cada vez mais igual aos adultos como, também, “amadurecendo” precocemente.
"Os Meninos...": os conflitos reais entre realidade e sonho |
É o caso do jovem Mark Zuckerberg, do bom “A Rede Social” (“The Social Network”, 2010). No filme do talentoso David Fincher, a não-assimilação das frustrações da vida adulta, como o fora da namorada e a rejeição pela “fraternidade” a qual dava tanto valor, inflamaram a necessidade de pertencimento do protagonista, levando este “herói pós-moderno” a criar, em resposta, a sua própria “fraternidade”. Mas não sem pena: cunhar o bilionário Facebook (hoje Meta, agrupando aí o Instagram) rendeu-lhe fama e divisas (ou seria “admiração dos coleguinhas” e “muitas bolitas”?), mas também algo mais grave, típico dos dias atuais: o isolamento – tal qual num orfanato ou uma cama de enfermo. Mas se os personagens de “A Guerra...” e “Os Meninos...” lograram reconhecimento, por conta de suas condutas pautadas em símbolos comuns ao grupo, a amoralidade despreocupada de Mark, característica da Geração Y, abre espaço para uma nova ética. A razão, nos dias atuais, conforme o sociólogo francês Michel Maffesoli, dá lugar à lógica da “hedonização”, à fragmentação dos sentimentos e emoções no coletivo, e não mais no âmbito pessoal.
Assim, os três filmes, mesmo produzidos em épocas tão distintas, se conectam por esta necessidade de criação de significados que justifiquem a existência. Junto ao “rito de passagem” que marca a fase inicial da vida para aquilo que se será até a morte brota a insegurança do esvaziamento de sentidos, da perda de algo genuíno, de si mesmo. “Serei, a partir de agora, só mais um ‘boboca’”? “O quão inevitável é esse ciclo”? Como em “Zero de Conduta”, onde as impostas verdades da escola interna oprimiam principalmente as crianças que se opunham àqueles cambaleantes valores do mundo entre-Guerras, a vida moderna coloca, hoje, situações que, embora diferentes em forma, implicam no questionamento de signos semelhantes.
Zero de conduta
Poster do clássico de Vigo |
Entretanto, mais do que isso, outro fator une ideologicamente essas obras: os limites entre as razões moderna e pós-moderna. Se nos dois filmes mais antigos ainda se preservava uma crença na razão, esta passa, agora, a não ter peso. N’”A Guerra dos Botões” há uma cena que, no meio da batalha na floresta, os dois exércitos se unem para socorrer um coelho com a pata machucada. Naquele momento, todos pararam de guerrear, e se estabeleceu uma fronteira entre real e imaginário. Igualmente, ao perceberem que cometeram um erro ao roubar à força as bolas de gude do pequeno Nemecsek, de “Os meninos...”, os grandalhões e valentões do grupo rival reveem sua conduta e devolveram-nas a seu dono. Em “A Rede Social” tudo isso cai por terra. Mark rouba ideias descaradamente e “puxa o tapete” de amigos sem culpa. E isso, na sua “crença”, é normal. Afinal, para que lhe servem valores de lealdade ou justiça com tanta fortuna e 500 milhões amigos (virtuais)?
Mark, Lebrac, Nemecsek
Mark é astuto como Lebrac e Nemecsek, mas moralmente alheio. Algo dentro de pessoas da sua geração, desta geração, se perdeu, e não é de se estranhar que justo a palavra “amizade” soe ao mesmo tempo tão poderosa e irônica nas redes sociais. Já não se acodem mais coelhos machucados nem se arde em febre até a morte para se preservar dignidade. Para aquele jovem Zuckenberg, não é isso que tem valor. O negócio é se proteger. Encarar as emoções de frente dá margem a se demonstrar fraco. É mais fácil fechar-se num tubo de mensagens curtas e de distâncias físicas seguras; pois, se não, a guarda se abre para que se lhe arranquem os botões e lhe caiam as calças.
Zuckenberg: astúcia sem tempos de hedonização |
Pensando bem, parece, sim, estar se falando de dignidade; só que de outra forma, assim como de reconhecimento, proteção, laços, amor... e talvez “A Rede Social” também seja um filme sobre crianças... e sejamos todos meio bobocas.
************
trailer de "A Guerra dos Botões"