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sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

cotidianas #817 - A Lei do Ex





Renata havia sido casada com Kike Diaz. Argentino, pinta de galã, tão famoso pelas façanhas fora de campo como pelos gols dentro dele. A vida de escândalos, traições e incertezas ao lado do Galante Platense, em Paris, quando Kike jogava no Pont Neuf, fez com que Renata Maia, ex-modelo badaladíssima em sua época de passarelas, o deixasse e retornasse com os filhos para o Brasil. Agora era esposa de Ricardo Afonso, jogador típico bom moço, daqueles que não dão problema para o clube e são o sonho de qualquer treinador pois, além de não render preocupação por seu comportamento extracampo, dentro dele fazia o modelo do jogador moderno, daqueles que executam diversas funções, o típico jogador múltiplo, uma espécie de coringa do time.

O casal Renata Maia e Ricardo Afonso era o dengo da mídia brasileira. O jogador exemplar, atleta modelo, educado, articulado, que já começava a suscitar clamores por uma convocação para a Seleção por parte da imprensa esportiva, e a ex-modelo internacional cuja vida pessoal outrora atribulada, parecia agora ter encontrado a paz junto ao homem certo. No entanto, não era segredo para ninguém que o grande amor da vida de Renata fora Kike Diaz. Enquanto estiveram juntos, eram a sensação da mídia esportiva e social, fosse pelos bons momentos, viagens, extravagâncias e até fotos intimas vazadas, mas também pelas brigas, pelas agressões de Kike, suas prisões, fianças, separações temporárias e perdões. Não fosse pela vida intranquila, incerta, insegura, Renata nunca teria deixado Kike. Ela o amava. Mas todo amor tem limite e a bela modelo preferiu a tranquilidade de uma vida normal em seu país a um amor bandido.
Ricardo fora sua tábua de salvação. Ao voltar ao Brasil, logo se conheceram numa festa da Confederação, se aproximaram e em pouco tempo estavam casados. Ela o amava mas era um amor diferente do que sentia por Kike. Era um carinho. Era grata pelo fato do marido lhe proporcionar uma vida normal. Sentia-se respeitada, valorizada única. Kike era diferente... Era algo quente, algo que lhe queimava por dentro. De certa forma, agradecia o fato dele estar do outro lado do oceano.
Mas a distância oceânica seria reduzida a alguns estados de distância. Kike fora contratado por um clube brasileiro e a imprensa, que não dorme no ponto, vendo que aquele assunto rendia, não demorou a botar uma lenha numa fogueira que nem existia, só para ver se pegava fogo. Pegou! Manchetes de sites ou de jornais faziam, supunham, sugeriam um novo contato entre os dois, redes sociais pipocavam se perguntando como Renata reagiria à proximidade com seu ex-affair, e até mesmo programas esportivos respeitáveis não deixavam de largar, nem que fosse, uma frasezinha maliciosa a respeito do assunto.
Aquilo tudo começava a incomodar Ricardo. Ele passara a agir de maneira diferente com Renata. Nunca desconfiara dela mas agora, com toda essa coisa, ficava com uma pulguinha atrás da orelha. Qualquer deslocamento mais longo que ela tivesse que fazer, Ricardo já  pensava que pudesse ter pegado um avião, ido até o outro, e voltado algumas horas depois. Percebeu que era bobagem quando, solicitada por Kike a permitir que visse os filhos, Renata pediu para que sua mãe, a avó dos meninos, viajasse com eles e os levasse até o pai.
Era sinal que ela não pretendia vê-lo, não queria vê-lo, não tinha a menor intenção de reencontrá-lo.
Mas Ricardo sabia que haveria um momento em que os dois, inevitavelmente, estariam muito perto, na mesma localidade, e seria quando o time de Kike fosse jogar em sua cidade. E aquele momento chegara. Seus clubes se encontrariam pelo campeonato nacional e Kike viria junto com seu time. Às vésperas do jogo a imprensa recomeçou a jogar o veneno. "Renata Maia reencontrará seu grande amor", "Te cuida, Ricardo".
A cabeça de Ricardo Afonso foi a mil. Tinha que dar um jeito de tirá-la da cidade por aqueles dias. E se ela tivesse vontade de vê-lo? Se ele insistisse para encontrá-la? Se marcassem um encontro enquanto estava no treino? A inquietação  aumentou quando, certo dia, ao entrar no quarto, Renata interrompera abruptamente uma conversa ao celular assim que percebera sua presença, guardando o aparelho apressadamente. Perguntada sobre a ligação, respondeu que era a Kamille e não, não desligara rápido, já estava mesmo acabando a ligação no momento em que o marido adentrara o dormitório. Ricardo não engoliu muito aquilo. Até por isso, tratou de tomar as devidas providências quanto ao dia do jogo. Renata não iria! Ela que normalmente ia vê-lo no estádio, desta vez ficaria em casa. O marido a convencera a muito custo. Ela não via motivo mas Ricardo alegava que seria melhor assim. Embora jogadores e familiares não frequentassem áreas comuns no estádio, podiam se esbarrar por algum corredor e era melhor evitar que isso acontecesse, sem falar que a imprensa poderia armar um 'encontro surpresa' à  beira do gramado ou depois do jogo só para garantir audiência. Um tanto contrariada, Renata enfim concordou. Ficaria em casa naquela tarde.
Ricardo foi mais tranquilo para a concentração.
Horas depois, no vestiário, pensava em Renata enquanto amarrava as chuteiras. No quanto era feliz com aquela mulher, na sorte que tivera em encontrá-la. Seu pensamento, no entanto, fora interrompido pelo Sávio, o lateral do time: "Viu que o Kike não vai jogar?". Os olhos de Ricardo quase saltaram da cara. "Eu soube agora há pouco por um cara da rádio, aqui na porta do vestiário. Diz que brigou com o treinador. Nem concentrou...". Ricardo queria sair dali e correr pra casa mas era tarde demais. Era hora de entrar em campo e, de mais a mais, o que alegaria para o treinador? O que diria para a torcida? Que estava com medo que o sua mulher estivesse na cama com o atacante do time rival? Que temia que ela fugisse com o ex?
Entrou em campo e jogou.
Jogou mal. Intranquilo, errou passes, foi pouco participativo e acabou substituído. Desceu para o vestiário, nem tomou banho e, aproveitou a oportunidade para para sair mais cedo do estádio. A atitude de Ricardo Afonso, tido como bom moço como atleta exemplar, agora levantava especulações sobre racha no grupo e insatisfação com o treinador.
Não interessava o que pensassem. Queria chegar o quanto antes em casa e certificar-se que a sua Renata estava lá.
Abriu a porta.
"Renata...". Nada na sala. "Renata...?". Nada no quarto. "Renata!!!". Nada em lugar nenhum. Ricardo Afonso arriou no sofá. Ficou ali sentado por um bom tempo com os olhos fixos no chão. Minutos depois a tela do celular acendeu. A mensagem no celular nem deu tempo de lhe dar algum alento. Era a mãe de Renata dizendo que as crianças estavam bem e que mandavam um beijo.
Apenas deixou o aparelho cair a seu lado.
O jogador ainda estava naquele estado de prostração quando ouviu barulho da fechadura. A porta abriu. Era Renata.
Ele não perguntou nada mas seu olhar angustiado ansiava por uma resposta.
"Não aguentei ficar em casa, Ric. Fui te ver jogar.", disse deixando a bolsa no aparador. "Você saiu cedo? Não esperou o time, as entrevistas... Eu fiquei lá te esperando que nem uma boba. Depois que eu os repórteres começaram a dizer que você  tinha saído chateado de campo, que foi embora do estádio...Que que aconteceu?"
Ele não respondeu. Simplesmente levantou-se do sofá, andou em direção a ela, a abraçou e começou a chorar.



Cly Reis

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

City Fog

 






"City Fog" - REIS, Cly
grafite em papel reciclado com retoques digitais





"City Fog"
Cly Reis

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

cotidianas #814 - Dulce

 



- Desculpa, gente, não vou poder ir porque, pelo jeito, vai chover.

Essa era, costumeiramente, a justificativa da Dulce para suas ausências nos programas da turma das "meninas", o grupo de amigas, senhoras já na dita melhor idade, e que não raro, procuravam atividades ou programações para ocupar o tempo ou se entreter,

Em muitos programas, ela até gostaria de ir mas, realmente, qualquer pinguinho, qualquer gotinha, tinha a capacidade de causar um estrago tremendo, devastador, que as amigas não tinham a capacidade de compreender.

- Ah, deixa de ser boba, Dulce! Que mal uma aguinha pode fazer? - argumentava uma.

- É, parece que é feita de açúcar. - completava uma outra jocosamente, e todas caíam na gargalhada.

Certo dia, Dulce aceitou um convite para sair. O dia estava claro, bonito, parecia sem riscos e ela então concordou em encontrar-se com as amigas.

Riram, beberam, dançaram mas, lá pelas tantas nuvens começaram a aparecer no céu. Dulce se inquietou. Agitou-se, começou a recolher as coisas apressadamente sob os protestos das colegas.

- Ai, Dulce, larga isso aí. Nem vai chover, só ficou meio nublado, não é nada.

- Não, não. Não posso arriscar.

Mas era tarde demais. As primeiras gotas começaram a cair.

São só uns pinguinhos. O que que pode acontecer?

Assim que as gotas tocaram o corpo de Dulce, ela pareceu paralisar.

Primeiro as amigas riram mas, aos poucos, suas expressões de galhofa foram se desfazendo.

Dulce derretia. A água erosionava as partes onde tocava em seu corpo e aos poucos pedaços inteiros desabavam, tombando para o lado e caindo pesadamente, se espalhando como se desenhassem explosões estrelares no chão.

As amigas olhavam para o chão, um tanto incrédulas, num misto de estarrecimento e piedade.

Uma delas não pode deixar de exclamar:

- Coitada, era um doce de pessoa.


Cly Reis


sábado, 11 de novembro de 2023

"Holy Spider", de Ali Abbasi (2022)




Outra cultura, outra realidade.
(mas que dá um ódio, dá)
por Vágner Rodrigues



Que filme necessário mas difícil de assistir ate o final. Vá sabendo disso.
O pai de família Saeed embarca em sua própria busca religiosa – para “limpar” a sagrada cidade iraniana de Mexede de prostitutas de rua imorais e corruptas. Depois de assassinar várias mulheres, ele fica cada vez mais desesperado com a falta de interesse público em sua missão divina.
Duas coisas importantes para você ver esse filme até o final são  que, primeiro: por mais que seja outra cultura, outros hábitos, você tem que estar preparado para o sentimento de revolta, em algum momento ele vai surgir. Outro ponto é um filme que você tem que estar atento a tudo, se você é da geração streaming e assiste a filmes fazendo outras coisas vai perder muito . 
Superadas algumas barreiras, você vai ter uma experiência magnífica, uma direção que sabe o tempo todo o que quer passar para o espectador. "Holy Spider" é muito imersivo e, tanto a narrativa quanto os  protagonistas colocam você em alerta o tempo todo, fazendo com que a gente fique constantemente no aguardo dos próximos passos de cada um.
Temos uma sequência que mostra a "interação" dos dois personagens principais e ela é de uma agonia que..., meu Deus. As interações entre eles, embora raras ao longo de toda a duração do filme, por conta das ótimas atuações dos atores são tão intensas que chegam a nos passar muita raiva.
Muito bem dirigido, "Holy Spider" tem o poder de transmitir  exatamente o que o diretor Ali Abbasi quer passar. Como falei, as atuações trazem uma verdade incrível, Zahra Amir Ebrahimi, como, Rahimi está maravilhosa, mas Mehdi Bajestani, como Saeed, faz facilmente você odiar seu personagem. Aquele ódio genuíno, sabe? Uma atuação assombrosa de boa.
As sequências dos assassinatos são regadas de tensão, porque a gente mais ou menos sabe onde elas vão terminar, sabe no que aquilo vai dar,  mas como são longas e começam desde Saeed andando de moto pela cidade à procura de vítimas, até chegar as lutas corporais em si, uma vez que o assassino gosta de métodos mais físicos, o clima é criado com sucesso e mantido com muita competência.
O longa, além do aspectos técnicos é muito bom por apresentar aspectos culturais. Você se sente em uma viagem ao Irã (mesmo que o filme não tenho sido gravado lá, uma vez que o governo não permite a filmagem de um filme tão crítico ao país). Todo ele é uma sequência de acertos, tanto na parte que aborda toda a cultura do país e sua crítica ao funcionamento das instituições como polícia, justiça e religião, como também tecnicamente é impecável, com uma narrativa imersiva e atuações  intensas, que prendem o espectador à história.
É difícil julgar uma cultura sem fazer parte dela, sem conhecê-la no dia a dia, e não é isso que pretendo, mas sim, salientar a importância de sempre estarmos abertos a conhecer novas realidades, muitas vezes até discordar de alguns costumes, sim, mas sabendo que aquilo é outra realidade.
Perseguidora e perseguido.
A dupla de protagonistas de brilhantes atuações





***********



"Um thriller policial diferente do que
você está acostumado a ver."
por Cly Reis



"Holy Spider" é um filme policial. Mas, espectador habituado aos padrões hollywoodianos, não espere as correrias, tiros, porradas e bombas. "Holy Spider" é um policial iraniano e como bom exemplar do cinema alternativo, independente, produzido fora dos Estados Unidos, traz uma abordagem mais sóbria e menos espetaculosa que a do cinema comercial para o gênero, além de manter a tradição de seus compatriotas como Abbas Kiarostami, Ashgar Farhadi e Jafar Panahi, de um cinema crítica e denunciatório em relação a assuntos polêmicos de seu país. "Holy Spider" é um filme de serial-killer, mas que envolve temas delicados como feminicídios, extremismo religioso, direitos humanos, liberdade de expressão, etc. Num sistema tão fechado quanto o do Irã, naturalmente, para realizar filmes assim, cineastas daquele país, não tem liberdade, autonomia ou permissão para mostrar essas realidades e, desta forma, não foi diferente com o diretor Ali Abbasi, que, assim como seus já citados compatriotas, teve que sair de sua terra para realizar seu projeto.
No filme, uma jornalista investiga um criminoso que mata prostitutas na periferia de uma cidade nos arredores de Teerã, sob o pretexto de estar realizando uma tarefa sagrada, tirando da rua aquelas pecadoras. Rahimi, indignada com a série de crimes e com a inação das autoridades, consegue a autorização de seu jornal para a investigação, embora essa permissão não signifique apoio. Tropeça na inação das autoridades, dribla a burocracia, esbarra no machismo, é emparedada pela religião, mas persiste e se aproxima perigosamente do assassino, que, por sua vez, inconformado pelo pouco reconhecimento público por seus atos "purificadores", continua a matar. 
Engana-se quem pensar que por não trazer a linguagem ocidental de produções deste gênero, com correrias, perseguições, lutas, o longa seja menos envolvente. Pelo contrário! Embora num ritmo contido, mais arrastado, como é característico desse cinema do oriente-médio, o espectador fica alerta o tempo todo, na expectativa a cada possível vítima, tenso a cada morte, a cada passo da jornalista, se frustra a cada percalço que a impede de se aproximar do criminoso, volta a se inquietar quando ela parece que finalmente encontrar o monstro, e fica verdadeiramente apreensivo, de roer as unhas, na sequência em que ela fica cara a cara com o fanático homicida.
Baseado em uma história real, "Holy Spider" é tão chocante pelos crimes quanto pela realidade do país em que a ação se passa. Os valores distorcidos, a religião, como pretexto, se sobrepondo a questões humanas elementares, a sociedade institucionalmente machista, o desprezo pela figura da mulher, a ação parcial e conveniente das autoridades, a ação nefasta do estado, tudo é tão condenável quanto a prática do assassino e, no fim das contas, incentiva que malucos como aquele do filme, e do fato acontecido na vida real, ajam dessa maneira.
Deve ser duro ser mulher no Irã...

 
"Holy Spider" - trailer





sábado, 4 de novembro de 2023

A Glória Eterna

 





Ilustrações de gols de clubes brasileiros que já tiveram a honra de serem campeões da Libertadores da América, ou seja, de alcançarem A Glória Eterna.

ATLÉTICO MG - Gol de Leo Silva na final contra o Olímpia em 2013
no Mineirão, em Belo Horizonte
Atlético MG 2 x Olímpia 0 (4x3)

CORINTHIANS - Gol de Emerson Sheik na final contra o Boca Juniors,
no Pacaembu em São Paulo, em 2012
Corinthians 2 x Boca Juniors 0

CRUZEIRO - Gol de Joãozinho no jogo-extra da final, contra o River Plate,
em Santiago, no Chile, em 1976
River Plate 2 x Cruzeiro 3

FLAMENGO -P Gol de Gabriel Barbosa, o Gabigol, na final única contra o River Plate, 
em Lina, no Peru, em 2019
Flamengo 2 x River Plate 1

GRÊMIO - Gol de César na final contra o Peñarol,
em Porto Alegre em 1983
Grêmio 2 x Peñarol 1

INTERNACIONAL - Gol de Rafael Sóbis, no primeiro jogo da final, contra o São Paulo,
no Morumbie, em São Paulo, em 2006
São Paulo 1 x Internacional 2

PALMEIRAS- Gol de Brenno Lopes, na final em jogo único contra o Santos,
no Maracanã, no Rio de Janeiro, em 2020
Palmeiras 1 x Santos 0

SANTOS - Gol de Neymar na final contra o Peñarol, em 2011,
no estádio do Pacaembú em São Paulo
Santos 2 x Peñarol 1

SÃO PAULO - Gol de Raí, na final contra o Newell's Old Boys,
em 1992, em São Paulo
São Paulo 1 x Newell's Old Boys 0 (3x2)

VASCO DA GAMA - Gol de Juninho Pernambucano, na semifinal contra o River Plate,
em Buenos Aires, na Argentina, em 1999
River Plate 1 x Vasco da Gama 1 (Vasco classificado para a final)




artes: Cly Reis
ilustrações digitais utilizando o
software GIMP

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

cotidianas #813 - Aniversário em Chamas

 



"Parabéns pra você

Nessa data querida

Muitas felicidade

Muitos anos de vida!"

A máquina de costura ainda batia repetidamente a agulha quando a mãe ouviu a voz do filho às suas costas num parabéns entusiasmado.

"Crianças!..." Não havia ninguém de aniversário naquele dia.

O lume, refletido nos cromados da máquina que manejava, acusava que algo acontecia atrás de si. Voltou-se, curiosa pelo luzidio reflexo e por tamanho festejo do filho. Ao virar-se, o que viu a tomou de um instantâneo pavor.

Chamas subiam de sua cama.!

Chamas....

Chamas...

Por trás delas, ajoelhado diante da labareda, ao pé da cama, a criança, seu filho de 3 anos de idade, alegre e orgulhosamente celebrava a gigante "vela" de aniversário que produzira com uma caixa de fósforos.

Celebrava, entoando os versos da mais famosa canção de congratulações de anos completados, diante da chama viva e luminosa que criara.

"Parabéns pra você

Nessa data querida

Muitas felicidade

Muitos anos de vida!"

O susto e a perplexidade inicial da mãe tiveram que dar lugar, rapidamente, à urgência de abafar o fogo e tirar a criança dali.

Como rescaldo do incidente, não houve vítimas, com exceção é claro do próprio pequeno incendiário que levou algumas boas lambadas de chineladas pelo aniversário macabro que proporcionara (o que não fora nada se comparado ao poderia ter acontecido). Também, pode-se dizer que não houve danos materiais com exceção de um belíssimo cobertor argentino de pelos, que para sempre carregaria a marca chamuscada da capetice daquele pirralho.

O que poderia ter-se transformado numa grande tragédia, felizmente virou uma lendária história para contar e que rimos até hoje. 

O menino arteiro que, por sinal, hoje completa 45 anos, foi deixando de ser peralta aos poucos, cresceu, tornou-se um homem, depois um grande homem, um jornalista de alto nível, um escritor brilhante e felizmente tenho prazer de tê-lo como, além de irmão, parceiro deste nosso espaço de dedicação e exercício de criatividade.

Parabéns, Daniel querido! 

Que, no teu dia, as únicas chamas que continuem acesas sejam as do teu caráter, do teu brilho interior e da tua inspiração. E que a da tua vida, que como qualquer outra, sabemos, não é eterna, ao menos, demore muito muito muito a se apagar.

Parabéns, parabéns!

Talvez até queime um coberto em tua homenagem.

Tu mereces, tu mereces.

Caixa de fósforos na mão e...

Parabéns pra você...



Cly Reis

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Sentou pra descansar como se fosse um pássaro

 







Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
foto: Cly Reis





Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
foto: Cly Reis

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

cotidianas #811 - Claudine

 



Ai, a Claudine andando!

A via nos corredores do colégio e ficava admirando aquele jeito dela andar. A Claudine se movia de uma maneira única, ímpar,  singular.

Ela não caminhava, ela flutuava, pairava, deslizava. Parecia andar nas pontas dos pés, pisar com cuidado para não ferir o chão. Um andar ao mesmo tempo determinado e sensual. Lânguida como uma garça e determinada como uma tigresa. Aquele cabelo avermelhado vivido como uma crina de fogo de um cavalo de raça, daqueles de trote elegante e seguro.

Pensava comigo mesmo que, se um dia tivesse a Claudine para mim, não lhe pediria mais nada - carícias, sexo, prazeres vulgares - só  pediria que andasse para mim. "Anda, Claudine, anda".

Seria mais como um bichinho de estimação do wue uma mulher. Um hamster naquele extraordinário corpo feminino.

Eu sonhava com a Claudine... Sonhava que um dia estaríamos em nossa casa e eu a conduziria a uma dependência qualquer de nosso lar, cobrindo-lhe os olhos com as mãos e, chegando a esta sala, descortinaria-lhe a surpresa à sua frente, para a qual ela sorriria com entusiasmo e me agradeceria dependurando-se em meu pescoço e tascando-me um beijo. Perto da janela, com ampla vista para a cidade inteira, na nossa cobertura, iluminada pela luz diáfana da manhã, estaria posicionada uma vistosa e reluzente esteira, moderníssima de última geração. "Anda, Claudine, anda", eu diria para ela.

Ela, com um brilho de alegria nos olhos, subiria, ligaria o aparelho que lentamente entrava em funcionamento e ela era então obrigada a sincronizar seu movimento com o da máquina. E eis que ela estava caminhando. Só para mim.

Ela então lembraria, como que num susto, "Ih, tenho que buscar as crianças na escola."

Ao que eu a acalmaria, "Não se preocupa, Claudine, só caminha, só caminha."

Ela então falava alguma coisa... mas eu não ouvia.

...

Sua voz saía muda.

O que ela tentava me dizer?

...

De repente eu entendia:

"Oi, você que é  o Carlos?"

Ahn?

Acordo de meu delírio e me deparo com alguém tocando meu ombro.

"Oi, desculpa incomodar. Tudo bem? Me falaram que você é bom de física... eu queria saber se você me daria uma ajuda...?"

Hesitei, gaguejei, meio abestalhado fiquei olhando para ela por um instante...

"Meu nome é Claudine, eu sou da outra turma. A gente nunca se falou...", explicou ela um tanto constrangida. "É essa parte aqui...", mostrou o conteúdo de física, sacando o caderno. "Se você puder me ajudar...", sugeriu de forma graciosamente suplicante, esperando meu parecer.

"Claro, claro", respondi quase automaticamente.

"Então tá. Obrigada. Tenho que ir agora que a professora já tá entrando. A gente combina depois. Valeu mesmo". E saiu, desta vez, numa corridinha desajeitada, para sua sala de aula.

Eu também tinha que me apressar antes que o professor me barrasse a entrada. Peguei a mochila, botei nas costas, suspirei fundo e segui em direção à sala de aula. Eu flanava pelo corredor.



Cly Reis 

terça-feira, 26 de setembro de 2023

cotidianas #807 - Supermercado

 




Não sei se vou no supermercado.

Se vou hoje, amanhã, segunda...

Segunda vai estar cheio. O dindim de geral já pingou na conta e geral vai fazer compras...

Em compensação, sexta tem o pessoal do churrasco. Quem já compra as coisas pro domingão, quem faz aquelas reservas pro finde... 

Acho que vou amanhã de manhã.

Mas pela manhã tem tanto velho! 

(Mal se mexem, mal conseguem empurrar o carrinho) 

O que que tanto velho faz no supermercado de manhã?

Pensando bem, acho que não vou pela manhã, não. 

Ah, na real, o armário nem tá tão vazio assim. Dá pra esperar mais um pouco. 

Semana que vem eu vejo isso.



Cly Reis 

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

cotidianas #806 - A Mulher Impressionante



Ela não é linda. Na verdade, nem é mesmo muito bonita.
Mas ela é impressionante.
Impressionante, sabe? A gente olha pra ela e fica assim, "Uau!".
Mas é aquele tipo de mulher que parece melhor do que realmente é.
Aquela que sabe tirar o melhor de si, entende?
Não é aquela gostosona mas faz parecer, não tem muita bunda mas usa um salto alto que empina aquele traseiro... Ai. E aí parece alta e imponente também.
E usa umas meias coladas... Aquelas pernas finas ficam parecendo a melhor coisa do mundo.
E sabe usar aquelas pernas! Ela sabe andar, cara! Anda como uma felina, uma gata, uma onça, uma pantera.
Não tem tanto peito, mas aperta aqueles seios e levanta, pressiona no limite do decote, que deixa a qualquer um louco.
E a cor certa do batom...
E o jeito que ela joga o cabelo...
É covardia!
Como é que uma mulher dessas daria bola pra um cara como eu?
...
Pior que já deu...
Mas eu não dei bola quando ela não sabia como escolher o batom, jogar o cabelo, andar como uma felina, levantar os peitos, empinar a bunda...
Agora tá lá ela com aquele monte de caras em volta, como moscas em volta de um doce gostoso.
E eu aqui.
E ela... lá.



Cly Reis 

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Jumpin' Someone Else's Train

 








foto trilhos de trem Rio de Janeiro
"Jumpin' Someone Else's Train"
foto com manipualção digital: Cly Reis



"Jumpin' Someone Else's Train"
foto: Cly Reis

terça-feira, 11 de julho de 2023

cotidianas #802 - Aberração

 



arte: Cly Reis
A primeira coisa que viu ao despertar foi a cara da Dona Margareth.
- Oh, você acordou. - disse ela com certa animação na voz.
Por trás do grande rosto envelhecido, esbranquiçado e enrugado da minha vizinha, árvores apontavam para o céu numa espécie de ponto de fuga infinito.
Estava deitada numa floresta, num bosque...
Me dei conta de que estava amarrada.
- O que está acontecendo? - me apressei em perguntar à minha recente vizinha.
- Vai ficar tudo bem. - foi tudo o que obtive de resposta da idosa.
Tentei me desvencilhar das cordas nos pulsos e tornozelos e, em minha agitação, pude ver meu marido desacordado, ao meu lado, a alguns metros, no chão da mata.
Insisti:
- O que está acontecendo?
- É melhor assim, acredite. - argumentou a velhota.
Seu Nelson, marido dela, um velho esquálido, desbotado, de aspecto doente, aproximou-se por trás dela e cochichou algo em seu ouvido.
A velha me olhou com um olhar de piedade e resignação.
- É necessário. - disse ela.
- O que é tudo isso? Por que eu estou aqui? Nos desamarrem logo! Anda!
- Não entende? Precisamos satisfazê-lo. Senão ele vem atrás de nós. O povoado... Nossa gente, sabe?
- Do que a senhora está falando?
- A criatura. De tempos em tempos temos que entregar algo para a aberração. Para acalmá-lo. Vocês são novos aqui... (Entenda). Nós cuidamos uns dos outros nesse povoado.
- Como assim?
O velho voltou a aproximar-se e falar-lhe ao ouvido.
A velha:
-Temos que ir. Está escurecendo. Não demora muito para a aberração chegar. Perdoe-nos por isso. Estava mesmo gostando de vocês como vizinhos.
O casal de idosos foi se afastando. Ela tinha um certo pesar sincero nos olhos.
Minhas súplicas desesperadas não adiantaram de nada.
Meus gritos se perderam no vazio da floresta.
Escurecia.



Cly Reis