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segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Lou Harrison - "La Koro Sutro" (1972)

 

Nem Reed, nem George

"Forma não é mais que vazio.
Vazio não é mais que forma.
Forma é exatamente vazio.
Vazio é exatamente forma.
Sensação, conceituação, diferenciação, conhecimento
Assim também o são."
Trecho do “Sutra do Coração da Grande Sabedoria Completa”, da filosofia budista Mahayana, século I

Pode-se entender como um impulso natural por parte de músicos modernos que queiram sair do óbvio o movimento em direção à música do Oriente. O esgotamento do sistema harmônico tonal, adotado pelo Ocidente a partir do século XVIII, levou artistas mais antenados a naturalmente procurarem saídas para esta armadilha diatônica. De Claude Debussy a David Bowie, de Dave Bruback a Philip Glass, a milenar cultura oriental vem servindo de baú de descobertas para aqueles que tentam suplantar as limitações impostas por aquilo que está estabelecido. Esta inquietação, claro, contaminou profundamente a música pop. Tanto é que as duas bandas mais influentes do rock, The Beatles e Velvet Underground, tiveram, cada uma a seu modo, a contribuição diferenciada das sonoridades vindas do outro lado do mundo, mastigando estes elementos para a música pop. E se George Harrison, pelos ingleses, e a dupla Reed/Cale, para com os nova-iorquinos são os principais mobilizadores desta busca, antes deles uma figura foi fundamental para que o Oriente chegasse ao Ocidente já depurado: Lou Harrison.

Nascido em Portland, no Oregon, em 1917, Harrison é um dos mais inovadores e influentes compositores da vanguarda norte-americana, tornando-se, junto a Iannis Xenakis, uma referência na música percussiva na vanguarda do século XX. Ex-aluno de Arnold Schöenberg, sua carreira inclui trabalhos como compositor, performer, professor, teórico musical, etnomusicólogo, maestro, fabricante de instrumentos, poeta, calígrafo, crítico, dançarino, marionetista e dramaturgo. O interesse música para percussão data da década de 1930, quando começou a apresentar concertos com o mestre John Cage. Nos anos 40 e 50, já um referencial professor universitário e diversas vezes premiado (inclusive com um Pulitzer), Harrison sentia que precisava buscar novos horizontes. E o achou. No Oriente. Passa a se interessar pela música asiática e seu sistema de afinação de “entonação justa” e muda radicalmente sua concepção musical, introjetando uma leitura original desses elementos a seu trabalho.

Obra temporã, “La Koro Sutro”, de 1972, que completou 50 anos de lançamento em 2022, é fruto de todos os elementos estilísticos, teóricos e conceituais construídos por Harrison ao longo de então cinco décadas. Porém, diferentemente do que poderia ocorrer a um autor acadêmico, “La Koro Sutro” não resulta carregada de elementos, que tornariam facilmente sua audição hermética e difícil. Pelo contrário: Harrison depura as influências orientais e a incrementa à sua música, tornando “La Koro Sutro” algo bastante pop aos ouvidos. Se o termo já era comum ao enterteinment naqueles idos de geração hippie, há de se supor, no entanto, que constituir uma obra palatável ao público menos especializado é um grande mérito vindo de um teórico.

A veia popular de “La Koro Sutro”, no entanto, explica-se de uma forma menos óbvia. Contrariando o que seria bem mais fácil a qualquer compositor, Harrison não recruta elementos da música do Ocidente para “poptizar” o “exótico”, facilitando a vida do receptor. Estudioso profundo, ele encontra na sonoridade oriental tais pontos de aproximação com o ouvinte. Essas observações vinham sendo percebidas por Harrison fazia tempo. No início dos anos 60, incentivado por uma conferência em Tóquio, inicia um estudo mais sistemático da música do Leste Asiático, viajando para a Coréia e Taiwan. Peças como “Pacifika Rondo” (1963) revelam a maneira altamente original com que Harrison empregou esses estilos. Em 1967, ele conhece Bill Colvig, um eletricista e músico amador que se torna seu parceiro de vida. Colvig projeta instrumentos para a ópera “Young Caesar” (1971), de Harrison. No início dos anos 1970, a dupla já estudava e tocava música tradicional chinesa em conjunto.

Harrison e o parceiro de vida e obra Colvig
comandando seus instrumentos inventados
Para “La Koro Sutro”, é fundamental a contribuição de Colvig, desta vez na construção do gamelão americano. Incitado pelo amigo e igualmente importante compositor da vanguarda norte-americana Harry Partch, Harrison buscou na feitura manual dos próprios instrumentos os sistemas de afinação que não só lhe conferisse personalidade como, igualmente, trouxesse esse arejamento à desgastada música ocidental. Caso do gamelão, instrumento musical coletivo típico da Indonésia composto por uma série de metalofones, xilofones, tambores e gongos, podendo algumas variantes incluir ainda flautas de bambu e instrumentos de cordas percutidas ou tocadas com arco. Harrison, então, estuda com o mestre javanês K.R.T. Notoprojo, com quem soube identificar aquilo que queria: adaptar a sonoridade complexa do instrumento para a sua realidade. Eis o gamelão americano, usado pela primeira vez na obra de Harrison em “La Koro Sutro”.

O título da peça é a tradução da língua universal esperanto para “Sutra do Coração”, que é um dos textos sagrados da tradição budista Mahayana, que descreve o caminho que se deve seguir para alcançar a destilação pura da sabedoria (Nirvana). O uso que Harrison faz do esperanto é uma clara declaração social e política que reflete sua esperança em um mundo unido e na transcendência das fronteiras étnicas e nacionais. Esse texto é brilhantemente ornado de corais, que se atrelam a uma orquestra de formação única (composta, conjuntamente ao coro, para percussão, harpa, órgão e gamelão americano), que extrai sonoridades improváveis.

Certa vez, o compositor e amigo Bill Alves escreveu que “como compositor, artista, poeta, calígrafo, ativista pela paz, Lou Harrison dedicou sua vida a trazer beleza ao mundo”. Com o potente e poético “La Koro Sutro”, Harrison atingiu este objetivo, formal e conceitualmente. A pequena obra, capaz de agradar os ouvidos mais incultos aos mais exigentes, é uma síntese de décadas de trabalho musical, acadêmico é uma declaração de amor de um artista que buscou incessantemente militar por uma arte mais democrática num campo em que facilmente os colegas se escudam no hermetismo inatingível. E ainda de quebra abriu portas para que o rock, a música mais pop do século 20, tirasse de si o exemplo da “ocidentalidade”. Os Beatles jamais teriam buscado Ravi Shankar ou os cantos orientais não fosse George Harrison pegar essa trilha, o mesmo que a dupla Reed e Cale fez com a Velvet Underground quando encontrou o oriente em La Monte Young. Reed e George, pode-se afirmar que, sim, ambos são, além da coincidência linguística, um pouco de Lou Harrison.

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FAIXAS:
La Koro Sutro
1. Kunsonoro Kaj Gloro - 2:27
2. Strofo 1 - 4:42
3. Strofo 2 - 3:45
4. Strofo 3 - 1:24
5. Strofo 4 - 4:08
6. Strofo 5 - 4:27
7. Strofo 6 - 2:27
8. Strofo 7 - Mantro Kaj Kunsonoro - 5:04

Varied Trio*
9. I. Gending 3:15
10. II. Bowl Bells 3:07
11. III. Elegy 3:29
12. IV. Rondeau In Honor Of Fragonard 3:12
13. V. Dance 2:05

Suite For Violin And American Gamelan**
14. First Movement - 7:20
15. Estampie - 5:28
16. Air - 3:58
17. Jhala - 2:24
18. Jhala II - 1:19
19. Jhala III - 2:00
20. Chaconne - 5:29

* ** Faixas presentes na versão do CD de 1987, com The Chorus and Chamber Chorus of University of California at Berkeley com regência de Philip Brett, Karen Gottlieb, arpa, Agnes Sauerbeck, órgão, William Winant, American Gamelan


OUÇA O DISCO:
:

Daniel Rodrigues

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Philip Glass - "Glassworks" (1981)

 

“’Glassworks’ foi meu álbum de estreia em uma grande gravadora. Esta música foi escrita para o estúdio de gravação, embora várias peças logo tenham entrado no repertório do Philip Glass Ensemble. Uma obra de seis ‘movimentos’, ‘Glassworks’ pretendia apresentar minha música a um público mais geral do que estava familiarizado com ela até então”.
Philip Glass

O início dos anos 80 foi ao mesmo tempo desafiador e marcante para o compositor, pianista e maestro norte-americano Philip Glass. Reconhecido como um dos principais autores da esfíngica música contemporânea, o cara já tinha composto de um tudo àquelas alturas e nos mais variados formatos: ópera, concerto, sinfonia, madrigal, trilha sonora, sonata e estudos, de instrumentos solo à grande orquestra. Entretanto, quanto mais produzia, mais parecia afastar-se do gosto comum. Na mesma proporção que quebrava barreiras da música tonal secular, mais seu trabalho se tornava complexo e intelectualizado. Duas de suas mais celebradas obras, “Music in 14 Parts“ (1971-74) e “Einstein on the Beach” (1976), por mais revolucionárias e arrojadas que sejam até hoje – não raro, servindo de influência para grupos de rock –, eram impossíveis de serem executadas no rádio, visto que têm, respectivamente, 4h e 3h20min de duração cada. Como sorver, então, ideias que às vezes soavam demasiado complexas ou até inaudíveis aos ouvidos populares? A resposta veio com “Glassworks”, de 1981.

Havia, entretanto, um bom caminho pelo qual Glass precisaria percorrer para desfazer a imagem de “cabeção”. Nascido em Baltimore, em 1937, estudou, nos anos 60, na Universidade de Chicago, na Juilliard School e em Aspen com Darius Milhaud. Tudo que qualquer músico adolescente e em formação gostaria, certo? Não para o subversivo Glass. Aspirando outras dimensões sonoras, como seus contemporâneos Terry Riley e Steve Reich, as vias tradicionais não lhe bastavam. Insatisfeito com grande parte do que então se passava na música moderna, não via em nada daquilo algo que compreendesse as referências a Stockhausen, Boulez, Cage e Lou Harrison, mas também ao rock, ao jazz e à música do Oriente. Mudou-se, então, para a Europa, onde estudou com a lendária pedagoga Nadia Boulanger (que também ensinou Aaron Copland, Virgil Thomson e Quincy Jones) e trabalhou em estreita colaboração com Ravi Shankar. Retorna a Nova York em 1967, aí sim sabendo o que queria: formou a famosa Philip Glass Ensemble – formada por sete músicos, ele aos teclados, e uma variedade de instrumentos de sopro, amplificados e alimentados por um mixer – e mudou para sempre a forma como se percebe música no Ocidente.

O novo estilo musical que Glass forjou acabou sendo apelidado de "minimalismo", termo ao qual o próprio nunca gostou. Ele prefere chamar-se de um compositor de “música com estruturas repetitivas”. Baseado na reiteração extensa de fragmentos melódicos breves e elegantes que se entrelaçam e saem de uma tapeçaria auditiva, sua música imerge o ouvinte em uma espécie de clima sônico que torce, gira, circunda e se desenvolve. Sua técnica composicional própria de variações engendra uma mudança rítmica constante, somando ou substituindo notas, e fazendo com que segmentos de uma frase se repitam para criar múltiplas dela mesma – duas, três, quatro, cinco, seis vezes – antes de se contrair a dimensões novamente administráveis, o que estabelece, igualmente, relações harmônicas muito peculiares. 

Porém, passadas quase duas décadas desde que se tornara um dos principais nomes de sua geração, Glass permanecia admirado pela crítica, mas um ilustre desconhecido. Até na música pop ele havia se ensaiado. Próximo do músico e produtor Kurt Monkacsi, Glass “apadrinhou” junto com este a new wave Polyrock, a quem produziu e fez participações. Dizem nos bastidores que o cérebro da banda era ele e não os irmãos Billy e Tommy Robertson tamanha é a identificação do art rock da Polyrock com a sua música, quase uma versão baixo-guitarra-bateria-teclados do minimalismo glassiano. Porém, seja por grandeza, timidez ou algum problema legal, o fato é que isso não consta nos créditos. Glass continuava, assim, na mesma encruzilhada – mas queria sair dela.

Foi então que Glass matutou, matutou e percebeu que o negócio era recorrer, exatamente, ao conceito daquilo que sua própria música continha em abissal quantidade: a síntese. Primeiro compositor desde Copland a ingressar no selo CBS Masterworks devido a seu prestígio, Glass não quis deixar essa oportunidade escapar para, enfim, se comunicar com um maior número de pessoas. A sacada foi condensar suas ideias em pequenos temas, como “peças performáticas” curtas em que conseguisse resumir suas intenções estético-filosóficas e preservasse a qualidade emocional proposta. Nasceu, assim, “Glassworks”, um sucesso de vendas para os padrões da música erudita, que celebra 40 de seu lançamento em 2021.

Capa da caixa "Glass Box", de 2008,
que conta com toda a obra de Glass
até então, incluindo "Glassworks",
em foto clássica de Chuck Close
Em apenas seis “movimentos”, as “‘Glassworks’ são uma excelente introdução às sonoridades nítidas e pesadas, densamente embaladas, padrões que mudam lentamente e fluxo linear aparentemente imparável deste aspecto importante da música contemporânea”, como bem definiu a Gramophone Magazine. A partir deste trabalho aparentemente menos expressivo se comparado com formatos grandiosos como a sinfonia e a ópera, Glass extraiu inúmeras vezes melodias, acordes, estruturas, trechos e combinações para outras de suas obras, fosse em cinema, câmara e performance ou, até mesmo, sinfonias e óperas. Nelas, Glass produz células sonoras maleáveis e adaptáveis, como um laboratório musical próprio, da qual seguidamente recorre a fórmulas já prontas para recriações em infinitas possibilidades plásticas. 

Metalinguístico, “Glassworks” abre com a lírica “Opening”, certamente uma das mais belas composições de todo o vasto cancioneiro do compositor. De uma intrincada construção, que conjuga curtos fluxos de cinco acordes do piano em compasso um ternário, “Opening” cria uma atmosfera onírica e etérea incomum, como se Chopin resolvesse inventar uma fantasia para aplicar hipnose. Capaz de alterar os sentidos, não à toa a música serve de base para “Truman Sleeps”, da trilha do filme “O Show de Truman” (1998), cuja trama percorre, justamente, os caminhos do inconsciente. 

Já “Floe” é uma das mais utilizadas pelo próprio Glass em obras subsequentes suas. Impossível não lembrar de “Something She Has to Do”, da trilha de “As Horas” (2003), da trilha sonora de “A Fotografia” (2000) ou da ópera ‘Akhnaten” (1983). Sua estrutura rítmica hipnótica parece colocar quem escuta numa corrida em alta velocidade em que as imagens vão se passando em frente aos olhos rápida e repetidamente. Como lhe é característico, porém, Glass vai construindo seus elementos sonoro-sensitivos aos poucos, e quando se percebe já se está distinguindo da massa sonora (composta por 2 flautas, 2 sax soprano, 2 sax tenor, 2 trompas e sintetizador) um saxofone, que emite notas em clara dissonância com o restante, como se, depois da vertigem, percebesse que podia admirar aquela transformadora viagem. A noção de tempo, característica central da música de Glass tanto no sentido formal quanto cronológico e, por conseguinte, estético-filosófico (além de ser um dos motivos que o aproximam do cinema, cuja linguagem lida com a passagem temporal permanentemente), se estabelece de uma maneira muito peculiar em temas como “Floe”. Em contrapartida, porém, são capazes de gerar uma série de subjetividades. É através da noção de rapidez que se percebe o quanto o tempo depende da perspectiva – material ou imaterial – de quem observa.

“Islands” é outra largamente usada por Glass em outros projetos, haja vista temas como “Tearing Herself Away” ou “Sheba & Steven”, das trilhas sonoras de “As Horas” e “Notas Sobre um Escândalo” (2006), respectivamente. Ambas iguais à sua melodia, só que com leves diferenças em andamentos, tempos e notas, que muito lembram o tema de outra trilha clássica do cinema, “Vertigo”, composta por Bernard Hermann, com sua construção cíclica que provoca uma sensação de espiral, muito propícia, não à toa, a trillers de cinema como os vários para os quais Glass escreve trilhas.

Com um conjunto de madeiras, metais e sintetizador, “Rubric” formula um jorro sonoro motorizado difícil de apreender – mas extasiante de se ouvir. Próprio da música de Glass, seu sistema de ostinatos rítmicos (motivos ou frases musicais sempre repetidos) funciona de modo a provocar uma sensação instintiva de aflição, o que explica ter usado tal expediente nos terceiros e quartos movimentos de sua “DancePieces” (1987) ou para uma das sequências de “Koyaanisqatsi” (1982) que mostram as vertiginosas cenas das multidões das metrópoles em velocidade mais acelerada que a realidade, mas metaforicamente próxima da vida frenética da sociedade capitalista. Novamente, a questão do tempo. Alex Ross, em seu essencial livro “O Resto é Ruído - Escutando o Século XX”, ao descrever essa característica fundamental dos minimalistas, diz saborosamente o seguinte: “Evocam a experiência de dirigir um automóvel por um deserto vazio, as repetições em camadas da música refletindo repetindo as mudanças que o olho percebe – sinais da estrada, uma cadeia de montanhas no horizonte, o som grave e contínuo do asfalto sob os pneus”.

Encaminhando-se para o fim, “Façades” reduz o ritmo de modo a facilitar a captação do ouvido. E se na anterior, assim como em “Floe”, o som eletrônico prevalece, aqui, tal “Opening”, a matriz sonora é basicamente orgânica através das violas e cellos. O andamento adagio carrega um ar de suspense, suave e imponente. Entra um solo pronunciado e de registro estendido de um sax, elegante em suas plasticidade e severidade. Sem pressa, aproveitando cada segundo de desenvolvimento, cada som emitido. Junta-se outro sax ao primeiro, que, em jogos de volumes e tempos, articula um duo. Coisa da cabeça de um gênio. Estrutura vista posteriormente em várias de suas trilhas sonoras cinematográficas, como para os filmes “Janela Secreta” (2004) e “O Ilusionista” (2006), mas também em peças como “Songs from Liquid Days” (1986) e a “Sinfonia nº 7” (2005).

Delicada e rigorosa, “Façades” abre caminho para, mais uma vez metalinguisticamente, Glass fechar, exatamente, com “Closing”. Trata-se da versão forjada para cordas e madeiras para a inicial “Opening”, mas que muito bem se adapta a conjuntos sinfônicos, fazendo com que até nisso “Glassworks” tenha servido de célula-base para outros projetos que o músico viria desenvolver, a exemplo das orquestrações das sinfonias “Low” e “Horoes” (1996) – criadas sobre a obra de David Bowie e Brian Eno –, temas como o do filme “Hambuerger Hill” (1987) ou óperas como “Galileo Galilei” (2001).

De uma obra gigantesca em quantidade e importância, Glass tornou-se, principalmente após “Glassworks”, um raro pop star da música clássica. O que talvez explique o agrado a gregos e troianos é o fato de, mais do que comunicar-se com outras formas artísticas - principalmente o cinema, que tanto lida com as emoções das pessoas -, a sua arte tem uma profunda relação com a essência da natureza. Os átomos, as células, a vida interna dos seres e das coisas emana dos sons que produz, quase numa leitura hinduísta de vida e morte, de nascer e renascer, de comunhão entre opostos. Talvez por isso sua música tenha tamanha identificação com elementos elementares da existência, como o tempo e o espaço. Na prática, a penetração do estilo glassiano está em qualquer propaganda de automóvel minimamente premium ou comerciais institucionais dos mais diversos tipos de produto. O mais impressionante é que Glass conseguiu isso fazendo o inverso do que geralmente é comum aos estetas: ao invés de desvelar uma obra mais ampla em excertos para outras menores, foi, justamente, da mais enxuta (as “Glassworks”, somadas, não passam de 41 min), que melhor destrinchou elementos essenciais para toda uma musicografia – viva, pulsante e profícua. Mais do que um gênio da música, Glass é um sabedor da arte da abreviação. 

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FAIXAS:
1. “Opening” - 6:25
2. “Floe” - 5:59
3. “Islands” - 7:40
4. “Rubric” - 6:05
5. “Façades” - 7:21
6. “Closing” - 5:59
Todas as composições de autoria de Philip Glass

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OUÇA O DISCO

Daniel Rodrigues

terça-feira, 2 de abril de 2019

The Claypool Lennon Delirium - “South of Reality” (2019)



"Dois mundos colidiram e que mundos gloriosos e estranhos eles são."
Texto do site oficial da banda

“Sean é um mutante musical, segundo meu próprio coração. Ele definitivamente reflete sua genética - não apenas as sensibilidades de seu pai, mas também a perspectiva abstrata e a abordagem única de sua mãe. É uma loucura gloriosa."
Les Claypoll 

“Eu disse a Les que eu era sobrinho de Neil Diamond. Eu acho que isso é o que realmente o vendeu na ideia de trabalhar comigo.”
Sean Lennon

Toda hora pinta alguém que vem com aquela já manjada sentença de que “o rock morreu”. A irrelevância da maioria do que surge no mundo do rock ‘n roll quase faz com que se acredite nisso. Porém, de tempo em tempo, aparece algo que dá esperança de que não só o rock não se extinguiu como ainda é capaz de se reinventar. A última grande confirmação deste alento chama-se The Claypool Lennon Delirium, a junção de dois músicos supercriativos, Les Claypool e Sean Lennon, que a feliz improbabilidade promovida pelos deuses roqueiros uniu quase sem querer. Recentemente, eles lançaram “South of Reality”, seu segundo disco, que dispensa a comum ação confirmativa do tempo para entrar para a história. Um rock colorido, plástico, artístico, criativo, fora do convencional. Uma obra-prima imediata.

Iniciada em 2016, por conta de um convite de Claypool, à época em final de turnê com sua Primus, a Sean, igualmente “de bobeira” nalgum projeto, a parceria rendeu o já surpreendente “Monolith of Phobos”, daquele ano, e o EP "Lime and Limpid Green", de 2017. Agora, a dupla afirma a química entre ambos em nove faixas, que fazem valer do talento de cada um tanto na criatividade compositiva quanto, igualmente, de suas qualidades técnicas como instrumentistas e produtores. Eles realçam as características que os marcam tanto na Primus de Clyapool, irreverente e dissonante, quanto na carreira solo de Sean, melodista de fina estampa, homogeneizando tudo isso e construindo, assim, uma nova identidade sonora: psicodélica, incomum e nada óbvia. Embora o experimentalismo, peculiar aos dois artistas, “South...” não descamba para o “cerebralismo” excessivo ou para devaneios lisérgicos intermináveis. Tudo está sempre a serviço de uma obra sonoramente instigante.

Claypool, um dos maiores baixistas da história do rock, aproveita sua destreza não apenas para improvisar mas para criar riffs, bases e texturas. Já Sean, verdadeiro herdeiro dos gênios de seu pai, John Lennon, e da mãe, Yoko Ono, além de tocar com habilidade invejável guitarra e bateria, adiciona seus inventivos arranjos vocais, riffs e contra-riffs, que completam o parceiro. Essa contribuição fica clara na faixa de abertura, “Little Fishes”. Circense e bufa, lembrando Syd Barrett e a Beatles da fase “Sgt. Peppers”, é visível que a ideia inicial da melodia partiu de Claypool, que divide os vocais com Sean. Porém, como bom parceiro, além das variações rítmicas extraídas da bateria, Sean adiciona à canção sua guitarra, fundamental para as segunda, funkeada, e terceira partes, um jazz progressivo que remete a Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin.

A dupla Sean e Claypool: encontro de dois
mundos que deu certo
O mesmo processo se vê na gostosa “Easily Charmed by Fools”, a mais pop do disco – embora a psicoldelia se faça presente inevitavelmente. Riff de Claypool no baixo, resposta de Sean na guitarra, que também coloca a sua voz doce para contracantar, dando um ar de rock sessentista a esse funk estilizado. Mais Claypool ainda é “Toady Man's Hour”, de andamento quebrado e marcada pelo vocal esganiçado do baixista. Até nisso, aliás, eles se completam: a docilidade do timbre vocal de Sean, muito parecido com o de seu pai, contrabalanceia a esquisita e chistosa voz de Claypool.

Para compensar, entretanto, “Boriska”, de raiz beatle, haja vista a semelhança com a grandiosidade melódica de Lennon/McCartney, é toda Sean, mas com as adições de Claypool tanto no timbre inconfundível de seu baixo quanto no arranjo invariavelmente inconstante que permeia, aliás, a maioria das faixas. Destaque para os dois solando na segunda metade do número: Sean na guitarra e Claypool com um arco no baixo elétrico, expediente que ele já usara na Primus, como em “Mr. Krinkle”, de “Pork Soda” (1993).

Já “Amethyst Realm” é um verdadeiro exemplo da fusão das duas musicalidades. Rock denso e de arranjo intrincado, tem a cara das melodias cantaroláveis de Sean – inclusive com a subida  de tom na segunda parte, algo muito Beatles também –, parecida com outras belas canção escritas pelo próprio no passado como “Spaceship” (“Into the Sun”, 1997) ou a faixa-título de “Friendly Fire” (2006). Porém, traz uma base de baixo de Claypool com a qual a música não existiria. E se Claypool segura todas por detrás, desta vez é Sean que apavora com improvisos de guitarra ao melhor estilo Robert Fripp. A faixa-título é outra prova da comunhão dessas duas mentes. Baixo e guitarra cumprem juntas a ideia central da melodia, e as vozes, em uníssono, se misturam. Lembra Primus e os trabalhos de Sean no mesmo grau.

Porém, mais do que qualquer outra faixa do disco, duas delas representam a simbiótica união entre os dois músicos. Ainda mais complexas, “Blood and Rockets - Movement I, Saga of Jack Parsons - Movement II, Too the Moon” e “Cricket Chrionicles Revisited - Part I, Ask Your Doctor, Part II, Psyde Effects”, como os próprios títulos indicam, são minissinfonias, haja vista suas estruturas em “movimentos” e “partes” e a engenhosidade da composição. “Blood...” é um épico de pouco mais de 6 min, expondo a versatilidade de cada um tanto em composição quanto arranjo e harmonia, além, igualmente, na técnica instrumental e produtiva que têm. Melancólica, conta a trágica história real de Jack Parsons, um engenheiro norte-americano dos anos 30, que ajudou a desenvolver a tecnologia para propulsão de foguetes espaciais e pertenceu ao chamado “Esquadrão Suicida” da universidade Caltech que, ao que indica a história, se suicidou explodindo a si próprio após envolver-se com a seita Thelema, comandada pelo ocultista Alester Crowley (“Faça o que tua vontade/ O amor é a lei/ Me faça voar até a lua”, diz a letra, parafraseando a lei thelemista cantada por Raul Seixas nos anos 70 como "Sociedade Alternativa").

Já “Cricket...”, igualmente sinfônica, remonta a influência indiana de George Harrison à música pop. Sean, com igual habilidade da guitarra, toca cítara, enquanto teclados viajantes percorrem o espaço sonoro e o baixo namora com o jazz. Ainda, acompanham percussões típicas da música que Ravi Shankar legou aos Beatles e ao rock dos anos 60. Delirante como o próprio nome da banda aponta. “South..” se despede com a Beatles-Primus “Like Fleas”: neo-psicoldelismo na medida certa, que poderia tranquilamente ser uma bonus track do “Magical Mystery Tour”, de mais de meio século atrás e sem dever nada a tal.

Se diante de tanta coisa dispensável que o rock do século XXI tem apresentado der aquela vontade de reclamar que “o rock morreu”, acalme-se. Pegue “South...” da The Claypool Lennon Delirium e deixe rolar. O efeito será tranquilizador pela constatação de que essa máxima não se aplica e, ao mesmo tempo, animador por causa daquilo que se ouve: um som empolgante como é o bom e velho rock ‘n’ roll.

FAIXAS:
1. “Little Fishes”
2. “Blood and Rockets - Movement I, Saga of Jack Parsons - Movement II, Too the Moon”
3. “South of Reality”
4. “Boriska”
5. “Easily Charmed by Fools”
6. “Amethyst Realm”
7. “Toady Man's Hour”
8. “Cricket Chrionicles Revisited - Part I, Ask Your Doctor, Part II, Psyde Effects”
9. “Like Fleas”
Todas as composições de autoria de Les Claypoll e Sean Lennon

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Morcheeba - "Big Calm" (1998)



"Seria impossível para nós não 
soar como Morcheeba." 
Ross Godfrey

Os anos 90 foram, em termos de música pop, muito bem resolvidos, obrigado. Além dos remanescentes das gerações anteriores ainda a pleno vapor, como Peter Gabriel, Sting, The Cure, U2, Madonna, R.E.M. entre outros, houve uma série de bandas e artistas oriundos da última década do século XX que souberam aproveitar o melhor dos que os antecederam e valerem-se, igualmente, das novas possibilidades técnicas e sonoras de então. Se antes não era uma realidade comum o incremento dos elementos do hip hop ou da música eletrônica, por exemplo, ao pop-rock noventista isso estava na veia. Tinha Smashing Pumpkins, que sabia oscilar do heavy metal à mais delicada balada; a Portishead, original mistura de gothic punk, rap e dream pop com pitadas jazz; a The Cranberries, verdadeiros seguidores de Smiths e Cocteau Twins; a Jamiroquai, dignos da linhagem jazz-soul; a Massive Attack, onde o trip hop encontrava a medida certa da psicodelia indie rock e o clubber; ou a Air, a engenhosa dupla francesa que vai do clima das trilhas dos anos 50 a eletro-pop num passo.

Mas uma dessas bandas parecia unir todas as qualidades de suas contemporâneas. Tinha os samples e scratches do rap; a batida druggy do dub; a voz feminina adocicada; uma guitarra criativa e hábil; a atmosfera soturna; as texturas eletrônicas; os hits cantaroláveis. A dois anos de fechar a década de 90, os ingleses do Morcheeba catalisavam tudo isso em “Big Calm”. Completando 20 anos de lançamento, o segundo álbum da banda liderada pela cativante cantora Skye Edwards e os talentosos irmãos Paul, DJ, e Ross Godfrey, guitarrista e vários outros instrumentos, é certamente um dos mais bem acabados que a música pop já produziu.

Acordes de baixo e guitarra wah-wah anunciam a entrada da voz macia de Skye, que diz os versos: “Flocking to the sea/ Crowds of people wait for me” (“Flocando para o mar/ Multidões de pessoas esperam por mim”). É “The Sea”, um dos hits do disco. Uma batida funkeada arrastada, peculiar do estilo downtempo, entra para ajudar o arranjo a se avolumar aos poucos. Ao final, já se somaram à cozinha scratches e uma orquestra de cordas, além de solos de guitarra de Ross. Pode-se compará-la em clima e estrutura a “All I Need”, da Air, e “It’s A Fire”, da Portishead. A marcante faixa de abertura é seguida da brilhante "Shoulder Holster", esta, um funk bem mais empolgado e onde aparecem pela primeira vez as influências indianas, seja nos samples de vozes, seja no som de cítaras e percussões típicas da terra de Ravi Shankar.

Outra faceta da Morcheeba está em "Part of the Process", que é o folk-rock. O violão de cordas de metal de Ross segura o riff, enquanto sua slide guitar solta frases em todo o decorrer do tema. Igualmente, o violino bem country de Pierre Le Rue. Tudo, claro, não sem diversos efeitos eletrônicos. O refrão, daqueles que pegam no ouvido, vem numa batida funky, enquanto Skye canta: “It's all part of the process/ We all love looking down/ All we want is some success/ But the chance is never around”. Num estado parecido, mas injetando a sonoridade indiana, a boa instrumental "Diggin' a Watery Grave" funciona quase como uma vinheta em que Ross destrincha sua habilidade com a cítara e uma guitarra pedal steel muito country, aproximando oriente e ocidente.

Retomando a atmosfera viajandona do downtempo de “The Sea”, outro hit de “Big Calm”: "Blindfold".  Mais que isso: exemplo de perfect pop. Acerto do início ao fim: estrutura melódica, composição, execução, arranjo, produção.  A negrinha Skye dá um show de vocal com sua voz afinadíssimo e cujo timbre suave, quase frágil, mas com uma pitada de rouquidão que a aproxima das cantoras da soul. Ao final, mais uma vez as cordas adensam a emotividade da canção. E outro refrão de cantarolar junto com ela:  “I'm so glad to have you/ And it's getting worse/ I'm so mad to love you/ And you evil curse.” 

Os sucessos (e os clássicos) de “Big Calm” não param: na sequência, vem "Let Me See", misto de trip hop e canção pop. Arrebatadora. Aqui, o grande responsável pela melodia é Paul Godfrey, visto que a música se constrói a partir dos beats e scratches criados ele. Já Skye, de tão bem que está, exala sensualidade. Dá pra viajar no seu canto lânguido e penetrante. Detalhe para a flauta doce que executa os solos do veterano Jimmy Hastings.

A outra “instrumental” do disco, “Bullet Proof”, mostra o quanto a Morcheeba é competente com a melodia e a instrumentalização. Trip hop típico, com samples psicodélicos e descontínuos que formam a base, tem como diferencial – além dos scratches do DJ convidado First Rate, que montam uma espécie de linha vocal com as vozes sampleadas – a brilhante guitarra de Ross. Ele mostra ser de uma linhagem de guitarristas britânicos do pós-punk, como Robin Guthrie e Johnny Marr: criativos e habilidosos, mas que usam o instrumento a serviço da ideia musical (efeitos, ambiências, texturas, etc.), sem necessariamente recorrer a rebuscamentos de solos extensos e desnecessários.

Já as baladas "Over and Over" e a rascante "Fear and Love” parecem ter saído de alguma sessão de gravação do Abbey Road em que George Martin arregimenta uma orquestra sobre a concepção musical de Lennon e McCartney. Românticas, têm, antes de mais nada, melodias caprichadíssimas. "Fear and Love”, em especial, conta com um violão que sustenta a base enquanto as cordas e metais formam o corpo sonoro ao fundo, fazendo lembrar bastante o arranjo também de um clássico do pop anos 80: “Please, Please, Please, Let Me Get What I Want”, dos Smiths. Precisa de mais referências que estas?

Mais uma joia, o reggae “Friction”, assim como Jamiroquai também cumprira com sua “Drifting Alone”, faz uma deferência aos mestres jamaicanos do gênero – ainda mais pela novamente linda voz de Skye, uma oferenda ao deus Jah. O disco finaliza com a lisérgica da faixa-título, em que concentram em 6 minutos o que há de melhor da banda. Sobre uma base em compasso 2/2, os irmãos Godfrey deitam e rolam. Paul, com a programação rítmica funk cadenciada, e, principalmente, Ross, que comanda os sintetizadores e a guitarra wah-wah, com a qual dá um verdadeiro show. O rapper Jason Furlow, coautor da música, engendra seus versos rappeiros enquanto o DJ Swamp lança scratches ao psicodélico tecido sonoro. Arrematando, Skye ainda faz suaves melismas, e o disco acaba num clima apoteótico.

Mesmo sendo um extra da versão em CD, "The Music That We Hear", outro hit, vale muito ser referida. Espécie de ula-ula estilizado, traz as síncopes do ritmo havaiano para dar forma a outro perfect-pop em que, mais uma vez, a melodia de voz – e a própria voz! – de Skye encantam. Com esta, termina um dos discos mais impecáveis da música pop, certamente um dos 10 melhores da sua década. Capaz de sintetizar aquilo que de bom ocorria à sua volta, a Morcheeba concebia assim, o seu estilo. Psicodélico, chapado (afinal, o pessoal gostava da erva:“morcheeba” significa “maconha” e “big calm” faz referência ao efeito tranquilizante da droga) e, acima de tudo, musicalmente rico. O que dizem os versos de “The Music...” parecem até, de certa forma, traduzi-los: “A música que fazemos curará todos os nossos erros e nos guiará”.

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FAIXAS:
1. "The Sea" – 5:47
2. "Shoulder Holster" – 4:04
3. "Part of the Process" – 4:24
4. "Blindfold" – 4:37
5. "Let Me See" – 4:20
6. "Bullet Proof" – 4:11
7. "Over and Over" – 2:20
8. "Friction" – 4:13
9. "Diggin' a Watery Grave" – 1:34
10. "Fear and Love" – 5:04
11. "Big Calm" – 6:00 (Godfrey/Godfrey/Edwards/Jason Furlow)
12. "The Music That We Hear" – 3:49 (bonus track)
Todas as composições de Paul Godfrey, Ross Godfrey e Skye Edwards, exceto indicada

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OUÇA O DISCO:
Morcheeba - "Big Calm"


Daniel Rodrigues