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segunda-feira, 1 de abril de 2024

Debate filme "Bagdad Café", de Percy Adlon - Canal Cinema de Peso


Tem compromissos que são muito mais do que isso: são momentos de prazer. Imagina, então, eu, cinéfilo e apreciador de uma boa mesa, sentar pra bater um papo com amigos por quase 2 horas sobre o filme que eu mais gosto ever?! Os desejos se realizam, e foi isso que a galera do canal Cinema de Peso, comandada por meus colegas de Accirs Criba Aquino, Lauro Arreguy e Chico Izidro, me proporcionarem.

A saborosa e descontraída conversa, regada ao ótimo chop da Cervejaria Pohlmann, que nos recebeu, mais uns petiscos e uma deliciosa pizza da casa, teve como tema central o cult "Bagdad Café", do cineasta alemão Percy Adlon, meu filme preferido desde que o assisti pela primeira vez, em 1988, um ano depois de seu lançamento mundial. Como Criba bem observou, conseguimos destrinchar a obra, admirada por todos nós: direção, fotografia, trilha sonora, atuações, temática, motivações. E ainda ganhei uns mimos superlegais da galera.

Eu com os meninos: Chico, Criba e Lauro da esq. para a dir.

Uma coincidência melancólica motivou ainda mais o debate sobre "Bagdad Café" (ou "Out of Rosenheim", título alternativo dado em referência ao megasucessso da mesma época "Out of India", "Passagem para a Índia", de David Lean). Duas semanas antes da gravação - e após já ter escolhido este título para o episódio - Percy Adlon morreu. Claro que, desta forma, o encontro se tornou também uma homenagem a ele, autor de outros poucos mas belos filmes, como "Estação Doçura" e "Um Amor Diferente". Embora menos gabaritado que outros cineastas alemães (Wenders, Lang, Fassbinder, Murnau, Herzog), Adlon foi muito assertivo e dono de um belo estilo cinematográfico, que muitas vezes remete a estes conterrâneos.

Pessoalmente, o convite para participar do videocast me fez refletir sobre o porquê da prevalência justo deste pequeno conto filmado há tanto tempo em minha vida de cinefilia. O que justifica o amor a este filme mesmo tendo eu visto, conhecido e me apaixonado por tantos outros filmes ao longo destes quase 35 anos? Abismei-me com "Fahrenheit 451", "A Paixão de Joana D'Arc", "O Ano Passado em Marienbad", "A Marca da Maldade", "A Última Gargalhada", "Cabra Marcado para Morrer", "Parasita", "Sindicato de Ladrões". Pra citar apenas alguns dos que tive contato depois de "Bagdad Café", e nenhum o supera pra mim. A resposta é que não há uma explicação racional, pensada. "Bagdad Café" é aquele filme que me arrebata por todas as suas características juntas. Simples.

Mas o bate-papo foi muito mais do que isso que descrevo - ou mesmo diferente. Por isso, vale a pena assistirem. O Cinema de Peso e o filme, claro.

*********

Os presentinhos do Cinema de Peso, a começar por essas
lindas impressões dos cartazes originais

...bolach'e'nha...

...adesivos...

...e a caneca!


E o episódio do vídeocast do Cinema de Peso


Daniel Rodrigues

terça-feira, 16 de setembro de 2014

"Marlon Brando - A face sombria da beleza", de François Forestier – Ed. Objetiva (2014)


"O horror! O horror!"





Acabo de ler "Marlon Brando - A face sombria da beleza", do jornalista francês François Forestier, que já biografou JFK e Marilyn Monroe. O presentaço veio do amigo Francisco Bino, que, na dedicatória, fez uma previsão um tanto cômica: "Che, tu vai ler tão rápido que vai parecer ejaculação precoce - desse mal Brando não sofria". Na verdade, acho que foi o único mal do qual esse puta ator não padeceu.

Brando teve infinitas personalidades. Ora anjo, ora monstro. Mais monstro do que anjo, diga-se. Na arte dramática, soube ser Midas; na vida real, foi Medusa. Único, rebelde, encantador, arrogante, trágico. Ao mesmo tempo em que conquistava todos à sua volta, fazia-se repugnante. Antes de filmar algumas cenas de "Uma rua chamada pecado", praticava um ritual que começava por uma leve masturbação, depois molhava a calça jeans e, por fim, abria a braguilha. Pronto, agora Stanley Kowalski poderia se exibir aos colegas - em especial, à Blanche DuBois-Vivien Leigh.

Desdenhava a profissão. Não lia roteiros, não decorava falas. Improvisava e tomava conta dos sets como se fosse o dono de estúdio - havia exceções, como com John Houston e Francis Ford Coppola, por exemplo. Ainda no teatro, quando fazia "Um bonde chamado desejo", tinha como hobby "brincar de boxe" com figurantes e atores substitutos. Certo dia, levou um direto no rosto que quebrou seu nariz. O autor da proeza: um jovem desconhecido chamado Jack Palance, que se orgulharia a vida inteira do feito. Sua grande diversão era chocar, chamar a atenção. E conseguiu. Todas as mulheres do universo, de Hollywood ao Taiti, do México às Filipinas, caíram em tentação. Entre as que sucumbiram, Ava Gardner (então namorada de Frank Sinatra, que mandou capangas darem um "recado" a Brando envolvendo a palavra "castração"), Marilyn Monroe (a quem ele não dava bola - "era muito bunduda") e Vivien Leigh (então esposa de Laurence Olivier, bissexual e grande referência para Brando, tanto no cinema quanto no teatro).


Na adolescência como
protagonista de
"O Selvagem"
O homem que virou rei de Hollywood, que defendeu indígenas e panteras negras, nunca escondeu a sexualidade aflorada, intransigente, desafiadora, inquietante. Gostava de mulheres exóticas - Rita Moreno, Movita Castañeda, Katy Jurado, Tarita Teririipaia. E de homens, também. Entre eles, os parceiros de toda vida: Wally Cox e Christian Marquand. Brando nunca negou sua bissexualidade. Bernardo Bertolucci teria se apaixonado por ele, incutindo sua obsessão nas transgressões entre Brando e Maria Schneider em "O último tango em Paris". O ator gostava tanto de gente quanto de Russel, seu guaxinim. Teimava, no entanto, em não gostar de si. Ainda que não bebesse ou consumisse drogas (influência pela vida errante levada pela mãe, Dodie), Brando maltratava o próprio corpo comendo desenfreadamente. A grande paixão? Sorvete. Potes e mais potes, que o faziam engordar quilos de um dia para o outro. Aos 30 anos, por estar "muito rechonchudo", quase perdeu o papel de "O selvagem" para Montgomery Clift - que fazia sombra a Brando desde "Uma rua chamada pecado", sendo, na época, um dos grandes queridinhos de Hollywood. Monty era bonito, educado, inteligente e homossexual. Ainda que tomasse conta de qualquer ambiente, Brando baixou a bola para um colega de "O selvagem". Um ex-fuzileiro naval mal-encarado chamado Lee Marvin fazia-no tremer. Para Marvin, aquele motoqueiro falso requebrava um pouco além da conta. "Maricão", dizia. "Não passa de um monte de merda".

Dali em diante, entre péssimos filmes e parcas boas exceções, como o genial "Sindicato de Ladrões" (novamente de Kazan), Brando via seu peso aumentar na mesma medida em que as confusões sucediam em sua vida pessoal - sempre envolvendo mulheres. No começo dos anos 70, foi parar em "O Poderoso Chefão", já gordo e decadente, com 58 anos, depois que o papel fora recusado por Laurence Olivier e George C. Scott. Brando estava desacreditado, assim como o filme, negado por vários diretores até parar nas mãos de um jovem de 31 anos chamado Francis Ford Coppola. Sem dinheiro e credibilidade, Brando trocou 5% de participação na bilheteria por U$ 100 mil. Deixou de ganhar, por baixo, U$ 10 milhões. Mas recuperou a estima, a aura que havia ido pelo ralo. Depois dos primeiros dias de filmagem, quando quiseram trocar Coppola pelo velho mestre de Brando, um dedo-duro do Macartismo chamado Elia Kazan, Don Corleone acariciou um gatinho e bateu pé: "se tirarem Coppola, também saio". Assim, Coppola ficou. Ficando, fez uma obra-prima. Ficou rico e conseguiu dinheiro e renome suficiente para realizar seu maior sonho, uma insanidade chamada "Apocalipse Now". Tão insano quanto os 125 quilos com os quais Brando chegou às locações, nas Filipinas.

Brando encarnando o célebre
Cel. Kutz em "Apocalypse Now"
Sobre "Apocalipse Now", Forestier escreve: "As filmagens seriam afetadas por um furacão, que destrói os cenários; o ator principal, Harvey Keitel, não podia ser mais irritante. É pior que Brando, no estilo Actors Studio. A cada saleiro depositado na mesa, Keitel pergunta: ‘Mas por quê? Desde quando? Qual a história desse saleiro? E dessa mesa?’. Coppola o manda embora. O substituto, Martin Sheen, é satisfatório, mas... sofre um ataque cardíaco, de cansaço. Passam-se os dias. A película prende nas câmeras, por causa da umidade. Os técnicos fumam, se drogam, contraem doenças desconhecidas. Os mosquitos atacam os brancos. Os bifes importados dos Estados Unidos chegam descongelados, ou mesmo podres. Encantadoras figurantes incitam os atores e maquinistas a se entregarem a atos imorais - mas saborosos. O próprio Coppola cede aos encantos das coelhinhas da Playboy que participam das filmagens. O exército filipino recusa-se a emprestar helicópteros. Brando raspa a cabeça. Dennis Hopper, o bad boy de ‘Sem Destino’, chega. Drogado até o pescoço, recusa-se a tomar banho. Passada uma semana, ninguém mais lhe dirige a palavra - exceto por telefone. Ao fim de 40 dias, passa a ter direito a um ônibus particular: ninguém mais quer entrar na condução com ele. Brando desaparece na selva."

Em 2004, aos 80 anos, Marlon Brando morreu. Apesar de ter tido o mundo ao seu dispor, pereceu sozinho, assistindo uma comédia sem graça de Abbot & Costello. Talvez comendo um McDonald´s daqueles que eram jogados por cima do muro por um funcionário da lancheria mais próxima de sua casa, em Mulholand Drive. Partiu não sem antes ter vivido uma sequência de tragédias que, se fosse transformada roteiro de cinema, perderia credibilidade - tamanho surrealismo. Em 1990, seu filho Christian Brando, um drogado problemático de QI abaixo da média, dá um tiro na cabeça do cunhado, Drag Dollet, na sala da casa do ator. Brando presencia os momentos seguintes e procura inocentar o filho "atuando" no tribunal. Cheyenne, a filha viúva, é outra problemática. Viciada em drogas e remédios, estava grávida do agora finado namorado. Depois de inúmeras tentativas de suicídio, a garota conseguiu se enforcar (“com sucesso”) em 1995, aos 24 anos.

Entre a sedução de Kowalski, a luta de Zapata, a ingenuidade de Terry Malloy e a sagacidade de Vito, fico com a insanidade de Kurtz. Ou de Brando, tanto faz. Ao fim e ao cabo, this will never be the end.


por Ricardo Lacerda





Ricardo Lacerda é jornalista, chato e curioso. Desde que se conhece por gente, vê filmes e escuta música de “gente velha” – como diziam os amigos do colégio. É aficionado por folclore latino-americano, curte Paulo Leminski e Pedro Juan Gutierrez – entre doses de Salinger e Hesse. Na tela, aceita quase tudo – salvo exceções. Foi editor da revista APLAUSO. Formado pela PUC, tem especialização em Relações Internacionais pela ESPM e é sócio da República – Agência de Conteúdo, de onde escreve para publicações como Superinteressante, AMANHÃ, Voto e Jornal do Comércio.












segunda-feira, 29 de setembro de 2008

"Sindicato dos Ladrões", de Elia Kazan (1954)




O canal TCM de clássicos tem me proporcionado sessões fantásticas de obras que até então não tinha visto por falta de oportunidade ou porque preferi pegar algo mais atual na locadora e fui deixando o clássico pra depois, depois, depois... e no fim não vi.
Vi ontem Sindicato dos Ladrões (1954), com Marlon Brando, no especial Elia Kazan que o canal está exibindo.
Não é à toa que este filme tem a fama que tem. É um grande filme, mesmo! Um clássico!
Uma direção preciosa com uma fotografia fantástica e uma atuação incrível de Marlon Brando, que lhe valeu um Oscar de Melhor Ator, além dos outros sete que o filme levou, incluindo Melhor Filme.
A película conta a história de um ex-boxeador que é usado, sem saber, numa cilada que leva à morte de um dos estivadores do cais do porto que desafiou o poder chefão do sindicato. O boxeador se envolve com a irmã da vítima e com isso, aos poucos, se volta contra os chefões e abraça a causa dos trabalhadores.
Remete muito ao neo-realismo italiano de Rosselini, De Sicca e Viscontti, com características mais hollywoodianas é claro, mas que não o fazem perder a qualidade. Destaque também para a ótima música de Leonard Bernstein que valoriza e pontua cada cena de maneira vibrante e emocionante.
O filme também tem um fator de comportamento cultural importante. Ele é certamente um dos elementos formadores do visual do jovem rebelde nos anos 50, juntamente com outros filmes como O Selvagem, com o prórprio Brando e Juventude Transviada, com a imagem de rebelde sem causa de James Dean e com a tendência rock'n roll que cada vez mais crescia, impulsionada pelo jovem Elvis Presley, naquele momento.




Cly Reis