Se você é dos que jamais confundiria o "Pequeno Príncipe" de Saint-Exupéry com "O Príncipe" de Maquiavel, sinta-se em casa. O MDC não só não comete crimes como este, como ainda ajuda a expandir as mentes. Pra nos ajudar nessa missão pedagógica, estão conosco Banda Black Rio, Patife Band, Caetano Veloso, The Glove e mais. No Sete-List, outra aula, mas essa de musicalidade, com o oitentão Marcos Valle. Com responsabilidade naquilo que está dizendo, o programa abre a boca às 21h na maquiavélica Rádio Elétrica. Produção, apresentação e alto-falantes até no B612: Daniel Rodrigues.
Amigos do clyblog, muito honrado pelo convite de contribuir com essa resenha rockeira!
Vou falar sobre um assunto que com certeza já foi bastante debatido nas redes, que é o fato de
que hoje em dia, o mercado musical só produz single ou E.P.! São muitos artistas com sucesso
de uma música só! E isso não é exclusividade do universo tupiniquim. Sempre existiram bandas
que só fizeram sucesso com uma música. Mas o projeto hoje em dia é só comercial. Vender,
esgotar, exaurir a paciência até que a música vire jingle de supermercado. Faz parte!
Venho compartilhar com vocês algumas memórias afetivas de uma época onde o álbum era o
auge do artista. Ali ele colocava toda coerência estética e criatividade, todo seu ineditismo e sua
inventividade artística, do "Lado A ao Lado B". Estou falando de um tempo em que o vinil reinava
e chiava nas nossas vitrolas e, talvez, esse universo analógico e antológico sempre tenha seu
lugar. Seja Pop, underground, vintage… Quem não adoraria ter o disco da sua banda favorita em
vinil, mesmo nos dias de hoje? O vinil não saiu de moda, ficou caro!!! Hoje é só dar o play no
WAVE e MP3 e pronto: random na veia!
Fiz esse pequeno preâmbulo para situar a galera no tempo e trazer, na minha visão, alguns
dos álbuns fonográficos que são verdadeiras "obras completas". Não tem música ruim: o disco
é bom do começo ao fim!
Segue abaixo os 15 mais, mas com certeza tem muuuito mais…
E você que está lendo, pensa aí e me diz, qual álbum você acha perfeito, do início ao fim?
★★★★★★
1 - Pink Floyd - "The Wall" (1979)
FAIXAS:
1."In the Flesh?" 2."The Thin Ice" 3."Another Brick in the Wall (Part I)" 4."The Happiest Days of Our Lives" 5."Another Brick in the Wall (Part II)" 6."Mother" 7."Goodbye Blue Sky" 8."Empty Spaces" 9."Young Lust" 10."One of My Turns" 11."Don't Leave Me Now" 12."Another Brick in the Wall (Part III)" 13."Goodbye Cruel World"
14."Hey You" 15."Is There Anybody Out There?" 16."Nobody Home" 17."Vera" 18."Bring the Boys Back Home" 19."Comfortably Numb" 20."The Show Must Go On" 21."In the Flesh" 22."Run Like Hell" 23."Waiting for the Worms" 24."Stop" 25."The Trial" 26."Outside the Wall"
João Marcelo Heinz é músico, compositor, produtor musical e educador com 30 anos de estrada.
É integrante da banda Cidadão Free, com trabalho pop-rock autoral e com versões de
clássicos do rock nacional e internacional
Tem participações em produções para cinema, composições audiovisuais para artes plásticas, dirigiu peças teatrais, além de ter sido produtor musical e de eventos do centro cultural Othello, na Lapa, no Rio de Janeiro.
Os alemães da Kraftwerk vestiram kimono e puxaram os olhinhos para cantar no idioma japonês
Olimpíadas rolando em Tóquio e tá todo mundo se arriscando
num "sayonara" ou num "arigatô", não é verdade? Mas falar japonês pra valer, convenhamos, é pra poucos. Dada a dificuldade de se entender a
milenar língua nipônica, pode-se dizer que cantar em japonês é domínio
estritamente de quem é natural de lá.
Mas será mesmo? Se depender de alguns ousados artistas, não
é bem assim. Indo além do palavreado simplório, músicos de nacionalidades
diferentes da japonesa também se aventuraram nessa difícil e rara empreitada. E
fizeram mais do que simplesmente cantar temas originais do Japão ou versar
standarts para o japonês: eles compuseram canções novas neste idioma. Seja
norte-americano, brasileiro, inglês ou alemão, esses músicos, menor ou
maiormente afeitos aos ideogramas hanzi, puseram a cara pra bater e fizeram obras
diferentes daquilo que eles mesmos desenvolvem normalmente.
Aproveitando, então, esse clima olímpico de Jogos de Tóquio, selecionamos sete
músicas de artistas não-japoneses que não só fugiram dos estereótipos como construíram
bonitas obras em homenagem à cultura do país do Sol Nascente.
*******
“Ito Okashi” - The Passangers (1995) Composta para a trilha da performance de mesmo nome da artista japonesa Rita Takashina, a canção, cantada por sua conterrânea Akiko Kobayashi, a Holi, é de autoria que ninguém menos que Bono Vox, The Edge, Adam Clayton, Larry Mullen Jr. e Brian Eno, ou seja: a U2 em parceria com seu melhor e mais celebrado produtor. A The Passangers, projeto criado para abarcar as diversas trilhas que a turma compôs junto fora do repertório da renomada banda, lançou um único disco com esta formação e nomenclatura, “Original Soundtracks 1” repleto dessas coisas inusitadas assim como o próprio grupo. “Ito Okashi” é certamente das mais representativas do repertório.
Clipe de "Ito Okashi",da The Passangers
“Ai no Sono”- Stevie Wonder (1979) Da capacidade de Stevie Wondernão se pode duvidar de nada, nem que ele fique com olhos puxados como um oriental pode debaixo daqueles óculos escuros. A bela “Ai no Sono”, assim como a música da The Passangers, também nasceu de um projeto diferente e ligado a cinema. No caso, a trilha sonora para o filme de animação “Journey Through the Secret Life of Plants”, que o Estevão Maravilhoso não apenas compôs, como tocou, arranjou e produziu de cabo a rabo. Quem pode duvidar, então, que o homem invente uma canção em japonês? Embora irregular e extenso, o disco duplo, guarda essa joia que só poderia ter saído de uma cabeça genial como a de Stevie. OUÇA
“Made in Japan”- Pato Fu (1999) O lado extrovertido da Pato Fu faz com que a banda mineira liderada por John Ulhoa e Fernanda Takai (de origem oriental), diferente de outros grupos “sérios” do rock nacional dos anos 90, não levasse tão a sério a si mesmos. Entre os benefícios disso, está o de levar a sério as próprias brincadeiras, como a de criar uma música toda em japonês. Para quem como eles, que cresceu jogando Hatari e vendo na TV Spectreman e Ultraman (e admite isso), não foi uma tarefa tão difícil. Música do disco “Isopor”, de pouco antes de Fernanda começar a se achar uma grande cantora, ou seja, a se levar a sério. OUÇA
“Relax”- The Glove (1983) Tá certo que é só um refrão “sampleado” de uma voz masculina repetindo as mesmas frases durante a faixa inteira – provavelmente, chupada de algum filme japonês B muito esquisito. Junto a essa voz, outros recortes se entrecruzam com variações de velocidade e compressão, além de sons que fazem referência ao Oriente, como de um koto, de sinos e gongos. Mas, além do inusitado do idioma diferente do inglês em comparação com todos os outros temas cantados de “Blue Sunshine”, o maravilhoso e único disco do projeto de Robert Smith (The Cure) e Steven Severin (Siouxsie & The Banshees), a The Glove, fecha com esta tensa e lisérgica canção, digamos, nada “relax”. OUÇA
“I Love You, Tokyo” - Os Incríveis (1968) Em 1968, a banda de rock da jovem guarda Os Incríveis excursionaram pelo Japão e aproveitaram para gravar no álbum “Os Incríveis Internacionais” e, depois em “Os Incríveis no Japão”, a faixa “I Love you Tokyo”. Embora o título em inglês, a letra é, sim, toda em japonês. A sacadinha da turma de Mingo, Risonho, Nenê, Neno e Netinho foi utilizar uma música original da era Meiji, composta por volta do ano de 1700, para inventar a letra. “Vale essa, Arnaldo?” Vale, sim. OUÇA
“Miki”- Toninho Horta (2012)
Um dos vários músicos brasileiros admirados no Japão – às vezes, reconhecido mais ou antes lá do que aqui – é o mineiro Toninho Horta, violonista e compositor de mão cheia e um dos artífices do Clube da Esquina. No início dos anos 2010, em constante deslocamento entre o seu país natal e o outro lado do mundo, resolveu, então, solucionar esse problema lançando o disco “Minas Tokio”. Em parceria com a musicista japonesa Nubie, Horta, além de regravar clássicos como “Beijo Partido” e “Giant Steps” e de seus tradicionais e belos temas instrumentais, como a claramente oriental “Shinkansen”, ainda escreveu com ela músicas que fazem essa ponte entre Brasil e Japão não só pela música, mas pela letra também. OUÇA
“Dentaku” - Kraftwerk (1981) Os geniais pais da música eletrônica, além de cantarem em inglês e alemão em várias ocasiões, têm como característica a universalidade da sua música. É o que se vê nas músicas “Numbers”, que mistura diversas línguas, as faixas de “Tour de France”, todas cantadas em francês, “Sex Object”, com trechos em espanhol, ou “Electric Café”, quando até o português eles arranham. Por que, não, então, cantar em japonês. É o que fizeram nessa faixa, que é uma corruptela da clássica “Pocket Calculator”, do álbum “Computer World”, que, no final das contas, diz mais ou menos a mesma coisa que seu tema original: um convite para fazer/ouvir música usando as teclas de uma calculadora de bolso.
"Pocket Calculator/ Dentaku" ao vivo, da Kraftwerk
“Império dos Sentidos”- Fausto Fawcett & Os Robôs Efêmeros (1989) Não se enganem pelo título em português. Afinal, quem não liga este nome a de um dos mais famosos filmes rodados no Japão, o drama erótico de Nagisa Oshima que escandalizou o mundo nos anos 70? Pois foi com essa clara referência (e reverência), que os criativos Fausto Fawcett, Carlos Laufer e Herbert Vianna escreveram a música que intitula o segundo disco da banda carioca. Para isso, fazem o mesmo expediente que a The Glove: recortam um trecho de voz, neste caso, feminina, que repete a mesma frase em japonês, algo provavelmente extraído do próprio filme. Um clima misterioso e, claro, com elementos orientais além da própria letra, que
é dita levemente por uma voz feminina, quase uma “narcotic android nissei com a bateria no fim”, como diria o próprio Fawcett. OUÇA
Michael dando um confere bem de perto no que seu mestre Stevie Wonder faz em estúdio, nos anos 70
Não é incomum artistas da música que, mesmo sendo astros, têm por hábito participarem de projetos de outros, seja tocando em gravações, shows ou como convidados. George Harrison, por exemplo, muito tocou sua slide guitar em discos dos amigos John Lennon e Ringo Starr. Eric Clapton, igualmente, além da carreira solo e de bandas próprias como Cream e Yardbirds, também emprestou sua guitarra para Beatles, Yoko Ono, Tina Turner, Phil Collins e vários outros. Como eles, diversos: Brian Eno, Robert Wyatt, Flea, Eddie Van Halen ou brasileiros como Herbert Vianna, Gilberto Gil, Frejat e João Donato. Todos comumente contribuem com seus instrumentos e/ou voz na música que não somente a deles próprios.
Há também aqueles que dificilmente se supõe que fariam algo fora de seus trabalhos pelos quais são mais conhecidos. Mas vasculhando com atenção as fichas técnicas dos discos, acha-se. Vez ou outra se encontra um artista que geralmente é visto apenas como protagonista atuando, deliberadamente, como um coadjuvante. E não estamos nos referindo àqueles principiantes que, posteriormente, tornar-se-iam ilustres, caso de Buddy Guy em “Folk Singer”, de Muddy Waters, de 1959, na primeira gravação do jovem Guy, então com 18 anos, com o veterano bluesman, ou Jimi Hendrix nas gravações de 1964 com a Isley Brothers anos antes de transformar-se num ícone do rock.
Aqui, referimo-nos àqueles que, já consagrados, abriram mão de seu status em nome de algo que acreditavam seja para um disco, um projeto, uma música ou um show. São momentos em que se vê verdadeiros mitos descerem de seus altares para, humildemente, colaborarem com a música alheia, seja por admiração, amizade, sentimento de dívida ou o que quer que explique. O fato é que esses “protagonistas coadjuvantes”, mesmo que estejam escondidos ou somente encontráveis nas miúdas letras da ficha técnica, abrilhantam com seus talentos peculiares a obra de outros.
Robert SmithparaSiouxsie & The Banshees
Os anos 80 foram de inquietude para Robert Smith, líder da
The Cure. Sua banda já era uma das mais celebradas do pós-punk britânico em
1983 quando ele, que havia lançado um ano anos o disco único “Blue Sunshine”,
da The Glove, projeto em parceria com Steven Severin, decide dar um tempo com o
grupo. Mas para quem estava a pleno naquela época, Bob “descansou carregando
pedra”, como diz o ditado. Ele decide fazer parte da Siouxsie & The
Banshees, banda coirmã da The Cure, mas estritamente como integrante. Com os
vocais e o palco já devidamente preenchidos por Siouxsie, Robert assume as
guitarras e une-se a Severin (baixo) e Budgie (bateria) para compor a melhor
formação que a Siouxsie & The Banshees já teve. Não deu outra: dois discos,
duas pérolas, para muitos os melhores da banda: “Hyenna” e o ao vivo
“Nocturne”.
Miles Davis para Cannonball Adderley Mais do que na música pop, é comum no jazz grandes astros e band leaders tocarem na banda de colegas. Isso não funciona, entretanto, para Miles Davis. O talvez mais exclusivo músico do jazz havia tocado no início da carreira para Sarah Vaughan, mas depois jamais fez nada que não fosse tão-somente seu. Até que, com jeitinho, em 1958, o amigo Cannonball Adderley convida-o para participar das gravações de um disco que ele estava por lançar e no qual teria ainda Art Blakey, na bateria, Hank Jones, no piano, e Sam Jones, no baixo. Uma sessão de gravação apenas, só cinco números, algumas horinhas de estúdio com Rudy Van Gelder na mesa, engenheiro com quem Miles tanto estava acostumado a trabalhar. "Não vai custar nada. Diz, que sim, diz que sim!" Tanto foi, que Miles topou, e saiu "Somethin' Else", aquele que é o disco que antecipa a obra-prima “Kind of Blue”, em que, reassumido o posto de front man, aí é Miles que conta com o parceiro saxofonista na banda. Tudo de volta ao normal.
Paul McCartney paraFoo Fighters É conhecida a versatilidade de Paul McCartney.
Multi-instrumentista, ele é capaz de tocar, em apenas um show, vários instrumentos ou gravar um disco inteirinho sozinho sem precisar de mais ninguém
no estúdio. Quem também fez isso foi Dave Grohl, líder da Foo Fighters, que, no
álbum de estreia da banda, em 1995, toca não apenas a bateria, que era seu
instrumento na Nirvana, como todos os outros. A amizade e talvez essa
semelhança tenham feito com que chamasse o eterno beatle para uma empreitada 12 anos
depois. Fã de Macca, ele convidou o veterano músico para gravar
para ele não a guitarra, o piano ou a voz. Isso, muita gente já havia feito.
Ele pediu para Paul tocar justamente bateria. A “brincadeira” deu super certo,
como se vê na canção "Sunday Rain" presente no disco "Concrete And Gold".
Michael Jacksonpara Stevie Wonder É uma música apenas, mas considerando o tamanho deste “coadjuvante”, vale por um disco inteiro. A linda e melodiosa “All I Do”, que Stevie Wonder gravaria em seu “Hotter than July”, de 1980, conta com ninguém menos que Michael Jackson nos vocais. E não se trata da voz principal, e sim do backing vocals! Surpreende ainda mais que o Rei do Pop já havia lançado à época o megassucesso “Off the Wall”, de um ano antes, com o qual revolucionaria a música pop e que quebrara os paradigmas de vendas da música negra no mundo. Mas a devoção de Michael para com Stevie era tamanha, que ele nem se importou em fazer um papel secundário. Para quem era conhecido pela habilidade de canto e arranjos de voz, no entanto, o que seria uma mera participação contribui sobremaneira para a beleza melódica da canção.
David BowieparaIggy Pop
Em meados dos anos 70, Iggy Pop e David Bowie estavam bastante próximos. Bowie havia chamado o amigo para uma temporada em Berlim, na Alemanha, onde desfrutariam do moderno estúdio Hansa para erigir alguns projetos, dentre estes, “The Idiot”, no qual dividem todas as autorias e gravações. O período foi tão fértil, que rendeu também uma turnê, registrada no álbum ao vivo “TV Eye Live 1977". Acontece que, no palco, não dá para apenas os dois se resolverem com os instrumentos. Foi então que chamaram os Sales Brothers para o baixo e bateria, Ricky Gardiner, para a guitarra, e... quem assumiria os teclados? Ah, chama aquele cara ali que tá de bobeira. O próprio David Bowie. Quando se escuta as versões ao vivo de “Lust for Life”, “I Wanna Be Your Dog” e “Funtime”, acreditem: os teclados que se ouvem são do Camaleão do Rock.
Phlip GlassparaPolyrock
O cara já tinha composto de um tudo: ópera, concerto, sinfonia, madrigal, trilha sonora, sonata, estudos. Faltava uma coisa: música pop. Próximo do músico e produtor Kurt Monkacsi, o gênio da vanguarda californiana Philip Glass “apadrinhou” junto com este a new wave art rockPolyrock. Dizem nos bastidores, que o cérebro da banda é Glass e não só os irmãos Billy e Tommy Robertson tamanha é a identificação com a música minimalista do autor de "Einsten on the Beach". Seja por grandeza, timidez ou algum problema legal, o fato é que isso não consta nos créditos. O que consta, sim, é a participação do maestro tocando piano e teclados nos dois discos do grupo, “Polyrock”, de 1980, e “Changing Hearts”, de um ano depois, no qual, inclusive, assina oficialmente o arranjo de cordas da faixa-título. Daqueles raros momentos em que a música de vanguarda se encontra com o rock.
João GilbertoparaRita Lee
Se hoje a participação de João Gilberto tocando violão para Elizeth Cardoso em duas faixas de “Canção do Amor Demais”, de 1958, é considerado o pontapé inicial para o movimento da bossa nova, àquela época o gênio baiano era apenas um músico iniciante ao qual não se havia ouvido ainda toda sua arquitetura sonora de instrumento, voz e harmonia. 24 anos depois, já um mito, João dificilmente repetia uma ação como aquela do passado. Quisessem tocar com ele, ele que convidava. Exceção feita nos anos 80 para sua então esposa, Miúcha (e somente o violão), mas especialmente para Rita Lee. Admirador confesso da Rainha do Rock Brasileiro, João topou o convite de gravar ele, seu violão e sua atmosfera única a faixa “Brasil com S”, do disco “Rita Lee & Roberto de Carvalho”, autoria dos dois. Pode-se dizer que, como todo o cancioneiro de João, é mais uma obra-prima, porém a única em que põe sua voz à serviço de um outro artista fora da sua discografia. Privilégio.
Paulo Gustavo, Cassiano, Luis Vagner "Guitarreiro"... pra compensar tanta perda só mesmo trazendo essa gente toda no MDC. Além deles vai ter também muita coisa legal, como Black Alien, The Glove, Elis Regina, Lee Morgan, Marisa Monte e mais. Tem homenagens no "Sete-List" e no "Música de Fato" e tem até Fausto Fawcett com letra sua no "Palavra, Lê". Sobrevivendo na garra, o programa vai ao ar hoje, 21h, na vivíssima Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.
uma música totalmente diferente de qualquer outra,
ela os impulsionou a uma categoria
inteiramente nova."
Tony Fletcher,
autor da biografia "The Smiths: A Light That Never Goes Out"
Tinha uma música, que eu sabia que era da banda The Smiths, que eu acabara de conhecer, que eu havia ouvido algumas vezes, curtia de montão, mas não sabia o nome. O refrão, que encerrava a canção, era bem marcante e repetia algo infinitamente até o final, misturando a voz do vocalista a uma espécie de coro infantil até desaparecer de todo em fade-out. No meu limitadíssimo inglês entendia que ele cantava algo como "The teacher", "I'm the preacher" e, às cegas, adotando como prováveis títulos aquelas possibilidades que meu entendimento da língua inglesa sugeria, persegui a tal da música tentando descobrir de que disco ela seria. Pesquisei na revista Bizz, perguntei a amigos, fiquei atento às rádios e nada... Obviamente, não batendo os nomes existentes de canções com aqueles possíveis que eu supusera, percebi que nem eles, nem algo parecido, se constituíam efetivamente no título da canção. Deveria descobri-la ouvindo nos álbuns, faixa a faixa, tentando identificar o tal refrão que me seduzira. Um amigo tinha o "Hatful of Hollow" e consegui que ele me emprestasse. Não encontrei a que procurava mas fui surpreendido ao reconhecer outras que também já ouvira de passagem, mas não sabia que era da banda. "Please, please, please let me get what I want", por exemplo, eu conhecia de algum filme adolescente dos anos 80, que depois vim a lembrar que era do "Curtindo a vida adoidado". Outra delas era "Girl Afraid", uma impagável surpresa, uma vez que eu costumava escutá-la na abertura de um programa local sobre surf lá em Porto Alegre, o Realce, e sempre achava o máximo aquela guitarra e ficava me perguntando de quem seria uma coisa maravilhosa como aquela. Mas havia outras maravilhas ali e naquele disco eu conheci a beleza encantadora de "William, it was realy nothing", a doçura charmosa de "This charming man", a intensidade sonora da sensual "Handsome Devil", a elegância da pessimista "Heaven knows I'm miserable now", e possivelmente, a melhor música dos Smiths, que me impressionou desde o primeiro instante, "How soon is now?", uma peça musical de feitura complexa que combinava camadas de guitarra sobrepostas, criando uma atmosfera tensa e quase sombria, com uma letra da mais exposta vulnerabilidade, interpretada de forma tão envolvente e dramática que era impossível que o ouvinte ficasse indiferente a seu comovente apelo por amor e atenção. Enfim, o "Hatful of Hollow" me deu muito mais do que a, até então, misteriosa música que eu procurava. Com aquele disco eu passei definitivamente a apreciar e conhecer The Smiths. As interpretações intensas daquele vocalista, a versatilidade, a inventividade e a técnica daquele guitarrista de poucas distorções e quase nenhum solo, aquele time azeitado com "coadjuvantes" que brilhavam nos momentos certos e aquelas letras que eu, em contato com o encarte pela primeira vez, começava a descobrir e me identificar faziam com que aquela minha estada com o álbum fosse algo especial e criasse uma relação de carinho com ele a partir de então.
Na época achava que "Hatful of Hollow" fosse um álbum. Um álbum de carreira. Tempos depois foi que com a saber que se tratava de mais uma das tantas coletâneas, compilações, compensações, correções, contrapartidas que os Smiths costumavam fazer. No caso foi uma combinação da vontade de fazer justiça a alguns singles que não haviam recebido a devida importância quando do lançamento como "William, is was really nothing"; de exibir com a devida grandiosidade sua nova pérola, que a banda sabia ser um material diferenciado, "How soon is now?"; e de redimir uma certa insatisfação com a produção e mixagem do primeiro álbum e o resultado final de algumas músicas como "What difference does it make?", por exemplo, que Morrissey considerava que havia ficara melhor nas seções da BBC e que foi incluída em "Hatful of Hollow", do que na que entrara no disco de estreia da banda. Mesmo com essa estrutura de Frankenstein, um single aqui, uma demo ali, uma inédita acolá, "Hatful of Hollow", era tão bem montado e coeso que soava como um álbum e, mesmo com o conhecimento de sua natureza seletiva, permaneceria com um pouco desta aura de álbum concebido e, para nós fãs, com a reverência que este status costuma merecer.
E a música que eu procurava?
A tal da canção era "Panic" e o tal do verso que eu não identificava, ordenava, com o sarcasmo ácido e sádico de Morrissey, enforcar um DJ que tocava constantemente músicas que não diziam nada sobre a sua vida. "Hang the DJ, hang the DJ...", entoavam insistentemente o vocalista e o coro até o final da faixa. Fui encontrá-la mais tarde, no "The World Won't Listen", outra dessas coletâneas de motivações peculiares que os Smiths costumavam organizar. Mas aí, quando encontrei "Panic" ela já não era mais a única que me interessava. Eu havia tido contato com canções que falavam a mim muito sobre minha vida. A minha busca já havia chegado ao fim.
**************
FAIXAS:
"William, It Was Really Nothing" - versão original do single (2:09)
"What Difference Does It Make?" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC, diferente da lançada no álbum "The Smiths" (3:11)
"These Things Take Time" - versão do programa de David Jensen na Radio 1 da BBC (2:32)
"This Charming Man" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC, diferente da versão do single e do álbum "The Smiths" (2:42)
"How Soon Is Now?" - versão original do single posteriormente incluída na versão CD do álbum "Meat Is Murder" (6:44)
"Handsome Devil" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC, não tendo sido lançada nenhuma versão oficial de estúdio além desta (2:47)
"Hand in Glove" - versão original do single, diferente da lançada no primeiro álbum "The Smiths" (3:13)
"Still Ill" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC, diferente da versão do álbum "The Smiths" (3:32)
"Heaven Knows I'm Miserable Now" versão original do single (3:33)
"This Night Has Opened My Eyes" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC, não tendo sido lançada nenhuma versão oficial de estúdio além desta (3:39)
"You've Got Everything Now" - versão do programa de David Jensen na Radio 1 da BBC, diferente da versão do single e do álbum "The Smiths" (4:18)
"Accept Yourself" - versão do programa de David Jensen na Radio 1 da BBC, diferente da versão do lado B do single "This Charming Man" (4:01)
"Girl Afraid" - versão original, lado B do single "Heaven Knows I'm Miserable Now" (2:48)
"Back to the Old House" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC (3:02)
"Reel Around the Fountain" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC, diferente da lançada no álbum "The Smiths" (5:51)
"Please, Please, Please, Let Me Get What I Want" - versão original, lado B do single "William, It Was Really Nothing" (1:50)