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sábado, 22 de junho de 2024

Chico 80 Anos - As 80 músicas preferidas dos fãs

 Montar uma lista com músicas preferidas de Chico Buarque é, antes de mais nada, desafiador, mas também garantia de uma seleção do mais alto nível da música brasileira. Dada a magnitude e qualidade de sua obra – além de extensa, sempre muito significativa – não haveria como ser diferente. Para celebrar o aniversário de 80 anos deste mestre da nossa cultura completos esta semana, juntamos, então, uma lista de 80 músicas preferidas por alguns de seus inumeráveis fãs.

Disso, porém, uma coisa foi quase unânime: a reclamação dos votantes de que é difícil compor uma lista dessa natureza. Todos os que se dispuseram a realizar essa tarefa quase trocaram o prazer em compô-la por dúvidas atrozes ou, pior, a angústia por não poder escolher mais títulos além de apenas 10. Compreensível. Quando fizemos, em 2022, uma listagem semelhante a esta para o aniversário de outro mestre da música brasileira, Gilberto Gil, o sentimento foi o mesmo. Isso sem falar, após a divulgação, da transformação desse desconforto em arrependimento por não se ter lembrado de incluir esta ou aquela canção...

O fato é que amamos a obra de Chico, e nisso me incluo tanto quanto todos os nossos outros 6 fãs, que toparam comigo e Cly, a ingrata missão de listar apenas 10 músicas da vasta e qualificadíssimo cancioneiro buarqueano. Pois, realmente, 10 é muito pouco para dar a dimensão do quanto o admiramos e da importância de sua obra. Sabemos. Mas, de modo a contemplarmos pelo menos 8 destes ardorosos fãs, a matemática nos obriga a separar apenas uma mísera dezena para podermos completar 80 escolhas celebradoras de suas 80 primaveras. 

Para tanto, reunimos um time especial de “buarqueiros” de diferentes áreas. Jornalistas, escritores, publicitários, ilustradores, produtoras culturais. Há, mas são poucos os que não gostam de Chico – e quando gostam, é assim, de “Todo o Sentimento”. A ponto de fazer canção em sua homenagem, como um dos nossos convidados, o músico radicado em Londres Thomas Pappon - da Fellini, Tres Hombres, Voluntários da Pátria, Smack, The Gilgertos e outros vários projetos – coautor da bela “Chico Buarque Song”, da Fellini. Ou mais do que isso: alguém que dedica-lhe uma obra, caso do jornalista e escritor Márcio Pinheiro, esporádico colaborador do blog, que acaba de lançar o livro "O que Não tem Censura nem Nunca Terá: Chico Buarque e a Repressão Artística na Ditadura Militar".

Afora os impasses, o legal é que existe um Chico para cada um. “Paratodos”, mais certo dizer. Há músicas desde sua fase inicial, nos anos 60, dos tempos da “capa do meme”, até a mais recente produção, deste “Velho Francisco” agora oitentão. 80 músicas é pouco, sim. Melhor seriam mais “Umas e outras”, mais um “Frevo Diabo”, mais um “Tango do covil”, um “Partido alto”, uma “Opereta de casamento”. E “Que tal um samba?”, um pra Vinicius, um de Orly, um de adeus?... “Qualquer canção”, desnaturada, inédita, de Pedroca. Não? Então, como diz ele mesmo, “palmas para o artista confundir”. Que prazer é essa confusão de não saber o que mais nos toca da maravilhosa obra de Chico Buarque.


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Kaká Reis

produtora cultural
(Rio de Janeiro/RJ)

"HELP! Chegou o momento mais temido da minha vida: escolher 10 musicas do Chico! Eu sei que vou me arrepender muito de alguma coisa, mas segue..."

1. "Tatuagem" ("Chicocanta" ou "Calabar", com Ruy Guerra, 1972)
2. "Bom Conselho" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972)
3. "Pedro Pedreiro" ("Chico Buarque de Hollanda", 1966)
4. "Eu Te Amo" ("Vida" , com Tom Jobim, 1980)
5. "Biscate" ("Paratodos", 1993)
6. "As Caravanas" ("Caravanas", 2017)
7. "Bye Bye Brasil" ("Vida", com Roberto Menescau, 1980)
8. "Mil Perdões" ("Chico Buarque", 1984)
9. "Ode aos Ratos" ("Carioca", com Edu Lobo, 2006)
10. "Todo o Sentimento" ("Francisco", com Cristóvão Bastos, 1987)




Jana Lauxen

escritora e editora
(Carazinho/RS)

"Chico Buarque é patrimônio cultural brasileiro, lenda viva, meme, galã e puro suco da arte made in Brasil. Não bastasse, canta, compõe, escreve, interpreta, defende a democracia e já enfrentou, na trincheira, dois governos fascistas. Ele me representa de tantas maneiras, que um parágrafo é insuficiente para explicar. Obrigada, Chico!"

1. "Apesar de Você" ("Chico Buarque" ou "Disco da Samambaia", 1978)
2. "O Meu Guri" ("Almanaque", 1982)
3. "Geni e o Zeppelin"  (Trilha sonora da peça "Ópera do Malandro", 1977)
4. "Roda Viva" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 3", 1968)
5. "Jorge Maravilha" (aka Julinho da Adelaide, 1974)
6. "Cotidiano"  ("Construção", 1971)
7. "Cálice" ("Chico Buarque" ou "Disco da Samambaia", com Gilberto Gil, 1978, por Milton Nascimento e Chico Buarque)
8. "Construção" ("Construção", 1971)
9. "Hino da Repressão" (Trilha Sonora do filme "Ópera do Malandro", 1985)
10. "Meninos, Eu Vi" (Trilha Sonora do filme "Para Viver um Grande Amor", com Tom Jobim, 1983)




Leocádia Costa

publicitária, produtora cultural e locutora
(Porto Alegre/RS)

1. "Biscate" 
2. "Paratodos" ("Paratodos", 1993)
3. "Tua Cantiga" ("Caravanas", com Cristóvão Bastos, 2017)
4. "Imagina" ("Carioca", com Tom Jobim, 2006)
5. "Baioque" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972, por Maria Bethânia)
6. "Minha Canção" ("Os Saltimbancos", com Sérgio Bardotti e Enriquez, 1977)
7. "Beatriz" ("O Grande Circo Místico", com Edu Lobo, 1983)
8. "Roda Viva" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 3", 1968)
9. "Samba e Amor"("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", 1970)
10. "Cotidiano" ("Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo", 1972, com Caetano Veloso)




Clayton Reis

arquiteto, cartunista e blogueiro
(Rio de Janeiro/RJ)

"Que tarefa ingrata escolher só dez. Meu Deus! Vai indo 1, 2, 3 e vai se aproximando de 10 e a gente fica pensando, 'mas essa vai ficar de fora', 'e aquela...', 'e aquela outra...'. É uma obra incrível, muita coisa maravilhosa, letras incríveis, fases distintas, temas, motivações. Não tem nem o que falar. Só aplaudir um cara assim, agradecer por existir há 8 décadas e nos dar coisas como essas."

1. "Construção"  
2. "Rosa dos Ventos" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", 1970)
3. "O que Será? ((À flor da pele)"  ("Meus Caros Amigos", 1976)
4. "Vai Passar" ("Chico Buarque", com Francis Hime, 1984)
5. "Cotidiano" 
6. "Apesar de Você"
7. "Agora Falando Sério" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", 1970)
8. "Geni e o Zeppelin"  
9. "Samba do Grande Amor" ("Chico Buarque", 1984)
10. "Jorge Maravilha" 




Daniel Rodrigues

jornalista, escritor, radialista e blogueiro
(Porto Alegre/RS)

"'A gente se torna repetitivo falar que 10 músicas não são suficientes para dar conta da grandiosidade de Chico Buarque. Fazer o quê? Muito queria ter incluído aqui 'Mil Perdões', 'Samba e Amor', 'Leo', 'Pedro Pedreiro', 'Assentamento', 'Ciranda da Bailarina', 'Alumbramento', 'Rosa dos Ventos', 'Sinhá'... mas não cabem. Fico com o sintético depoimento do amigo Tom Jobim, que dizia, atribuindo sua genialidade aos deuses da religiosidade afro-brasileira, que Chico era 'um cavalo'".

1. "Construção"
2. "Vida" ("Vida", 1980)
3. "A Bela e a Fera" ("O Grande Circo Místico", com Edu Lobo, 1983, por Tim Maia)
4. "Futuros Amantes" ("Paratodos", 1993)
5. "Vai Passar"
6. "O Meu Guri" 
7. "Tua Cantiga"
8. "Beatriz"
9. "Amando sobre os Jornais" ("Mel", 1979, por Maria Bethânia)
10. "Estação Derradeira" ("Francisco", 1987)




Lívia Araújo

jornalista e ilustradora
(Porto Alegre/RS)

"Amo Chico e seu repertório pela sua amplidão de temas e estilos: tanto interpretando a realidade brasileira e seus personagens, quanto falando sobre os meandros íntimos de homens e mulheres nos mais variados contextos. A música do Chico, que dá o balanço perfeito entre melancolia e alegria, exaltação e introspecção, é a expressão perfeita de alguém que entende como o brasileiro, em suas próprias palavras na ocasião da entrega tardia do Prêmio Camões, traz nas veias "o sangue do açoitado e do açoitador. Bônus track. 'Samba de Orly'".

1. "Tanto Amar" ("Almanaque", 1982)
2. "Vai Passar"
3. "Feijoada Completa" ("Chico Buarque" ou "Disco da Samambaia", 1978)
4. "Joana Francesa" (Trilha sonora do filme "Joana Francesa", 1973)
5. "Geni e o Zeppelin"  
6. "João e Maria" ("Os Meus Amigos São Um Barato", com Sivuca, 1977, por Nara Leão)
7. "Roda Viva"
8. "Caçada" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972)
9. "Acorda, Amor" (aka Julinho da Adelaide, "Sinal Fechado", 1974)
10. "Terezinha" (Trilha sonora da peça "Ópera do Malandro", 1977, por Gal Costa)




Thomas Pappon

músico
(Londres/Inglaterra)

1. "Samba e Amor"
2. "Cotidiano"
3. "Partido Alto" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972, por MPB-4)
4. "Ana de Amsterdã" ("Chicocanta" ou "Calabar", com Ruy Guerra, 1972)
5. "Construção"  
6. "Gente Humilde" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", com Garoto e Vinícius de Moraes, 1970)
7. "Pois É" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", com Tom Jobim, 1970)
8. "Deus lhe Pague" ("Construção", 1971)
9. "Olha Maria" ("Construção", com Tom Jobim, 1971)
10. "Joana Francesa" 




Márcio Pinheiro

jornalista e escritor
(Porto Alegre/RS)

"Aí vai uma lista idiossincrática: 10 músicas de Chico Buarque em parcerias. A melhor do Chico em parceria com:"

1. Caetano Veloso: "Vai Levando" ("Chico Buarque & Maria Bethânia ao vivo", 1975)
2. Edu Lobo: "História de Lily Braun" ("O Grande Circo Místico", 1983, por Gal Costa)
3. Francis Hime: "A Noiva da Cidade" ("Meus Caros Amigos", 1974)
4. Gilberto Gil: "Cálice"
5. João Donato: "Cadê Você?"  ("Francisco", 1987)
6. Miltinho: "Angélica"  ("Almanaque", 1982)
7. Ruy Guerra: "Tatuagem"
8. Sivuca: "João e Maria"
9. Tom Jobim: "Retrato em Branco e Preto" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 3", 1968)
10. Toquinho: "Samba de Orly" ("Construção", 1971) e Vinicius de Moraes: "Valsinha" ("Construção", 1971)




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As mais votadas

"Construção", "Cotidiano" - 4 votos

"Roda Viva", "Geni e o Zeppelin", "Vai Passar" - 3 votos

"Biscate", "Beatriz", "Apesar de Você", "Cálice", "Tatuagem", "O Meu Guri", "Jorge Maravilha", "Tua Cantiga", "Samba e Amor", Joana Francesa", "João e Maria" - 2 votos

"Vai Levando", "História de Lily Braun", "A Noiva da Cidade", "Cadê Você?", "Angélica", "Retrato em Branco e Preto", "Samba de Orly", "Valsinha", "Partido Alto", "Ana de Amsterdã", "Gente Humilde", "Pois É", "Deus lhe Pague", "Olha Maria", "Tanto Amar", "Feijoada Completa", "Caçada", "Acorda, Amor", "Terezinha", "Vida", "A Bela e a Fera", "Futuros Amantes", "Amando sobre os Jornais", "Estação Derradeira", "Rosa dos Ventos", "O que Será? ((À flor da pele)", "Agora Falando Sério", "Samba do Grande Amor", "Paratodos", "Imagina", "Baioque", "Minha Canção", "Hino da Repressão", "Meninos, Eu Vi", "Bom Conselho", "Pedro Pedreiro", "Eu Te Amo", "As Caravanas", "Bye Bye Brasil", "Mil Perdões", "Ode aos Ratos" e "Todo o Sentimento" - 1 voto


Daniel Rodrigues

terça-feira, 12 de outubro de 2021

“Sem Você não A – Uma Fábula Alfabética de Tom Zé e Elifas Andreato” - Tom Zé (2017)

 

"Quando escrevi a história presente neste CD, com a intenção de fazer dela um musical infantil, dei ao Tom Zé as letras que permeavam a fábula. Dias depois recebi as músicas numa fita cassete que foi parar na escola onde meus filhos estudavam e fez muito sucesso. Mas naquele tempo não havia espaço para nossa fábula alfabética e a deixamos de lado. Torná-la pública agora, tantos anos 
depois, é motivo de celebração."
Elifas Andreato 

Tem autores da música brasileira cuja obra é tão essencialmente universal que serve, num mesmo tempo, a adultos e crianças. Até quando não produzem especificamente para o público infantil, suas músicas via de regra se adequam aos ouvidos dos pequenos, casos de Carlinhos Brown, Adoniran Barbosa e João Donato. Destes, no entanto, talvez nenhum se compare neste aspecto a Tom Zé. A musicalidade do baiano de Irará, de uma forma intrínseca, é bastante afeita ao lúdico em seus meandros sonoros e linguísticos, haja vista temas como “Fliperama”, “Identificação” ou “Jimmy, Renda-se”. Embrenhando-se na sua obra, impossível não enxergar esse caráter infantil em músicas “adultas” a se ver por “Escolinha de Robô”, “A Briga do Edifício Itália e do Hilton Hotel” ou “A Boca da Cabeça”. Por isso, dá para afirmar que um projeto voltado a crianças estava bastante maduro quando Tom Zé recebeu o convite do designer, ilustrador e amigo Elifas Andreato para criarem juntos “Sem Você não A – Uma Fábula Alfabética de Tom Zé e Elifas Andreato”, de 2017. Baseado numa historieta escrita pelo paranaense Elifas, que a contava a seus filhos Laura e Bento para dormirem, o disco não poderia ter recebido melhor tratamento musical que não pelas mãos de Tom Zé.

A proximidade entre os dois, aliás, vem de muitos anos antes. O repertório deste disco, por exemplo, data do final dos anos 70, quando os filhos de Elifas eram pequenos. Em 1984, o artista visual também criara a capa do disco do colega músico “Nave Maria”. A parceria musical, no entanto, surgiu depois. Em 2014, no disco de Tom Zé “Vira Lata na Via Láctea”, experimentaram uma dobradinha com “Salve Humanidade”. Porém, já em “The Hips of Tradition”, noutro álbum do baiano, de 1992, eles haviam se encontrado para comporem “Sem a Letra A”. Ambas as músicas, por sinal, são o embrião deste antigo projeto, visto que já brincavam com a ideia de um abecedário linguístico-musical com boas doses de peraltice. Ambas dão argumento para a inventiva história de Elifas: no Abecedário, terra onde moram os habitantes do alfabeto, todos vivem harmonicamente e ajudando-se mutuamente. Além das letras, vivem nessa terra a Curiosidade, responsável por reger o alfabeto, e o ressentido Silêncio, que sequestra a primeira para, assim, calar as letras e reinar sozinho, como fazia antes de haver qualquer som. Como condição para libertar a Curiosidade, o Silêncio exige das letras a resposta de um enigma: “Qual é a maior palavra do mundo?” Sem a resposta, a Curiosidade ficaria presa para sempre. Para piorar as coisas, o A (a primeira e mais antiga integrante da turma) resolve se sacrificar, fugindo sem que ninguém percebesse para tentar resolver sozinho a charada, deixando as palavras em apuros – ortográficos, inclusive.

Tom Zé desdobra essa estorieta com a sagacidade e sensibilidade que lhe são características. Elifas, por sua vez, expande sua musicalidade já tão presente não somente em outras parcerias, como com Toquinho e Jessé, mas, principalmente, nas centenas de artes de discos da MPB as quais criou em mais de 50 anos de carreira. “Palavras do Ar”, faixa inicial, é um animado e dissonante eletro-batuque, que faz uma ode à música e a beleza dos sons vocálicos da língua portuguesa: “As palavras do ar/ Vão pular no céu/ De um balão/ As palavras do mar/ Navegar ao léu/ Numa embarcação/ As palavras do chão/ Vão rodar pião/ Na palma da minha mão/ As outras irão pendurar a, a/ No ar, no céu e o luar a, a/ Pular fogueira e soltar rojão/ Pra comemorar/ A descoberta das palavras/ Do futuro”. A brincadeira se transforma em um verdadeiro “Forrobodó do Abecê”, um baião que convida as letras para um "bate-coxo" arretado. 

Hora, então, de apresentar não somente as letras, mas a “maestrina do Abecedário”: a “Curiosidade”. Conforme Elifas, “é ela quem conduz as letras em seu papel de guardiãs do passado, intérpretes do presente e construtoras do futuro”. Recuperando a letra e a melodia de “Salve Humanidade”, de três anos antes, Tom Zé dá ao número um arranjo todo especial, transformando-a num xote repleto de sonoridades lúdicas. A peculiar divisão silábica das frases vocais, herança da vanguarda a qual Tom Zé sempre esteve ligado, aparece no canto, cuja letra cantada, por sua vez, é ao mesmo tempo engraçada e poética: “A curi, a curi, a curiosidade/ Inventou, inventou/ A humanidade/ E o burá, burá, buraco da fechadura/ É o burá, burá, buraco da curió-sidadde”.

“Como É o Nome Dela?” traz a veia sertaneja de Tom Zé para contextualizar a desorientação que todos ficaram sem a Curiosidade, já capturada pelo Silêncio. Mais do que isso, dialogando com as crianças, ele e Elifas lançam uma questão que, quiçá, estes se depararão quando adultos: “Eu li que ela berra verdades, é caprichosa majestade/ Mas que quando a gente cresce, ela desaparece/ Parece...”. Como “desgr_c_ pouc_ é bob_agem”, ainda acontece o sumiço da vogal mais conhecida. Retrazendo a bela canção dos anos 90, a faixa que dá título ao disco carrega em seus versos uma filosófica questão: como viver, como ser, sem a letra A? “Sem você não A/ Sem você não haverá canção/ Sem você não há mais esperança pra criança/ Ai ai, hum hum/ Sem você não há”.

Baião pé-de-serra, “A Mágica do G” conta a parte da história em que esta letra surge com sua mágica e faz descer do céu estrelinha para pô-las no lugar onde havia A, tal qual a ideia plástico-sonora de Caetano Veloso quando musicou o poema “Pulsar”, de Augusto de Campos, em 1981. Já “A Praga do Silêncio” é o contra-ataque, pois este, inconformado com a criativa solidariedade das letras e de suas amigas luminosas, que descobriram o cativeiro da Criatividade e da letra A, roga que as estrelas tiradas do céu apaguem. O resultado: “as palavras vão ficando esbur_c_d_s”.

Sem eximir as crianças de suas construções harmônicas complexas, “Estrelas Sabem Voar“ conjuga os modos compositivos atonais da música de Tom Zé com o texto lírico e pedagógico: “Olha lá que as estrelas sabem voar (...)/ E com elas vamos ao céu procurar nosso amigo/ No desabrigo/ O R viaja no rabo da estrela/ Mas o B sobe no umbigo/ E agarrado no pé vai o É, É, É/ Fazendo chulé”. São as letrinhas que, aliadas às estrelas trazidas pelo G, sobem ao céu para recuperarem a Criatividade e o A.

Capa do livro “A Maior
Palavra do Mundo”, de
Elifas, com ilustrações de Fê
Encaminhando-se para o final do disco (e da história), “A Maior Palavra do Mundo” - que virou, em 2018 livro de autoria de Elifas e ilustrações de Fê, aproveitando a mesma temática do disco - é outro gracioso xote, que traz a mensagem final a qual Elifas pretendeu transmitir a seus filhos. Surpreso com a descoberta de sua toca, o malvado Silêncio exige a resposta imediata do enigma ou se imporia para sempre e ninguém poderia falar ou jamais emitir um som sequer. “Afinal, qual é a maior palavra do mundo?!” A resposta veio de onde menos se esperava: do pequenino Z, o último do alfabeto. É ele quem conclui, para a surpresa de todos: “A maior palavra do mundo é EU!” Nela cabem todas as outras palavras: Amor, Alegria, Amizade, Solidariedade, Liberdade… Eufórico, o ancião A completa: “É isso! O EU é capaz de conter tudo. Embora seja pequeno como crianças, também como elas possui uma imaginação sem fim: Curiosidade, Criatividade, Vontade… No EU – ou em cada um de nós – tudo cabe. E não tem Silêncio que apague.” 

Derrotado, o Silêncio cumpre sua palavra e liberta os reféns. As letras então confabulam o que fazer com o vilão. Prisão, ostracismo, desterro? Mas a Curiosidade as detém, alertando a todos que o Silêncio é essencial para o Abecedário, seja entre as palavras, no meio das frases ou permeando os pensamentos. Ele está em todos os livros, em todas as histórias. Assim como nesta. Convencidos da sabedoria da Curiosidade e com a sensação de dever cumprido, os personagens desembarcam novamente no Abecedário e caem na farra, num grande “Domingo das Letras” em ritmo de marchinha carnavalesca. Tanta festa e tanto barulho que deixam o Silêncio enlouquecido!

Talvez nem Tom Zé e nem Elifas Andreato tenham percebido, mas sua obra conjunta carrega outro elemento igualmente fundamental para a existência tanto da Criatividade, do Silêncio e das ferramentas linguísticas: o Tempo. Com letra maiúscula. Engavetado durante anos, “Sem Você não A” só veio ao mundo depois de tanto um artista quanto o outro burilarem bem a ideia com paciência e sabedoria. Elifas diz que foi ele, o Tempo, que escolheu a ocasião de recontar esta história, desta vez, para a geração dos filhos de seus filhos. Tempo este que, em sua proeza quase brincante, torna inexoravelmente crianças em adultos. Moral da história: sem ele, o T do tempo, nem a letra A há.

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FAIXAS:
1 - Palavras do Ar
2 - Forrobodó do Abecê 
3 - Curiosidade 
4 - Como É o Nome Dela?
5 - Sem Você Não A
6 - A Mágica do G
7 - A Praga do Silêncio
8 - Estrelas Sabem Voar
9 - A Maior Palavra do Mundo
10 - Domingo das Letras
Todas as composições de autoria de Tom Zé e Elifas Andreato

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL 12 ANOS DO CLYBLOG - Toquinho & Vinícius de Moraes - “São Demais os Perigos Desta Vida...” (1972)

 

Acima, capa original,
com arte de Carlos Leão
As outras duas, capas das
versões para os mercados
latino e francês,
respectivamente, de 1973

"São demais os perigos desta vida
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E deixa no seu, como esquecida
E se o lugar que atua desvairado
vem se unir uma música qualquer
Vem se unir uma música qualquer..."


O disco “São Demais os Perigos Desta Vida...”, de Toquinho e Vinícius de Moraes. é, parafraseando os próprios, para viver um grande amor. Desde a primeira vez que o escutei, tornou-se um vinil inseparável para mim e que está sempre à mão. Escuto todo ele, mas a faixa que lhe dá título, “São Demais...” é a que se repete... se repete... se repete. Tanto na tristeza de uma perda como na espera de um outro grande amor como nas alegrias próprias de um novo começo.


"Aí estão é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer de tão perfeita..."


A capa do disco, com desenho de Carlos Leão, é linda. A do meu LP está bem judiada. Não têm muitas informações sobre o disco propriamente, e o encarte com os créditos já nem me lembro mais. É o segundo disco da parceria gravado em 1972. E foi nesse ano que descobri este disco, que mexe com a minha alma.


"E que a vida não quer de tão perfeita
Uma mulher que é  como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento."
da letra de "São Demais os Perigos Desta Vida...” 



por  W L A D Y M I R   U N G A R E T T I


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FAIXAS:
01. "Cotidiano Nº 2" (Como Dizia O Chico...)
02." Tatamirô" (em louvor de Mãe Menininha do Gantois) "Ponto de Caboclo" da Bahia, em arranjo de Edinho do Gantois
03. "São Demais Os Perigos Desta Vida..."
04. "Chorando Prá Pixinguinha"
05. "Valsa Para Uma Menininha"
06. "Para Viver Um Grande Amor"
07. "Menina Das Duas Tranças"
08. "Regra Três"
09. "No Colo Da Serra"
10. "Canto De Oxalufa"
Todas as faixas de autoria de Toquinho e Vinícius

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Wladymir Ungaretti foi durante os últimos 25 professor de Jornalismo da Fabico/UFRGS. Exerceu a profissão por 40 anos em diversas redações. Comanda e edita o blog  Pontodevista: www.pontodevista.jor.br e assina suas fotos com a marca Wu. 
Outros links: wladyunga.tumblr.com/ e br.pinterest.com/ungareti3499/

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Adriana Partimpim - "Adriana Partimpim" (2004)



“Quando eu era criança, as pessoas me perguntavam: ‘como é teu nome?’ Eu respondia: Adriana Partimpim. Meu pai até hoje só me chama de ‘Partimpim’.” 
Adriana Calcanhoto

"Os artistas japoneses do grande período mudavam de nome várias vezes na vida. Amo isso!!!" Adriana Partimpim

“ADRIANA CALCANHOTO:  Era possível, através da música, passar para o outro lado e adentrar o mundo fascinante dos adultos...?
ADRIANA PARTIMPIM: O disco foi feito para eu ser a criança que sou hoje e não a que já fui.
ADRIANA CALCANHOTO: Então o ‘disco infantil’... 
ADRIANA PARTIMPIM: Ao invés de música para crianças, tarja que não considero exata, preferi chamar de disco de CLASSIFICAÇÃO LIVRE. Que, no fundo, é tudo o que ele mais gostaria de ser.” 
Trecho da entrevista que Adriana Partimpim concedeu à Adriana Calcanhoto na época do lançamento do disco 

Vinicius de Moraes, depois dos vários projetos literários e musicais que encabeçou durante mais de 40 anos de vida artística, voltou seu olhar, no último deles, às crianças. Nada das mulheres, das paixões ardentes, da boemia, da praia ou dos orixás. O histórico “Arca de Noé”, em parceria com Toquinho e que envolveu vários outros artistas convidados, fez escola no Brasil no que se refere à produção cultural para os pequenos. Elevou-a – junto com outros igualmente célebres, como “Sítio do Picapau Amarelo”, “Pirilimpimpim” e “Plunct Plact Zum” – a um nível de igual qualidade ao que Vinicius fizera na bossa-nova e na literatura.

Com a morte do “Poetinha”, logo após o lançamento do primeiro volume de “Arca...”, em 1980, coincidindo com a acirrada competição televisiva dos programas infantis que tomariam os anos 80, essa proposta de oferecer alta qualidade de cultura para os baixinhos foi se esvaziando. Toquinho e Paulo Leminski bem que tentaram, mas sucumbiram a “Ilariês” e assemelhados. Parecia que não haveria jamais alguém que seguisse aquele caminho aberto por Vinicius em final de vida. Porém, passadas quase duas décadas e meia, o destino levou a gaúcho-carioca Adriana Calcanhoto a assumir esse espaço com o rico – e salvador – projeto “Adriana Partimpim”, de 2004.

A ideia de Adriana, a Calcanhoto, era antiga, de 10 anos antes. À época, ela já havia recolhido temas aos quais gostaria de propor uma nova roupagem sonora, mais solta, divertida e que agradasse tanto crianças quanto adultos. O parceiro Dé Palmeiro foi quem mais incentivou. Porém, imagina-se que deva ter contribuído em certa medida a forte ligação amorosa que Adriana passou a ter com a atriz e cineasta Suzana de Moraes, filha de Vinícius, com quem se casara quatro anos antes de “Partimpim” ser lançado. Pronto: havia juntado todo o necessário: a vontade de compor o repertório, sua experiência e qualidade artística, o apoio externo e o acolhimento emocional. Muito provavelmente, o universo viniciano dentro de casa (e do coração) contagiou Adriana ainda mais, quase que como uma bênção espiritual. O resultado é um disco com alma, diferenciado: ao mesmo tempo altamente musical, tanto no que se refere à escolha do repertório quanto em arranjos e sonoridade, mas também delicioso de se ouvir, pop no melhor sentido.

Não precisa mais de meia hora para isso. De grande experiência e rara sensibilidade, Adriana seleciona dez faixas tão certeiras que parecem, mesmo com idades de composição tão diferentes entre si, terem sido escritas para integrar somente esse disco. A beleza começa com um som de scratch de rap, seguido de uma batida de samba muito gingada e um violão digno dos melhores mestres do instrumento. É "Lição de Baião", canção do repertório de Baden Powell, gravada originalmente em 1961, e que tem a participação de ninguém menos que Louis Marcel Powell, filho e sucessor da maestria do pai nas cordas de nylon. Um barato a letra que brinca – como as crianças fazem! – com as palavras em francês e em português, construindo versos misturando os dois idiomas.

Quadrinhos que ilustram a canção "Oito Anos"
(adrianapartimpim.com.br/um/)
"Oito Anos", que Paula Toller compôs para responder às inúmeras (e, não raro, capciosas) perguntas do filho Gabriel, virou um grande sucesso na voz de Partimpim. É divertidíssima em sua enumeração de indagações típicas de criança que está conhecendo o mundo. “Por que as cobras matam/ Por que o vidro embaça/ Por que você se pinta/ Por que o tempo passa”, são alguns dos versos que dão ideia da encrenca que é para uma mãe responder  A própria autora comenta a respeito: "Quando cantei para o Gabriel fui mais mãe-artista que artista-mãe. Agora ouço Adriana interpretando ‘Oito anos’ como um menino esperto e adorável. Na leveza da voz dela, há espontaneidade e uma sutil implicância muito bem sacada, afinal, perguntar tanto é menos para saber a resposta do que para treinar a ferramenta perguntadora e a paciência do respondedor.”

A marchinha carnavalesca "Lig-Lig-Lig-Lé", dos anos 30, ganha um arranjo colorido em que se vale bem do clima com que Adriana orientou seus músicos: “tocaram com leveza, com delicadeza e espontaneidade, com muito humor e quase nenhuma coerência”. Querida desde a época de seu lançamento, no carnaval de 1937 (o noticiário da época a classificava como “sucesso fulminante” e “destinada a um recorde de bilheteria”), é das mais divertidas faixas do disco.

Mais do que “Oito Anos”, “Fico Assim sem Você”, na sequência, foi um verdadeiro hit de “Partimpim”, colocando o disco entre os mais vendidos da época. Versando um funk melódico de Claudinho & Buchecha – e cuja original já havia feito estrondoso sucesso nos anos 90 –, não só conquistou o grande público com sua bela melodia romântica e arranjo moderno – com a programação de ritmo funkeada, o violão bossa-nova de Adriana, bem como sua delicada voz, muito afeita à melodia da canção –, como, igualmente, prestou uma bonita homenagem à dupla carioca, desfeita tragicamente em 2002 por conta da morte de Claudinho. A letra, de certa forma, prenuncia a falta que um amigo faz ao outro caso se separassem (o que, fatalmente, ocorreu): "Avião sem asa/ Fogueira sem brasa/ Sou eu assim, sem você/ Futebol sem bola/ Piu-Piu sem Frajola/ Sou eu assim, sem você...". E o refrão não pode ser mais doce: "Eu não existo longe de você/ E a solidão é o meu pior castigo/ Eu conto as horas pra poder te ver/ Mas o relógio tá de mal comigo."

Outra delícia é "Canção da Falsa Tartaruga", em que o poeta concretista Augusto de Campos, fértil parceiro de Adriana (a Calcanhoto), e seu filho, o músico e também poeta Cid Campos, versam com muita habilidade e sensibilidade um trecho de “Alice no País das Maravilhas”, clássico do escritor britânico Lewis Carroll, de 1865. O resultado é uma canção delicada, com um refrão de notas abertas tão bonito que é impossível não cantar junto sempre que se ouve: “Quem não diz: - Ave!/  Quem não diz: - Eia!/ Quem não diz: - Opa!/ Que bela Sopa!” E por que uma sopa de uma falsa tartaruga? Ora, alguém já viu uma tartaruga de verdade fazer sopa?...

Rebuscando mais um pouco o variado conhecimento musical, Adriana traz a bossa nova meiga e melancólica “Formiga Bossa Nova”, adaptação do poema do português Alexandre O’Nell que ficara conhecida, em 1969, na voz da cantora lusa Amália Rodrigues. Outra mostra do quanto a proposta de “Partimpim” não é trazer somente temas de fácil assimilação, uma vez que abarca (também) o público infantil. Caso também de “Ser de Sagitário”, composta por Péricles Cavalcanti para sua filha, que ainda não havia nascido e que ele e sua esposa não sabiam nem que sexo teria, apenas que nasceria no começo de dezembro, ou seja, na vigência do signo de sagitário. “Você metade gente/ e metade cavalo/ Durante o fim do ano/ cruza o planetário”, diz a poética e tocante letra, fazendo uma metáfora com o centauro, símbolo do signo no zodíaco.

O poetinha Vinícius de Moraes: inspiração 
e bênção
Na mesma linha, outra brilhante canção de “Partimpim”: “Ciranda da Bailarina”. Se “Formiga Bossa Nova” e “Ser de Sagitário” não poupam as crianças de refletirem e aguçarem seus sentimentos, esta, clássico de Edu Lobo e Chico Buarque da trilha do balé “O Grande Circo Místico”, de 1983, vale-se da fantasia e da figura de linguagem da comparação para concluir aquilo que é óbvio, mas que nem todo mundo admite: que ninguém é perfeito. Ao dizer que só a bailarina, tão artificial quanto mítica, não tem pereba, marca de bexiga ou vacina e nem dente com comida ou casca de ferida, está se deixando claro que todo mundo é ser humano. E aí é que está a beleza! Afinal,“sala sem mobília/ Goteira na vasilha/ Problema na família/ Quem não tem?” Bela versão de Adriana em que seus violão e vocal apurados funcionam muito bem novamente. Fora que ainda lhe foi permitido finalmente dizer a ridiculamente proibida palavra “pentelho” sem o grosseiro corte da censura como ocorreu na versão original, ainda dos tempos de Ditadura.

Os craques da nova MPB Moreno Veloso, Kassin e Domênico, este último, autor de "Borboleta", canção encomendada especialmente a ele por Adriana para o disco, antecede outra das especiais de “Partimpim”: “Saiba”, que o encerra. Lindamente classificada como“uma canção para ninar adultos”, “Saiba”, de Arnaldo Antunes, fecha o disco com a mais doce e profunda poesia, pondo os baixinhos para refletirem sobre coisa séria, mas necessária - e, por que não dizer, comum. A música leva o ouvinte a pensar sobre a condição humana a partir de uma proposição óbvia, porém pouco elucubrada: a de que “todo mundo foi criança” e que o ciclo da vida, inevitavelmente, se encerra um dia. Como não ficar tocado por versos como estes? “Saiba/ Todo mundo teve infância/ Maomé já foi criança/ Arquimedes, Buda, Galileu/ e também você e eu”. A letra ainda tem a função educativa de apresentar versos e termos rebuscados, como os nomes estrangeiros Nietzsche e Sadam Hussein, ou rimas diferentes do comum: “Simone de Beauvoir” com “Fernandinho Beira-Mar” ou “Pinochet” com “você”, ambas rimas de classificação “preciosa”, um tipo raro que combina palavras de idiomas distintos. Um final emocionante e que lembra, em certa medida, as melancólicas “Menininha” e “O filho que eu quero ter”, que finalizam os dois volumes de “Arca de Noé”, respectivamente.

A brincadeira de assumir outra personalidade foi levada a sério (sic) por Adriana, a Calcanhoto, que deu vida à outra Adriana, a Partimpim. Com nome artístico independente de sua criadora, a criatura Adriana Partimpim deu tão certo, que, além deste primeiro álbum, outros dois ótimos vieram a seguir (2009 e 2012), além de dois DVD’s ao vivo igualmente imperdíveis. Mais do que isso: o projeto Partimpim pareceu simbolizar um salto qualitativo na obra e na carreira de Calcanhoto, um momento em que ela conseguiu reunir sua competência artística, estética e performática a seus mais íntimos sentimentos. E o resultado foi algo genuíno. Infantil? Adulto? Tanto faz. Como conseguira Vinícius de Moraes em “Arca...”, o trabalho das Adrianas, a Calcanhoto e a Partimpim, rompeu as fronteiras da idade dos ouvintes e da idade do tempo. Afinal, contempla, igualmente, as crianças grandes e os pequenos adultos.

Clipe de "Fico Assim sem Você"


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FAIXAS:

1. "Lição de Baião" (Daniel Marechal/Jadir de Castro) - 03:16
2. "Oito Anos" (Dunga/Paula Toller) - 03:08
3. "Lig-Lig-Lig-Lé" (Oswaldo Santiago/Paulo Barbosa) - 02:38
4. "Fico Assim Sem Você" (Abdullah/Cacá Moraes) - 03:08
5. "Canção da Falsa Tartaruga" (Augusto de Campos/Cid Campos sobre texto de Lewis Carroll) - 04:07
6. "Formiga Bossa Nova" (Alain Oulman/Alexandre O'Neill) - 02:28
7. "Ciranda da Bailarina" (Chico Buarque/Edu Lobo) - 02:49
8. "Ser de Sagitário" (Péricles Cavalcanti) - 03:03
9. "Borboleta" (Domênico Lancellotti) - 02:30
10. "Saiba" (Arnaldo Antunes) - 03:01

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OUÇA O DISCO:
"Adriana Partimpim"

Daniel Rodrigues