Feto de criatura desconhecida foto: Cly Reis |
quarta-feira, 5 de janeiro de 2022
segunda-feira, 3 de janeiro de 2022
"Não Olhe para Cima", de Adam McKay (2021)
Seja norte-americana, brasileira ou de qualquer lugar que o
valha, “Não Olhe...” é um retrato tristemente muito bem traçado dos tempos de
pós-verdade no qual vivemos. O longa conta a história de dois cientistas (os
astrônomos Randall Mindy, vivido por Leonardo DiCaprio, e Kate Dibiasky, Jennifer
Lawrence) que descobrem um corpo espacial sólido gigante que está vindo em
direção à Terra e tentam alertar autoridades e imprensa para que providências
sejam tomadas antes que as consequências sejam fatais. Porém, são envolvidos em
um jogo político de interesses em que a ciência não é lavada a sério (alguma
semelhança com políticos e pessoas que negam a vacina ou à própria existência do
Coronavírus?). Pior: suas figuras e discurso são distorcidos e transformadas em
produto ao bel prazer da mídia. A dupla de pesquisadores tenta encampar uma
peregrinação na imprensa e acaba na Casa Branca, mas nada parece ser suficiente
para que as pessoas “olhem para cima” de forma racional e despida de interesses
próprios.
Afora a edição ágil de Hank Corwin e a direção bem conduzida
por McKay, que faz o longo filme não ter “barriga”, tamanho é o proveito do
roteiro, as atuações são um destaque à parte. Maryl, deusa, está tragicamente
magnífica no papel da patética presidente; DiCaprio, o maior de sua geração, mais
uma vez dando o tamanho certo para o personagem; Jennifer, igualmente bem; e
especialmente Mark Rylance, que vive o egoico magnata Peter Isherwell, cuja figura
amorfa e andrógena denotam o quão perigosos são estes novos donos do mundo como
Musk e Bezos.
No entanto, o que se destaca antes de tudo em “Não Olhe...” é seu roteiro, digno de Oscar. Escrito pelo próprio McKay (que levou a estatueta de Roteiro Adaptado em 2016 por "A Grande Aposta"), traz um retrato sem perdão da sociedade contemporânea em seus tempos líquidos de conexões digitais e desconexões humanas. A história é um compêndio de percepções muito acertadas de um mundo de radicalismos político, ideológico e, num entendimento mais profundo, religioso. É o império do absurdo, que só pode nos levar a um desastre irreparável. O longa guarda também uma metáfora de alerta para a questão climática no planeta: nesse ritmo de descontrole do ecossistema, o resultado será a destruição da vida como a conhecemos.
Atuações de gala abrilhantam o perspicaz "Não Olhe..." |
Neste turbilhão de opiniões que o filme suscita, é interessante, contudo, perceber o mesmo comportamento autodestrutivo que este critica em relação à sociedade atual. Ou seja, a mentalidade está tão incrustrada que aqueles que deveriam ter mais condições de avaliar a obra como uma oportunidade de reflexão (independentemente se a consideram boa ou não, isso é irrelevante), são, justamente, os que tentam “lacrar”, mostrando-se os verdadeiros cegos. Uma crítica especializada, por exemplo, apontou que “Não Olhe...” é fadado a ser esquecido pela história por ser “um filme confuso, sem foco, pouco engraçado e, pior de tudo, que já nasce velho”. Ora, primeiramente, que não é incomum nos depararmos com filmes que, mesmo discutíveis em qualidade, marcam, sim, uma época, haja vista “A Primeira Noite de um Homem”, não necessariamente brilhante mas marcante para a geração baby boomer, ou o celebrado “Forrest Gump”, que justifica a barbárie social norte-americana de uma forma um tanto leviana. Entretanto, a questão vai além disso, pois não cabe a um ou outro dizer se a obra vai ou não perdurar: é um conjunto de fatores históricos, sociais e culturais que determinam, independente dos gostos pessoais. Avaliações como estas só reforçam, mascarada ou ignorantemente, o monstrengo autoritário e superpoderoso da sociedade digital-capitalista.
Dada a pertinência de “Não Olhe...” na leitura de nossos
tempos – importante lembrar os detratores, aliás, que o filme foi escrito antes da
pandemia, aumentando seu mérito – é muito difícil imaginar que seja esquecido
no futuro. O que me deixa, inclusive, minimamente reconfortado considerando que a história não se baseia no exemplo brasileiro. Ou seja: esta onda de ultradireita e neofascismo não pertence somente a nós, brasileiros, o que significa que mais nações podem estar passando por isso e percebendo seus malefícios. Mas espero, sim, que o filme seja lembrado daqui a algum tempo como a antítese de um mundo para o
qual caminhávamos em épocas passadas, mas que, a certa altura, percebendo o
erro que cometíamos, tenhamos conseguido retomar a rota do bom senso e do
humanismo. Quem sabe, assim, findar essa era atual para iniciar uma outra.
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trailer de "Não Olhe para Cima"
Daniel Rodrigues
sábado, 1 de janeiro de 2022
COTIDIANAS nº740 Especial de Ano Novo - Feliz Ano Novo
Campainha.
Angela não conseguiu esconder a surpresa ao abrir a porta e encontrar aquele animado grupo, todos colegas de faculdade, trazendo consigo espumantes, taças e pacotes com petiscos.
- O que vocês estão fazendo aqui? - quis saber a dona da casa.
- Ué, como assim? Você nos convidou. - respondeu um.
- Eu não convidei ninguém. - esclareceu Angela, um tanto surpresa e levemente irritada.
- Mas a gente recebeu sua mensagem.
- Eu não mandei mensagem nenhuma!
Todos se entreolharam surpresos.
- Mas se não foi você, quem foi?
Um barulho de motor interrompeu o breve momento de tentativa de esclarecimento.
De um ponto escuro do jardim surgia Paulo, o colega esquisitão, aquele que era ignorado e secretamente ridicularizado por todos, empunhando, de forma nada amigável, uma máquina de jardinagem.
- Eu enviei. - esclareceu Paulo.
Desconfiados sobre o perigo que corriam a partir daquele momento, entre gritos agudos de pânico, os jovens, aos empurrões, atabalhoadamente, apressaram-se para dentro da casa.
Atrás deles, a porta bateu e se fechou.
Do lado de fora, no jardim, antes de pôr-se a caminhar, calma e lentamente em direção à casa, Paulo ergueu o cortador de grama deixando aparecer as velozes e afiadas hélices e, muito mais para si do que para os convidados da macabra festa que convocara, aqueles odiosos mimadinhos que tanto o humilhavam no campus, proferiu maliciosamente a frase que, naquele momento, se desviava de sua usual utilização para soar como uma espécie de sentença definitiva:
- Feliz ano novo.
sexta-feira, 31 de dezembro de 2021
"O Caso dos Dez Negrinhos" ou "E Não Sobrou Nenhum", de Agatha Christie - ed. Edibolso (1976) - original de 1939
"O Caso dos Dez Negrinhos" talvez seja o mais envolvente livro da Rainha do Mistério, uma vez que não tem tempo para aqueles tradicionais meandros de investigações tradicionais com o detetive Poirot ou Miss. Marple. Tudo é perigoso, a cada momento alguém pode morrer, qualquer drinque, sono, escada, maçaneta, pode significar um novo crime. O leitor fica grudado o tempo todo e a contagem regressiva de cadáveres e estatuetas é ao mesmo tempo angustiante e eletrizante.
É lógico que não revelarei aqui o final mas o que posso assegurar, a que não leu, é que é bastante surpreendente. Para dar uma ideia do intrincado da questão, me inspirarei na própria quadrinha dos negrinhos que guiou a escritora: dez leitores tentaram desvendar o mistério, mas dos que adivinharam o assassino, não se soube de nenhum.