A mostra Metropolitanos – A Nova Urbanidade em Exposição, que abriu no último dia 15/03, no Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul - Casa de Cultura Mário Quintana, leva às dependências do Museu à arte das ruas pela expressão de 25 artistas gaúchos. Em Metropolitanos, a exposição nos trás a realidade exibida nos muros e viadutos, expostas ali diariamente e que, na maioria das vezes, passa despercebida aos olhos da população. Artista como: Pedro Gutierres, Carol W e Luciano Scherer levam seu trabalho “marginal” para as salas do museu, despertando uma dialética de boa discussão: "onde realmente é o lugar da arte?"
No cotidiano podemos nos deparar quase que em cada esquina com as manifestações do Cusco Rebel, Trampo e Xadalu, por exemplo. Porém a discussão acerca da mesma manifestação nas dependências do museu é a consolidação da manifestação urbana, a arte pela arte, e sua importância como obra, reforçando seu valor e todo o reflexo da arte Urbe-POA, por vezes perturbadora por ser tão explicita e singular.
.....................................
Exposição METROPOLITANOS – A NOVA URBANIDADE EM EXPOSIÇÃO ARTISTAS: Braziliano, Carla Barth,CarolW, Celo Pax, Cusco Rebel, Guilherme Nerd, Jotapê, Holie, Lidia Brancher, Luciano Scherer, Luciano Spinelli, Matheus Grimm, Nina Moraes, Paula Plim, Pablo Etchepare, Pedro Gutierres, Renan Santos, Ricardo Dias, Seilá Pax, Sergio Rodriguez, Talita Hoffmann, Trampo, Tridente, True e Xadalu Local: Museu de Arte Contemporânea do RS, Rua dos Andradas 6° andar da Casa de Cultura Mario Quintana Visitação: Até 15 de abril, Segunda das 14h às 19h, de Terça à Sexta das 10h às 19h, Sábados, Domingos e Feriados das 12h às 19h.
confira abaixo alguns trabalhos da exposição:
Carol W.
Carol W.
Luciano Scherer
Luciano Scherer
Luciano Scherer
Pedro Gutierres
Cusco Rebel
Trampo
*************************************
Valéria Luna é Relações Públicas formada pela ESURP – Escola Superior de Relações Públicas de Pernambuco. Teve seu exercício profissional pautado na Produção Executiva de Moda durante quase 10 anos de atuação no mercado do Nordeste, onde coordenou a Feira de Componentes Têxteis – COMTEX, por seis anos e, em 2008, criou a Rede ModaMercado – Rede de Profissionais de Moda, voltada para o agenciamento de profissionais em todo o país para a execução de ações de informação, como palestras, workshops e consultorias. Através da rede, realizou produção executiva de marcas e estilistas, ainda, eventos de moda pelo país.
O calendário da Casa do Jardim comemora os 50 anos de atividade da entidade, que desenvolve um trabalho de
atendimento espiritual gratuito desde sua criação numa casa do jardim do
Hospital Espírita de Porto Alegre. Com o tempo, o grupo, que começou pequeno, foi
crescendo. Com isso, uma sede nova se fez necessária. Assim, em meados dos anos
80, a Casa do Jardim migrou para uma casa no bairro Menino Deus, onde está
situada até hoje.
Conheci a Casa do Jardim em 2008
quando fui convidada pela minha irmã Carolina para fazer um atendimento. Já
cheguei na Casa sendo atendida por um grupo chamado Renascer. Lá recebi a
orientação de trabalhar com crianças em uma instituição que eu escolhesse. Na
saída da sala, num dos murais da Casa, desvelou-se para mim o Grupo Ação
Voluntária Francisco de Assis - GAVFA (instituição atendida pela Casa do Jardim
através do trabalho do grupo de Assistência Social). O GAVFA me acolheu em 2009
e permitiu a criação de um ateliê de Arte-Educação com a colaboração de amigos
e doações voluntárias. Lá realizei também dois filmes para ajudar a
instituição a mostrar o seu trabalho para possíveis mantenedores, um em 2009
(institucional) e outro em 2011 (comemorativo dos 10 anos), sempre com equipe
voluntária.
Em 2010, decidi que estudaria a
Doutrina Espírita nos cursos gratuitos e regulares da Casa. Desde então,
frequento-a duas vezes por semana, uma para estudar e outra para receber o
passe.
Foi então que, em maio de 2014,
recebi um convite para desenvolver alguma ação voltada à cultura na Casa do
Jardim. A ideia do calendário foi inspirada na ação desenvolvida por muitos
anos pela pedagoga Cecilia Machado Bueno, que ajudava instituições em Porto
Alegre através da venda de calendários com suas obras em desenho e pintura. Por
vários anos Cecília colaborou como voluntária para a Instituição De Peito
Aberto em Porto Alegre. Este trabalho
foi encerrado em 2013, quando Cecilia desencarnou, deixando então seu último
calendário com obras de sua autoria. Cecilia foi minha professora de
Arte-Educação, e me inspirei neste exemplo de caridade em ação e propus à Casa
do Jardim a elaboração do seu primeiro calendário.
Mais uma vez a ação seria
realizada com a colaboração voluntária de todos os envolvidos. Pensei então na
equipe e na temática. Os jardins me vieram de forma muito precisa. Afinal de
contas, essa instituição nasceu em um jardim e chama seus trabalhadores de
jardineiros. Nada mais coerente do que ressaltar esse caráter histórico e muito
particular da Casa. Mas como transformar esse conceito de jardim em algo
original e diferenciado? E quem convidar para essa ação?
Eu queria que a maior parte de
profissionais representativos da área da fotografia e afins participasse do
calendário, mas pela quantidade de meses só caberiam 12 fotógrafos, então a
seleção ficou mais delicada. Propus aos 12 fotógrafos selecionados para
participar do calendário que eles me enviassem seus jardins. Alguns me
disseram: “Mas Leocádia eu não fotografo
jardins!” E eu comentei: “Tens
certeza disso?” A proposta era trabalharmos com um conceito de jardim mais
ampliado, mais inusitado. Todos tinham em seus acervos uma imagem com esse tema
o difícil para todos foi escolher.
Convidei Amy Hildebrand, que
conhecemos nos anos 2000 quando pesquisávamos na minha empresa, Aprata,
sobre cegueira e ela, fotógrafa norte-americana com baixa visão produzia um
projeto chamado “With Little Sound”, onde diariamente fotografava alguma imagem
do seu cotidiano e publicava num blog. Amy me disponibilizou primeiro uma fotografia
de inverno, com neve em P&B, pois ela havia sido escolhida para ilustrar o
mês de janeiro. Mas conversando resolvemos trocar a imagem por duas, mais
parecidas com o clima do Brasil nesta época do ano. Então as fotografias de janeiro
reunidas num díptico, mostram a poesia e o registro inusitado, duas
características de Amy.
Amy Hildebrand - janeiro
Bruno Alencastro está no mês de
fevereiro e nos enviou duas imagens, uma delas, a selecionada traz a flor de
hibisco da Zona Sul de Porto Alegre, região mais arborizada e que possui uma
flora muito própria. Bruno foi meu colega nas edições da Feira do Livro de
Porto Alegre, quando trabalhamos juntos na equipe de fotografia.
Bruno Alencastro- fevereiro
Dulce Helfer, que já era uma
colaboradora antiga com fotografias de Mario Quintana em projetos da Aprata, me
deixou à vontade para escolher entre 14 opções de fotografias o jardim. A que
mais gostei foi essa, que dentro do conjunto nos traz uma visão dos pampas,
numa estrada do interior do RS, no caminho para a cidade de Horizontina e os girassóis
na plantação. As flores junto às plantações são muito utilizadas para reduzir o
uso de agrotóxico afastando de maneira natural as pragas e insetos. A
fotografia ilustra o mês de março.
Dulce Helfer - março
Gal Oppido, fotógrafo paulista,
já era muito admirado por mim duplamente, por seu trabalho em fotografia e nos
projetos gráficos voltados para música. Sua única opção de imagem foi o jardim
de Claude Monet, registrado por ele em 2014 com uma visão muito poética. Gal
traz a conexão desse jardim francês, com a doutrina espirita que nasceu na
França e fez do Brasil seu berço de difusão. O jardim de Giverny ilustra o mês
de abril.
Gal Oppido - abril
Fernando Schmitt foi meu
professor de fotografia na Famecos-PUCRS quando estava cursando Publicidade e
Propaganda no final da década de 90. Além disso, Fernando faz parte da Escola
de Fotografia Fluxo em Porto Alegre, que cresce oferecendo formação aos
interessados em fotografia e em artes visuais. Ele me enviou sete opções de
jardins, mas o inusitado da fotografia “Tupi Paulista” me arrebatou. A fotografia
mostra a copa de uma árvore que aparece em forma de sombra na calçada da cidade
do interior do estado paulista Tupi Paulista, ilustrando o mês de maio.
Fernando Schmitt - maio
Frederico Mendes é carioca e
trabalhou conosco na Coleção Mario Quintana para a Infância volumes IV e V em
2011. Na Coleção ele fez as fotografias do trio de compositores Waldemar
Falcão, Monique Aragão e Fernando Gamma. Frederico fotografou lugares de todo o
mundo para revistas de viagem, jornais e outros. Ele enviou “Um certo açude em
Pernambuco”, quase sumindo no entardecer, um jardim nordestino que ilustra o
mês de junho.
Frederico Mendes - junho
Bruno Polidoro traz o jardim
plástico que tem uma história muito particular. Bruno trabalha como diretor de
fotografia no cinema, e enviou sua fotografia realizada no dia em que seu avô
desencarnou. A imagem mostra uma flor de plástico em meio a vidros, narrativa
de um momento onde algo mudou e não será como antes. A imagem ilustra o mês de
julho quando se comemora em vários lugares do país, o dia dos Avós.
Bruno Polidoro - julho
Gustavo Diehl conheci em 2009, quando comecei
meu Pós em Artes Visuais na Feevale. Fomos colegas e Gustavo já fotografava
imagens decompostas através da ação do tempo. Aqui, duas opções muito
verdejantes vieram para minha seleção. A escolhida nos faz sentir o adentrar da
mata, da floresta, deixando um verde tomar conta de toda a imagem, ilustrando o
mês de agosto.
Gustavo Diehl - agosto
Jefferson Gonzalez já era
conhecido no fotojornalismo e, em 2013, realizei o casamento dele e da sua
esposa Camila com muita alegria. Ao convidá-lo ele me abriu a opção de escolher
uma imagem em seu banco de imagens, que é um oásis para qualquer curador. A
tarefa ficou mais fácil quando encontrei essa imagem de um local da Praia da
Pinheira e a figura de uma linda mulher e seu cão, com o título: “Amizade”. Daí
a seleção foi imediata para ilustrar o mês da Primavera. Jefferson ilustra o
mês de setembro.
Jefferson Gonzales - setembro
Lúcia Simon foi minha professora
de fotografia e, junto com Nede Losina, administram a Escola Projeto,
que existe há 10 anos formando novas turmas de fotógrafos no RS. Lúcia me
enviou sua primeira fotografia digital, realizada em 2004, com a imagem dos pés
de uma menina, narrando para a gente a proximidade da data do Dia das Crianças,
que se comemora em outubro.
Lúci Simon - outubro
Luis Ventura tem sido um parceiro
para trabalhos voluntários ou não desde que começamos a trabalhar, em 1999.
Fotógrafo e cinegrafista, participou dos vídeos para o Grupo Ação Voluntária
Francisco de Assis e reside faz alguns anos no bairro Menino Deus. Luis me
enviou a fotografia de um arbusto florido de uma das calçadas do bairro, onde
está situada a Casa do Jardim. A imagem ilustra o mês de novembro.
Luís Ventura - novembro
Rogério Amaral Ribeiro é
fotógrafo e atua como professor da Escola Câmera Viajante. Ele nos envia
a “Flor da Estação”. A fotografia tem a ver com os olhares de Rogério sobre a
natureza, a flora mais especificamente. E assim o mês de dezembro encerra o
calendário.
Rogério Amaral Ribeiro - dezembro
Fazem parte do calendário os voluntários:
no projeto gráfico Beth Azevedo e Thomaz Benz, na tradução Cleiton Echeveste,
na assessoria em direitos autorais Patrícia Mello, nas peças de divulgação
(cartazes e convite web) Gabriela Bohns e na assessoria de imprensa o nosso
blogger Daniel Rodrigues. A direção da
Casa do Jardim assina um texto de apresentação através do seu Diretor
Presidente, Carlos Barradas, que conta um pouco da historia e do trabalho
espiritual. Toda a produção do calendário foi acompanhada
pelos departamentos da Casa do Jardim, de Assistência Social e Educação.
Inclusive o lançamento institucional do calendário foi realizado gentilmente no
Jantar Beneficente realizado no Clube do Professor Gaúcho pela Assistência
Social em 22 de novembro de 2014.
Como a Casa do Jardim continua
crescendo, toda a renda dos calendários será revertida ao “Projeto Jardim Maior”,
que prevê a ampliação do espaço físico da casa para um melhor atendimento
realizado através dos grupos de passe e dos grupos de atendimento presencial.
Com a alma renovada e agradecida
a todos pela conclusão desse trabalho tenho ideias para os próximos. Sim,
porque pretendo repetir a ação na Casa do Jardim para o ano de 2016 e, se houver, outra instituição que precise
desse trabalho, por que não ajudar? Vamos em frente!
***************
Serviço:
Calendário Casa do Jardim 2015
onde encontrar:Livraria da Casa
do Jardim (Rua Beck, 129 - Porto Alegre/RS)
“Tudo em Verissimo – a emoção, o lirismo, o drama e até a erudição de quem leu, viveu, ouviu e assistiu do bom e do melhor – é contido e temperado pela autoironia e por um humor generoso e irresistível”.
Zuenir Ventura – "Conversa sobre o tempo"
“A vida privada do brasileiro, contudo, é o seu forte – ou as comédias da vida privada, para dizer melhor. Os rituais do namoro e do casamento, o sexo, as infidelidades, o choque de gerações, tudo isso é um prato cheio para o escritor. Quanto ao humor de Verissimo, ele é de um tipo muito especial. Por mais incisivas que sejam, suas piadas nunca destilam raiva. Ele não procura o fígado do leitor nem professa um humor amargo, desiludido com a humanidade. Verissimo afirma que, à medida que envelhece, talvez esteja caminhando para um ceticismo terminal, daqueles que não dão desconto. Mas ainda não chegou lá.”
Revista Veja, em reportagem de capa sobre Luis Fernando Verissimo
“Superlativo já no nome, Verissimo possui dois instrumentos de audição, dois de visão, um, bifurcado, de olfato, um gustativo (exemplarmente cultivado) mas, homem cheio de dedos, é bom mesmo no tato. Humorismo nunca ninguém lhe ensinou. Ele se riu por si mesmo.”
Millôr Fernandes - "Millôr Definitivo - A Bíblia do Caos"
Assistir ao filme do multiartista Luis Fernando Verissimo é vivenciar a passagem do tempo e a chegada da maturidade de um homem perto de completar os seus 80 anos de vida.
O filme começa de uma forma muito bonita, revelando o dia a dia, a rotina desse escritor, a sua escuta permanente de todos os sons ao redor, a sua relação íntima com a família (com a esposa Lúcia, com os filhos Pedro, Mariana e Fernanda, com os netos Lucinda e Davi), a sua predileção apaixonada pelo time do coração, Internacional. Aliás, essa é uma das paixões, além da literatura, que temos em comum, pois também me tornei igualmente torcedora, de forma irreversível, após sucessivas experiências traumáticas: vestir uma camiseta pinicante do Grêmio quando criança, uma apreensiva ida ao estádio clássico da Medianeira e passar 90 minutos na iminência de receber um saco de urina na cabeça, e por fim, namorar um gremista... disso tudo se salva somente a entrada do almoço do restaurante Mosqueteiro, que era “mara” e onde fui com meus pais algumas vezes ainda na primeira infância.
Voltando ao filme: o documentário mostra uma série de relações que foram se estabelecendo no decorrer do tempo entre a sua produção literária, a sua produção jornalística e a sua forma de estar no mundo. É um filme que encanta a gente! Deixa-nos ver de forma tão íntima a rotina dele e nos permite encontrar um escritor com o corpo idoso, mas com uma mente superligada em tudo que está acontecendo. Verissimo tem uma incrível curiosidade, um senso de humor permanente, né? E de uma forma muito imediata, embarcarmos naquilo que a gente poderia dizer que é o imaginário dele, sabe?
Momento de intimidade com os netos
No filme me chamou atenção a relação dele com a neta Lucinda, a mais velha entre os netos e muito parecida com ele. Os dois se entendem no olhar, se entendem nas pausas e se entendem nessa “maluquice do bem” que é vivenciar mundos paralelos diversos, enquanto inventam personagens, estórias e situações, só para se divertir, só por ser prazeroso, só por haver essa troca entre os dois. Avô e neta, escrevendo os dias – é tocante.
O filme me fez lembrar também da primeira vez que eu entrei na casa dos Verissimo. Porque essa casa tem uma identidade muito forte: é uma casa que estrutura parte da história de uma família, desde a existência dos pais do cronista, o renomado Érico Verissimo e a Dona Mafalda. Interessante perceber que pai e filho souberam costurar o tempo em suas existências. Foi ali que o valioso núcleo familiar vivenciou e construiu suas vidas em Porto Alegre. Ver Luis Fernando ali, nesse ambiente tão fértil, e ao mesmo tempo, tão sólido, onde tudo continua existindo é, sim, parte dessa história.
Lembrei-me da primeira e única vez que eu entrei, lá em 1997, quando eu fui entrevistá-lo para o meu Trabalho de Conclusão de Curso da PUCRS, em Comunicação Social – Publicidade intitulado: “Comédias da Vida Privada – uma produção ficcional na televisão brasileira”. Quem conseguiu o contato foi a minha queridona Gagá (Maria da Graça Dhuá Celente), que era amiga da família, coordenava o Departamento de Publicidade da FAMECOS/PUCRS, onde eu, estudante quase me formando, era sua monitora e na mesma instituição que eu havia sido sua aluna. Ela, com toda a gentileza, colocou-me em contato com a agente literária e com a esposa do Verissimo. Eles se conheciam acredito que dos tempos da publicidade em que Verissimo foi redator no Rio de Janeiro, mesma cidade em que conheceu sua esposa, Lúcia. Uma ponte muito amorosa se ergueu naquele momento, reverberando posteriormente na minha entrada em outros mundos literários. Gagá me ingressou na Publicidade e, de certa forma, me fixou na Literatura.
Em 09 de junho de 1997, foi apresentado o TCC para uma banca potente, com a cineasta Flávia Seligman, a Gagá e o professor Bob Ramos, além da minha orientadora, Ana Carolina Escosteguy. Falar nessa produção do “Comédias da Vida Privada”, que era muito contemporânea, ainda fresca e presente na televisão e que me deixava totalmente arrebatada, foi algo ousado, mas somente hoje, depois de 27 anos, é que percebo isso. Naquela ocasião, tinha o dever de concluir, em meio a tantos compromissos, uma faculdade. Percebi, muito jovem, esse trâmite entre a Literatura e o Audiovisual, e as entrevistas que se sucederam com Jorge Furtado e Carlos Gerbase me deram essa certeza de que estava com uma percepção fina da realidade.
Como leitora do Verissimo, eu vi verter das páginas que ele tinha escrito, diálogos para televisão com atores e atrizes de uma geração supertalentosa e muito bem dirigidos. Ao entrar naquela casa fui bem recebida pela Dona Lúcia e por ele, que chegou silenciosamente e timidamente sentou-se numa cadeira thonart em frente à minha. Ficamos os dois em cadeiras por alguns minutos ali. Um pouco tímida, fui fazendo perguntas para ele e ele me respondendo, algumas de forma mais breve e outras com o maior profundidade, com a maior atenção.
O som da rua e o som do relógio estavam presentes naquele meu encontro com Verissimo, como se um estivesse conectado ao mundo externo e o outro marcasse o tempo interno. E no filme esse quase personagem constante se mostra pelo som, o que me trouxe a mesma sensação de quando entrei na casa.
O reservado Verissimo em seus momentos de retiro
Eu estava na frente de uma pessoa que eu admirava muito e simpática a mim, mas totalmente reservada. Ele escutava muito, e isso para mim, que sou super tagarela, foi me dando um senso maior de responsabilidade do que dizer sem ser óbvia ou burra. Mas o fato é que a entrevista foi muito boa, me rendeu algumas informações direto do autor daquela produção toda, que eu rapidamente adicionei no meu trabalho. Um tempo depois enviei uma cópia do TCC para ele ter/ler e fiquei muito surpresa quando soube que ele havia adicionado ao site que ele mantinha com indicações de obras, entre outros itens e indicações de trabalhos sobre a sua produção. Então, acabei concluindo que ele leu e gostou!
No filme aparece uma cena poética desse respeito que ele tem com as pessoas que se dirigem a ele, como leitoras ou como referência, na espera de uma leitura daquilo que escrevem. O retorno que ele proporciona para quem abre esse diálogo sincero com ele é muito bonito! Um misto de gentileza com escuta, algo cada vez mais raro na sociedade em que se vive. Enquanto eu assistia ao filme tudo isso emergiu, revelando, inclusive, algumas pessoas importantes da minha biografia, além do próprio Verissimo e da Gagá. Relembrei que havia conhecido a Lúcia Riff (agente literária dele e de boa parte dos escritores brasileiros) não num trabalho da Casa de Cultura Mario Quintana, através do Sergio Napp e, sim, nesse momento aí, do TCC, sendo que a Lúcia até hoje é uma pessoa importantíssima em minha vida. Ela foi quem sempre me apoiou e me deu aval para que eu pudesse desenvolver vários trabalhos com a obra do Mario Quintana e foi muito bonito rever a nossa história a partir deste filme. Além dela, outras personagens importantes aqui da nossa cidade aparecem e se relacionam com a momentos da vida de Verissimo e da minha: o inventivo Cláudio Levitan, o poeta Mario Pirata e a pesquisadora Maria da Glória Bordini, pessoas que fazem parte da história de Porto Alegre.
Foi muito emocionante para mim assistir Verissimo completar 80 anos através deste filme, pela TV após ter sido impedida de ver no cinema, em maio deste ano, em função das enchentes que atingiram não somente a programação da estreia mas a sala de cinema onde aconteceria a exibição. Verissimo sempre esteve muito presente na minha casa, era lido por meus pais, muito antes de eu ser sua leitora. Nestes mais de 40 anos que eu convivo com seus pensamentos e senso de humor muito lúcidos e geniais, volto a dizer que os artistas não deveriam se afastar dos seus ofícios. Sendo eternos mesmo quando se tornam um dia invisíveis à nossa percepção, a obra, o olhar e o recorte do tempo permanecerão imortais para quem os leu profundamente. O tempo é uma realidade com a qual precisamos saber lidar. Afinal, somos nós quem passamos por ele e, Verissimo faz isso de maneira suave, constante e inspiradora.
Obrigada, Verissimo, por tanto! E agradeço também por esse encontro às sensíveis e generosas mulheres Gagá e as “Lúcias” Verissimo e Riff.
Tive a satisfação de participar, pelo segundo ano consecutivo, do Festival Cinema Negro em Ação, que é realizado com muita garra pela competente cineasta Camila de Moraes juntamente à Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) e Instituto Estadual de Cinema (Iecine). Como já abordei noutras ocasiões, o festival tem uma importância singular no cenário audiovisual gaúcho e brasileiro por sua simbologia e ação. Particularmente, por meio da ACCIRS, tive o prazer e a felicidade de ser novamente convidado a integrar o corpo de jurados, desta vez na seleção de longas-metragens.
"Trem do Soul": a história dos bailes negros dos anos 70/80
Iniciado no Dia da Consciência Negra, a segunda edição do evento, teve este ano ainda maior relevância, tanto por sua resiliência quanto por integrar as comemorações pelo cinquentenário do 20 de novembro. Em um formato híbrido, o festival ocorreu durante uma semana com programação na grade da TVE-RS e do Prime Box, na Cinemateca Paulo Amorim e na plataforma Cultura em Casa, da Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.
Se o primeiro festival, juntamente com todas as vozes que reverberam o protagonismo negro em Porto Alegre, marcou lindamente uma trajetória que começa a se consolidar, ao mesmo tempo também foi maculado pelo terrível assassinato de João Alberto horas antes da estreia, desviando por força maior o foco das manifestações. Manifestações de luta, mas de revolta e não artísticas.
Este ano, impossível não lembrar deste episódio, mas também – como é característica do povo negro – novos passos de superação foram dados. Em resposta, o próprio festival representa um marco nas políticas afirmativas das instituições envolvidas, resultado de um programa de inclusão e representatividade que aposta no audiovisual como um caminho de desenvolvimento econômico e social.
Sob o axé de Oliveira Silveira, cujo movimento em favor da criação desta data ainda tão fundamental completa meio século, o II Festival Cinema Negro em Ação transcorreu somente dentro do que o feito merece: com celebração e respeito.
Cena de "A Última Negra", que recebeu Menção Honrosa
O belo doc sobre os clubes sociais do RS
Entre os sete longas e médias-metragens que competiram a mim e aos queridos e competentes colegas de júri Jeferson Silva, do Coletivo Macumba Lab, e Alexandre Mattos, da Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos (APTC) escolher, destaco os que, após longa e saudável discussão, selecionamos: o aprazível documentário “Trem do Soul”, do carioca Clementino Junior, com o Prêmio Nacional; o tocante e revelador documentário “Meu Chão: Clubes Negros do Rio Grande do Sul”, de Jorge de Jesus e Geslline Giovana Braga, na categoria Destaque RS – Direção; e a Menção Honrosa à instigante ficção futurista “A Última Negra”, de Silvana Rodrigues e Camila Bauer, também gaúcho.
Justo falar ainda, porém, de outro dos quatro documentários em competição, que é o paulista “Tambores da Diáspora”, de João Nascimento. Pode-se dizer que é o filme mais bem acabado entre todos desta categoria, inclusive dos três premiados, embora por critérios consensuais não o tenhamos escolhido. Aliás, cabe ao mesmo tempo um olhar generoso e compreensivo, visto que ainda deficiente por reflexo de um contexto sociocultural muito mais amplo e complexo, mas também o do vislumbre de um avanço técnico por parte destes realizadores e de políticas públicas e privadas que fomentem a produção audiovisual negra. Com condições técnicas e oportunidades melhores, não há dúvida de que, em pouco tempo, despontarão novos Jeferson De fazendo cinema negro com autenticidade, propriedade e competência.
***********
Confira a lista dos premiados do II Festival Cinema Negro em Ação:
CATEGORIA VIDEOARTE
Prêmio Estadual:A GOTA D’ÁGUA (Direção: Luis Ferreirah)
Prêmio Nacional: A QUEDA (Direção: Lia Leticia, Pernambuco)
Menção Honrosa:UM TRANSE DE DEZ MILÉSIMOS DE SEGUNDOS (Direção:
Jamile Cazumbá, Bahia)
Jurados: Sérgio Nunes (Conselho De Ações Afirmativas), Valéria Barcellos (IEACen - Instituto Estadual de Artes Cênicas) e Ana Medeiros (IEAVI - Instituto Estadual de Artes Visuais)
CATEGORIA VIDEOCLIPE
Prêmio Estadual:PULSO - DESSA FERREIRA (Direção: Kaya Rodrigues)
Prêmio Nacional: KOLAPSO - MONKEY JHAYAM, ENME E TERRA TREME
(Direção: Lazaro e Jessica Lauane, Maranhão)
Destaque RS - Direção: SORRISO MARFIM - W NEGRO feat. N JAY (Direção:
Deivid Makaveli)
Menção Honrosa:AMBIÇÃO - CRISTAL (Direção: Cleverton Borges, Rio Grande
do Sul)
Jurados: Sérgio Nunes (Conselho De Ações Afirmativas), Valéria Barcellos (IEACen - Instituto Estadual de Artes Cênicas) e Ana Medeiros (IEAVI - Instituto Estadual de Artes Visuais)
CATEGORIA CURTA-METRAGEM
Prêmio Estadual: ROTA (Direção: Mariani Ferreira)
Prêmio Nacional: A SÚSSIA (Direção: Lucrécia Dias, Tocantins)
Prêmio Distribuição - Produtora Tarrafa:TÁ QUENTE (Direção Bruno Ferreira,
Amazonas)
Destaque RS - Direção:DESVIRTUDE (Gautier Lee)
Destaque RS - Roteiro: NAÇÃO PRETA DO SUL- O CURTA (Nando Ramoz)
Destaque RS - Intérprete:ALÉM DA FRONTEIRA (Clara Meireles)
Destaque RS - Montagem:ROTA (Rodolfo de Castilhos)
Destaque RS - Trilha Sonora: ALÉM DA FRONTEIRA (Direção: Alexandre Mattos
Meirelles)
Destaque RS - Desenho de Som:OLHOS DE ANASTÁCIA: CONEXÕES
QUILOMBOLAS (Técnico de Som Giuliano Lucas)
Destaque RS - Direção de Arte:SERIAM OS DEUSES AFRONAUTAS (Direção:
Rogério Fanrandóla)
Destaque RS - Direção de Fotografia: ALÉM DA FRONTEIRA (Direção de
Fotografia: Felipe Campal)
Prêmio TodesPlay: ALÉM DA FRONTEIRA (Direção: Alexandre Mattos Meirelles,
Menção Honrosa:PELE DE MONSTRO (Direção: Barbara Maria, Minas Gerais)
Jurados: Uilton Olivieria (APAN - Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro), Miriam Juvino (SIAV-RS - Sindicato da Indústria Audiovisual RS) e Mario Costa (EDTRS)
CATEGORIA LONGA-METRAGENS
Prêmio Nacional:TREM DO SOUL (Direção: Clementino Junior, Rio de Janeiro)
Destaque RS - Direção: MEU CHÃO: CLUBES NEGROS DO RIO GRANDE DO SUL
(Direção: Jorge de Jesus e Geslline Giovana Braga)
Menção Honrosa: A ÚLTIMA NEGRA (Direção: Silvana Rodrigues e Camila
Bauer, Rio Grande do Sul)
Jurados: Daniel Rodrigues (ACCIRS), Jeferson Silva (Coletivo Macumba Lab), Alexandre Mattos (Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos - APTC)
PRÊMIO DONA DE SI
1- Thaise Machado, do Rio Grande do Sul, diretora da videoarte “Lanceiros
Negros”
2- Lia Letícia, de Pernambuco, diretora da videoarte “Queda"
3- Jessica Lauane, do Maranhão, diretora dos videoclipes “Kolapso - Monkey,
Enme e Terra Treme”, e “Garruncha do Sampaio - Marco Gabriel”
4- Rosandra Leone, do Rio de Janeiro, diretora do videoclipe “Melhor Assim -
Cesanne"
5- Roberta Liana Vieira, do Rio Grande do Sul, diretora do longa-metragem “O
Futuro do Mundo é Preto”
6- Gabriela Cardozo Barrenho, do Rio Grande do Sul, diretora do curta-metragem
“Nação Preta do Sul - O Curta”
7- Silvana Rodrigues, do Rio Grande do Sul, diretora do longa-metragem “A
Última Negra”
8- Alini Guimarães, de São Paulo do curta-metragem “Inventário do Corpo”
9- Beatriz Vilela, de Alagoas, diretora do curta-metragem “Subsidência"
10- Raquel Cardozo, do Rio Grande do Norte, diretora do curta-metragem “Curta
Os Congos”
11- Barbara Maria, de Minas Gerais, diretora do curta-metragem “Pele de
Monstro”
12- Vanessa Rodrigues, do Rio Grande do Sul, diretora do curta-metragem
“Olhos de Anastácia: Conexões Quilombolas”
13- Domenica Guimarães, de São Paulo, roteirista Mercado & Conteúdos
14- Manoela Ramos, de São Paulo, roteirista Mercado & Conteúdos
15- Dandara de Morais, de Pernambuco, roteirista Mercado & Conteúdos
16- Diana Paraíso, de Pernambuco, roteirista Mercado & Conteúdos
17- Adry Silva, do Rio Grande
Confira também os vídeos com as defesas de todos os jurados para os filmes escolhidos nesta segunda edição do festival.
"O 'terror' na já marcante obra de Peele é mais do que o sobressalto da poltrona ou o arregalar de pupilas: são séculos de um terror verdadeiro de desumanização e apagamento o qual foi (e é) submetido o povo negro. E que ganham ainda maior potência na tela diante do choque provocado ao evidenciar que este mesmo terror está presente em uma sociedade moderna incapaz de superar comportamentos e mentalidades inaceitáveis."
Trecho do meu artigo "Sim, Nós Olhamos", sobre o filme "Não! Não Olhe!", de Jordan Peele
Era visível a atmosfera de emoção de quem esteve no evento de lançamento da revista Teorema no último dia 16, na Livraria Taverna, na Casa de Cultura Mario Quintana. Leocádia e eu estávamos lá, pois sabíamos da importância daquele momento. Emoção, porque essa icônica publicação, há alguns anos engavetada por conta da pandemia, por si só tem o poder de reunir em torno de si o sumo da crítica do cinema gaúcho. Emoção porque se chegou, com este número 32, a gloriosos 20 anos de resistência cultural mantida permanentemente em algo nível durante todo este tempo. Emoção também porque, com toda está relevância editorial, cinéfila e cultural, a Teorema chega, sob protestos sentidos ao qual faço coro, a sua última edição física.
O clima, assim, foi um misto de alegria e de despedida. Se é irreversível a decisão dos editores Enéas de Souza, Fabiano de Souza, Flávio Guirland, Ivonete Pinto, Marcus Mello e Milton do Prado, não se sabe – Enéas, um gentleman intelectual desses que não se fazem mais no século XXI, confidenciou-me em breve e saboroso diálogo a conclusão pelo visto consensual da turma de que viabilizar um projeto como este a partir de agora somente sendo através de incentivo. Mas se a atmosfera foi de emoção, tanto de alegria quanto de certa melancolia, pairava no ar também um sentimento de gratidão. Gratidão por tudo que a Teorema e seus artífices sempre deram à comunidade cinematográfica regional, gratidão pelos encontros, pelas ideias, pelos sorrisos e abraços sinceros depois do pesadelo do isolamento.
E aí que me incluo não apenas coletiva, mas pessoalmente: pela gratidão. Já relatei que escrever para a Teorema era um sonho alentado desde a adolescência, quando, já cinéfilo, via essa impactante revista nascer e passar a ser objeto de pesquisa nos meios do cinema de Porto Alegre. Algo como estar na Cahiers Du Cinéma da minha terra natal, sabe? Pois o convite, feito generosamente a mim por Ivonete, professora de Cinema e colega de ACCIRS, foi aceito de pronto, ainda mais com o desafio de falar sobre o admirável cineasta negro norte-americano Jordan Peele e seu último longa, a ficção-cientifica “Não! Não Olhe!”. Instigante e fundamental discussão, tendo em vista que, mais uma vez, Peele, dos admiráveis “Corra!” e “Nós”, não foge à temática negra, algo que, de minha parte enquanto crítico negro no meu Estado, sinto-me responsável a assumir.
Embora não tenha necessariamente gostado do filme, discuti-lo se faz mais importante. E esse e o papel da crítica. Marcos Mello, com quem também conversamos Leocádia e eu, nos comentou que havia gostado de aspectos levantados por mim no meu artigo os quais, segundo ele, o fizeram entender melhor o filme. Ainda disse que, corroborando com a essência do fazer crítico, que ele gosta de ver filmes que não entende, pois são justamente essas obras que podem suscitar, no agora ou mais adiante, verdadeiras reflexões.
Completam essa edição já histórica da Teorema artigos de Alexandre Santos, Carla de Oliveira, Fatimarlei Lunardelli, Liliana Sulzbach, Marcelo Miranda, Maurício Vassali e Roberto Cotta, além de textos de alguns dos próprios editores, como o basal "Cinema é uma forma que pensa e faz pensar", sobre o legado de Jean-Luc Godard, escrito por Enéas, talvez o maior conhecedor do cineasta francês em toda a crítica cinematográfica brasileira. Há ainda uma superentrevista com a diretora Maria Augusta Ramos, expoente de um cinema documental rigoroso e autora de obras como “Justiça” e “Juízo”, figurantes na lista dos “Documentário Brasileiro – 100 Filmes Essenciais” da Abracine.
Embora vivamos na era digital, é de entendimento geral que, para este tipo de publicação como a Teorema, espécie de arquivo da crítica de cinema no Rio Grande do Sul das últimas duas décadas, o objeto material faz muita diferença. É compreensível a dificuldade por parte daqueles que fazem a revista, assim como para de manter de pé qualquer projeto cultural no Brasil e nos pagos gaúchos, ainda mais em se tratando de um nicho tão especializado. Tomara que com tantos apelos essa definição dos editores seja, literalmente, revista.
Confiram aí alguns lances do lançamento da Teorema 32:
*********
Curtindo minha estreia na Teorema
Selfie com love Leocádia na livraria Taverna
Só os editores: Fabiano, Flávio, Ivonete, Marcos e Enéas
Bastidores da foto com o pessoal da revista
Os editores da Teorema com alguns dois dos autores convidados, Maurício Vassali (ao fundo, à dir.) e eu, ao centro
Estar no lugar certo e no momento certo nem sempre é um privilégio. A raridade desta pertinência em momentos históricos pode ser, por ação de força maior, marcada justamente pelo oposto daquilo que se representa. Foi isso que aconteceu com o 1º Festival de Cinema Negro em Ação: estar no lugar e no momento certos. Ou fatalmente errados. Justificadamente programado para iniciar no Dia da Consciência Negra, no 20 de novembro de 2020, o festival, promovido pela Secretaria de Estado da Cultura, por meio da Casa de Cultura Mario Quintana e do Instituto Estadual de Cinema, e encabeçado pela cineasta Camila de Moraes, jamais previa que a brutalidade do racismo se encarregaria de, horas antes de raiar o sol para esta data de celebração, ver João Alberto de Freitas ser assassinado diante de câmeras de celular e dos olhos coniventes da opressora estrutura social brasileira. E isso, no lugar certo e igualmente errado: a mesma Porto Alegre onde foi criada e relegada a data e onde o festival foi realizado.
Mal comparando, assim como aconteceu com Barack Obama em 2009, que acordou Nobel da Paz pelo simples (e grandioso!) fato de ser o primeiro negro presidente dos Estados Unidos, o Festival nem havia começado sua exibição e já entrava para a história da produção cultural do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre pelo triste, marcante e denunciador episódio. Fez, contudo, com aquilo que lhe é machado e lança: com arte. Melhor representatividade disso foram os curtas-metragens, uma das categorias do festival juntamente com a de Videoclipes e Videoarte e de Longas-Metragens. Os 33 títulos muito bem selecionados pela curadoria deram, cada um a seu modo e circunstância, um panorama não só da produção audiovisual negra nacional como, sintonizados com os temas urgentes e circundantes da questão preta, também da cultura afrobrasileira em suas mais diversas manifestações, da religiosidade à arte, do gênero à exclusão social, do racismo ao tema indígena.
"Entremarés": sensibilidade e arte reconhecidas no festival
A diversidade entre os curtas exibidos foi bastante celebrável, ainda mais para uma primeira edição. Drama, comédia, fantasia, documentário, animação, videoarte, cinebiografia. Teve de tudo um pouco. E mais importante: todos com o discurso afiado para as questões da negritude, seja denunciando as desigualdades, exaltando os valores ou resgatando elementos da herança afro. Os títulos selecionados pelo júri passam muito bem a ideia desta multiplicidade de propostas e fazeres condizentes com a causa. O filme escolhido como Melhor Curta-Metragem Nacional, o pernambucano “Entremarés”, de Anna Andrade, é exemplar. Documentário de estética riquíssima em elementos narrativos e de olhar sensível e humano, retrata a vida e o trabalho de mulheres que sobrevivem da atividade pesqueira na Ilha de Deus, comunidade da Zona Sul do Recife. Já o Melhor Curta-Metragem Gaúcho, “Flamingos”, é igualmente relevante. Num conteúdo transmídia, o documentário, dirigido por José Pedro Minho Mello, aborda de forma ousada e sensível um tema pouco discutido: o universo homossexual no futebol (ainda mais no patriarcal Rio Grande do Sul), ainda retratado como um meio da virilidade masculina e hetero.
O gaúcho "Flamingos" levanta um tabu na sociedade: a homossexualidade no futebol
Outro fator observado entre os curtas concorrentes foi a diferença de realidades nos quais foram produzidos, o que conta bastante no caso de realizadores negros – muitos em seus primeiros projetos – e que transborda para a produção em si. A dificuldade e recentidade do acesso ao meio audiovisual por parte de realizadores negros, as diferenças sociais e produtivas das diversas regiões do País e a própria maturação do festival, ainda um projeto estreante, podem explicar tais distâncias. As diferenças técnicas entre os filmes, no entanto, não são o mais importante. Afora a compreensão dos contextos, o que resultou, em sua grande maioria, é suficientemente satisfatório e louvável.
O belo "Inspirações" levou menção honrosa
Denotam bem estes polos de como ambos funcionam em suas realidades dois documentários exibidos. Um deles é “Mulheres Negras - Projetos de Mundo”, de Day Rodrigues e Lucas Ogasawara (SP). Tecnicamente perfeito, o filme conta com a participação de nomes como Djamila Ribeiro e Preta-Rara e transmite com contundência sua mensagem sobre o empoderamento e lugar de fala femininos, valendo-se do formato clássico de depoimentos conjugados com interferências gráficas e lances performáticos. Já outro doc, “Inspirações” (RJ), de Ariany de Souza e equipe, de produção bem mais enxuta, pode até incorrer em “falhas” técnicas em alguns momentos, como na operação da câmera ou no acabamento dos créditos de encerramento, mas cumpre o papel que muito filme milionário não tem tal capacidade artística, que é o de contar uma história e envolver emocionalmente o espectador nela. Num formato de “work in progress”, “Inspirações” traz um importante aspecto da produção audiovisual negra no Brasil, que é a Educomunicação, ou seja, produções realizadas dentro de instituições escolares e que muitas vezes são a porta de entrada para jovens realizadores ao mundo do cinema.
Ariany de Souza e equipe, aliás, estão entre as quatro menções honrosas as quais o júri considerou importante distribuir levando em conta o numeroso volume de ótimas produções de curtas-metragens concorrentes e a grande diversidade que estas obras apresentaram. Mereceram tal destaque ainda Manuela Miranda, como atriz pelo seu papel em “Quero ir para Los Angeles”, de Juliana Balhego (RS); Filme de Ficção para "Faixa de Gaza", de Lúcio César Fernandes Murilo (PB); e Filme Infanto-Juvenil para "4 bilhões de infinitos", de Marco Antonio Pereira (MG). Além destes, “Projeto Perigoso”, de Fabricio Zavareze (RS), foi vencedor do Júri Popular na mesma categoria.
Filme“Quero ir para Los Angeles”, de Juliana Balhego (RS)
Protestos, manifestações, indignações e notas de repúdio foram emitidas no último e tristemente emblemático 20 de novembro por causa da morte de João Alberto por um motivo aparentemente banal. Foi quando, também, se dava o pontapé inicial para o Festival, motivado por aquele que devia ser o principal e único motivo do Dia da Consciência Negra: celebração. Sabe-se, no entanto, que tanto não foi banal o motivo da morte de João Alberto, visto que denunciador do racismo estrutural da sociedade gaúcha e brasileira, quanto o festival foi ainda mais incisivo ao levantar outro ponto essencial desta questão, que é a discussão sobre o racismo. Quem sabe, não se estaria mais avançado nesta discussão se, no passado, tivesse sido instituída a data como feriado municipal, não apenas pela necessidade e urgência, como, inclusive por esta ter saído de um porto-alegrense, o poeta Oliveira Silveira? Quem sabe o desfecho de João Alberto não precisasse ser tão trágico e revoltante? Devaneios a que a brutal realidade impinge, sem dó, a necessidade de um aprofundamento real do preconceito enraizado. A depender da produção audiovisual de curtas-metragens negros, esta discussão se dará com muita propriedade. E o Festival Cinema Negro em Ação em si ainda mais. Mesmo que não tivesse trazido a qualidade que apresentou, ainda assim se configuraria como um símbolo da luta negra no percurso do audiovisual gaúcho, com de fato ocorreu. Pelo certo ou pelo errado, entrar para a história às vezes tem um gosto amargo.
************
Confira a lista completa dos vencedores no festival:
Videoclipe e Videoarte Videoclipe RS: “Cristal – Ashley Banks”, com direção de Cleverton Borges
Menção honrosa: “Killa – Enme”, com direção de Jessica Lauane (MA)
Videoarte: RS: “Rituais Virtuais”, de Valéria Barcellos Nacional: “Marvin.gif PART II”, de Marvin Pereira (BA) Internacional: “Travessia”, de Terra Assunção (Portugal) Menção honrosa: “Canudos em minha pele”, de Rosa Amorim (PE)
Jurados: Ellen Corrêa (Macumba Lab), Thiarles Batista (IEAVi-RS) e Domício Grillo (TVE - RS)
Curta-Metragem RS: “Flamingos”, de José Pedro Minho Mello Nacional: “Entremarés”, de Anna Andrade (PE) Júri Popular: "Projeto Perigoso”, de Fabrício Zavareze (RS) Menções honrosas: Atriz: Manuela Miranda em “Quero ir para Los Angeles”, de Juliana Balhego (RS) Filme Revelação: “Inspirações”, de Ariany de Souza e equipe (RJ) Filme de Ficção: “Faixa De Gaza”, de Lúcio César Fernandes Murilo (PB) Filme Infanto-Juvenil: "4 Bilhões de Infinitos", de Marco Antonio Pereira (MG)
Judados: Daniel Rodrigues (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul), Gautier Lee (Macumba Lab), Luiz Felipe de Oliveira Teixeira (Conselho de Ações Afirmativas do IECine) e Pedro Caribé (Cinema de Terreiro, Salvador - BA)
Longa-Metragem: Nacional: “Raízes”, de Simone Nascimento e Wellington Amorim (SP) Menç]ão Honrosa: “De Cabral a George Floyd. Onde arde o fogo sagrado da liberdade”, de Paulinho Sacramento (RJ)
Jurados: Jessé Oliveira (IEACen-RS), Mário Costa (Macumba Lab), Gisela Pérez Fonseca e Felipe Aljure (Festival Internacional de Cinema de Cartagena de Indias/Colômbia)