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terça-feira, 22 de novembro de 2016

Cinema Marginal #8 - "Câncer", de Glauber Rocha (1972)



Tem momentos que é realmente difícil entender mas, quer saber,
simplesmente aproveite.
Se você já conhece Glauber Rocha, assista esse filme. Ah! Não conhece? Então assista o filme. Uma obra totalmente experimental, seu único filme verdadeiramente marginal (segundo o próprio diretor, mas não é, tá pessoal?)  mas sem perder o "selo Glauber de qualidade".
São três personagens dentro de uma ação violenta. Acabei a sinopse, sim é isso. Não acredita? Veja o filme, já falei.
"Câncer" não tem história embora tenha um começo e um fim, não temos um meio que as ligue. O grande objetivo do filme é experimentar, questionar o cinema e o espectador. Quase todo o filme você fica com a sensação de que viu duas pessoas conversando e pegou o assunto no meio e acaba ficando perdido, só que o longa faz questão que você fique perdido.
Se você leu os textos anteriores, desculpe mas vou repetir, mais uma vez temos uma obra com uma qualidade de imagem e áudio horríveis. Em alguns momentos até mesmo é desconfortante.
O que nos mantém no filme são as fortes atuações. Podemos ver claramente que é tudo improviso mas mesmo assim todo mundo se vira muito bem. Para mostrar como os atores estão bem, digo que temos inúmeros planos-sequência cheios de diálogos e todos são sustentados magistralmente pelos atores. Algumas sequências são fabulosas, com diálogos bem fortes, críticas políticas e principalmente ao preconceito social e racial.
Uma obra única. Pode parecer um pouco diferente do que você já viu do diretor em termos técnicos mas os questionamentos políticos, a maneira ousada de se fazer cinema está lá. Acredito que esta seja a síntese perfeita da expressão “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.

A sequência na praia é excelente. O diálogo, a maneira como é filmada.
Amigos, isso é cinema também.



Vagner Rodrigues

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Cinema Marginal #2 - "O Bandido da Luz Vermelha", de Rogério Sganzerla (1968)




Muito já se falou sobre esse filme, mas muito ainda há a se falar sobre ele. O primeiro longa do jovem Rogério Sganzerla que na época tinha apenas 22 anos, mas que foi considerado o melhor filme do "Cinema Marginal" é um dos melhores do cinema nacional. Debochado e extremamente crítico, assim é "O Bandido da Luz Vermelha".
Marginal paulista conhecido como Bandido da Luz Vermelha (Paulo Villaça) coloca a população em clima de medo e desafia a polícia ao cometer os crimes como estupros a assassinatos. Até que ele conhece a provocante Janete Jane, famosa em toda a Boca do Lixo, por quem se apaixona.
Janete Jane e o "Jorginho", se é que esse é seu nome verdadeiro.
Melhor chamar de Bandido já que ele avacalha e esculhamba o filme todo.
Se você apenas tiver passado os olhos rapidamente pelo filme ou simplesmente o tenha assistido quando era muito novo, talvez tenha ficado com a impressão de que ele é uma grande bagunça. Pois bem, fique calmo: você esta certo. Apesar de ser um filme para nos fazer pensar, "O Bandido da Luz Vermelha" não é lento. É dinâmico, seus cortes são frenéticos, há vozes off dos narradores, ora radialistas ora o próprio bandido, frases soltas são atiradas parecendo não terem sentido algum como a receita de musse de maracujá. Tudo isso, aliado à sua estética suja, forma uma enorme confusão, mas uma confusão no bom sentido. "Confusão" esta que é reforçada ainda mais pela ausência de uma definição de temática, não se enquadrando em nenhum gênero, policial, romance, documentário, filme-protesto ou filme-denúncia. É simplesmente "um filme de cinema".
Uma sociedade tão alienada no seu mudinho, que encontra o Bandido,
não percebe e ainda dá receita de musse de maracujá.
Apesar das ótimas atuações temos que admitir que as cenas de tiro não ficaram boas, não forma bem encenadas e claramente podemos ver atores atirando para cima e outro caindo. Pode ter sido algo proposital, claro que pode, mas chega a ser cômico. Mas mesmo com seus problemas, o filme vence as barreiras do tempo e contínua fazendo sentido até os dias atuais. Apesar do titulo, não fica claro se realmente estamos vendo o bandido da luz vermelha. O próprio "bandido" fala logo no inicio "Eu sou um dos Bandidos da Luz Vermelha", em seguida um dos investigadores fala que o bandido já esta preso e essa dualidade está presente em vários aspectos do filme. Nem o próprio personagem sabe quem realmente ele é, repetindo inúmeras vezes ao longo do filme "Quem sou eu?". O figurino também ahjuda a reforçar essa dúvida acerca do personagem  e sua identidade uma vez que o bandido nunca repete o figurino mesmo nos cortes rápidos. Ou coloca um chapéu, uma luva, de uma cena para outra mas está sempre mudando. Não tem uma personalidade definida, sua cabeça é uma bagunça assim como sua mala, da qual se desfaz, tirando tudo de dentro, antes de ir para seu ato final.
As criticas não ficam apenas no personagem central mas se espalham por todo o mundo que o cerca, passndo a pelos meios de comunicação totalmente sensacionalistas que, no filme, soltam inúmeras notícias sem ter a veracidade comprovada, sendo porém tudo afirmado como se fosse verdade; se estendendo aos políticos na forma do cômico personagem J. B Silva "Ministro não, secretário", candidato a presidência
Esse letreiro funciona muito bem no filme.
Sem dúvida "O Bandido da Luz Vermelha" é um grande clássico do nosso cinema. Consegue unir elementos de "Acossado" de Godard, especialmente na parte final do filme apesar de todo ele ser muito Godard; com um toque de "Cidadão Kane", do qual o longa é um dos filmes filhos e cuja referência ao diretor Orson Welles não para aí uma vez que temos até disco voadores (A referência a Welles, pegou? Bem bolado, né?); além de um pouco de "Cinema Novo" ou muito de Glauber Rocha. "O Bandido..." tem uma pegada bem urbana real omo os filmes do "Cinema Novo". Existem inclusive diversos textos que comparam o filme à obra "Deus e o Diabo na Terra do Sol" de Glauber. Não se engane se acha que assim como fez Godard e Welles, Sganzerla quis homenagear Glauber. Neste caso  estaria mais para uma provocação do diretor que coloca Helena Ignez no papel da prostituta Janete Jane, personagem que acaba morta em uma festa e logosua morte segue-se uma sequência de fogos de artifício. A provocação? Ignez era então ex-mulher de Glauber na época. Sim ele matou a mulher de Glauber e ainda festejou o fato.
"O Bandido da Luz Vermelha" consegue gerar diversas interpretações e eu poderia escrever um texto enorme apenas sobre elas que mesmo assim não conseguiria chegar perto da força e profundidade que tem o filme devido às suas diversas alegorias. Se tiver a oportunidade não deixe de assistir. Vale muito por sua linguagem, seu modo de filmar altamente artístico e inovador, ao mesmo tempo que é apenas um "simples" filme policial, um "faroeste do terceiro mundo". Assim como os tiros do Bandido, o filme atira para todos os lados, e de alguma forma ele vai acertar você.



sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Jards Macalé - "O Q Faço é Música" (1998)


"Idolatrada mãe a quem recorro
toda vez ameaçado pranto
Paraíso São Sebastião
Rei de Janeiro"
Glauber Rocha



De um modo geral, as pessoas, críticos e publicações costumam destacar o álbum "Let's Play That", de 1983, como o grande trabalho de Jards Macalé, que efetivamente é um excelente disco. Mas particularmente, tenho uma especial predileção pelo ótimo "O Q Faço é Música" de 1998.
Dos músicos brasileiros mais criativos, Jards Macalé explora as diversas possibilidades do samba neste disco, indo desde choros, passando por sambas-canção ou experimentando alternativas percussivas. "O Q Faço é Música" é variado, é eclético, é embalado, divertido, é sensacional. "Rei de Janeiro", composta sobre verso de Glauber Rocha, é uma bela exaltação cantada por um coro feminino; "Cidade Lagoa", outra referência ao Rio de Janeiro, cidade natal de Jards, é um samba-de-breque, irônico e debochado, extremamente atual no que se refere às frequentes inundações que acontecem na cidade a cada chuva. O trecho "Essa cidade que ainda é maravilhosa/ Tão cantada em verso e prosa/ Desde o tempo da vovó/ Tem um problema vitalício e renitente/ Qualquer chuva causa enchente/ Não precisa ser toró", dá uma ideia de como era nos anos 50 quando a letra foi escrita, e de como, incrivelmente ainda é hoje.
A inusitada versão de "Blues Suede Shoes' de Carl Perkins, é outro exemplo dessa exploração das possibilidades do samba, onde Jards dá um tratamento chorinho acelerado para o clássico do rock. O resultado é incrível!
A ótima "Favela" traz um retrato físico, antropológico, histórico, social e poético da formação urbana dos morros cariocas, num samba pesado, cheio de cuícas e tiros; "Vapor Barato", parceria de Jards com Wally Salomão, ganha uma versão muito mais melancólica que outras gravadas ao longo dos anos, talvez só perdendo para a dramática interpretação de Gal Costa.
O disco segue com a charmosa "Destino"; a primorosa "Dente no Dente"; o belíssimo tango-chorinho "Mais Um Abraço no Nosso Amigo Radamés"; a parceria com Vinícius de Moraes na ótima "O Mais-que-Perfeito"; a versão  para "Unicornio" do cubano Silvio Rodrigues; a adaptação para o "Poema da Rosa" de Becht; e o disco encerra-se com a interessantíssima "Coração do Brasil", uma perfeita combinação letra-música-conceito com um surdo pesado, alto, forte marcando o tempo como se fossem batimentos cardíacos. O coração da bateria, o coração do samba, o coração do sambista. O coração de um artista inquieto, criativo e de uma musicalidade ímpar.
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FAIXAS:
  1. Rei de Janeiro
  2. Favela
  3. Destino
  4. Terceira Vez
  5. Cidade Lagoa
  6. Dente no Dente
  7. Movimento dos Barcos
  8. O Mais que Perfeito
  9. Vapor Barato
  10. Blues Suede Shoes
  11. Mais Um Abraço no Nosso Amigo Radamés
  12. Unicornio
  13. Mais Uma Luz
  14. Poema da Rosa
  15. Um Abraço no Oliveira
  16. Coração do Brasil

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Baixe e ouça:
Jards Macalé O Q Faço é Música



Cly Reis

sexta-feira, 24 de março de 2017

Os meus 20 melhores documentários brasileiros (e os 20 da Abracine também)



Coutinho e seu "Cabra Marcado para Morrer", 1º lugar
absoluto entre os docs brasileiros
Venho pensando há meses (quiçá, anos) em fazer alguma lista para o blog sobre documentários brasileiros. Além de gostar muito do que é produzido no gênero no Brasil, principalmente a partir da década de 60, chama-me a atenção não apenas a variedade de temas, estéticas, narrativas e estilos – coisa que um país como o Brasil é capaz de fornecer mais do que muitos outros – como também a riqueza de recortes possíveis de serem feitos. Eu fiquei naquelas de montar uma lista dos “meus melhores documentários dos anos 2000”, “melhores documentários brasileiros sobre música”, “melhores cinebiografias”, melhor isso, melhor aquilo e... nunca pus no papel de fato.

Tanto posterguei que, com toda a sumidade que lhe é conferida, a Abracine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, enfim, listou os 100 melhores documentários brasileiros de todos os tempos. A mesma comporá um livro que a entidade lançará ainda este ano a exemplo do já referencial “100 Melhores Filmes Brasileiros”, editado em 2016. Fim de papo.

Nem tão "fim" assim para um cinéfilo que adora criar as suas próprias listas como eu. Muito bem escolhida, a seleção da Abracine acerta praticamente em tudo. Vários eu, confesso, não assisti, e sei que são lacunas importantes. Mas posso assegurar, igualmente, de que com aqueles que vi consigo satisfatoriamente montar também uma lista representativa. Por que, agora, claro, o desafio ficou óbvio: expor os meus melhores de todos os tempos. Tomei vergonha na cara, trocando em miúdos. Entretanto, para não encompridar demasiadamente, faço aqui uma lista dos meus 20 preferidos e não da centena cheia embora o pudesse, destacando, a título de comparação e informação, os 20 primeiros da listagem da associação.

Hirszman aparece com 3 títulos
Interessante vislumbrar que há vários títulos de 2000 em diante (50% dos meus), mostrando o quanto o gênero documentário evoluiu no Brasil, tornando-se, aliás, uma das principais fontes do cinema brasileiro pós-Retomada. A temática social e política, não raro pela via da corajosa denúncia, é massiva, norte para 18 dos 34 títulos citados ao todo. Outro ponto legal de se constatar é a presença de grandes cineastas, como Eduardo Coutinho, documentarista por natureza e dono do 1º lugar em ambas, mas também de Glauber RochaLeon Hirzsman, Joaquim Pedro de Andrade e João Batista de Andrade, diretores que sempre se impuseram, além dos seus filmes de ficção, o ofício quase cívico do registro documental.

Ainda, vale a menção ao gaúcho Jorge Furtado, que aparece tanto em minha lista quanto na outra com o referencial “Ilha das Flores”, curta presente em diferentes rankings em todo o mundo, como no livro “1001 Filmes para se Assistir Antes de Morrer” ou entre os próprios 100 melhores filmes brasileiros pela Abracine. Dele, ainda seleciono “Esta não É a sua Vida”, que pela associação ficou em 87º lugar.

Os meus selecionados:
1 – “Cabra Marcado para Morrer”, Eduardo Coutinho (1984)
2 – “Edifício Master”, Eduardo Coutinho (2002)
3 – “Estamira”, Marcos Prado (2006)
4 – “Santiago”, João Moreira Salles (2007)
5 – “Garrincha, Alegria do Povo”, Joaquim Pedro de Andrade (1962)
6 – “Di”, Glauber Rocha (1977)


7 – “Ilha das Flores”, Jorge Furtado (1989)
8 – “Aruanda”, Linduarte Moreira (1960)
9 - “O Fim e o Princípio”, Eduardo Coutinho (2005)
10 – “Janelas da Alma”, João Jardim e Walter Carvalho (2001)
11 – “Partido Alto”, Leon Hirszman (1982)
12 – “Vlado – 30 Anos Depois”, Joaquim Batista de Andrade (2005)
13 – “O Mistério do Samba”, Carolina Jabor e Lula Buarque (2008)

Filme sobre a Velha Guarda
da Portela: preferência minha


















14 - “Iracema – Uma Transa Amazônica”, Jorge Bodanzky e Orlando Senna (1976)
15 - “Esta não é a Sua Vida”, Jorge Furtado (1991)
16 - “O Prisioneiro da Grade de Ferro”, Paulo Sacramento (2002)
17 – “Jorge Mautner – O Filho do Holocausto”, Pedro Bial e Heitor D´Alincourt (2013)
18 - “Dzi Croquetes”, Tatiana Issa e Raphael Alvarez (2010)
19 – “Greve!”, João Batista de Andrade (1979)
20 – “Cidadão Boilensen”, Chaim Litewski (2009) e “Ônibus 174”, José Padilha (2002)

Os selecionados da Abracine:
1. “Cabra Marcado para Morrer”
2. “Jogo de Cena”, Eduardo Coutinho (2007)
3. “Santiago”
4. “Edifício Master”
5. “Serras da Desordem”, de Andrea Tonacci (2006)
6. “Ilha das Flores”


7. “Notícias de uma Guerra Particular”, João Moreira Salles (1999)
8. “Ônibus 174”, José Padilha (2002)
9. “Di”
10. “Aruanda”
11. “O Prisioneiro da Grade de Ferro”
12. “O País de São Saruê”, Vladmir Carvalho (1979)
13. “Viramundo”, Geraldo Sarno (1965)
14. “ABC da Greve”, Leon Hirzsman (1979-80)
15. “Jango”, Sílvio Tendler (1984)
16. “Garrincha, Alegria do Povo”

Clássico de Joaquim Pedro, presente nas duas listas















17. “Imagens do Inconsciente”, Leon Hirszman (1984)
18. Estamira
19. “Santo Forte”, Eduardo Coutinho (1999)
20. Janela da Alma

por Daniel Rodrigues

domingo, 4 de abril de 2021

Claquete Especial de Páscoa - 7 filmes sobre a Paixão de Cristo (ou quase isso)




Pode parecer piegas, mas gosto de assistir filmes sobre a Paixão de Cristo na época da Páscoa. Confesso que sou daqueles espectadores que as emissoras, sem constrangimento de serem repetitivas e óbvias, conseguem atingir. Em país católico como o Brasil, no que entra a Semana Santa, começam a pipocar produções de diferentes épocas sobre a Via-Crucis. 

Por mais óbvio que seja, contudo, muitos desses filmes são bastante interessantes, visto que motivam os realizadores, essencialmente cristãos em sua maioria, a produzirem algo que lhes faz muito sentido, que lhes é caro em termos de crença e visão de mundo. Por isso, invariavelmente saem realizações caprichadas, maiúsculas, quando não, superproduções que se destacam, inclusive, na filmografia de alguns grandes cineastas. Casos de John Huston, David Lean e Franco Zefirelli, para ficar em três. 

Então, sem medo de soar enfadonho, vão aqui sete títulos sobre a saga bíblica que, mesmo não sendo-se católico, é, sem dúvida, uma grande história. Digna de filme (s). 


“Paixão de Cristo”
, de Mel Gibson (EUA, 2004)

Mesmo com pé atrás com relação a Mel Gibson em produções nas quais atua, tenho que admitir que os filmes dirigidos pelo ator australiano merecem respeito. Este, em especial, além de trazer uma abordagem realística das últimas horas de Cristo, com cenas de alta violência e crueldade – o que deve ter sido bem verdade – tem o rigor de ser inteiramente falado em aramaico e latim, línguas usadas na época de Jesus Cristo. Sem “estrelas”, é uma realização, por mais criticada que tenha sido à época de seu lançamento, bastante sóbria e circunspecta. 

Ultraviolência na Via-Crucis: controverso filme de Gobson


“A Última Tentação de Cristo”
, de Martin Scorsese (EUA/Canadá, 1988)

O filme que provocou o "cancelamento" de Scorsese, por parte do Vaticano, que fez uma séria marcação ao cineasta após realizar esta ousada adaptação da obra de Níkos Kazantzákis. Blasfema, diria a Igreja. Mas o filme é uma preciosidade. Além da história, que traz uma visão alternativa do que poderia ter sido a vida – e a morte – de Cristo, tem no papel do Messias o ótimo Willem Dafoe, mais Harvey Keitel, Harry Dean Stanton e David Bowie. A trilha, vencedora do Grammy de Melhor Álbum New Age e uma das mais emblemáticas do cinema, é de Peter Gabriel. Polêmico, este as TVs não passam muito, não...






cena de Cristo sendo tentado por Satã em “A Última Tentação de Cristo”



“A Idade da Terra”
, de Glauber Rocha (Brasil, 1980)

Outro título não muito lembrado para a Páscoa, até por conta de sua visão extremamente pessoal, alegórica e crítica da vida de Jesus, da Igreja e das estruturas de poder. Aliás, não uma vida, mas quatro! Geraldo Del Rey, Tarcísio Meira, Jece Valadão e Antônio Pitanga vivem, cada um, a personificação de um Cristo em diferentes realidades sociais: um negro, um militar, um índio e um guerrilheiro. No Brasil, Cristo não precisa de Via-Crucís: ele é crucificado simbolicamente um pouco todo dia. Último filme do gênio do Cinema Novo, que, assim como quase ocorreu com Scorsese, foi seu calvário. Desiludido com a péssima recepção da obra, o cineasta morreria meses depois de seu lançamento.

As quatro personificações de Cristo na visão de Glauber



“A Maior História de Todos os Tempos”
, de George Stevens, 
David Lean e Jean Negulesco (EUA, 1965)

O cara jogou xadrez com o Diabo e encarnou Jesus. Só mesmo um grande ator como Max Von Sydow para se prestar a esses dois extremos com tamanha entrega e competência. Traz ainda no elenco o “épico” Charlton Heston, além de Martin Landau e Telly Savalas. Épico com letra maiúscula codirigido por três feras da Hollywood clássica, George Stevens, David Lean e Jean Negulesco. Bem tradicional em abordagem, o que contrabalanceia as nossas sugestões anteriores. 

Von Sydow: haja versatilidade para quem já deu um "plá" com o Tinhoso...



“A Vida de Brian”
, de Terry Jones (Inglaterra, 1979)

Se é pra blasfemar, então vamos com tudo: “A Vida de Brian”, o hilariante longa da turma da Monthy Pyton, que desfaz a sempre penosa e triste história da Via Sacra de Jesus. Aliás, o filme não é exatamente sobre a vida do filho de Deus, e sim de um pobre coitado, sonso e azarado que é confundido com o Messias. O azar é tanto que o cara, mesmo tentando escapar de todas as maneiras, acaba por ser crucificado junto com o Salvador, numa das cenas mais “épicas” do cinema de comédia, quando cantam “Olhe Sempre o Lado Bom da Vida” ao final. Dando aqui uma letra, a cena, com sua ironia, traz uma mensagem positiva que muito falta ao catolicismo quando se refere ao tema.






a hilária cena da crucificação de "A Vida de Brian"



“O Evangelho Segundo São Mateus”
, de Pier Paolo Pasolini (Itália, 1964)

Quando fizemos um adendo na abertura em que dissemos que nem todos os realizadores eram necessariamente católicos, a referência era tanto a Glauber Rocha quanto, especialmente, a Pasolini. Anarquista e gay, o genial diretor italiano realizou por vontade própria a vida do Salvador através do poético texto eclesial. Talvez, o distanciamento crítico de seu posicionamento político e a sua sensibilidade de poeta – e, claro, seu talento único como cineasta – tenham lhe habilitado a realizar aquele que é o mais fiel filme sobre Jesus e seus ensinamentos – indicado, inclusive, pela Biblioteca do Vaticano, que teve que se render à obra de um filho não-abençoado.






filme completo "O Evangelho Segundo São Mateus”



“Rei dos Reis”
, de Nicholas Ray (EUA, 1961)

Quem não se lembra de filmes como este ou “A Bíblia” na Sessão da Tarde da Sexta-Feira Santa? Mais um típico épico bíblico norte-americano dos anos 60, assim como "A Maior História..." a superprodução de Nicholas Ray tem narração de Orson Welles e trilha de Miklós Rózsa e roteiro de Ray Bradbury. Remake do filme mudo de Cecil B. de Mille, de 1927, em suas mais de três horas de duração, traça a vida de Jesus Cristo, do nascimento até a ressurreição, baseando-se nos quatro evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João), além dos escritos do historiador romano Tácito.

Sermão da Montanha encenado grandiosamente por Ray



Daniel Rodrigues

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Duelo - com José Eugenio Guimarães






Nosso primeiro colaborador da série Duelo, de entrevistas sobre cinema western e clássicos da sétima arte, é o capixaba e morador de Niterói, José Eugenio Guimarães. Zootecnista, Cientista Social e professor universitário de profissão. Cinéfilo de coração, o cara é dono do ótimo Blog Eugenio em filmes. Além de escrever em sua page diversos textos sobre várias fases do cinema, ele é um assíduo colaborador de muitas páginas culturais e sobre o tema na internet. Eugenio, que veio de uma família de cinéfilos, assistiu seu primeiro filme bem precocemente, aos dois anos de idade e que depois não parou mais. Ele mantém aquele costume voraz dos aficionados por cinema de rever uma grande produção muitas e muitas vezes. Conta que assistiu “No Tempo das Diligências”, mais de 200! O western é só mais uma de suas grandes paixões. Nosso entrevistado é também um profundo conhecedor de cinema independente e um fã declarado do cineasta brasileiro Glauber Rocha. É com ele que vou ter o imenso prazer de bater um papo cinéfilo nestas linhas cheias de intensidade e paixão real pelo cinema.



BINO: José Eugenio, não posso deixar de fugir de uma pergunta meio clichê: qual foi o primeiro grande filme que te impactou, aquele que vem à tua memória sempre num flash rápido?
John Ford
JOSÉ EUGENIO: Impacto, mesmo, senti ao ver “No Tempo das Diligências” (“Stagecoach”, 1939), em 1963, aos sete anos. Meu pai, cinéfilo, era assumidamente fordiano. E, certamente, herdei dele essa paixão pelo cinema de John Ford. Muito antes eu já o ouvia, enquanto fazia a barba ou tomava banho, rememorar diálogos inteiros de “Como era verde o meu vale” (“How green was my valley”, 1941), o filme que ele mais preferia do diretor. Mas a experiência de ver “No tempo das diligências” em tela de cinema, ainda menino, foi algo que jamais esquecerei. Antes de irmos ao Cine Odeon de Viçosa/MG, no qual foi exibido, o velho, como bom pai, começou a preparar o meu espírito para o que eu iria ver. E tudo correspondeu às expectativas. Pareceu que eu estava sonhando. Durante muito tempo “No tempo das diligências” foi o meu filme preferido de John Ford. Só fui revê-lo no cinema, pela última vez, em Belo Horizonte, em 1977, quando entrei na sessão das 14h e só saí ao fim da sessão das 22h, quase à meia-noite. Então, também o vi nas sessões das 16, 18 e 20h. Cinco sessões ao todo, enfileiradas. Saí do cinema meio tonto, mas totalmente em paz comigo mesmo. Já vi “No tempo das diligências” mais de 200 vezes. Também já ultrapassei esse número com “Rastros de ódio” (“The searchers”, 1956) e “O homem que matou o facínora” (“The man who shot Liberty Valance”, 1962), ambos também de Ford. São filmes que sempre revejo, nos quais sempre descubro coisas novas.

B: O primeiro filme que a gente assiste no cinema é como a primeira transa, algo marcante. Que lembranças tens dessa época?
JE: Comigo até que não dá para fazer essa relação. Pois o primeiro filme que vi no cinema foi em 1958. Estava com dois anos. Minha mãe queria ver “Marcelino Pão e Vinho” (“Marcelino Pan y Vino”, 1955), de Ladislao Vajda, e não tinha com quem me deixar. Levou-me junto. Segundo ela, fiquei o tempo todo com os olhos arregalados colados na tela, do começo ao fim. Evidentemente, não guardo lembranças desse meu batismo no cinema. O que ficou dessa ocasião foram as canções do filme, usadas por minha mãe para embalar o meu sono enquanto fui criança de colo. “Marcelino Pão e Vinho” só fui rever em BH, em um relançamento, quando estava com 21 ou 22 anos. Valeu como experiência afetiva, afinal estava tendo a oportunidade de ver o filme que inaugurou a minha cinefilia e que me fez fazer incontáveis birras para voltar ao cinema. Mas o filme mesmo é decepcionante, muito carola e moralista, uma produção típica da Espanha franquista afundada num catolicismo tão retrógrado como medieval.

B: Sobre tuas preferências no cinema em geral, quais escolas tu mais admiras? Fale um pouco delas.
JE: Há muitas "escolas". Prefiro chamar de movimentos. Mas as que fizeram a minha cabeça ou ampliaram os meus horizontes na cinefilia são, principalmente, o Cinema Revolucionário Russo, a Avant Gard Francesa, o Realismo Poético Francês, o Free Cinema Inglês, o Expressionismo Alemão, o Neorrealismo Italiano, a Nouvelle Vague Francesa e o Cinema Novo Brasileiro.
Falar um pouco delas... Vamos lá. Tentarei ser breve.
O Cinema Revolucionário Russo, por ter sido uma experiência que, ao menos por curtíssimo tempo, uniu o cinema a um projeto de mudança política e social. Era o cinema no compasso da revolução, inserido na construção de novos homem e tempo. Infelizmente, Stálin acabou com tudo isso.
A famosa cena do olho de "Um Cão Andaluz",
de Buñuel e Dalí
A Avant Gard Francesa, por trazer a abstração, o universo da subjetividade para o cinema, contaminando-o de poesia, aproximando-o das outras esferas da criação. Poucas vezes o cinema esteve tão perto do sublime e da ousadia, do rompimento de convenções, como neste breve período circunscrito aos anos 20.
O Realismo Poético Francês por investir no lirismo, transitando do otimismo à tragédia em tão pouco tempo. Praticamente foi um movimento que antecipou a tragédia europeia instalada com o Nazismo, incorporando, principalmente em seu momento de auge, a desesperança e o fatalismo.
O Neorrealismo Italiano por mostrar o melhor do humanismo num momento cravado na destruição provocada pela Segunda Grande Guerra. Câmeras nas ruas e becos, sob a realidade do sol ou da noite, acompanhando gente praticamente real, vivenciando problemas comuns, cotidianos, principalmente os que dizem respeito à sobrevivência. Então, é um cinema aliado ao exercício da objetividade, mas sem se esquecer de expressar o que passa em cada particularidade dos seres em cena.
Já o Expressionismo Alemão apreende a realidade num momento de incerteza e dissolução. A Alemanha derrotada na Primeira Guerra entrou numa crise profunda, não apenas econômica como moral, política e social. A mistura de tudo isso gerou perplexidade. O fantástico, inclusive o terror, dominaram a cena. Personagens dementes ou próximas disso davam o tom às narrativas e ações. Não havia explicações plausíveis para os atos. Quase tudo encontrava motivação numa ordem transcendental, inatingível, etérea, inexplicável. A poesia, a psicanálise, a escultura, a pintura eram fortes aliadas da composição cênica. É como se o cinema se tornasse total, ao englobar todos os demais meios de expressão e sem esquecer os rumos incertos que a sociedade vinha tomando. Mas tudo prenunciava o pior, como sabemos.
A Nouvelle Vague, por sua vez, foi o cinema do NÃO. Não a qualquer convenção, a qualquer dependência do cinema à literatura e aos estúdios. A liberdade criativa, a juventude, o espírito de rebeldia dominaram o movimento, que falava principalmente ao ser e às questões da contemporaneidade. Havia uma autonomia autoral sem precedentes. As produções eram baratas, filmava-se onde era possível, o glamour pouco importava. Um espírito de espontaneidade dava a tônica, algo que Jean-Luc Godard ainda hoje preserva em seus ensaios fílmicos.

cena de "Acossado" de Jean-luc Godard

O Free Cinema Inglês é praticamente paralelo e parecido à Nouvelle Vague, mas era menos etéreo, mais centrado nas questões concretas e prementes da existência. Dava para sentir os personagens pulsando de forma mais vigorosa e intensa.
No Brasil, o Cinema Novo, tão radical, com tantos nomes importantes e a vontade de revelar o país além dos grandes centros, também de maneira independente dos esquemas industriais, sem muitas preocupações às fórmulas, mas criando outras. Glauber, maior nome do movimento, era praticamente um cineasta que se reinventava de filme para filme, até chegar na desconstrução plena da narrativa em seu esforço tão pouco compreendido de emancipar o olhar. É um provocador que faz falta à mesmice de agora.

B: Em relação ao western, qual foi a grande contribuição desse gênero para o cinema mundial?
Antônio das Mortes, personagem de Glauber
inspirado em Ford
JE: Ao cinema mundial, não sei. Mundial é muita coisa. O que se sabe de concreto é: o western, por mais que muitos lhe torçam o nariz, foi o gênero que apresentou um tipo de homem que podem ser caracterizado como o indivíduo em sua forma mais bem acabada, sociologicamente falando. O cowboy ou seus similares estavam apoiados única e exclusivamente em suas determinações, desejos e vontades. É algo específico de uma determinada cultura. Historicamente, não há precedentes ao tipo em nenhum outro local do mundo. Geralmente as pessoas estavam vinculadas a alguma estrutura, a uma ordem. O cowboy, não. Goza de uma margem de autonomia sem precedentes. Isso encantou principalmente as plateias fincadas em organizações sociais mais tradicionais. Nisso, de certa forma, o modelo inspirou cineastas japoneses, principalmente Kurosawa. No Brasil, Glauber Rocha, principalmente em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", tem no personagem Antonio das Mortes uma extensão. Aliás, sabe-se claramente que o desenho do personagem está inspirado em Ethan Edwards (John Wayne), de “Rastros de ódio”. Esses filmes de Glauber buscam inspiração nos westerns de Ford, mas sob a capa de um Eisenstein. E há a Itália, país que sempre valorizou o gênero, tanto que inventou uma variante. Outras formas de narrativa heroicas contaminadas pelo western pode ser encontradas no cinema popular chinês, por exemplo. No Brasil, também há os filmes de cangaço, há muito tempo em baixa, com suas estruturas narrativas também herdadas dos westerns, principalmente pelo uso do cavalo pelos cangaceiros, algo que não resiste à menor análise junto à realidade, pois cangaceiro se locomovia a pé. Mas o cowboy, mesmo, é uma experiência única, ímpar, puramente estadunidense. É o indivíduo moldado naquilo que Weber chamou de ética protestante – do puritanismo: alguém que apenas presta contas às suas determinações e vontades.

B: "O Portal do Paraíso" é considerado o filme que matou o western americano, tudo por seu grande desastre comercial. O western spaghetti também passou por seu período turbulento e, após os anos 70, também não teve mais o brilho da era do ouro dos Sergio's e companhia. Com todo esse hiato, raras produções western tiveram destaque no cinema. Um exemplo é “Dança Com Lobos” e "Os Imperdoáveis", que ganharam muitos Oscar e foram muito bem recebidos pela crítica. Poucos estúdios e diretores apostam nesse tipo de produção. Porque você acha que este gênero está tão em baixa nos últimos tempos?
JE: O western é vítima de vários fatores. Há primeiro a televisão, que o banalizou com um punhado de séries familiares e telefilmes de consumo imediato. Também há o politicamente correto. Além do fato de que os estadunidenses em geral têm certa dificuldade de confrontar um passado de conquista que não se afigura tão glorioso para a História, dados os custos humanos do empreendimento. Ainda é muito complicado, para eles, discutir o genocídio dos índios. É um tema praticamente encoberto de tabu. É uma pena, pois se há um gênero que pode ser chamado de genuinamente nacional em se tratando de Estados Unidos, é o western. Quer queira quer não, mostra como o país foi conquistado e unificado. À medida que os EUA foram se urbanizando e se industrializando, ficado mais cosmopolitas, o western foi se tornado um gênero ultrapassado, uma narrativa que não combina mais com a realidade, principalmente por revelar uma etapa que se quer esquecer.

B: Tarantino e os irmãos Ethan e Joel Coen parecem ter apostado no western, cada um a seu estilo. Como você vê a estética e os filmes destes diretores?
Francamente, em termos estéticos não saberia como responder. Sei que são recicladores, cada qual à sua moda. São cineastas que têm um modo próprio de expressão mas sem abrir mão das dívidas a pagar com a tradição. Tanto que seus filmes podem ser sérias releituras ou, dependendo do momento, também podem ser meros pastiches. O que me irrita, hoje, é o extremo valor que se dá a esses nomes. Não tanto os Irmãos Coen, que são brilhantes. Mas faço reservas a Tarantino, não tanto a ele, que é bom cineasta, mas por ser visto, principalmente pelos setores mais jovens, como um valor totalmente original. Não é, mesmo. Pode ser mais barulhento, mas estiloso, mais midiático, mas é também um manipulador em causa própria, um bom marqueteiro de si mesmo. Em todo caso, vamos ver. Não estou dizendo que o abomino, muito ao contrário. Apenas revelo o que para mim desponta como limitações.

B: Se tu tivesses que fazer uma lista de 10 grandes e definitivos westerns de todos os tempos, quais seriam?
Esse negócio de listar "grandes e definitivos" é problemático. Mas, vamos lá, com todo o meu perdão às injustiças que certamente cometerei:
1 - No tempo das diligências (Stagecoach), de John Ford (1939)

2 - Paixão dos fortes (My Darling Clementine), de John Ford (1946)
3 - Rio Vermelho (Red River), de Howard Hawks (1948)
4 - O preço de um homem (The Naked Spur), de Anthony Mann (1953)
5 - Os brutos também amam (Shane), de George Stevens (1953)
6 - Rastros de ódio (The Searchers), de John Ford (1956)
O Duke, John Wayne,
em cena de "Rastros de Ódio"










7 - Galante e sanguinário (3:10 to Yuma), de Delmer Daves (1957)
8 - Onde começa o inferno (Rio Bravo), de Howard Hawks (1959)
9 - O homem que matou o facínora (The Man Who Shot Liberty Valance), de John Ford (1962)
10 - Meu ódio será sua herança (The Wild Bunch), de Sam Peckinpah (1969)
Puxa, apenas 10 títulos! Acabei de excluir cerca de 16 outros, que considero essenciais, da lista. Parece que acabo de cometer pecado mortal.

B: Agora mudando o rumo da conversa. Quando Redford quando criou Sundance queria dar oportunidade ao cinema independente. Muitos diretores e produtores beberam nessa fonte que Cassavetes catapultou anos antes. Que tu acha desse tipo de cinema não tão mainstream? Algum filme ou diretor te chamou atenção nestes últimos anos?
JE: Esse tipo de cinema, à margem, é essencial. E aí que vamos encontrar os germes de renovação, as criatividades. Cinema é indústria e indústria é algo formatado, que pode ser reproduzido em grande escala. O cinema independente está à margem disso, pode se afastar das convenções, investir em pesquisas estéticas, formais, autorais; pode correr riscos com mais facilidade. Pode ousar. Pena que todo sopro de independência, de rebeldia, acaba, com o tempo — e são raras as exceções —se incorporando ao mainstream, ainda mais no cinema americano. Gosto de citar um caso extremo: John Waters, com seu cinema de guerrilha. Já significou mau gosto. Vide “Pink Flamingos”. Hoje, é encenado na Broadway. Seus exercícios autorais, fétidos, imorais e amorais já foram incorporados à industria e refilmados segundo os grandes esquemas. Vivemos tempos cada vez mais perigosos ao autoral e ao independente. O capitalismo incorpora tudo, até o que lhe é contrário. Basta ser domesticado, esquematizado e, claro, dar lucro.
Sobre quem está chamando a minha atenção nos últimos anos: Sophie Deraspe, Martin Laroche, XAvier Dolan, Stéphane Lafleur, Robert Morin, Denis Villeneuve, Alexandro Avranas, Rosario Garcia-Montero, Petra Costa, Peter Webber... deve ter mais alguém.

B: E sobre as produções Brasileiras e Latino-Americanas o que você tem a dizer?
JE: Bom... O cinema brasileiro sempre me interessou, desde que me habituei a vê-lo já na fase final das comédias da Atlântida. Nós temos um cinema muito bom, diferente, com valorosos cineastas. No tempo do Cinema Novo éramos uma das cinematografias mais desafiadores. O cinema brasileiro foi recordista mundial de prêmios em mostras e festivais internacionais nos anos 70. Penas que os contextos políticos não ajudaram.
Já vi muitos filmes mexicanos. Eram exibidos facilmente no Brasil até o começo dos anos 70. Havia aqui uma representação da PelMex – Películas Mexicanas –, que fazia a distribuição do que veio a ser conhecido como Cinema de Lágrimas. O cinema cubano também teve melhores dias entre nós, principalmente o Novo Cinema Cubano (já velho), dos anos imediatamente posteriores à Revolução.
Pouco conhecemos das produção dos nossos vizinhos, excluída, atualmente, a Argentina, que vive um contagiante momento de euforia. Quanto a nós, agora, parece que estamos prisioneiros do formato ditado pela Globo Filmes. Mesmo assim, não podemos reclamar, pois temos Jorge Furtado, Fernando Coimbra, Karim Aïnouz, Cláudio Assis e gente mais velha que ainda está na ativa apesar de todas as dificuldades.

B: O que tu achas do cinema como ferramenta de inclusão social?
As contribuições seriam exatamente a de levar o cinema à população. Tentativa que não é nova e era praticada em tempos mais generosos e mais fartos de filmes com temáticas populares e de acesso mais facilitado ao público em geral, principalmente ao carente de cinema. Nos anos 60 e 70 os cineclubes faziam essa ponte, levando o cinema à população que nunca o teve. Inclusive estimulando-o a tomar a câmera como exercício de criação própria. Cheguei a participar um pouco dessa fase, em meus dias de cineclubismo.

B: Para finalizar, se você se definisse como pessoa em um filme, qual seria ele, e por quê?
JE: Ah! Não sei. Certamente seria alguém semelhante aos personagens interpretados pelo Wilson Grey, pelo Hank Worden, pelo Henry Calvin. Nunca me preocupei com isso. Mas alguém heroico é que não seria. Estou mais perto do perfil dos perdedores. Se tivesse que ser um cowboy, encontraria afinidades com o Monte Walsh vivido pelo Lee Marvin em “Um homem difícil de matar” (Monte Walsh, 1970), de William Fraker.


segunda-feira, 21 de março de 2016

Cinema Marginal


"Quando a gente não pode fazer nada,
a gente avacalha
e se esculhamba."
O Bandido da Luz Vermelha


É com grande satisfação que a hoje iniciamos uma nova série de cinema na seção CLAQUETE do ClyBlog. Vagner Rodrigues desta vez vai nos falar sobre o Cinema Marginal Brasileiro, essa forma anárquico-artística que deu mais uma reviravolta na linguagem da sétima arte produzida no Brasil e que deixou sua marca, mesmo que à força, no cinema nacional. Conheceremos melhor os filmes, seus diretores, estrelas às vezes improváveis, as particularidades, curiosidades, lendas por trás das câmeras, as inspirações e pirações que envolveram suas obras de estética e linguagem ousadas, para muitos, de gosto constestável e duvidoso. Mas enfim, vai aqui uma breve introdução, um retrato mais amplo do cinema marginal só para aquecer, para esperar pelos próximos que virão dissecando cada uma das obras marcantes deste movimento que na verdade mão era exatamente um movimento, não era exatamente cinema, não era exatamente... nada, era uma grande e admirável esculhambação.
Cly Reis
editor-chefe



Os anos 60 foram uma época de surgimento de novos cinemas de vanguarda e mudanças. A Europa como um todo passou fortemente por isso e o movimento mais famoso foi sem dúvida a "nouvelle vague". O Brasil também teve seu "cinema novo", que impulsionado por alguns conflitos ideológicos gerou outro interessante movimento o Cinema Marginal.
Mestre Sganzerla
Na metade dos anos 60 houve essa ruptura de cinemas no Brasil, o momento em que acaba amizade entre Bressane e Glauber Rocha, apos este último acusar o filme "O Anjo Nasceu"(1969) de Bressane de ter plagiado seu filme "Câncer" que fora filmado em 1968 e finalizado em 1972 (Ratinhooooo!!!). O país passava por um forte cerceamento politico, o AI-5 chegava com força, e o "cinema marginal" surgia como resposta contra essa opressão. Ele não foi um movimento organizado, os cineastas não fizeram uma reunião e decidiram criar o "cinema marginal", o nome inclusive foi dado de maneira pejorativa de modo a diminuir os filmes e atingir seus idealizadores. "Não somos marginais, fomos marginalizados" foi, inclusive, uma frase de Carlos Reichenbach, em uma entrevista quando questionado sobre o nome do movimento.
Se o Cinema Novo era popular e seus idealizadores tinham muita força na época, devido esse rixa, o "cinema marginal" foi extremamente rejeitado e boicotado, chegando ao ponto dos filmes serem impedidos de participarem de alguns festivais. A maioria das obras "marginais" só tiveram seu reconhecimento recentemente, assim, somente agora, tardiamente tivemos a oportunidade de ver toda a força de um cinema radical que existiu no Brasil na década de 60.
Como falei no inicio, não foi um movimento organizado, foram diversos focos de novos cineastas que buscavam um novo caminho cinematográfico espalhados por diversos cantos do Brasil,com destaque,é claro, para o Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo, berço da turma da Boca do Lixo.
Um avacalho de tão bom
que é esse filme.
O filme que é dado como o primeiro "marginal" e também o primeiro da Boca do Lixo é "A margem"(1967) de Ozualdo Candeias. O filme feito com baixíssimo orçamento, narra a história de personagens pobres e excluídos, como bêbados, prostitutas e loucos, que vivem na margem do Rio Tietê mas que também vivem à margem da sociedade. No ano seguinte, 1968, o "cinema marginal" e a boca do lixo, produziram o que para muitos foi o maior filme deste movimento, o clássico "O Bandido da Luz Vermelha" de Rogério Sganzela. Esta obra contém todos os elementos que marcaram o "cinema marginal", um filme de manifesto, questionamento de ordem política, uma estética diferente e bela, (apesar do baixo orçamento) e a vontade de avacalhar com tudo, "quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha e se esculhamba", frase dita pelo Bandido durante o filme mas que serviu como um lema do "cinema marginal".
Depois do sucesso do seu primeiro longa, Sganzela produziu seu próximo filme, "A Mulher de Todos"(1969), dando continuidade ao estilo cinema mal comportado, com clara influencia Godardiana. O longa marcou o surgimento da musa Helena Ignez, interpretando Angela Carne e Osso, a inimiga número 1 dos homens. Uma personagem que daria muito orgulho ao movimento feminista que temos atualmente pois, sim, ela transava com todo mundo mas queria, tinha autonomia do próprio corpo e, não, não a confunda com uma personagens de pornochancada, "Agora só tenho tempo para os boçais" clássica frase da personagem Angela Carne e Osso.
Esse período foi o momento de maior sucesso popular do cinema marginal, além dos dois filmes de Sganzela, as obras "O Pornógrafo"(1970) de João Callegaro e "As Libertinas"(1968) filme em episódico dirigido por João Callegaro, Carlos Reichenbach e Antônio Lima, também foram muito bem aceias pelo publico.
Helena Ignez, muito mais que simplesmente
a musa do 'Cinema Marginal'.
Nos anos 70 esse cinema mais questionador começou a perder forçar no mercado que passava a voltar-se naquele momento mias para o cinema erótico. Alguns diretores não fizeram mais longas após essa época como João Callegaro, por exemplo, outros tentaram colocar um pouco de suas e ideias e críticas em filmes eróticos como Carlos Reichbach e Ozualdo Candeias e alguns se distanciaram ao máximo das pornochanchadas e continuaram produzindo na Boca do Lixo como foi o caso de Candeias
Extremamente influenciados pela obra do poeta modernista Oswald de Andrade, muitos diretores do movimento faziam referencias a seu textos e poemas sendo Júlio Bressane o mais oswaldiano entre eles. Um exemplo é seu filme " Uma Família do Barulho"(1970) que alguns críticos consideram uma adaptação cinematográfica livre do "Manifesto Pau-Brasil" de Oswald de Andrade. O filme é anárquico, liberal e repleto de um erotismo inegavelmente oswaldiano.
Muito influenciados por esse espirito, Rogério Sganzela, Julio Bressane e Helena Ignez fundaram no inicio dos anos 70 produtora de filme Belair, que produziu 6 longas em 3 meses. Além de confrontar o AI-5 a Belair batia de frente com a Embrafilme, mostrando que e ainda se podia fazer um cinema questionador no pais, que era possível "fazer cinema do jeito que se pode fazer".
Glauber, herói e inimigo do cinema marginal
Entre os filmes da Belair estão "Copacabana Mon amour", "Sem Essa Aranha" e "Carnaval Na Lama" (filme perdido) de Sganzela, "Cuidado Madame", "Barão Olavo, O Horrível" e o já mencionado "Uma Família do Barulho", de Bressane. Foram obras mais radicais, com violência exagerada, cenas de tortura, frases constantemente repetidas, um uso bem irresponsável da câmera na mão, trilhas sonoras sendo feitas durante a filmagem, um diálogo muito próximo ao do teatro, o que alguns críticos apontam como um exagero de vômitos náuseas e cuspes e arrotos. Mas por outro lado foi da Belair o filme  "marginal" mais bem acabado, a obra mais refinada entre todas da produtora, e um dos grandes clássicos da filmografia brasileira, o já referido "O Bandido da Luz Vermelha", consolidando assim, de uma forma ou de outra, a Belair como um dos marcos mais importante do movimento "marginal e sem dúvida do cinema nacional.
Com a ameaça de prisão dos seus fundadores, que tiveram que se exilar fora do Brasil, depois de apenas 4 meses de funcionamento a Belair acabou fechando. Apos o encerramento de suas atividades o cinema marginal perdeu suas forças e nunca mais consegui voltar. Mas deixou sua marca no cinema brasileiro sendo um dos movimentos mais referenciados dentro do circuito nacional até hoje.
Um fato importante que marca o fim de uma era mas por outro lado também uma reconciliação importante e indispensável para o cinema nacional foi a morte de Glauber Rocha que, apesar de todas as divergências que tinha com a turma da 'boca do lixo' era muito repeitado por estes e considerado o pai do cinema "câmera na mão", sendo sua morte muito sentida pelos fundadores da Belair mesmo tendo sido smpre um dos principais adversários e críticos do cinema marginal. Logo após a sua morte Bressane escreveu um belo texto em sua homenagem, chamado "Da Fome da Estética do Amor" que reatou os laços do cinema novo com cinema marginal. O cinema brasileiro estava em paz de novo.