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segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Os Paralamas do Sucesso - "D" (1987)



“’D’ é um instantâneo de uma banda lidando com uma recém-conquistada consagração em plena forma. O disco não encerra um ciclo artístico, pelo contrário, coloca possibilidades sobre a mesa, exala total frescor e antecipa as direções que o grupo seguiria, profundamente transformado por este aceno ao Brasil. Jamais eles seriam os mesmos.” Carlos Eduardo Lima, jornalista e historiador

Desde muito cedo tive uma ligação especial com Os Paralamas do Sucesso. Quando comecei a gostar de música, nos anos 80, ali pelos 7, 8 anos, era o Paralamas, entre os grupos surgidos no rock brazuca da época, que mais me faziam a cabeça. Gostava, claro, da Legião Urbana, dos Titãs, do RPM, do Capital Inicial e de outras. Mas o power trio formado por Herbert Vianna (guitarra e vocais), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) me transmitia algo a mais. Talvez já antevisse o meu gosto – que mais crescido passaria a tomar lugar igualmente especial em meu imaginário musical – pelos ritmos latinos e brasileiros, aos quais cedo souberam mesclar a seu rock potente e melódico. Tanto é fato essa ligação forte com a banda que o meu primeiro disco que ganhei, no Natal de 1986, foi um cassete de “Selvagem?”, daquele ano, disco no qual o Paralamas consolidava o discurso social e seu estilo de rock tomado de reggae e ska jamaicanos, mas também conectado com os ritmos Brasil e a América Latina.

Sucesso nas rádios, uma apresentação histórica no primeiro Rock in Rio e três discos lançados deram ao grupo a maturidade suficiente para os levar ao Festival de Jazz de Montreux, na Suíça. Acompanhada do hoje “quarto Paralama”, o não à toa chamado João Fera, que estreava com eles nos teclados, a banda desembarcava no festival mais democrático e amplo do jazz mundial, repetindo o feito de outros brasileiros que marcaram época por lá, como Elis Regina, Gilberto Gil e João Gilberto. Se no passado estes foram os responsáveis por difundir a MPB na Europa, agora era a vez da mais completa banda do rock brasileiro dos anos 80 mostrar o que esta geração tinha de melhor. O resultado disso é o brilhante disco “D”, registro ao vivo que está completando 30 anos.

Com os quatro tocando tudo e mais um pouco sobre o palco, “D” tem repertório muito bem escolhido, valorizando, obviamente, a safra do último trabalho em estúdio, mas também incluindo hits, material novo e até surpresas. De “Selvagem?”, há as versões irrepreensíveis da filosófica “O Homem” (“O homem traz em si a santidade e o pecado/ Lutando no seu íntimo/ Sem que nenhum dos dois prevaleça...”) e do reggae-punk “Selvagem”, tão político e cru que poderia muito bem ser uma canção dos Titãs – tanto tem semelhança, que Herbert canta incidentalmente durante a execução "Polícia", clássico deles.

Ainda referentes à turnê do recente álbum, outras duas: "A Novidade", que reproduz o reggae suingado da original, imbatível diante das outras duas versões ao vivo que a música ganhou anos depois: uma, com o coautor, Gil, em 1994, num reggae arrastado, e a meio ragga, que os Paralamas gravariam em “Vâmo Batè Lata”, de 1995. Além disso, o primor da letra de Gil - com quem a parceria já denotava a intencionalidade de maior diversidade sonora da banda - merece sempre destaque: lírica, reflexiva, surrealista: “A novidade era o máximo/ Do paradoxo estendido na areia/ Alguns a desejar seus beijos de deusa/ Outros a desejar seu rabo pra ceia”. A segunda é a salsa pop "Alagados", um dos hits da época que, na esteira da MPB de protesto dos anos 70, denunciava as condições indignas de vida dos miseráveis, seja da vila dos Alagados, em Salvador, das favelas cariocas ("a cidade que tem braços abertos num cartão-postal") ou de Trenchtown, na Jamaica, tão próxima do Brasil em cultura e miséria. Não por acaso, neste número, Herbert cita versos de "De Frente Pro Crime", um dos sambas-denúncia de João Bosco e Aldir Blanc escritos nos anos 70.

“D”, porém, guarda também surpresas. Uma delas é a que abre o disco: o arrasador reggae "Será Que Vai Chover?” em sua primeira execução pública e cuja inspiração em Jorge Benjor é inequívoca, seja em “Chove Chuva” ou “Que Maravilha”. A presença espiritual do Babulina se confirma mais adiante durante o show, quando o trio manda uma interpretação histórica de "Charles, Anjo 45", comprovando o que a banda já sabia muito bem fazer desde seu primeiro disco: versar outros artistas.

Não faltaram, igualmente, os sucessos, como uma matadora "Ska" (com a participação do “abóbora selvagem” e amigo George Israel no sax), "Óculos" e "Meu Erro", esta última, que fecha este memorável show d'Os Paralamas do Sucesso em solo suíço. A banda lançaria ainda mais sete álbuns ao vivo ao logo da carreira. Porém, mesmo três décadas decorridas, nenhum se equipara à qualidade, pegada e espírito de “D”. Com os rapazes no auge, esta apresentação simbolizou o merecido reconhecimento à geração do rock brasileiro dos anos 80 no mundo. Em uma época de alta efervescência no universo do pop-rock, com gente do calibre de U2, The Cure, Sting, Madonna, Duran Duran, Bon Jovi, Prince, entre outros, em plena forma, o BRock mostrava que também merecia atenção pela originalidade inimitável da música feita no Brasil.

Os Paralamas do Sucesso - "Ska" 
(ao vivo em Montreux, 1987)



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FAIXAS:
1. "Será Que Vai Chover?" (Herbert Vianna)
2. "Alagados" (Música incidental "De Frente Pro Crime" - João Bosco, Aldir Blanc) (Bi Ribeiro, João Barone, Herbert Vianna)
3. "Ska" (Herbert Vianna)
4. "Óculos" (Herbert Vianna)
5. "O Homem" (Bi Ribeiro, Herbert Vianna)
6. "Selvagem" (Música incidental: "Polícia" - Toni Bellotto) (Bi Ribeiro, João Barone, Herbert Vianna)
7. "Charles, Anjo 45" (Jorge Ben)
8. "A Novidade" (Bi Ribeiro, João Barone, Gilberto Gil, Herbert Vianna)
9. "Meu Erro" (Herbert Vianna)


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OUÇA O DISCO


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Música da Cabeça - Programa #45



O Carnaval tá chegando, mas aqui no programa a gente nunca para de pular. Nem que seja com o pop world music de Peter Gabriel e Sting, com o jazz de Lee Morgan, com a batucada de Aracy de Almeida, com o tecno pop do Kraftwerk e até com o concretismo eletroacústico de Karlheinz Stockhausen. Tudo dá samba no Música da Cabeça! Estes e outros alalaôs no programa de hoje, que terá “Música de Fato”, “Palavra, Lê” e a volta do quadro “Cabeção”. Pega tua fantasia e vem escutar o programa de hoje, às 21h na passarela da Rádio Elétrica! Produção, apresentação e serpentina, Daniel Rodrigues.



segunda-feira, 23 de julho de 2018

Morcheeba - "Big Calm" (1998)



"Seria impossível para nós não 
soar como Morcheeba." 
Ross Godfrey

Os anos 90 foram, em termos de música pop, muito bem resolvidos, obrigado. Além dos remanescentes das gerações anteriores ainda a pleno vapor, como Peter Gabriel, Sting, The Cure, U2, Madonna, R.E.M. entre outros, houve uma série de bandas e artistas oriundos da última década do século XX que souberam aproveitar o melhor dos que os antecederam e valerem-se, igualmente, das novas possibilidades técnicas e sonoras de então. Se antes não era uma realidade comum o incremento dos elementos do hip hop ou da música eletrônica, por exemplo, ao pop-rock noventista isso estava na veia. Tinha Smashing Pumpkins, que sabia oscilar do heavy metal à mais delicada balada; a Portishead, original mistura de gothic punk, rap e dream pop com pitadas jazz; a The Cranberries, verdadeiros seguidores de Smiths e Cocteau Twins; a Jamiroquai, dignos da linhagem jazz-soul; a Massive Attack, onde o trip hop encontrava a medida certa da psicodelia indie rock e o clubber; ou a Air, a engenhosa dupla francesa que vai do clima das trilhas dos anos 50 a eletro-pop num passo.

Mas uma dessas bandas parecia unir todas as qualidades de suas contemporâneas. Tinha os samples e scratches do rap; a batida druggy do dub; a voz feminina adocicada; uma guitarra criativa e hábil; a atmosfera soturna; as texturas eletrônicas; os hits cantaroláveis. A dois anos de fechar a década de 90, os ingleses do Morcheeba catalisavam tudo isso em “Big Calm”. Completando 20 anos de lançamento, o segundo álbum da banda liderada pela cativante cantora Skye Edwards e os talentosos irmãos Paul, DJ, e Ross Godfrey, guitarrista e vários outros instrumentos, é certamente um dos mais bem acabados que a música pop já produziu.

Acordes de baixo e guitarra wah-wah anunciam a entrada da voz macia de Skye, que diz os versos: “Flocking to the sea/ Crowds of people wait for me” (“Flocando para o mar/ Multidões de pessoas esperam por mim”). É “The Sea”, um dos hits do disco. Uma batida funkeada arrastada, peculiar do estilo downtempo, entra para ajudar o arranjo a se avolumar aos poucos. Ao final, já se somaram à cozinha scratches e uma orquestra de cordas, além de solos de guitarra de Ross. Pode-se compará-la em clima e estrutura a “All I Need”, da Air, e “It’s A Fire”, da Portishead. A marcante faixa de abertura é seguida da brilhante "Shoulder Holster", esta, um funk bem mais empolgado e onde aparecem pela primeira vez as influências indianas, seja nos samples de vozes, seja no som de cítaras e percussões típicas da terra de Ravi Shankar.

Outra faceta da Morcheeba está em "Part of the Process", que é o folk-rock. O violão de cordas de metal de Ross segura o riff, enquanto sua slide guitar solta frases em todo o decorrer do tema. Igualmente, o violino bem country de Pierre Le Rue. Tudo, claro, não sem diversos efeitos eletrônicos. O refrão, daqueles que pegam no ouvido, vem numa batida funky, enquanto Skye canta: “It's all part of the process/ We all love looking down/ All we want is some success/ But the chance is never around”. Num estado parecido, mas injetando a sonoridade indiana, a boa instrumental "Diggin' a Watery Grave" funciona quase como uma vinheta em que Ross destrincha sua habilidade com a cítara e uma guitarra pedal steel muito country, aproximando oriente e ocidente.

Retomando a atmosfera viajandona do downtempo de “The Sea”, outro hit de “Big Calm”: "Blindfold".  Mais que isso: exemplo de perfect pop. Acerto do início ao fim: estrutura melódica, composição, execução, arranjo, produção.  A negrinha Skye dá um show de vocal com sua voz afinadíssimo e cujo timbre suave, quase frágil, mas com uma pitada de rouquidão que a aproxima das cantoras da soul. Ao final, mais uma vez as cordas adensam a emotividade da canção. E outro refrão de cantarolar junto com ela:  “I'm so glad to have you/ And it's getting worse/ I'm so mad to love you/ And you evil curse.” 

Os sucessos (e os clássicos) de “Big Calm” não param: na sequência, vem "Let Me See", misto de trip hop e canção pop. Arrebatadora. Aqui, o grande responsável pela melodia é Paul Godfrey, visto que a música se constrói a partir dos beats e scratches criados ele. Já Skye, de tão bem que está, exala sensualidade. Dá pra viajar no seu canto lânguido e penetrante. Detalhe para a flauta doce que executa os solos do veterano Jimmy Hastings.

A outra “instrumental” do disco, “Bullet Proof”, mostra o quanto a Morcheeba é competente com a melodia e a instrumentalização. Trip hop típico, com samples psicodélicos e descontínuos que formam a base, tem como diferencial – além dos scratches do DJ convidado First Rate, que montam uma espécie de linha vocal com as vozes sampleadas – a brilhante guitarra de Ross. Ele mostra ser de uma linhagem de guitarristas britânicos do pós-punk, como Robin Guthrie e Johnny Marr: criativos e habilidosos, mas que usam o instrumento a serviço da ideia musical (efeitos, ambiências, texturas, etc.), sem necessariamente recorrer a rebuscamentos de solos extensos e desnecessários.

Já as baladas "Over and Over" e a rascante "Fear and Love” parecem ter saído de alguma sessão de gravação do Abbey Road em que George Martin arregimenta uma orquestra sobre a concepção musical de Lennon e McCartney. Românticas, têm, antes de mais nada, melodias caprichadíssimas. "Fear and Love”, em especial, conta com um violão que sustenta a base enquanto as cordas e metais formam o corpo sonoro ao fundo, fazendo lembrar bastante o arranjo também de um clássico do pop anos 80: “Please, Please, Please, Let Me Get What I Want”, dos Smiths. Precisa de mais referências que estas?

Mais uma joia, o reggae “Friction”, assim como Jamiroquai também cumprira com sua “Drifting Alone”, faz uma deferência aos mestres jamaicanos do gênero – ainda mais pela novamente linda voz de Skye, uma oferenda ao deus Jah. O disco finaliza com a lisérgica da faixa-título, em que concentram em 6 minutos o que há de melhor da banda. Sobre uma base em compasso 2/2, os irmãos Godfrey deitam e rolam. Paul, com a programação rítmica funk cadenciada, e, principalmente, Ross, que comanda os sintetizadores e a guitarra wah-wah, com a qual dá um verdadeiro show. O rapper Jason Furlow, coautor da música, engendra seus versos rappeiros enquanto o DJ Swamp lança scratches ao psicodélico tecido sonoro. Arrematando, Skye ainda faz suaves melismas, e o disco acaba num clima apoteótico.

Mesmo sendo um extra da versão em CD, "The Music That We Hear", outro hit, vale muito ser referida. Espécie de ula-ula estilizado, traz as síncopes do ritmo havaiano para dar forma a outro perfect-pop em que, mais uma vez, a melodia de voz – e a própria voz! – de Skye encantam. Com esta, termina um dos discos mais impecáveis da música pop, certamente um dos 10 melhores da sua década. Capaz de sintetizar aquilo que de bom ocorria à sua volta, a Morcheeba concebia assim, o seu estilo. Psicodélico, chapado (afinal, o pessoal gostava da erva:“morcheeba” significa “maconha” e “big calm” faz referência ao efeito tranquilizante da droga) e, acima de tudo, musicalmente rico. O que dizem os versos de “The Music...” parecem até, de certa forma, traduzi-los: “A música que fazemos curará todos os nossos erros e nos guiará”.

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FAIXAS:
1. "The Sea" – 5:47
2. "Shoulder Holster" – 4:04
3. "Part of the Process" – 4:24
4. "Blindfold" – 4:37
5. "Let Me See" – 4:20
6. "Bullet Proof" – 4:11
7. "Over and Over" – 2:20
8. "Friction" – 4:13
9. "Diggin' a Watery Grave" – 1:34
10. "Fear and Love" – 5:04
11. "Big Calm" – 6:00 (Godfrey/Godfrey/Edwards/Jason Furlow)
12. "The Music That We Hear" – 3:49 (bonus track)
Todas as composições de Paul Godfrey, Ross Godfrey e Skye Edwards, exceto indicada

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OUÇA O DISCO:
Morcheeba - "Big Calm"


Daniel Rodrigues

sábado, 29 de novembro de 2014

Arcadia - "So Red The Rose" (1985)



“Eu sonho com
 elegância, arrogância,
Extravagância do Duran Duran...”
Humberto Gessinger,
música "Nada a Ver"
do álbum "Longe Demais das Capitais"
do Engenheiros do Hawaii




Mas Christian, tu cita o Humberto falando do Duran Duran e o disco não é deles, é do Arcadia! Explico. O Arcadia foi formado por 3 dos 5 integrantes do Duran Duran quando eles resolveram dar uma parada para tocar projetos paralelos. O fundador John Taylor (baixista) e o Andy Taylor (guitarrista) foram tocar com o Robert Palmer e o baterista do Chic no Power Station. Os outros 3 que são o vocalista Simon Le Bon, o tecladista Nick Rhodes e o baterista Roger Taylor fizeram o Arcadia. Uma coisa me passou pela cabeça agora, o Duran Duran poderia se chamar “The Taylors” porque 3 Taylor sem parentesco algum em uma mesma banda não é pouca coisa.
Para este projeto eles ainda contaram com a guitarra do David Gilmour nas faixas "The Promise" e "Missing", e participações como a da Grace Jones, Sting, Carlos Alomar, Herbie Hancock e outros músicos. Para mim é um pop elegante, funkeado e com muitas camadas de produção características dos anos 80, mas sem muito exagero. "Election Day" foi o single que puxou o disco, mas ao longo da audição tu vais percebendo outras músicas que também faziam parte das rádios na época como a "Goodbye Is Forever" e a "The Promise".
Quem puder, ouça a versão tripla que conta com o disco normal, outro disco com versões estendidas/remixes/instrumentais e ainda um DVD com clipes das músicas. Mais ou menos neste período foi que o Duran Duran colocou a música "A View to a Kill" no filme "007 Na Mira dos Assassinos". No clipe desta música pode-se notar o “climão” que estava entre os membros da banda, onde nenhum aparece contracenando com o outro. Este disco foi importante para a retomada do Duran Duran que aconteceu no disco seguinte, que foi o "Notorius", agora resumido a 3 integrantes, o John Taylor, o Simon Le Bon e o Nick Rhodes. Muito do que foi desenvolvido a partir desta reunião já estava contido neste belo disco que é o "So Red The Rose", do Arcadia. Escuta, vale a pena.
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FAIXAS:
  1. "Election Day" - 5:29
  2. "Keep Me in the Dark" - 4:31
  3. "Goodbye Is Forever" - 3:49
  4. "The Flame" - 4:23
  5. "Missing" - 3:40 (LeBon, Rhodes)
  6. "Rose Arcana" - 0:51 (LeBon, Rhodes)
  7. "The Promise" - 7:30
  8. "El Diablo" - 6:05
  9. "Lady Ice" - 7:32 (LeBon, Rhodes)

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Baixe para ouvir:
Arcadia So Red The Rose




terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Suzanne Vega - "Nine Objects of Desire" (1996)

Os (12) Objetos de Desejo de Miss. Suzanne


“Quem se lembra de Suzanne Vega apenas pelo hit mundial ‘Luka’
está perdendo a chance de conhecer
uma das artistas mais inteligentes da música do nosso tempo.
Ela vem de um passado folk,
mas a partir do trabalho com o produtor Mitchell Froom
lançou alguns dos melhores discos da carreira.
Este álbum traz Suzanne Vega num estado encantado.
Falando de coisas que acontecem à sua volta com um olhar delicado,
a compositora e violonista nos transporta para perto dela.
O disco é permeado de sonoridades instigantes.
Doses certeiras de dúvida existencial,
sensualidade, paixão e alguns mistérios.”
Fernanda Takai



Na minha adolescência, eu e meus amigos sempre tivemos gostos musicais parecidos. Éramos praticamente unânimes quanto a The Cure e The Smiths, por exemplo. Mas todos tinham suas paixões, aqueles pelos quais nutriam um sentimento especial. Não que se deixasse de gostar também em certa medida do que os outros preferiam; mas aquele era “queridinho” de cada um. Tinha quem fosse fã de Sting, de Depeche Mode, de New Order, de Genesis. A minha “queridinha” era Suzanne Vega. Sempre me encantaram a elegância, a limpidez da voz e o lirismo das músicas dessa compositora, violonista, poeta e cantora surgida nos anos 80 com seu estilo folk-pop arrojado que remete a Leonard CohenLou ReedBob Dylan e a bossa nova – especialmente Astrud Gilberto. Percebi que, desde o início, ela trilhara por um caminho de invariavelmente trabalhos bem elaborados, que, por consequência, lhe renderam grandes sucessos, como “Tom’s Diner”, “Book of Dreams”, “Blood Makes Noise” e, principalmente, o belo e melancólico megahit “Luka”. A música, um dos melhores exemplos de perfect pop de toda a história do rock, encheu seus bolsos e a deixou mundialmente conhecida.

Mesmo com o estrelato, Suzanne Veja nunca quis ser apenas “a cantora de Luka”. Com o inseparável violão, ela construiu uma carreira sólida e em crescente evolução, primando pelas letras literárias, harmonias e arranjos sofisticados e pungentes, batida do violão marcante, influências da MPB, dos sons étnicos e até da vanguarda (haja vista as parcerias com Philip Glass). Depois do aclamado álbum de estreia (produzido por Lenny Kaye e Steve Addabbo, de 1985), teve como parceiro e arranjador o competente Anton Sanko, com quem cunhou “Solitude Standing”, de 1987, e “Days of Open Hand”, de 1990. Quis o destino, entretanto, que, em 1991, ela conhecesse o também versátil Mitchell Froom – que trabalhara com Elvis Costello no passado. Não só trocou de parceiro na música como o assumiu na vida, casando-se com Froom e tendo como fruto (até se separarem, em 1998) uma filha, Ruby, e dois excelentes discos: o “febril” “99.9 F°”, de 1992; e este, o primoroso “Nine Objetcs of Desire”, de 1996.

Auge da musicalidade da artista, auge da feminilidade da mulher. Mãe pela primeira vez e próxima de completar 40 anos, Suzanne realça a sua beleza alva e doce de bailarina profissional (é graduada em Dança Moderna desde os 18) e compõem um disco arrasador em que vida artística e pessoal se homogeneízam. São 12 faixas em que Miss. Suzanne aborda temas como sexo, maternidade, prazer, orgasmo, castidade, culpa. Elementos do imaginário feminino e íntimo, do erotismo à religião, estão expostos, na epiderme. Tudo com uma sensibilidade ímpar e num invólucro perfeito. Desde a capa, em que Suzanne aparece com uma maçã, a picardia está presente. Mas do jeito dela, sob sua ótica (tanto que a maçã não é eroticamente vermelha, mas exoticamente verde). Na arquitetura sonora, Froom estabelece um diálogo igualmente inteligente entre sons eletrônicos, instrumentos de base e timbres, modulados pela mesa de som com tamanha adequação que somente alguém muito próximo à artista como ele poderia realizar.

Uma batida tribal dá os primeiros acordes, quando entra um brilhante riff de guitarra heavy-country. É “Birth-Day”, faixa inicial que relata, numa poesia forte, o momento do parto (“Uma coisa eu sei/ esta dor vai passar/ Atravesso tudo o que me resta sentir/ Eu espero para conhecer o meu amor se tornando real”). No refrão, o nascimento; e os sons não se fazem cândidos, mas, sim, estouram saborosamente ruidosos. Como diria Tom Zé: um rebento como um “orgasmo invertido”.

Em “Headshots”, a sensação de sensibilidade à flor da pele é evidente. Desde a bateria e o baixo retumbantes até à voz e a respiração de Suzanne, a qual é ouvida no mesmo patamar sonoro que os enigmáticos samples de cítara, do gongo oriental e do sensual assovio. Exímia contadora de histórias, na tradição dos bons trovadores folk-country norte-americanos, Suzanne fala sobre uma mulher que vê estampado num anúncio de “procura-se” o rosto de um ex-amor, que agora parece triste e fatalmente distante dela: “A placa diz ‘Headshots’/ É tudo que eu vejo/ Um menino torna-se uma imagem/ De culpa e simpatia/ E então eu penso em você/ Em memória/ Dos dias em que estávamos juntos/ E eu sabia que você me amava/ Essa era a diferença/ Daquilo que vemos/ Mas isso é história.../ Ah...”.

Enteada de um escritor porto-riquenho, Ed Vega (com quem aprendera o gosto pela poesia e literatura), Suzanne cresceu, por causa dele, na região latina de Manhattan, Nova York. Por isso, sua veia de música brasileira não só se justifica como é extremamente presente. “Caramel”, hit do disco, talvez seja o segundo melhor exemplo disso em seu cancioneiro: uma linda bossa nova com todos os elementos característicos da batida de João Gilberto e a complexidade harmônica de Tom Jobim. A letra, sobre um amor impossível, carrega em referências sensoriais ao paladar (“caramelo”, “canela”, “pele”). E ela diz: “Então, adeus/ doce apetite/ Nem uma única mordida/ Poderia satisfazer...”. A voz de Suzanne é suave, sugerindo um sussurro de dor e prazer. O refrão é ainda mais belo com a característica pronúncia perfeita de seu canto. E o charme do solo de clarinete, então!? Um show.

Digo que “Caramel” é a “segunda” grande bossa de Suzanne Vega porque a melhor é “Thin Man”. Tocado com instrumentos de rock, mas em um inconfundível ritmo de samba, tem uma das mais belas melodias de voz criadas pela compositora. O violão, centro harmônico da melodia, desenha a canção como fazem todos os bons “filhos de João”. Sensual e cadenciada, põe a personagem no universo de um homem de modos finos e misterioso. “Ele não é meu amigo, mas ele está comigo/ E ele me promete uma paz que eu nunca conheci/ Eu não posso desistir, não, eu tenho que resistir/ Mas eu podia mesmo ser a única a resistir àquele beijo tão verdadeiro...”

A capacidade de incutir toques étnicos ao folk (como já procedera claramente em "Room off the Street", “In the Eye” e “As a Child”, de discos anteriores) faz com que Suzanne Vega não restrinja as influências apenas à música brasileira ou latina, mas também aos sons árabes e orientais. “Stockings”, sobre uma moça que se atrai pela voluptuosa amiga (“Você sabe onde a amizade termina e paixão se inicia?/ É entre o que liga suas meias-calças à sua pele...”), é exatamente isso: uma linha de violão de natureza country, porém simplificado, direto ao ponto, quase um riff de guitarra. E acompanhando o canto limpo dela a percussão de tablas, isso sem falar nas cordas, que Froom escreve em notas bem próprias das danças arábicas.

“Casual Match”, pouco variável e mais fraca do disco, nem por isso chega a desnivelar o repertório, pois na sequência vem a outra “música de trabalho” de “Nine Objects...”: “No Cheap Thrill”, pop-rock infalível como Suzanne sabe fazer com o pé nas costas; e “Lolita”, uma rumba estilizada que, mais uma vez literária, Suzanne referencia à imagem da clássica ninfeta nabukoviana, revelando a farsa deste estereótipo (“Ei, garota/ Não seja como um cão toda a sua vida/ Não peça/ Algumas poucos migalhas de afeto/ Não tente/ Para ser mulher de alguém/ Tão jovem/ Você precisa de uma palavra de proteção...”).

A maternidade, em forma de “descobrimento” de si mesma e da nova vida que entra em seu universo, volta na emocionante “World Before Columbus”. Mais do que uma declaração de amor à filha (“Se o seu amor fosse tirado de mim/ Cada cor seria preto e branco/ Seria tão monótono como o mundo antes de Colombo...”), Suzanne faz uma crítica ao materialismo do mundo moderno e uma ode ao verdadeiro afeto, engendrando um deslocamento temporal e simbólico típico de escritores como ela (“Aqueles homens que têm cobiça por terra/ E por riquezas estranhas e novas/ Quem ama essas bugigangas de desejo/ Oh, eles nunca vão ter você”).

“Honeymoon Suite” resgata a Suzanne Vega original, a trovadora de violão em punho, num country voz-viola tão germinal que parece ter sido extraído de um filme de faroeste. Enigmática, imaginativa. E para fechar todo esse clima de volúpia, um... jazz! Sim, um jazz swing marcado no piano e cheio de simbologias à morte, à passagem do tempo e ao prazer carnal: “Se você me perguntar como faz para chegar ao/ meu humilde mapa/ Eu sei por que porta você pode entrar/ Mostre-me sua fraqueza/ E o tempo está queimando, queimando, queimando/ Queima até o fim”. Um final digno desse caldeirão de ideias e sentimentos.

(Mas eu falei “final”? Ops!)

Ainda não é o fim! Suzanne Vega ainda nos revela, depois de um longo silêncio após o término da 11ª faixa – como aquele presente picante escondido meio ao alcance para que possa ser revelado com surpresa –, “My Favorite Plum”, uma valsa sexy conduzida na guitarra do craque Tchad Blake em que reveem-se o gozo e o prazer que entra pela boca, tendo a delicada e saborosa fruta vermelha como metáfora-chave.

Um disco que, desde que conheci se tornou um dos favoritos da discoteca. Já havia me impressionado bastante com “99.9F°”, quando a parceria com o então marido começou. Mas este representa na carreira dela uma consolidação de várias coisas: musicalidade, personalidade e, principalmente, feminilidade. È tão forte e sincero que o deleite de escutar suas canções é quase carnal: quando se está numa faixa, já se sabe a delícia que será quando chegar à seguinte. Deseja-se ouvir cada uma delas. E que cheguem, e que se aproveite enquanto estão tocando, e quando terminam, e quando começa outra, e quando virá a próxima, nossa!... Hum, acho melhor parar por aqui, porque 12 vezes é demais.
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FAIXAS:
1. Birth-Day (Love Made Real) - 3:38
2. Headshots (Suzanne Vega/Mitchell Froom) - 3:08
3. Caramel - 2:53
4. Stockings - 3:30
5. Casual Match (Vega/Froom) - 3:10
6. Thin Man - 3:39
7. No Cheap Thrill - 3:10
8. World Before Columbus - 3:26
9. Lolita (Vega/Froom) - 3:33
10. Honeymoon Suite - 2:56
11. Tombstone - 3:07
12. My Favorite Plum - 2:47

todas as composições de Suzanne Vega, exceto indicadas
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OUÇA O DISCO: