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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

ClyBlog 5+ Livros



E chegamos ao último especial da série 5+ do clyblog. Não que não tivéssemos mais assunto, daria pra pesquisar sobre mais um monte de coisas com os  amigos, saber o que mais um monte de pessoas interessantes pensam, levantar listas mas acredito que estes temas abordados, além de bastante significativos, resumem, de certa forma, a ênfase de assuntos e as áreas de interesse do nosso canal.
E pra encerrar, então, até aproveitando o embalo da Feira do Livro de Porto Alegre, cidade que é uma espécie de segundo QG do clyblog, o assunto dessa vez é literatura. Sim, os livros! Esses fantásticos objetos que amamos e que guardam as mais diversas surpresas, emoções, descobertas e conhecimentos.
Cinco convidados especialíssimos destacam 5 livros que já os fizeram sonhar, viajar, rir, chorar, os livros que formaram suas mentes, os que os ajudaram a descobrir verdades, livros que podem mudar o mundo. Se bem que, como diz aquela frase do romando Caio Graco, "Os livros não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas. Os livros mudam as pessoas.".
Com vocês, clyblog 5+ livros:




1. Afobório
escritor e
editor
(Carazinho/RS)
" 'O Almoço Nu' é muito bom.
Gosto muito desse livro."

1- "Trilogia Suja de Havana", Pedro Juan Gutiérrez
2 -"Búfalo da Noite", Guillermo Arriaga
3- "Numa Fria", charles Bukowski
4 - "Sorte Um Caso de Estupro", Alice Sebold
5 - "O Almoço Nu", William Burroughs
 
Programa Agenda falando sobre o livro "O Almoço Nu", de William Burroughs

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2. Tatiana Vianna
funcionária pública e
produtora cultural
(Viamão/RS)


Kerouac, um dos 'marginais'
da geração beatnik
"Cada um destes são livros que chegaram as minhas mãos em momentos diferentes de vida
e foram importantes para muitos esclarecimentos.
Algumas destas leituras volta e meia as retomo novamente para entender melhor,
porque sempre algo fica pra trás ou algo você precisa ler depois de um tempo,
de acordo com o seu olhar do momento."

1- "On the Road, Jack Kerouak
2 - "1984", George Orwell
3 - "Os Ratos", Dionélio Machado
4 - "A Ilha", Fernando Morais
5 - "O livro Tibetano do Viver e Morrer", Sogyal Rinpoche






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3. Jana Lauxen
escritora e
editora
(Carazinho/RS)


"Minha vida se resume a antes e depois de "O Acrobata pede desculpas e cai".
"O Jardim do Diabo", do Veríssimo, é um romance policial incrível
do tipo que você não larga enquanto não acabar. E quando acaba dá aquela tristeza.
"Capitães da Areia" li há muito tempo e não consigo me esquecer desse livro.
O engraçado é que a primeira vez que o li, tinha uns 12 anos e  não gostei.
A segunda vez eu tinha mais de 20 e fiquei fascinada pela obra.
O "Livro do Desassossego" é para ter sempre por perto, para abrir aleatoriamente e dar aquela lidinha amiga.
Conheci Pedro Juan em uma entrevista que ele concedeu para a revista Playboy,
e a "Trilogia Suja de Havana" foi o primeiro livro do autor que eu li.
Seus livros são proibidos em seu próprio país, visto a crítica social que o autor acaba fazendo sem querer.
Digo sem querer por que sua temática não é política – ele fala de sexo, de drogas, de pobreza, de putas,
e detesta ser classificado como um autor político.
Mas acaba sendo, pois é impossível descrever qualquer história que se passe em Cuba sem acabar fazendo alguma crítica social.
Mesmo que enviesada."

"Capitães da
Areia"

1- "O Acrobata Pede Desculpas e Cai", Fausto Wolff
2 - "O Jardim do Diabo", Luís Fernando Veríssimo
3 - "Capitães da Areia", Jorge Amado
4 - "Livro do Desassossego", Fernando Pessoa
5 - "Trilogia Suja de Havana", Pedro Juan Gutiérrez





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4. Walessa Puerta
professora
(Viamão/RS)


"Estes são os meus favoritos."

1- "O Tempo e o Vento", Érico Veríssimo
2 - "O Mundo de Sofia", Jostein Gaarder
3 - "Era dos Extremos", Eric Hobsbawn
4 - "Dom Casmurro", Machado de  Assis
5 - "O Iluminado", Stephen King



 A brilhante adaptação de Stanley Kubrick, para o cinema, da obra de Stephen King

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5. Luan Pires
jornalista
(Porto Alegre/RS)


"Dom Casmurro" tem uma das personagens mais emblemáticas da literatura nacional:
Capitu. A personagem dos "olhos de cigana oblíqua e dissimulada" é um verdadeiro ensaio para quem curte a construção de um personagem.
Toda criança deveria ler a coleção do "Sítio do Pica-Pau amarelo". E todo adulto deveria reler.
Uma homenagem a imaginação, a cultura e ao sonho das crianças e dos adultos que nunca deveriam deixar de ter certas inquietações juvenis.
Desafio qualquer um no mundo a descobrir o final de "O Assassinato de Roger Ackroyd"! [ponto final!].
Cara, pra mim, "Modernidade Líquida" é o livro mais necessários dos últimos tempos.
Pra entender a sociedade e o caminho para onde estamos seguindo.
"@mor" é um ensaio perfeito das relações humanas atuais.
O que me chamou atenção é que não demoniza a internet, mas aceita o papel dela nos relacionamentos atuais.
O formato, só em troca de e-mails, é um charme. E o final é de perder o fôlego."


1- "Dom Casmurro", Machado de Assis
2 - "Sítio do Pica-Pau Amarelo" (qualquer um da coleção), Monteiro Lobato
A turma do Sítio, do seriado de TV
da década de 70, posando com seu criador
(à direita)
















3 - "O Assassinato de Roger Ackroyd", Agatha Christie
4 - "Modernidade Líquida", Zigmunt Bauman
5 - "@mor", Daniel Glattauer




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segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Exposições “Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás”, de Pierre Verger - Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) - Porto Alegre/RS


 

"Verger era um africano nascido na França”. 
Nondichao Bacalou, assistente de Pierre Verger

"Verger é a pessoa que historicamente vem se dedicando mais a essas relações com a África”.
Gilberto Gil

Quando estivemos em Salvador, em 2015, uma das certezas as quais saímos levamos na mala era a de que queríamos ver a obra de Pierre Verger. Tanto quanto a casa de Jorge Amado e Zélia Gattai, o Pelourinho, o Elevador Lacerda, a Sorveteria da Ribeira, o Mercado Modelo, a praia de Itapuã e outros elementos turísticos e culturais da capital baiana, ter contato com o estrangeiro que melhor entendeu e melhor se hibridizou àquela cidade era um desejo alentado por Leocádia e por mim. Conseguimos visitar uma loja da Fundação Pierre Verger com um pequeno acervo próxima ao Pelourinho, onde ficamos hospedados. Saímos com alguns souvenires e roupas temáticas, que até hoje nos fazem lembrar de lá. Porém, considerando os menos de cinco dias que pudemos ficar, e que naquela época qualquer movimento maior numa cidade que não se conhece podia ser realizada apenas de táxi, pois não existiam ainda os aplicativos de transporte, a matriz da fundação, no longínquo bairro Engenho Velho de Brotas, infelizmente, não deu para irmos.

A frustração de não conseguirmos nos estender na obra de Verger, acalentada por um remoto retorno a Salvador, foi parcialmente superada com uma dupla exposição do icônico trabalho do fotográfico do etnólogo, antropólogo e escritor francês em Porto Alegre. “Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás” trazem o olhar de Pierre Fatumbi Verger sobre a diversidade cultural e a influência recíproca da religiosidade nas culturas africanas e afro-brasileiras. Fez-nos sentir ainda mais em Salvador o fato de que mostra é uma parceria com a Fundação Pierre Verger e as obras selecionadas pelo curador de Alex Baradel, especialista responsável pelo acervo fotográfico da Fundação.

“Todos iguais, todos diferentes?” traz um recorte dos retratos feitos por Verger a partir de seus encontros nas viagens que realizou pelo mundo durante mais de 40 anos. São imagens que, a partir de seu olhar, ressaltam os aspectos da diversidade cultural e do respeito ao outro. Vietnã, Espanha, Congo, Oceano Índico, Senegal, Bolívia, México, Togo, Peru, Mauritânia e, claro, Brasil, são alguns dos países e feições literalmente retratados no trabalho de Verger, que explora imagens em primeiro plano de indivíduos, que se tornam, mais do que apenas retratos de pessoas, mas uma intenção sociopolítica democrática e libertária típica da Antropologia Social da geração a qual ele pertenceu. Não errado dizer “de esquerda”.

Visão geral do primeiro salão de “Todos iguais, todos diferentes?”

Já “Orixás”... Nossa, “Orixás”! Este traz nada mais, nada menos do que uma seleção de fotografias ampliadas em grande formato que constam no livro homônimo de Pierre Verger, lançado pela primeira vez em 1981 e considerado como um dos 200 livros mais importantes para se entender o Brasil A exposição compila, de forma plástica e poética, as pesquisas de Verger sobre a história e mitologia dos orixás nas religiões afro-brasileiras, sobretudo em Salvador e Bahia, além de destacar a origem desses rituais na cultura e nos mitos iorubás africanos em países como Nigéria, Daomé (atual Benin) e Togo. Ao realizar esses estudos em suas viagens desde a Bahia e Recife e até a região do Golfo de Benin, entre os anos 1948 e 1978, Verger se tornou pioneiro na pesquisa quanto às influências culturais e religiosas recíprocas entre África e América, tal como passaram a se dar a partir do século XVI, com a diáspora africana ocorrida em função do tráfico de negros escravizados. As fotos são algo simplesmente arrebatador.

A sensação de penetrar no mundo de Verger ganha força a cada fotografia que se passa, a cada olhar de outra pessoa captada por ele, a cada detalhe enquadrado, a cada realidade dita em apenas um click de segundos. Ainda mais na exposição “Orixás”, que nos fez voltar àquela atmosfera da Bahia da qual nos despedimos com sentimento de incompletude. Adensa ainda mais esta percepção o fato de que a mostra é, justamente, resultado de uma parceria do Margs com a Fundação Pierre Verger e que as obras selecionadas pelo curador de Alex Baradel, especialista responsável pelo acervo fotográfico da Fundação. Só podíamos mesmo voltar à mágica Bahia de Todos os Santos, e isso sem precisar sair ali, na beira do Guaíba, abençoada por Yemanjá.

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Iguais e, sim, diferentes


Senhora típica espanhola e um belo jovem vietnamita, em fotos dos anos 30


Trabalhadores do povo daqui e de lá


Mulher africana e Leon Trotsky no exílio México


Vista geral da mostra “Todos iguais, todos diferentes?”


A vitalidade de jovens do Vietnam e de Cuba


Detalhe do preciso sorriso de um pequeno mexicano


Composições semelhantes em Tarabuco, Bolívia (cima) e em Ocongate, no Peru


Detalhe no foco, que está no rosto da jovem em segundo plano


Expressivo retrato de um idoso no Brasil dos anos 50, interior de SP


Outra marcante foto desta linda cubana (1957)


Entre os vários amigos ilustres, Dorival Caymmi, Diego Rivera e Walt Disney, ao centro, de "gaucho"


Foto da impressionante exposição "Orixás" (anos 50)


Trabalho etnológico de Verger, que rendeu fotos históricas da religiosidade africana e brasileira


Divindades do candomblé representadas


A plasticidade própria dos cultos africanos 


Yemanjá (Salvador, 1946)


Um 360° de "Orixás"


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“Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás”
Visitação até 08 de outubro, de  terça-feira a domingo, das 10h às 19h
Local: Museu de Arte do Rio Grande do Sul - MARGS - 1º andar expositivo do MARGS (Pinacotecas e sala Aldo Locatelli)
Praça da Alfândega, s/n°, no Centro Histórico de Porto Alegre - RS
Ingresso: gratuito


Daniel Rodrigues

domingo, 28 de janeiro de 2018

ARQUIVO DE VIAGEM - Aracaju - SE (11/01 a 18/01/2018)



Farol da Coroa do Meio
Quando se pensa em destinos de férias no Nordeste logo vem à cabeça Natal e suas dunas, o mar 'caribenho' de Maceió, as belezas do vasto litoral baiano, praias de Pernambuco como Porto de Galinhas ou do Ceará como Jericoacoara, mas Aracaju, a capital do estado de Sergipe, raramente é lembrada e no entanto tem seus encantos, atrativos e é, sim, uma boa opção de férias. Se seu litoral não conta com aquele azul fascinante da vizinha Alagoas, suas praias são gostosas e aprazíveis normalmente emolduradas por tranquilizantes coqueirais embalados por uma gostosa brisa. Sua orla, remodelada a pouco mais de dez anos, é uma das melhores do Brasil, proporcionando as mais diversas alternativas de lazer e entretenimento. Restaurantes, feiras, quiosques, quadras esportivas, ciclovia, pedalinho, oceanário, mirantes, tudo isso está espalhado ao longo da bela e convidativa Orla do Atalaia ao dispor dos turistas e da população local e são equipamentos urbanos como estes associados a um bom sistema de transporte, níveis de violência "aceitáveis", boa infraestrutura urbana, fazem de Aracaju a capital com melhor qualidade de vida do país. Além das praias e da orla remodelada com todas suas opções, é interessante visitar o Museu da Gente Sergipana, o Mercado Municipal, a Ponte Aracaju-Barra dos Coqueiros, o Farol da Coroa do Meio, o Oceanário do Projeto Tamar e a Passarela do  Caranguejo na própria Orla do Atalaia e ainda a belíssima e interessante Croa do Goré, uma pequena "ilha" de areia que só pode ser aproveitada pelos turistas até que a maré suba, quando então fica totalmente submersa. Fora da cidade ainda, não muito distante, pode-se conhecer ainda as cidades históricas de Laranjeiras e a quarta cidade mais antiga do Brasil, a interessante São Cristóvão, fundada em 1590; e um pouco mais distante, na divisa com a Bahia, o Mangue Seco, lugar que inspirou a obra "Tieta" de Jorge Amado e que foi uma das locações da novela de mesmo nome, exibida pela Rede Globo de Televisão. Bem mais longe, mas mesmo assim uma das atrações da região, e  que pode ser negociada com qualquer agência da cidade, ficam os fascinantes Cânions do Xingó. O passeio é lindo mas exige um dia inteiro e muita disposição, uma vez que a cidade de Canindé do São Francisco, de onde parte o catamarã, fica a três horas da capital.
Então tá sem destino certo? Não decidiu ainda para onde ir? Aquelas badaladas estão caras e a grana tá meio curta? Tenta Aracaju que é uma boa opção.
Vão aí algumas imagens da cidade e dos passeios por lá.

A grande extensão de praias e seus belos coqueiros
(Praia do Refúgio)

O calçadão da Orla do Atalaia

A fachada do Museu da Gente Sergipana

No saguão central do Museu,
uma rede de pescaria cheia de cultura local.

Os elementos da cultura sergipana em destaque no Museu.


No centro histórico, o mirante Ponte do Imperador.

Saindo da área urbana, a Croa do Goré.
Lazer só até a maré encher.

o passeio de bugre pelas dunas do Mangue Seco

Os famosos coqueiros "Romeu e Julieta"
em Mangue Seco.

Os belíssimos cânions do Xingó cortados pelas águas do Rio São Francisco

As impressionantes formações rochosas e os desenhos da natureza.

A cidade histórica de São Cristóvão,
a quarta mais antiga do Brasil.

A praça São Francisco em São Cristóvão

Em Laranjeiras, uma das igrejas no alto da colina.

E o casario antigo da cidade.

Voltando à Orla, o Oceanário do Projeto Tamar

Ainda no Tamar, o tanque dos tubarões.

O caranguejo que dá as boas vindas à passarela


A plataforma que leva à praia do Atalaia,
uma larga faixa de areia


O calçadão da Orla e uma declaração de amor a Aracaju.



C.R.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Dorival Caymmi - "Canções Praieiras" (1954)



“Dorival é um Buda nagô,
filho da casa real da inspiração.“ 
Gilberto Gil



Antes de mais nada, um aviso aos navegantes das águas de Iemanjá: Dorival Caymmi não é música. Para o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, a verdadeira arte manifesta algo que não está somente naquilo que se percebe na epiderme da obra, mas, sim, na sua estrutura, no seu significado mais profundo. Assim como uma “Guernica” de Picasso é mais do que uma pintura ou “Tempos Modernos” de Chaplin mais do que um filme, pois são marcos históricos divisores-de-águas da sociedade, o que Caymmi produziu tem uma amplitude antropológica que vai além dos limites da música. Caymmi conseguiu traduzir através de sons os costumes de um povo, os jeitos de um povo, o pensar de um povo. “Canções Praieiras”, de 1954, é isso: extrapola o sentido de uma simples gravação. É um documento fonográfico de suma importância para tudo o que se possa classificar como cultura no século XX, seja popular, folclórico ou erudito, pois ele foi um criador de linguagem. Como disse  Gilberto Gil , Caymmi é o início da “nova idade de ouro da canção”.
A universalidade da música deste baiano abençoado pelos orixás está em cada som, em cada dedilhado graúdo mas delicado na viola, em cada entoar do seu barítono, em cada rebolado sensual do seu canto. Nos temas, os conflitos, sentimentos e a luta diária pela sobrevivência daquele que vive em contato com o que há de mais primitivo e puro na natureza: o pescador. E os elementos dessa poética são os mais essenciais da vida: o mar, a água, a terra, o vento, a noite, a morte. De uma coesão conceitual impressionante, as oito faixas que compõem o disco trazem tudo isso do primeiro ao último segundo. Terra, mar e céu, assim como as dimensões do homem, da natureza e do místico, são trazidos em sua poesia em plena simbiose, equiparados, indistinguíveis. Tudo voz e violão, executados com tanta naturalidade que passa a sensação de que ele gravou na beira da praia, com os pés sobre a areia e olhando pro mar, apenas deixando os sons virem.
“Canções Praieiras” é uma escritura de clássicos absolutos, todos irreparáveis. O que dizer de “É Doce Morrer no Mar”, “O Mar” ou “A Jangada Voltou Só”? Operísticas, as três trazem o tema da morte, mas abordado sob a ótica mística e singela do pescador. Deslumbrante, mágico e de uma dramaticidade teatral espantosa. De tão visuais, é possível enxergar um filme em cada música. Misturando um pouco das histórias de cada uma, olhem só no que dá:

CENA 1 - EXTERNA – FIM DE TARDE – Várias tomadas do mar agitado.

CENA 2 - INTERNA – FIM DE TARDE - Pescador Pedro se despede com pesar de sua amada, Rosinha de Chica, pois não sabe se vai voltar da pescaria.

CENA 3 - INTERNA – FIM DE TARDE – Já sozinha, Rosinha, intuindo o pior, reza chorando.

CENA 4 – INTERNA/EXTERNA – NOITE - Pedro e seus companheiros, Chico, Ferreira e Bento, encontram-se na praia para iniciar o trabalho. Pegam a jangada e ganham o mar bravio na noite ventosa.

CENA 5 - EXTERNA – NOITE – Já em alto-mar, as águas se revoltam. Os pescadores acreditam ser por vontade de Iemanjá. Eles lutam para sobreviver, mas não resistem e caem no mar.

CENA 6 - EXTERNA – MANHÃ - A jangada aparece na beira da praia toda quebrada e sem os pescadores. Juntam várias pessoas da comunidade de Jaguaripe. As moças choram de fazer dó. Comoção geral.

CENA 7 - EXTERNA – MANHÃ – O corpo de Pedro aparece em outra ponta da praia próximo às pedras, todo roído dos peixes.

CENA 8 – EXTERNA – TARDE – FLASHBACK – Os pescadores felizes na festa da aldeia. Chico vestido de boi adornado na procissão de Natal. Bento, cantando modinhas e dançando, diverte a todos. Pedro e Rosinha trocam olhares de amor.

CENA 9 – EXTERNA – FIM DE TARDE - Rosinha, traumatizada, enlouquece. Passa a zanzar pela praia catatônica e com os olhos marejados dizendo baixinho: “Morreu. Morreu”.

CENA 10 – EXTERNA – FIM DE TARDE – Sob o sol vespertino, a onda do mar quebra lindamente na areia da praia.

FIM

Um roteiro de cinema perfeito! Caymmi é capaz de criar imagens, verdadeiros quadros da realidade de uma cultura, semelhante ao que fizeram, cada um em sua área, Jorge Amado, Caribé e Pierre Verger da mesma Bahia de Todos os Santos. Neste sentido, a música de Caymmi é extremamente figurativa, pois consegue ser literária ao mesmo passo que é cênica e imagética. “Canoeiro”, das que mais me assombro, reproduz em sons e versos o movimento sincronizado e o canto de um grande grupo de pescadores no ato da pesca, com aquela rede gigante sendo tirada do mar lotada de peixes. Sempre que ouço lembro sempre de cenas de “Barravento”, do também baiano Glauber Rocha.


O fantástico (sereias, lendas, cultos, santos, Batucajé) está constantemente presente. Assim é a incrível “Lenda do Abaeté”, com seus acordes de violão graves parecendo berimbau e clima introspectivo (até assustador) que arrepia ao se escutar, pois dá a impressão que faz suscitar sensações muito viscerais do ser humano. O disco fecha com a brejeira “Saudade de Itapoã”. Em águas calmas.
É de Caymmi que nasce toda a construção melódica da MPB moderna – esta uma das mais modernas e criativas expressões musicais de todo o mundo no último século. Carmen Miranda conquistou o planeta mostrando, com música dele, o que é que a baiana tem. Os grandes intérpretes, de Nelson Gonçalves a  Gal Costa, de Elizeth Cardoso Nara Leão, sempre reverenciaram sua obra. A bossa nova herdou-lhe as inusitadas dissonâncias, o ritmo e o gingado nordestino do samba, além da engenhosidade timbrística e harmônica e, largamente, o estilo sintético. Voz e violão. Foi o exemplo que bastou para  João Gilberto ajudar a criar uma música universal como a bossa nova.
Tudo isso porque, mais do que um músico que transpõe a realidade para sua arte, Caymmi é, justamente, ator e personagem dessa própria realidade. Ele é sua própria arte. Morto em 2008, deixou uma obra relativamente pequena se comparado com outros contemporâneos seus (Cole Porter, Noel Rosa, Carlos Gardel, Pixinguinha, Ernesto Lecuonda). Mas sua música vai além das fronteiras da própria música; é arte em sua mais pura essência. Simplesmente, Dorival Caymmi é como o mar quando quebra na praia: é bonito. É bonito.
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FAIXAS:
01 - Quem Vem Pra Beira do Mar
02 - O "Bem" do Mar
03 - O Mar
04 - Pescaria (Canoeiro)
05 - É Doce Morrer no Mar
06 - A Jangada Voltou Só
07 - Lenda do Abaeté
08 - Saudade de Itapoã

(Todas de autoria de Dorival Caymmi)

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terça-feira, 31 de março de 2015

Exposição “Plásticas Sonoras”, de Walter Smetak – Galeria Solar Ferrão – Salvador/BA (3/3/2015)




"Um homem chegado de terras longínquas,
aqui plantou raízes, a compor, a tocar,
 a inventar instrumentos, misto de músico e escultor,
de filósofo e profeta,
uma das figuras mais extraordinárias da arte brasileira."
Jorge Amado

Sou um descompositor contemporâneo.”
Walter Smetak




Uma das coisas que mais queria ver quando fosse a Salvador, se esta ainda estivesse lá, era a exposição de obras de um cara que tenho grande admiração: Walter Smetak. O gênio da música microtonal que, a partir de uma obra pautada pela originalidade, didática e hermetismo, abriu caminho para toda a música moderna brasileira, influenciando e ensinando diretamente figuras como Caetano VelosoGilberto GilTom ZéRogério DupratRogário Duarte, Walter Franco, Gereba, Marco Antônio Guimarães, entre outros.

Já apreciador de sua música e trajetória (gravou dois discos: “Smetak”, de 1973, produzido por Caetano e Roberto Santana, e “Interregno”, com o Conjunto de Microtone, de 1980), em 2008, conheci em São Paulo sua neta, Jessica, jornalista como eu com quem estabeleci saudável amizade. No final do ano passado, no que confirmei minha ida à Terra de Todos os Santos , prontamente me comuniquei com ela para perguntar-lhe se ainda se mantinham em exposição as obras de seu avô. Um agravável “sim” recebi como resposta, indicando que o material se encontrava na Galeria Solar Ferrão, em pleno Pelourinho – quadras adiante de onde Leocádia e eu nos instalaríamos.

O Solar em si já é uma atração: um casarão construído entre o fim do século XVII e início do XVIII (tombado pelo IPHAN em 1938) sem os rebuscamentos da arquitetura colonial mas exuberante em dimensões: quatro andares com longas salas e um terraço, um subsolo e um pátio traseiro. Este abrigava três ricas exposições: a de arte africana (do colecionador italiano Claudio Masella), outra de arte sacra (de acervo pertencente ao artista plástico e também colecionador baiano Abelardo Rodrigues) e a terceira, a que eu tanto ansiava ver: “Plásticas Sonoras”, de Smetak.

Anton Walter Smetak, ou somente “Tak Tak” – como era apelidado por Gil devido à sua postura séria de educador europeu, mas também numa alusão onomatopeica à sua procedência da terra dos relógios –, era violoncelista, compositor, inventor de instrumentos musicais, escultor e escritor nascido em Zurique em 1913. Fugido da 2ª Guerra, veio parar no Brasil nos anos 30. Sua primeira cidade foi, por essas coincidências da vida, a minha Porto Alegre, tendo atuado como professor da recém-inaugurada faculdade de música da Universidade Federal do RS. Também na capital gaúcha, formou o Trio Schübert, juntamente com outros dois músicos de descendência europeia como ele, grupo de câmara com o qual se apresentava na antiga rádio Farroupilha. Trocando informações com sua neta tempo atrás, soube que ela estava escrevendo um livro sobre o avô (“Smetak: Som e Espírito”) e me prontifiquei a pesquisar alguma coisa nos arquivos do Museu de Comunicação Social Hipólito da Costa, aqui em Porto Alegre. Achei alguns anúncios da programação da rádio em que o Trio Schübert se apresentava em exemplares do jornal Correio do Povo de 1937. Embora pequena, minha contribuição foi parar no livro como bem podem ver.

Porém, como disse, minha contribuição foi pequena. Só podia, pois Smetak, depois de uma passagem pelo Rio de Janeiro iniciada em 1941, encontrou-se como cidadão e pessoa no destino seguinte: Salvador. Lá, a partir de 1950, casou-se, formou família e estabeleceu residência (até sua morte, em 1984). Profissionalmente, passou a integrar a Orquestra Sinfônica da Universidade da Bahia, onde também lecionava música. Em um período de forte impulso à cultura em Salvador, artistas do teatro, cinema, dança, artes visuais e, claro, música, surgiam de todas as partes incentivados pelos programas públicos. E a ida de Smetak para lá, a convite do maestro alemão Hans Joachim Koellheutter, foi de uma química inusitadamente acertada.

Adaptado ao clima, à cultura, ao misticismo e às gentes da Bahia, Smetak achou na calorosa Salvador um terreno fértil para expandir sua carga erudita a serviço de uma nova visão musical-espiritual. Volta-se para o experimentalismo, numa pesquisa que chamava de “Iniciação pelo Som”, sob o impacto de estudos realizados na Eubiose – corrente teosófica dedicada à ciência da vida focada na evolução humana, levando em conta os planos espirituais da mente. Passa a investigar o silêncio (tal como fizera John Cage), o som (a exemplo dos modernistas da vanguarda europeia) e as suas relações com o homem (numa visão que trazia para reflexão a cultura milenar oriental).

Na sala/galpão que recebe da Universidade, já nos anos 60, monta uma oficina de ideias e objetos. É quando, para encontrar esse “novo som”, passa a criar instrumentos, intitulados, justamente, de “Plásticas Sonoras”. Para construí-las, Smetak empregou cabaças, madeira, cordas, tubos de PVC, latas e qualquer material que estivesse a seu alcance. Particularmente, acho maravilhosas essas composições plásticas de Smetak, uma vez que unem com muita propriedade e conhecimento o equilíbrio físico e espiritual que o autor buscava, com uma precisão digna de um relojoeiro suíço, a uma brasilidade profunda pela utilização de materiais típicos da natureza local com outros reciclados (olha aí a mentalidade sustentável de Smetak 40 anos antes de isso virar moda).

Além dessa fusão tão distinta e original entre velho e novo nundos, as Plásticas Sonoras, engenhocas de utilização não apenas visual mas prática, ainda me impressionam por outro motivo: o bom humor. Vindo de um homem refugiado de sua terra-natal, desbravador de um país distante do seu, tanto em quilômetros quanto em emotividade, e cuja formação foi pautada na rigidez do ensino europeu do início do século XIX, não seria de estranhar que essas obras transmitissem certo grau de amargura ou secura. Pelo contrário. Smetak, eterno subversor da arte, na Bahia, reinventou a si através da música. Ele uniu os microtons (comuns na tradição musical de países orientais), Stockhausen, Cage, Ives e Obuhov e seu arsenal bachiano às sonoridades e harmonias folclóricas brasileiras, buscando nisso produzir uma música que ampliasse as percepções humanas a caminho de um autoconhecimento amplo da alma. Algo de um exotismo e imparidade apenas reduzidos pela larga aplicabilidade pedagógica que teve. As Plásticas Sonoras, assim, são uma extensão de sua música e filosofia, o que fica evidente nos títulos das peças: “Mulher faladora movida pelo vento”, “Mr. Play-Back”, “Caossonância”, “Piston Cretino”. De um humor que muito tupiniquim “original” não teria.

Se a Tropicália mudou a música brasileira no final do século XIX, reverenciando as dissonâncias agradáveis da bossa-nova e o legado tonal dos sambistas antigos, foi o lado avant-garde aprendido com Walter Smetak que deu lastro para a ligação da Tropicália com o modernismo, concretismo, neoconstrutivismo e atonalismo. Não foi a orquestração de George Martin nem o exemplo composicional engenhoso de Lennon/McCartney (pelo menos, não apenas). É Smetak que está fortemente nos arranjos de Duprat, na divisão harmônica de Tom Zé, no ”canto-de-ruídos guturais” de Caetano (como definiu Augusto de Campos), na ênfase minimalista do Uakati, no atonalismo de Walter Franco, na aproximação Brasil-Japão de “"Refazenda"-Refavela” de Gil. Este último, sabiamente como lhe é de costume, bem definiu a amplitude da obra do mestre e irmão: “Smetak é um mergulhador de excelente performance e vários records de profundidade no oceano da Dúvida”.

"Música dos Mendigos"- Walter Smetak

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"Plásticas Sonoras", de Walter Smetak
onde: Galeria Solar Ferrão (R. Gregório de Matos, 45, Pelourinho, Salvador/BA)
quando: Sábados, domingos e feriados, das 12h às 17h
visitação: terça a sexta, de 12h às 18h
entrada: gratuita



Anjo-soprador

Bicéfalo

Biflauta

Bimono

Caossonância

Chori-viola

Metástase

Mulher faladora
movida pelo vento

O Peixe

Pindorama

Piston cretino

Reta na curva

São Jorge Tibetano

Vidas I, II e III