“Nunca fui revolucionário. O
único revolucionário em nossa época foi Strauss! Arnold Schoenberg
“Há sempre seu quê de loucura no
amor; mas também há sempre seu quê de razão na loucura.”
trecho de “Assim Falou
Zaratustra”, de Friedrich Nietsche
É bem provável que, por insistência dos estúdios cinematográficos, o
diretor Stanley Kubrick encomendara uma trilha sonora original para um filme
que ele rodaria, a ser lançado em 1968, ao compositor Alex North (que
trabalhara com ele em “Spartacus”, de 1960). O filme em questão chamar-se-ia
nada mais nada menos que “2001: Uma Odisseia no Espaço”, obra-prima do cinema.
Porém, nada do que North compôs foi aproveitado no filme. Kubrick sabia muito
bem o que queria para a trilha. Além de obras de Grygöry Ligeti, Johann Strauss e Aram Khatchaturian, ele usou o
clássico pós-romântico “Assim Falou
Zaratustra”, de Richard Strauss.
O resultado foi tão certeiro que, até hoje, a peça é conhecida como “a música
do 2001”. Não à toa. “Zaratustra”, que inicia epicamente o longa, é uma música
de proporções sonoras e simbólicas gigantescas que resume, através de seus sons
intensos e saborosamente dissonantes, a força da
transformação da humanidade que o filme retrata.
Pois de força de transformação o alemão
Richard Strauss entendia. De alma rebelde, apaixonada e inquieta, Strauss foi
um punk de seu tempo. Ele aprendeu as formas clássicas, estudou Franz Liszt e
Richard Wagner (a quem idolatrava), e, embora o rivalizasse, era amigo e admirador
de Gustav Mahler. Mas Strauss subverteu tudo isso. Entre outras loucuras
saudáveis, meteu trítonos diabólicos e necrofilia na história bíblica da ópera
“Salomé”, de 1906, e, dois anos antes, anteviu o american way of life com quatro décadas de antecedência com sua
“Symphonia Domestica” ao descrever o dia a dia de uma família norte americana
comum. Porém antes, na sua série de “poemas sinfônicos” (na qual bancou musicar
autores pouco quistos como Richard Dehmel e Max Stirner), Strauss já havia
trazido ao mundo outra saudável transgressão, a talvez primeira ponte concreta
entre a tradição tonal e o atonalismo que desembocaria no trio de Viena, Berg, Webern e, principalmente, Schoenberg – a quem influenciou sobremaneira tanto em
estilo quanto em atitude. “Assim Falou Zaratustra”, de 1895, é, em seus cerca
de 35 minutos, uma obra revolucionária em forma e proposta que traz diversos
lances dessa ruptura. Isso fica evidente nas torrentes sonoras e nas
dissonâncias maravilhosamente bem arranjadas. Fortes e certeiras.
Depois das inconfundíveis quatro notas da Quinta de Beethoven (o “Tchan-tchan-tchan-tchaaaaan!”), o início
de “Zaratustra” é talvez o mais marcante da história de toda a música. Como bem
captou Kubrick para a cena inicial de um filme que versa sobre os limites do
homem, esta passagem deve sua força cósmica às leis naturais do próprio som e
como ele se distingue em nosso cérebro. Quando se fere uma corda afinada num dó
inferior e, em seguida, dedilha-a de novo prendendo pela metade, o tom sobe
para o próximo dó. Esse é o intervalo da oitava. Fazendo-se o mesmo nas
divisões subsequentes, dá-se origem a outros intervalos, o que é considerado os
primeiros passos da série harmônica natural, que reverbera como um arco-íris
sempre que a corda é colocada em vibração.
Em “Zaratustra”, essa explicação teórica fica fácil de perceber: dós
profundos para começar, trompas tocando um dó mais agudo, um sol, um dó mais
agudo ainda, e um mi natural, que rapidamente desliza para mi bemol, formando
um dó menor em tom sombrio. Na repetição, mi bemol sobe para mi natural,
originando um reluzente acorde de dó maior. São aproximadamente 1 minuto e 20 e
poucos segundos que causam, invariavelmente, uma sensação instintiva de prazer
e agitação. O último acorde ainda demora em terminar, sustentando-se por
segundos sem cair, exemplo que influenciou outros músicos a usarem do mesmo
expediente, como Arvo Pärt, no final da parte “Ludus”, de “Tabula Rasa”, ou os Beatles, ao concluírem de forma esplendorosa "A Day in the Life".
Anos atrás, quando escutei pela primeira vez a obra inteira, de tão
impressionante que é o “tema
do amanhecer”, confesso que me pareceu todo o restante muito inferior.
Mera imaturidade de meu ouvido, pois, sem dúvida, não quer dizer que a abertura tire o brilho do
restante. Baseada no livro homônimo do conterrâneo Friedrich Nietsche (ainda
vivo e em voga na época), a música de Strauss traduz de maneira intensa e
carregada a magnitude poética do texto filosófico, que passeia pelas contradições
e embates entre homem e natureza. Para isso, Strauss se vale de volumosos
contingentes orquestrais, que geram ondas de impressionante impacto sonoro,
graduando a expressividade e aliando força e requinte nas partes mais
grandiosas. Desenvolve cellos e violinos, sem sair do leitmotiv, que é reavivado de tempo em tempo ao longo da peça, seja
em forma de frases, em suposições de seus acordes ou em novas citações.
Na segunda metade, Strauss adensa a orquestração. É a vida em estado de
tensão/renovação. Torrentes de cordas anunciam a entrada marcante dos sopros:
trompas e trompetes tomam o espaço. “Ó!
miséria de todos os que dão! Ó! eclipse do meu sol! Ó! desejo de desejar! Ó!
fome devoradora da fortuna”, diz Nietsche sobre o “Canto da Noite”.
Porém, “antes do nascer do sol”,
o prado, então “verde e colorido”,
torna-se “triste e cinzento”. Flautas
emitem sons de pássaros assustados, que veem a aurora sobre ataques de trombas
ameaçadores. “As pernas do conhecimento
fatigaram-se-lhes e agora caluniam até os seus brios da manhã.” O que
restará de nós, natureza? Após desenvolver notas sonolentas e cambaleantes, a
melodia vai se esvanecendo até se... suspender. Justo no renasce do dia, Strauss
o mata, poeticamente. Assim falou (o seu) Zaratustra.
Intenso em personalidade, Strauss morreria em 1943 e, mesmo com um
breve e mal explicado envolvimento com o Reich de Hitler, sua obra venceu o
tempo. Durante sua vida, não procurou as facilidades: sempre mirou os desafios
como quem tem sede de mudança. Se hoje é normal as guitarras do rock rasgarem
os alto-falantes ou a atonalidade da vanguarda ser aceita e até deglutível,
muito se deve a ele. Strauss é um artista que rendeu sua vida à arte dos sons, e
este trecho do Zaratustra de Nietsche parece ter sido escrito para ele: “Acaso aspiro à felicidade? Eu aspiro à minha obra”.
Abertura de"2001 - Uma Odisséia no Espaço"
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FAIXAS:
1 - Einleitung (Introdução), ou nascer do sol
2- Von den Hinterweltlern (Dos Antigos Homens)
3 - Von der großen Sehnsucht (Da Grande Saudade)
4 - Von den Freuden und Leidenschaften (Das Alegrias e Paixões)
Duas capas de "Pedro e o Lobo": acima, a primeira gravação, com a Boston Symphony Orchestra, de 1939, e abaixo, versão em português narrada por Rita Lee, de 1989
”Na Rússia, há um grande esforço para a educação musical das crianças. Uma das minhas peças orquestrais, ‘Pedro e o Lobo’, foi uma experimentação. As crianças recebem impressões de diversos instrumentos da orquestra apenas ouvindo a peça sendo apresentada”.
Sergei Prokofiev
“[O estilo de Prokofiev é uma] combinação do simples com o intrincado, da complexidade do conjunto com a simplificação do particular”.
V. Karatygin, crítico musical
“Todo o instável, transitório, acidental ou caprichoso foi excluído de sua obra (...) Nada efêmero, nada acidental. Tudo é distinto, exato, perfeito. Por isso, Prokofiev é um dos maiores compositores do nosso tempo”.
Sergei Eisenstein
O compositor russo Sergei Prokofiev pode ser considerado um artista moderno em vários aspectos. Não apenas por ter contribuído para a construção da música contemporânea uma vez que pertencente à geração modernista, mas por ter sentido na pele o maior dos dilemas de um artista dos tempos atuais: ser pop ou não ser pop. Eis a questão. Para quem vivia de arte na Rússia de Stálin, o estrelato até era possível, mas não sem preço. O instituído conceito de Realismo Socialista exigia dos artistas maior comunicação com o publico. Trocando em miúdos: que suas criações servissem, como em qualquer ditadura, de propaganda política. Entre os grandes músicos de sua geração, todos, sem exceção, tiveram problemas para exercer justamente aquilo que os fazia importantes inclusive para o governo bolchevique, que se aproveitava de seus talentos para potencializar o discurso comunista. Stravisnky, Rachmaninoff e Shostakovitch, por exemplo, sofreram ora com a apropriação do Estado, ora com a ferrenha vigília do mesmo. Se não obedeciam, eram postos numa geladeira mais fria do que a Sibéria: aquela destinada aos traidores da nação. Fosse numa prisão domiciliar ou mesmo no autoexílio, não raro o resultado era uma depressão pela falta de liberdade ou, pior, pelo nacionalismo ferido. Não havia o que lhes salvasse.
Com Prokofiev ocorreu tudo isso também: talento descoberto cedo, alçamento à estrela, tentativa de doutrinação, contrariedade a esta condição, longo período sabático no exterior, amadurecimento artístico e... retorno para a Rússia. Nessa ordem. O bom filho, ainda mais um nacionalista como todos da sua geração, à casa tornaria hora ou outra, mesmo que o cenário não fosse dos mais favoráveis como aquele de 1933, 16 anos após a Revolução Socialista. Produzir? Podia, só que dentro dos ditames que o estado determinava. Passar a compor marchas diatônicas, corais para amadores e cantatas meramente comemorativas era o que lhe restava se quisesse trabalhar. Neste processo de simplificação linguística e aproximação com o lirismo tradicional russo escreveu trilhas para cinema em contribuições memoráveis nos filmes “Alexandre Nevsky” e “Ivan, o Terrível”, ambos de Sergei Eisenstein. Mas longe daquilo que gostava: dissonâncias, polifonia, riqueza harmônica e exageros aqui e ali.
Só que, diferentemente dos seus pares, Prokofiev tinha dentro de si um anjo para lhe salvar. Compositor desde os 5 anos de idade, quando surgiu como pianista prodígio, Prokofiev resgata da memória as tenras melodias folclóricas que ouvia dos camponeses quando criança em Sontsovka, na Ucrânia, onde nascera, e do incentivo dos pais para a vida musical para se inspirar e pincelar com cores vivas a sua inevitavelmente intrometida obra. É neste contexto que nasce aquela que, além de ser sua obra mais conhecida, é também uma das mais revolucionárias da música erudita de todos os tempos: o conto sinfônico infantil “Pedro e o Lobo”, de 1936, para narrador e orquestra, Opus 67.
Capa do livro original em russo, de 1936
Na história, Pedro é um jovem pastor de ovelhas que vive com o seu avô no campo. Um dia, farto de algo mais divertido, decide gozar com as pessoas da aldeia, mentindo que estava sendo atacado por um lobo. Desmascarado, ele não é acudido pelos camponeses irritados com sua atitude mentirosa quando, de fato, o perigoso animal espreita. O lobo engole o pato, que havia fugido por descuido do menino, e só não o faz o mesmo com o gato porque este, ágil, sobe à árvore.
O sucesso universal que “Pedro...” obteria século XX adiante faz com que seja difícil imaginar o quanto foi penoso para Prokofiev compô-la. Autor acostumado às construções intrincadas de melodia e harmonia, subvertidas com perícia e austeridade, o que geralmente lhe dificultava o entendimento, Prokofiev via-se agora diante da encomenda de Natalya Sats, diretora de um teatro infantil de Moscou, em um projeto no qual era necessário ser compreendido por todos os públicos, principalmente o infantil. Desta forma, o compositor usa toda sua inteligência musical para, num processo cartesiano, limpar as complexidades desnecessárias e edificar uma peça que, devido à sua beleza lúdica e clareza conceitual, passou a servir de referência a obras voltadas para crianças. Na Rússia e no mundo! Sendo forçosamente pop, Prokofiev inferiu de maneira inapagável na cultura pop.
Ledo engano, no entanto, supor que o compositor russo apenas despiu de experimentalismo sua música para criar um mero número fácil e vulgar. O grande mérito dele está em, sabendo valer-se de toda sua sensibilidade musical e extenso cabedal técnico – adquirido desde a infância com mestres como Glière, Rimsky-Korsakov e Stravisnky, e mais tarde, no convívio com figuras como Picasso, Cézanne, Diaguilev e Maiakowsky –, não desfazer a inteligência do público a quem se dirigia: as crianças. Situando-se entre a música absoluta, a realização de uma paisagem sonora ideal desvinculada do ambiente externo, e a música programática, gênero instrumental criado no período romântico que transforma o espaço natural em sala de concerto, “Pedro...” tem o objetivo pedagógico de ensinar música às crianças.
Prokofiev: um revolucionário entre o erudito e o popular
Prokofiev deu a cada personagem da história a representação por um instrumento: Pedro, o quarteto de cordas; passarinho, a flauta transversal; pata, oboé; gato, clarinete; vovô, fagote; lobo, três trompas; e os sons dos caçadores, tímpanos e bombo. Através da linguagem musical plástica e literária, faz-se entender e entreter. No espaço simbólico entre a elite e o povo, Prolofiev optava pelos dois. Como Richard Wagner, o russo vale-se da aliteração poética para fazer com que a música participe do enredo, evocando sugestões e harmonias. Uma das ferramentas usados é outra técnica largamente usada pela ópera: o leitmotiv. Elemento recorrente na composição de “Pedro...”, ajuda Prokofiev a desenvolver temas que constituem, cada um, um “motivo”, isto é, uma reiteração ao longo da composição, que apela com frequência ao resgate de trechos e sons anteriores.
Ao suavizar sua estética geralmente arrojada por uma simplificação estilística, Prokofiev marca uma viragem que, talvez sem perceber, provocaria uma revolução na música mundial. Quantos artistas posteriores a ele oriundos do meio alternativo, da vanguarda ou do erudito também se depararam com a dicotomia entre popular e alta cultura? Manterem-se fiéis aos preceitos e restringir sua comunicação a poucos ou mudar de paradigma e expandir o alcance de suas obras? E quantos, sem saber lidar, se perderam nisso? Beatles, Salvador Dalí e Federico Fellini, cada um em sua área, sabem bem do que se trata.
O fato é que é certo dizer, por exemplo, que “Fantasia”, realizado três anos após o lançamento de “Pedro...”, jamais sairia do raff de Walt Disneynão fosse o conceito linguístico cunhado por Prokofiev, que foi aos Estados Unidos em 1938 apresentar-lhe a peça ao piano especialmente. Tanto que o próprio Disney produziu, em 1946, sua versão para a obra, introjetando seus ensinamentos. “Pedro...” influenciou as cabeças de Hollywood, que perceberam naquela “fórmula” de casamento música-imagem um poderoso elemento narrativo de comunicação com o público espectador, e não só o infantil. Filmes, animações, publicidade, televisão e tudo que se imagine da relação som/personagem bebem até hoje nesta inaugural sinfonia para crianças – e adultos, claro. Não precisa ir muito mais longe para notar essa influência. Os acordes de cordas que designam Pedro são exaustivamente copiados em praticamente todas as trilhas sonoras cinematográficas de filmes minimamente voltados ao público infanto-juvenil, visto que o principal reinventor do conceito musical do cinema moderno, John Williams, é claramente um adepto de Prokofiev.
"Pedro e O Lobo",de Walt Disney(1946)
Além disso, é possível ouvir versões de “Pedro...” nas mais diversas línguas e culturas, que se identificam com a história independentemente do local e tempo dada sua universalidade. David Bowie, Sean Connery, Bono Vox, Boris Karloff (inglês), Gérard Philipe, Pierre Bertin (francês), Antonio Banderas (espanhol), Sophia Loren (italiano), Paul de Leeuw (holandês), Rita Lee e até Roberto Carlos (português) já narraram a peça em seus respectivos idiomas em mais de uma centena de gravações.
O feito de Prokofiev, mesmo que a duras penas, foi o de contribuir sobremaneira para a cultura pedagógica da música na sociedade e para a popularização da música erudita, taxada de difícil e chata (muitas vezes, não sem razão) pelo grande público. Em “Pedro...”, sem abrir mão da tradição clássica e da veia vanguardista, Prokofiev, salvo pela própria alma infantil, ajudou a democratizar a música de alta qualidade, tornando-a popular no melhor sentido da palavra. Fez o que talvez camarada Stálin nem suspeitasse ser possível sem rigidez: uma obra literalmente “comuna”.
*Versão com a New Philharmonia Orchestra, narrada por Richard Baker com dondução de Raymond Leppard, de 1971, considerada pela revista de música clássica Gramophone como a melhor gravação de "Pedro e o Lobo"
Eu
voltei da Europa na turnê que eu fiz com o Paulo Moura,
logo depois do show do
Bituca com o ‘Clube da Esquina’.
É um disco que eu compus todo na Europa,
chamado ‘Matança do Porco’.
Música que, inclusive, tem no disco ao vivo do
Milton,
o ‘Milagre dos Peixes Ao Vivo’.
Você vê que as ideias estavam ali.
Foi
a nossa época de laboratório mesmo.
Serviu para o resto das nossas vidas.”
Wagner Tiso
Milton Nascimento foi sempre o cabeça e congregador do chamado Clube da
Esquina, esse time de artistas de Minas Gerais que mudou a cara da MPB desde a
conturbada segunda metade dos anos 60 de Ditadura Militar no Brasil. Em torno
de Bituca – e muitas vezes até motivados por ele, como no caso de Fernando Brant e Lô Borges – se configurou a movimentação musical que trouxe novas
linguagem e referências à música brasileira e até mundial se se considerar seu
pioneirismo naquilo que passou a se chamar tempo depois de world music. Wayne Shorter, Sarah Vaughan, Quincy Jones, Eric Clapton, Paul Simon, Carminho entendem isso muito bem. Porém, dos diversos
talentos surgidos à época e/ou junto com Bituca, um deles é quase tão
fundamental: o maestro Wagner Tiso. Surpreendentemente autodidata (o
saxofonista e clarinetista Paulo Moura, exímio arranjador, apenas lhe deu
toques sobre teoria), é naturalmente dono de um estilo de tocar piano e de
orquestrar que bebe no colorido de Claude Debussy e na força expressiva de
Richard Wagner, além de sua veia sacra, a qual adquiriu ainda pequeno nas
igrejas do interior de Minas que frequentava. Se Milton é o símbolo do Clube da
Esquina, principal compositor e propulsor da cena, Tiso é o centro harmônico, o
homem que aperfeiçoou a ideia e lhe deu lastro.
Tiso, sempre muito ligado a Milton Nascimento (ambos são naturais de
Três Pontas), já era o principal arranjador e regente dos trabalhos deste desde
o LP “Milton”, de 1970, mesmo ano em que, juntamente com Luis Alves (baixo), Frederyko
(guitarra) e Robertinho Silva (bateria) forma uma banda de apoio para o
parceiro. Assim surgiu a Som Imaginário,
para a qual ainda foram convocados para completar o grupo nada mais, nada menos
que três craques: Tavito (violão), Zé Rodrix (voz, órgão, flautas) e Naná
Vasconcelos (percussão). Um time de primeira. Além das essenciais participações
nos trabalhos de Milton e na de gente do calibre de MPB-4, Marcos Valle, Gal Costa, Odair José, Sueli Costa, dentre outros, a banda mantinha também carreira
própria. Depois de dois discos em que Rodrix comandava os microfones (“Som
Imaginário”, de 1970, e “Nova Estrela”, de 1971) a Som Imaginário, sem este e
Naná, sintetiza sua sonoridade psicodélica e até lisérgica e compõem um álbum
totalmente instrumental: “Matança do
Porco”, de 1973. Nele, a MPB se junta com felicidade ao rock progressivo,
ao jazz e à música clássica em seis canções assinadas por Tiso em que todos os
músicos se esmeram nos instrumentos. Solos magníficos, arranjos deslumbrantes e
orquestrações idem, cujas regências tiveram ainda a fina colaboração de Moura,
maestro Gaya e Arthur Verocai. Este último trabalho de estúdio do grupo é uma
obra-prima da música instrumental no Brasil.
“Armina”, com sua melodia valseada e melancólica, não apenas abre o
disco com o piano altamente erudito de Tiso como, igualmente, recorta-o todo,
aparecendo em vinhetas/excertos entre os outros cinco temas durante todo o
decorrer, desfechando-o também, inclusive. A canção dá o clima do álbum, cujo
peso do rock, o swing do samba-jazz e a energia do fusion são ciclicamente reconduzidos à
atmosfera do tema-tronco, o qual traça uma linha entre o litúrgico e o a
herança modernista do folclórico bachiano de Villa-Lobos. Entretanto, na
alquimia natural da Som Imaginário, de cara se ouve um potente jazz-rock de baixo-guitarra-bateria-órgão,
que faz um pequeno preâmbulo para, aí sim, dar lugar ao piano de Tiso. Depois
de um lindo solo, que traz delicadeza ao número, a banda retorna vigorosa – a
melodia lembra “I Want You (She's So Heavy)”, dos Beatles, na parte do “She so heavyyyy...”, para ver o nível
de grandioculência – para um exímio e longo solo da guitarra rasgante de Frederyko,
ao estilo de John McLaughlin. Por volta de 4 minutos e meio, param todos os
instrumentos elétricos para novamente ouvir-se o dedilhado acústico do piano,
fazendo ressurgir a valsa tristonha.
Agora sob o som de um piano elétrico, “A 3”, extremamente moderna, sintoniza
com o que Hermeto Pascoal, Airto Moreira e João Donato vinham fazendo nos
Estados Unidos àquela época e embasbacando os gringos: um jazz brasileiro com
ritmo, harmonias complexas e uma habilidade musical peculiar dos trópicos. Show
de perícia de toda a banda, que, levados pelos teclados, ganham o
acompanhamento da percussão do mestre Chico Batera e da flauta de outro professor,
Danilo Caymmi. Uma curta e orquestrada “Armínia”, arregimentada por Verocai – e
na qual se notam os toques de sua sofisticação harmônica, principalmente na
predileção pelos metais ouvidos ao final –, antecipa “A nº 2”, que inicia como
um samba cadenciado conduzido por uma linha de órgão. Vão se adicionando as
melodiosas vozes dos Golden Boys, solos da guitarra e cordas, num crescendo de
emoção. Até que, pouco antes dos 5 minutos, o baixo de Luis manda um groove e a música dá uma virada para um jazz-funk estupendo. Tiso troca o órgão para
o Hammond; Luis e Fredera, mantendo a base em repetições ágeis; Robertinho;
segurando o ritmo na variação caixa/prato de ataque. Arrasador. Digno de um
“Headhunters”, de Hancock, ou “On the Corner”, de Miles Davis.
A faixa-título, que eu conheci no disco de Milton, “Milagre dos Peixes
Ao Vivo” (1974), surpreendendo-me por demais já daquela feita, não perde em
nada no estúdio. Aliás, até ganha, tendo em vista que os registros ao vivo da
época eram deficitários tecnologicamente (o caso). Além do mais, o próprio
Bituca empresta aqui a sua voz. Então: serviço completo, nada faltando.
Sugestivo, o título remete ao arcaico ritual de abate de suínos típico do
folclore português e que, obviamente, devido a seus requintes de crueldade,
exprime algo de visceral e funesto vivido à época no Brasil de Regime Militar.
Como se tratava de uma canção “sem letra”, os milicos a consideraram inofensiva
e deixaram passar pela censura. Isso faz com que “Matança do Porco”, música e disco,
alinhem-se, pela via de um “silêncio resistente”, a “Milagre dos Peixes” de
estúdio, daquele mesmo ano de 1973, que os militares censuraram praticamente
todas as letras, transformando-o, forçadamente, num álbum semi-instrumental.
Este aqui é instrumental de propósito, pois não há palavras para exprimir o
sentimento nefasto que se presenciava. Os sons, dados à imaginação, falam por
si.
Nos mais de 11 minutos da canção “Matança do Porco”, ponto alto do
disco, deságuam boa parte da musicalidade construída pela turma do Clube da
Esquina. Seguindo a atmosfera erudita que domina o álbum, trata-se de um pequeno
réquiem transgressor, entre o rock e o jazz. Traz o vigor de um rock
progressivo, que lembra o Pink Floyd psicodélico pré-"Wish You Were Here",
ainda mais pela novamente excelente performance
de Frederyko debulhando a guitarra – e não deixando nada a dever a um David
Gilmour. O primeiro “movimento” inicia lento com acordes 2/2 de Tiso ao piano,
que exercita uma breve introdução (Kyrie e
Gloria) enquanto vão entrando aos poucos
os outros instrumentos até chegar na guitarra, que, distorcida, se adona do
campo. São quase 5 minutos de um solo dividido em dois momentos (algo que se
poderia intitular como “A Preparação”, Credo,
e “A Desforra”, Sanctus) que vai num crescendo
e toma uma carga emotiva tamanha com o poder de carregar consigo os outros
integrantes, ao final igualmente em êxtase. Robertinho dá um show de rolos e
condução; Tiso, centro da peça, lança impressionantes ataques e improvisos
jazzísticos. O ritual de morte chega a seu ápice. O sangue escorre. Morte.
Valendo-se fartamente de seu conhecimento erudito, Tiso corta mais uma
vez a canção para, numa fusão para um segundo ato, arregimentar a partir dali
uma volumosa orquestra Odeon (conduzida por Gaya), a qual toca uma melodia
triste (um Benedictus), como uma
prece à ignorância humana. Entram o coro dos Golden Boys formando um cantochão
gregoriano. Junto, para realçar ainda mais a beleza melancólica do tema, a
guitarra volta a marcar a base e Milton soma ao coro o seu inconfundível
timbre, executando vocalises arrepiantes. O final, no órgão, desfecha-a num
evidente tom fúnebre de Missa dos Defuntos, até voltar ao toque quase de
cantiga de roda dos primeiros acordes. Agnus
Dei. Um desbunde. O porco e o cidadão brasileiro, perseguidos e sem voz,
foram abatidos. “Quem é animal e quem é
gente?”, fica a pergunta.
Depois de tanta magnitude, uma gostosa “Armina” com ares de bossa-nova ameniza
o astral visitando Tom Jobim e Billy Blanco. “Bolero”, na sequência, é uma
balada com riff bem rural escrita em
parceria com Luis, Robertinho e Milton, este último de quem evidentemente
partiu a ideia do violão-base tocado por Tavito, outro dos coautores. Nova
mostra de habilidade dos músicos em que Tiso, principalmente, se destaca
manipulando os dois pianos, assim como a flauta de Danilo Caymmi. O filho do
gênio baiano é quem dá os primeiros acordes de “Mar Azul”, outro samba-jazz moderníssimo feito para os
dedos de Tiso maravilharem num Hammond, tanto quanto Tavito ao violão 12
cordas. Da segunda metade para o fim, é geral o show de improvisos. Jazz
brasileiro puro.
A intensidade orquestral finaliza este histórico álbum com a quarta e
última seção de “Armina”, novamente com o toque de Verocai, que carrega nas
cordas e metais no início para, aos poucos, verter a sonoridade para as
madeiras, numa transição extremamente apurada e apenas perceptível quando a
flauta entoa a última nota, haja vista que aumenta um tom para terminar não num
registro suave, mas grave como deveria ser. Na capa da reedição em CD, de 2003,
vê-se um plano geral de uma mesa dá bem a dimensão do período de tristeza e
decadência que o País um dia se colocou: copos, garrafas de cerveja e de
uísque, todos vazios, acompanham um cinzeiro lotado de cinzas e baganas e um papel
surrado sobre um dos copos – que bem pode ser uma carta a um ente querido
impossível de ser postada por causa do cerco da ditadura ou uma confissão de
suicídio.
Naquele 1973, o enganoso “milagre brasileiro” do governo Médici
escondia ainda mais as torturas, perseguições e exílios promovidos desde o
AI-5, de cinco anos antes. As guerrilhas eram enfraquecidas e a população,
quando não ignorante, se calava à força. Sem precisar dizer quase nenhuma
palavra, “Matança do Porco” e “Milagre dos Peixes” formam um dos mais potentes
libelos contra a opressão da ditadura militar no Brasil, duas sinfonias em nome
da liberdade que todo brasileiro decente de então merecia. É o poder da música,
é a magia dos sons. Sons capazes de despertar o imaginário de quem consegue
entender o que é dito pelo coração.
Seguindo com a segunda parte do duelo com o radialista,
locutor, cinéfilo e blogueiro Paulo Telles num bate-papo tão apaixonado pela
sétima arte quanto instrutivo. Se na primeira Telles aborda o faroeste
norte-americano, destacando diretores, títulos referenciais e até sobre o papel
da mulher no western, agora, ele fala
um pouco mais sobre o spaghetti, a
versão italiana para o gênero que não só ganhou fãs no mundo todo como, de certa
forma, trouxe-lhe uma nova linguagem. Ainda, aquilo que todo cinéfilo gosta:
listas. O entrevistado já sai elencando seus filmes preferidos nas duas
categorias e defende com muito critério e poder analítico uma a uma de
suas escolhas. Vamos, então, à segunda e última parte da entrevista:
FRANCISCO BINO:- Sei que não é
fácil fazer estas coisas, mas nos faça uma lista com os dez melhores western
Spaghettis de todos os tempos segundo você? E os dez melhores do cinema
americano?
PAULO TELLES: E não é mesmo, prezado Bino (risos). Elaborar
uma lista com apenas dez de cada estilo não é uma tarefa fácil. Entretanto, há
outros títulos que também estão em minha apreciação que não se encontram aqui
listadas, portanto, apresento os meus Top Ten de cada estilo do gênero:
AMERICANOS
1 -"RASTROS DE ÓDIO"/The Saerchers (1956) –
Direção: John Ford Foi através desta
obra prima (assisti pela primeira vez em 1985, com catorze anos) que comecei a
me interessar sobre cinema e tentar entendê-lo como arte. Foi a partir deste
momento, que me deixei penetrar pelo mundo de John Ford e no mundo dos westerns. Não tem como você não se
deixar encantar pela beleza majestosa e áspera do Monument Valley, cenário
natural este preferido de Ford, e pela figura estoica de Ethan Edwards,
interpretado por John Wayne. Em minha opinião, foi a melhor atuação de sua
carreira, digna mesmo de um prêmio, trabalho este que rendeu até elogios do
cineasta e filósofo Jean-Luc Godard, inimigo declarado de Wayne por razões
políticas. “Rastros de ódio”
conserva os elementos dramáticos do faroeste tradicional, por seu estilo
peculiar, épico e lírico, onde o cineasta descreve a odisseia de Ethan e de
seus discípulo Martin Pawley (vivido por Jeffrey Hunter) na perseguição aos
comanches que raptaram a jovem Debbie (vivida por Natalie Wood), e isto tudo
num relato de tensão ininterrupta e de grandeza plástica e cromática, segundo
as nobres palavras do finado crítico Paulo Perdigão, ex-colunista do jornal O
Globo. Recentemente, o filme foi exibido em reprise nas grandes salas do Cinemark, em sua sessão de
clássicos, e assisti junto ao José Eugenio Guimarães, editor do blog Eugenio em Filmes. Mesmo sem o
impacto do formato VistaVision, ainda
assim valeu o ingresso.
"Rastros de Ódio", cena de abertura
2 - MATAR OU MORRER/High Noon (1952) –
Direção: Fred Zinnemann Um dos grandes westerns que estabeleceu o chamado Western
Psicológico, uma alusão ao Macarthismo e a sociedade americana de então,
uma das obras primas de um grande cineasta, Fred Zinnemann. Poucos sabem, mas
os americanos consideram tão importante este filme que uma cópia desta obra
prima foi depositada numa cápsula do tempo, que só será reaberta no ano 2213.
Uma trama elevada à dimensão de tragédia grega tendo como herói o xerife Will
Kane (em minha opinião o mais humanizado de todos os protagonistas no gênero,
digno do título de herói) vivido por um dos atores que mais bem personificaram
o mito do cowboy do oeste, Gary
Cooper, em uma cruzada solitária para defender sua vida. Ele durante muitos
anos cuidou de uma cidade e de seus habitantes, mas agora mesmo não estando sob
a insígnia da lei, estes mesmos habitantes se recusam a ajudá-lo, pois todos
temem o pistoleiro e seus comparsas que descerão no trem do meio dia para matar
Kane. Um estudo acurado da consciência do herói que mesmo podendo fugir ou
deixar a responsabilidade para o próximo xerife, ainda sim mantém sua dignidade
para ter paz consigo mesmo. Não tem como não falar deste Western sem mencionar
Grace Kelly como sua esposa quaker, e a famosa canção “Do Not Forsake Me Oh My Darling”, interpretada
por Tex Ritter. Solidão, consciência, medo, e ingratidão são as temáticas
principais desta obra de Zinnemann.
3 - O MATADOR/The Gunfight (1952) – Direção: Henry
King Outro grande western de base psicológica dirigida por
um dos grandes artesões de Hollywood, e trazendo Gregory Peck numa das melhores
atuações do gênero, Jimmy Ringo, um temível pistoleiro que quer largar as armas
para viver pacificamente para a esposa e seu filho, que ainda não o conhece.
Contudo, sua fama de rápido no gatilho não só atemoriza as pessoas mais
pacatas, mas atrai aventureiros desocupados que o querem por à prova, o que faz
com que Ringo não consiga a paz que almeja. Um estudo acurado do mito do
pistoleiro, que tão logo seja afamado (ou mal afamado), outros estão dispostos
a temê-lo ou a desafiá-lo.
4 - DA TERRA NASCEM OS HOMENS/The Big Country (1958) –
Direção: William Wyler Um dos melhores Westerns
americanos que já assisti e por muitos, e também pudera, não tinha nada para
dar errado tendo na direção um dos maiores cineastas de todos os tempos,
William Wyler, que assinou grandes obras primas da Sétima Arte, como “Jezebel”, “A Princesa e o Plebeu”, “Chagas
de Fogo”, e “Ben-Hur”,
como também não podia dar errado tendo um elenco de primeira categoria como
Gregory Peck, Jean Simmons, e Charlton Heston. Outro destaque é sua produção,
com uma fotografia impecável e formato de tela panorâmica que nenhum televisor
poderia enquadrar, isto é, um dos primeiros faroestes americanos em
superprodução para afastar o público dos televisores, que então esvaziavam as
salas de exibição. Vale lembrar também de sua mensagem pacifista, coisa rara
nos filmes do gênero, já que o personagem de Peck, um almofadinha do
leste, se envolve na briga de duas famílias por causa da divisão de água, mas
ele acredita que poderá agradar a gregos e troianos. Muito interessante!
Destaque para a briga entre Peck e Heston, que viram a noite lutando, e também
para eletrizante trilha sonora de Jerome Moross.
5 - OS BRUTOS TAMBÉM AMAM/Shane (1953)- Direção:
George Stevens Era o filme
preferido do crítico brasileiro Paulo Perdigão, já falecido, entretanto a meu
ver ele é um conto moral sobre a redenção e a ótica de uma criança ao idealizar
o perfil do herói do Oeste. O baixinho Alan Ladd é perfeito como o pistoleiro
Shane, que busca a paz e quer largar as armas, mas ele não consegue quando se
vê obrigado a empunha-las para defender um casal e o filho deles, que o
idolatra como um verdadeiro mito. Shane chega a uma cidade como um típico “anjo
purificador” ao tentar distribuir dignidade e autoconfiança para os fazendeiros
amedrontados. A fábula sobre o bem e o mal e disputa entre dois é bem
caracterizada no duelo final entre Ladd (Shane) e o pistoleiro Wilson, vivido
pelo brilhante Jack Palance. Outro clássico do gênero recomendado para todos os
amantes do Western, ou simplesmente, quem ama cinema.
6 - DUELO AO SOL/Duel in The Sun (1946) – Direção:
King Vidor Verdadeiramente um Super-Western
de tirar o fôlego!!! Uma nova forma bem adulta de atrair o público igualmente
adulto as salas de cinema, e produzido por David O’ Selznick, o megaprodutor
responsável por outra obra prima (E O Vento Levou) e estrelando a
sensual Jennifer Jones e o galante Gregory Peck, que não esta nada galante
nesse filme (risos). Foi o maior êxito comercial de Selznick e que foi o apogeu
do Western romanesco, no
entanto, acabou criando problemas com ligas puritanas americanas pelo teor de
sexualidade bem apimentada e exagerada, ao introduzir o chamado “beijo francês”
no cinema americano. Além disso, a trama é basicamente uma tragédia grega, onde
a mestiça vivida por Jennifer Jones tem o pai condenado à morte por ter matado
sua mãe e o amante dela, e daí passará a viver com uma tia, vivida por uma dama
do cinema, Lilian Gish, que é esposa de um senador, vivido pelo lendário Lionel
Barrymore. Mas os dois filhos do casal se interessam pela mestiça, mas ela
acaba optando pelo mais sedutor e amoral, que é Gregory Peck, que não quer
nenhum compromisso, em vez do decente Joseph Cotten. De resto, é uma tragédia
grega a se seguir em grandes proporções, mas no grande estilo do Western
Clássico Americano.
7 - A LEI DO BRAVO/White Feather (1955) – Direção:
Robert D. Webb É um dos meus
prediletos por tratar-se de um tema antirracista, e um dos faroestes mais
respeitados sobre a temática indígena, cujo argumento foi redigido pelo
cineasta Delmer Daves, mas dirigido por Robert D. Webb (um cineasta de menor
renome, mas nem por isso menos admirado). No roteiro, Daves repetiu os mesmos
ingredientes de Flechas de fogo, realizado cinco anos antes, versando a
trajetória de jovem guerreiro cheyenne
Cão Pequeno (vivido espetacularmente por Jeffrey Hunter) e um engenheiro bem
intencionado Josh Tenner (vivido por Robert Wagner). Este tenta persuadir os
índios a mudar-se para uma reserva, mas o projeto acaba prejudicado pela
ganância de garimpeiros. A obra caminha para uma sequência final que eu mais
admiro - o confronto do solitário de Cão Pequeno, que se recusa a mudar de sua
reserva, contra as tropas da União. Destaque para a bela Debra Paget,
praticamente a repetir seu papel em Flechas de Fogo, como a irmã de Cão
Pequeno e interesse romântico do herói vivido por Wagner. Recomendo.
Poster de "A Face Oculta, de Brando
8 - A FACE
OCULTA/One-Eyed Jacks (1961) – Direção: Marlon Brando Outro Western em
superprodução que está em minha apreciação onde se tem o registro da única
experiência de Marlon Brando como diretor. Muitos apreciam "O Poderoso Chefão" como o melhor
filme de Brando, mas contesto um pouco isso, tendo em vista este excêntrico
trabalho do gênero onde o ator investiu cinco milhões de dólares, em dois anos
de trabalho. Foi uma produção tumultuada (era para Stanley Kubrick dirigir), e
das 35 horas de filme impresso, Brando selecionou material para cinco horas de
filme, que acabou sendo reduzido para 2h e 21 minutos de filme. Era para ter
sido o Western de maior duração da história se Brando não fosse obrigado a
reeditar sua duração. Além disso, tramas ligadas sobre a vingança me fascinam,
assim como a dualidade do caráter do ser humano quando se aplica no personagem
vivido por Karl Malden. Malden é bandido assaltante de bancos como Brando, e
acaba traindo este, seu melhor amigo, que passa cinco anos na prisão e jura
vingança por todos os anos que ficou no presídio, e quando finalmente o
reencontra, ele é um homem mudado, xerife de uma cidade, e respeitado pelo
povo. A questão fica se ele mudou moralmente ou isso não passa de uma fachada.
Brando sempre alegou que seu Western era um “assalto frontal ao tempo dos
clichês”.
9 - OS PROFISSIONAIS/The Professionals (1966) –
Direção: Richard Brooks Revisitado por mim
faz pouco tempo, não há a menor dúvida que esta obra de Brooks foi uma resposta
americana (uma das primeiras) para o Western italiano que já invadia as salas
de exibição, e também não foi pra menos, pois importaram até a beleza italiana
dos deuses Claudia Cardinale para se juntar as feras do cinema americano, como
Burt Lancaster, Lee Marvin, Robert Ryan, e o ator negro Woody Strode, este
excelente, mas infelizmente pouco valorizado. Um ótimo exemplar de tenacidade e
tensão, cuja trama vai adquirindo colorações políticas e éticas inesperadas,
mas com extraordinário espírito de aventura como jamais vista no gênero
americano. Destaque para a fotografia e para sua trilha sonora, de Maurice
Jarre.
10 - MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA/The Wild Bunch (1969) –
Direção: Sam Peckinpah O “clímax dos clímax” do gênero, como eu defino. Para os amantes de cinema,
e, sobretudo, do gênero que estamos debatendo, é a obra clímax da estilização
da violência, coreografada de forma ritualística em câmera lenta, evocando um
Oeste sujo e selvagem, sem qualquer idealismo romântico e lenda áurea dos
mitos, com personagens decadentes, anacrônicos, e desglamourizados. Causou
polêmica de fato, o que retardou o reconhecimento de Sam Peckinpah como um dos
grandes cineastas do gênero, pois acabou sendo cortados 56 minutos de sua
metragem original, o que provocou protestos do diretor e até mesmo por parte da
crítica, que não estava ainda acostumada com este excesso da violência nos
filmes. Outrora os ídolos do cinema americano, William Holden, Ernest Borgnine,
e Robert Ryan, três fantásticos atores (principalmente o terceiro, que atuou em
Hollywood sempre com muita competência e profissionalismo, sendo um dos meus
atores preferidos) estão soberbos e maravilhosos em seus papéis, arquétipos do
declínio e de toda decadência, que de uma maneira ou outra, desgraçadamente se
empenham em aventurar num último golpe de suas malditas vidas. Vale também
destacar a bela fotografia de Lucien Ballard.
ITALIANOS/EUROPEUS
1 - TRÊS HOMENS EM CONFLITO/Il buono, il brutto, il
cattivo (1966) – Direção: Sergio Leone
Foi o primeiro faroeste
italiano a me chamar a atenção justamente devido a falta de romancismo,
idealismo, lirismo, e todo tipo de folclore tão comumente acostumado nos
faroestes americanos. Propositalmente, o grande Sergio Leone soube o que fez ao
retratar o Velho Oeste do jeito que fosse condizer com os fatos, e descartando
mitos. A ganância e o individualismo exacerbado, pessoas querendo se dar bem à
custa de outras, são características bem acentuadas nas obras deste grande
cineasta, como vemos neste exemplar, revelando ao mundo um novo tipo de cowboy,
o mais distante possível de John Wayne, Gary Cooper, ou Randolph Scott, e seu
nome é um mito vivo – o americano Clint Eastwood. Junto a Lee Van Cleef e Eli
Wallach (maravilhoso como Tuco, o feio), formam um triunvirato de trapaças e
aventuras desmedidas, onde ao fim, o duelo a três é inevitável.
2 - DJANGO/Django (1966) – Direção: Sergio Corbucci Outra obra prima que
ajudou a consolidar o faroeste italiano na minha preferência. O mundo se rendeu
a um novo ídolo do Western europeu, e desta vez um genuíno italiano chamado
Franco Nero, um dos meus atores favoritos do gênero. Não há como não se
impressionar com uma figura calada e de toda de negro chegando a uma pequena
cidade carregando um caixão. Uma cidade dominada pelo terror da famigerada Ku
Klux Klan que para dominar o poder enfrenta bandidos mexicanos, e o estranho
Django está no meio de tudo isso para salvar a vida de uma estranha mulher, por
quem se apaixona ao seu modo. Corbucci dá a esta obra uma carga explosiva
acentuada, realçada pela antológica trilha sonora de Luis Bacalov.
3 - O DIA DA DESFORRA/La Resa dei Conti (1967) –
Direção: Sergio Sollima
Outro exemplar à italiana
do gênero que é um exercício psicológico de tensão, mas mantendo as
características do legítimo padrão do western italiano, trazendo o americano
Lee Van Cleef como um caçador de bandidos da elite que persegue um mexicano
(vivido pelo italiano Thomas Millan) acusado de violentar e matar uma menina.
Contudo após vários reveses, em que o caçador tem o seu orgulho ferido devido à
esperteza do mexicano, ele descobre que na verdade ele é inocente, vitima de
inescrupulosos da alta roda em que o caçador vivido por Cleef faz parte, e por
isso ele resolve ajudar o mexicano. Um dos melhores e mais expressivos filmes
do Western europeu, dirigido por um Sergio, mas que não é o Leone.
O "O Dólar Furado",
dos favoritos
do faroeste spaghetti
4 - O DÓLAR FURADO/Uno Dollaro Bucato (1965) – Direção:
Giorgio Ferroni
Giuliano Gemma é outro
dos meus heróis do gênero à italiana, e este filme, ainda que embora tenha
alguns clichês do Western americano, ainda assim vale o espetáculo, que como “Django”, de Corbucci, ajudou a
impulsionar a moda do bang bang a italiana. Impressionante como uma
moeda de um dólar no bolso acaba salvando a sua vida após ser abatido pelos
inimigos, e como se fosse Ullysses da “Odisseia” de Homero, volta para se
vingar dos homens que tentaram matá-lo, tiraram a vida de seu irmão, e raptaram
sua mulher. “O Dólar Furado” é
outra obra prima do gênero que ajudou no impulso do faroeste italiano.
5 - OS QUATRO MALDITOS/Los Cuetro Implacables (1965) –
Direção: Primo Zeglio
Não chega a ser um
clássico do gênero italiano, mas meus motivos para listá-lo são mais puramente
afetivos, pois foi um dos primeiros assistidos por mim ainda na infância, e em
ter como herói aqui Adam West, que no ano seguinte emplacaria como o mais
famoso Batman da TV. O cowboy aqui
vivido por West é quase limpinho, briga adoidado, mas a trama sobre um agente
da lei (vivido por West) que tentar impedir que quatro bandoleiros (daí o
título de “Quatro Malditos”, ou
no original, “Os Quatro Implacáveis”)
recebam a recompensa por terem capturado e matado um fugitivo da justiça que
era inocente não deixa de ser de toda interessante e é uma história bem
ritmada. Como não deixarão barato, os “quatro malditos” emboscam o agente da
lei, e este, terá que lutar por sua vida.
6 - POR UNS DÓLARES A MAIS/Per un pugno di dollar
(1964) – Direção: Sergio Leone
Leone parte com tudo
nesta obra desmistificadora dos mitos laureados do Velho Oeste. A ganância, o
individualismo, o dinheiro, surgindo a figura do 'caçador de recompensas', tão
enormemente explorado em outros filmes, contudo sem tanta convicção e realidade
como expõe Leone. Embora sem muitas afinidades, os personagens de Clint
Eastwood e Lee Van Cleef, por motivos diferentes, acabam esquecendo suas
diferenças e se unindo para enfrentar a quadrilha de Gian Maria Volonté, com a
intenção de dividir a recompensa por eles oferecida pela Lei. Outra obra
merecedora de destaque entre os grandes clássicos do gênero spaghetti de se fazer Western.
7 - ERA UMA VEZ NO OESTE/C'era una volta il West
(1968) – Direção: Sergio Leone
Outro exemplar, talvez o
mais popular, onde se seguiu toda a Trilogia de Leone (“Por um punhado de Dólares”, “Por uns Dólares a Mais” e “Três Homens em
Conflito”). Vale destacar que o roteiro foi escrito por Leone com colaboração
de Bernardo Bertolucci, com leves reminiscências do clássico americano “Johnny Guitar”, de Nicholas
Ray (1954). Foi uma febre ao ser lançado nos nossos cinemas em 1971, mas
infelizmente com cópias de 144 minutos devido à censura (a metragem original
aos propósitos do cineasta foi de 229, sendo reduzidas umas para 137, e outras
com 165 minutos, a versão apresentada no mercado de vídeo hoje). Uma trama com
muito sangue e sem qualquer moral, uma verdadeira crítica à mitologia do Oeste
em vez do antigo glamour dos faroestes americanos, retratando a passagem de
pioneiros para os tempos da civilização com a chegada dos trilhos das
ferrovias. Parece um paradoxo ao vermos Henry Fonda, outrora um representante
da mitologia clássica do Western Americano, o típico mocinho das telas, na pele
de um malfeitor sujo e cínico como Frank. Não foi a toa que Leone escolheu
Fonda, pois era um assíduo admirador deste ator. Charles Bronson na pele de um
pistoleiro, Harmônica (porque sempre toca esta gaita quando esta prestes a
matar), que busca vingança contra Frank, que matou seu irmão, se destaca pelo
caráter lacônico, de quase poucas falas, e de muito suspense de seu personagem,
assumindo uma atitude quase parecida com a de Sterling Hayden em “Johnny Guitar”, quando protege
a viúva Jill Mcbain, vivida por Claudia Cardinale. Mais do que uma
superprodução, é um Super-Western,
acabando por se consagrar como um dos exercícios mais ousados do cineasta
Sérgio Leone.
"Era Uma Vez no Oeste", sequencia inicial
9 - CAÇADA AO PISTOLEIRO/Un minuto per pregare, un
instante per morire (1968) – Direção: Franco Giraldi
Um Western italiano cheio
de tensão, com argumento freudiano à dimensão de tragédia grega, mas não
deixando de ser extremamente violento e desmistificador. Trata-se da história
do pistoleiro Clay McCord (vivido por Alex Cord), temido e odiado por muitos,
que tem sua cabeça a prêmio oferecido por um delegado corrupto de uma cidade
(vivido pelo ótimo Arthur Kennedy). Contudo, o delegado age fora da lei e vem a
intervir Lem Carter (o sempre brilhante Robert Ryan), governador do Novo
México, que oferece uma anistia ao pistoleiro, contudo alguns aventureiros não
querem saber e tentam emboscar McCord, que ainda enfrenta outro problema – ele
tem momentos de ataque epilético, e carrega o trauma pelo pai também ter tido
esse mesmo problema. Embora os atores principais sejam americanos, o filme
ainda conta com as presenças italianas de Nicoletta Machiavelli, e do ator
Mario Brega. Está entre meus colecionáveis.
10 - ADIOS SABATA/Indio Black, sai che ti dico: Sei un
gran figlio di... (1970) – Direção: Gianfranco Parolini
Como não podia deixar de
serem ao estilo italiano, trapaças, aventureiros sujos, e todo mundo querendo
se dar bem. É assim que funciona esta obra de Parolini, tendo como anti-herói o
aventureiro Sabata (na verdade, Indio Black no original), vivido pelo
excelente Yul Brynner, aqui ainda um tanto limpinho e barbeado como foi em Sete
Homens e Um Destino, em 1960. Sabata é um caçador de bandidos que se junta
a um vigarista, Ballantine (vivido por Dean Reed) e ao engraçado e cínico
revolucionário, o gordo Escudo (vivido por Ignazio Spalla) para combater as
forças do Imperador do México Maximiliano, e se apoderar de um carregamento de
ouro. Contudo, esta união de forças tem objetivos diversos. O destaque fica em
algumas situações engraçadas, quando o ladrão Ballantine tenta enganar seus
associados. Vale também a pena assistir “Sabata,
O Homem que Veio Para Matar” (que não tem a ver com o filme estrelado
por Brynner, apesar do mesmo nome do protagonista), estrelado por Lee Van
Cleef, onde se apresentam as mesmas situações humorísticas quando se trata de
bandido enganar o outro, afinal, quem disse que existe honra entre ladrões?
B: Quais você acha
que são os western mais subestimados de todos os tempos?
PT: Acentuo uma obra fordiana intitulada “Audazes e Malditos”, de 1960, que
trata da questão do racismo. Pela primeira vez, o Mestre John Ford desenvolveu
uma mensagem antirracista em um tom bem eloquente que chega a ser comovedor,
tendo como pano de fundo o ano de 1866, quando negros recém-libertados passam a
integrar regimentos de cavalarias comandados por oficiais brancos. Um deles, um
notável sargento vivido pelo brilhante Woody Strode, é acusado de um crime que
ele não cometeu, sendo levado à corte marcial por preconceito racial. Mas ele é
defendido por seu superior, vivido por Jeffrey Hunter. O relato do filme
(sempre reconstituindo os fatos em flashbacks) é tenso, épico, e de
uma solene dramática indescritível, que só um brilhante cineasta como Ford
poderia conceber, mas eu pessoalmente considero um de seus melhores trabalhos
junto às outras obras de requinte maior do diretor. Também “A Árvore dos Enforcados”, dirigido
por outro grande artesão dos westerns,
Delmer Daves em 1959, acredito um tanto subestimada por alguns críticos,
entretanto não poderia ter um protagonista mais humano em todos os aspectos do
que o médico Joe Frail, vivido por Gary Cooper em uma de suas últimas atuações.
Amargo, malquisto, cínico, mas ao mesmo tempo, não isento inteiramente de
altruísmo, procura esquecer um trauma do passado e tenta continuar a vida. Mas
ele percebe que nem tudo esta perdido, pois se renderá ao amor de uma imigrante
suíça que acaba salvando sua vida, vivida pela Maria Schell. Vale destacar a
bela canção interpretada por Marty Robbins. Outro western, desta vez europeu, que acho muito subestimado é “Os bravos não se rendem”, dirigido
por Robert Siodmak e Irving Lerner, que conta a trajetória do General Custer de
maneira realista e desmistificadora (nada a ver com o herói pintado por Raoul
Walsh no clássico “O Intrépido General
Custer”,com Errol Flynn, em 1945). Robert Shaw esta perfeito
como o famigerado militar em sua sede de glória, e a famosa batalha de Little
Big Horn. Contudo é um dos trabalhos menos badalados (mesmo com uma bela trilha
sonora), visto a índole verdadeira e descaracterizante do personagem, o que
pode não agradar a todos.
B: Sam Peckinpah e
Robert Altman foram meio que marginalizados por Hollywood. Mesmo com poucos
filmes sobre o tema western eles impactaram a estética do gênero para sempre.
Wild Bunch e Quando os Homens são Homens, são exemplos claros disso. Que grande
contribuição foi essa? E que outros diretores após essa geração conseguiram
essa façanha?
O genial Altman, um dos diretores que mudaram o western
PT: Conheço pouco o trabalho de Altman no gênero,
com exceção do “Oeste Selvagem”, estrelado
por Paul Newman, em 1976. Entretanto, posso adiantar que ambos os cineastas são
oriundos da televisão e dirigiram trabalhos gratificantes no gênero para a
telinha. Peckinpah chegou a dirigir episódios de “O Homem do Rifle” (com Chuck Connors) e “Paladino do Oeste” (com Richard Boone), e Altman episódios da
série “Bonanza”e “Lawman”. Acredito que a
questão da marginalização destes cineastas é que ambos foram sinceros demais em
suas obras, sem rodeios. Peckinpah recorreu à violência em “Meu ódio Será Sua Herança”,de
1969, e a partir daí, não foi só no gênero western
que se viu esta apelação do diretor que é consagrado como o “Poeta da
Violência”. Basta acessarmos seus outros ótimos trabalhos como "Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia"(1974)
e "Sob o Domínio do Medo"(1972),
que poderemos ver também esta exaltação. Quanto a Altman, como vi “Oeste Selvagem”, senti a desmistificação
de uma lenda, no caso Buffalo Bill, e grande parte dos produtores embora saibam
que as lendas e mitos não correspondem à verdade, ainda assim preferem que as lendas
sejam impressas. Hollywood durante anos promoveu isso em seus westerns, e mesmo com o desenrolar das
mudanças graças aos faroestes italianos, a indústria de cinema não parecia
apoiar esta descaracterização dos mitos tão amados pelo folclore americano.
Contudo, a grande contribuição destes dois mestres foi tentarem fazer um novo
estilo de western, sem exaltação de
mitos ou heróis, sem áura romântica, propondo para as plateias mundiais que o
Velho Oeste também pode ser interessante se analisarmos seus personagens e o
meio social em que viveram. Acredito que Lawrence Kasdam (que realizou em 1985
o ótimo “Silverado”), que
também realizou pouquíssimos trabalhos no gênero (o último, “Wyatt Earp”, de 1994, com Kevin
Costner, que foi um fracasso), e atualmente Tarantino, vem conseguindo esta
proeza de impactar a estética, e por que não dizer, imortalizar o gênero.
B: Sabemos que
ainda existem produções western
tanto nos EUA quanto na Europa. Mesmo com Tarantino e outros diretores fazendo western
a sua maneira e em forma de homenagem, podemos afirmar que esse gênero morreu
ou ainda vai ressuscitar em uma grande e genial produção?
PT: Acredito que, na verdade, o western nunca morreu. Naturalmente as
produções de hoje são em menor escala, e não como era a mais de 50 ou 60 anos
atrás, época rica em criatividade e em franca produção, onde tínhamos cineastas
brilhantes como John Ford, Raoul Walsh, Howard Hawks, Anthony Mann, Delmer
Daves e claro, incluindo Peckinpah, Leone e outros mais. Mas de uma forma ou de
outra, o faroeste está vivo, só esta adormecido enquanto um cineasta fera como Tarantino ou como Clint Eastwood, a lenda viva, não rodarem novos trabalhos no
gênero (será que Clint pensaria em rodar um novo faroeste? Seria genial!). E
enquanto isso, também, novas produções são realizadas pela TV americana ou
mesmo para o cinema sem sabermos. Mas uma coisa é certa: este gênero
estritamente americano também batizado pelos italianos não morreu e nem morrerá
tão cedo se depender de cada fã e espectador como nós para divulgar, apreciar e
assistir. Podem acreditar!
B: Quais filmes western merecem destaque a partir dos anos 80 até
hoje, nos faça uma lista de alguns que são pouco conhecidos?
Willie Nelson em
"Justiça para um bravo"
PT: Não estou muito a par das novidades em
matéria de western nos últimos
tempos, mesmo porque sigo um esquema eclético focalizando em geral o cinema
antigo e todos os seus gêneros, mas naturalmente, o western tem um espaço com todo carinho dedicado. Entretanto, posso acentuar
alguns trabalhos do faroeste já tanto esquecidos na metade dos anos de 1980,
como “De Volta ao Oeste” (“Once
Upon a Texas Train”), de 1986, para a TV, dirigido por um dos grandes
especialistas do gênero, Burt Kennedy, e trazendo Richard Widmark (um notório Man
Of The West de primeira), Angie Dickinson, e o cantor Willie Nelson, além
de contar com presenças conhecidas como Chuck Connors, Stuart Whitman, Jack
Elam, Ken Curtis, Dub Taylor. No ano seguinte, o mesmo Willie Nelson foi o
protagonista de “Justiça para um Bravo”(“Red Headed Stranger”),
também realizado para a TV, onde contou com as presenças da bela Katharine Ross
(de “Butch Cassidy”) e do
excelente Royal Dano (cujo seu melhor papel de destaque foi no western “Irmão contra Irmão”, dirigido por
Robert Parrish, em 1958). Vale destacar também por esse período “O Álamo, 13 dias de Glória”, de
1987, que retrata a batalha do Álamo com mais fidelidade do que a versão
patriótica apresentada por John Wayne, em 1960, onde James Arness (da série de
TV Gunsmoke), interpreta Jim Bowie, Brian Keith como Davy Crockett,
Lorne Greene como Sam Huston (em seu último desempenho), e o inesquecível Raul
Julia como o general Santana. Em 1995, Jeff Bridges interpretou o temível Wild
Bil Hickcok na produção “Uma Lenda do
Oeste”, dirigida por Walter Hill, onde conta a trajetória
fidedigna de uma lenda, o mais distante possível de Gary Cooper na produção “Jornadas Heroicas”, de 1936, dirigida
por DeMille. Dos mais recentes que acredito que são ainda menos conhecidos, vale
destacar “Inferno no Faroeste”, de
2013, sob a direção de Roel Reiné, onde estrelam Mickey Rourke e Danny Trejo.
Parece-me que este western não chegou
as nossas salas de exibição.
B: Há um tempo eu
soube que Clint Eastwood escreveu uma carta a John Wayne pedindo a ele para
fazerem um filme juntos. Isso não aconteceu é claro. Caso acontecesse essa
produção seria ímpar e juntaria definitivamente os dois maiores ícones do western.
Um de cada estilo. E se no final do filme houvesse um duelo entre a dupla, quem
venceria?
Wayne e Clint,
o tão esperado duelo que nunca aconteceu
PT: Vixe, nem ouso te responder com segurança a
esta pergunta sem levar uma bala perdida (risos). Uma parada dura já que ambos
são dois gigantes do mesmo gênero, mas com estilos diferentes e épocas
diferentes. O mais engraçado é que, em 1989, dez anos após a morte de Wayne,
uma pesquisa realizada por uma revista de cinema apontou Clint Eastwood como o
novo sucessor de John Wayne. No entanto, Clint, apesar de admirar o bom e velho
Duke, jamais quis se comparar a ele ou sequer substituir John Wayne.
Clint tinha como modelo para o gênero o ator Gregory Peck, do qual considera
sua melhor atuação em “O Matador (“The
Gunfighter”). As performances vindas de Clint para compor seus durões
nos westerns, segundo ele, se
inspiravam em Gregory nesta obra dirigida por Henry King em 1951. É fato (e não
fita) que Clint enviou uma carta para o veterano Duke, propondo que
fizessem um filme juntos. Já pensou, Bino? Dois gigantes do gênero que talvez
pudesse precisar de duas telas do formato VistaVision para compor
tamanho encontro! (risos). Entretanto, Wayne, que vira “O Estranho Sem Nome”, a obra de Clint dirigida em 1973, não
gostou nem um pouco do estilo revisionista e violento deste western. Para Wayne, já foi difícil
filmar "Bravura Indômita",em
1969, tendo que se reinventar um pouco e quase recusou o papel que deu a ele
seu único Oscar como ator. Mas o gênero estava se desenvolvendo bem rápido, e
os faroestes estrelados por Wayne em épocas anteriores já ficavam obsoletos
para os novos padrões. Entretanto, Duke não só recusou o convite como
também aproveitou para criticar o trabalho de Clint Eastwood, que não lhe deu
ouvidos. A parceria não aconteceu e o maior prejudicado foi o público, ou, quem
sabe, o próprio Wayne. Portanto, por mais que eu adore John Wayne, acho que
Clint sacaria primeiro, ou quem sabe, por alguma "providência", um
empate técnico? (risos)
B: Para finalizar,
uma pergunta que será símbolo de todos os "Duelos" com entrevistados:
descreva você num grande filme?
PT: “Meu Ódio Será Sua Herança”. Não que
eu seja o “arquétipo da decadência” como os protagonistas da obra de Peckinpah,
que queriam realizar o último trabalho de suas vidas antes de se “aposentarem”,
mas eu sempre procuro investir nos negócios ou em qualquer situação da minha
vida como se fosse dar também o meu “último golpe”, ou concretizar meu “último
trabalho”. Isso não quer dizer, literalmente, que seja o último, mas quando
desejamos alcançar certos objetivos na vida com sucesso fica a lição que
devemos fazer o melhor do nosso melhor
em todos os nossos empreendimentos como se fosse o último. Os homens de Pike
Bishop (William Holden) não desistiram, e mesmo com o resultado que obtiveram
no final, eles foram determinados, e nós também não devemos desistir, mesmo que
nos sintamos decaídos em algum momento de nossas vidas. Assim, me descrevo em “The Wild Bunch”! "Meu Ódio Será Sua Herança"