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quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Debate "As Canções", de Eduardo Coutinho - Ciclo de Cinema Documentário - Clube de Cinema de Porto Alegre - Sala Redenção da UFRGS (14/08/24)


Com a realização ainda em curso do 52º Festival de Cinema de Gramado, onde estive dias antes de descer a Serra de volta para Porto Alegre, participei de outra atividade envolvendo a crítica de cinema, esta na Sala Redenção, na Reitoria da UFRGS. Foi um debate sobre o belo documentário “As Canções”, de 2011, do mestre Eduardo Coutinho, um de seus últimos filmes. A ocasião foi em virtude de um afetuoso convite do colega de Accirs Paulo Casa Nova, presidente do Clube de Cinema de Porto Alegre, o mais antigo clube do tipo no Brasil, fundado em 1948 pelo célebre cinéfilo gaúcho P. F. Gastal e que teve como membros em sua longa história nomes como Mario Quintana, Erico Veríssimo, Ítala Nandi, Carlos Reverbel, Carlos Scliar, Vasco Prado, Fernando Corona, entre outros. O mote: uma homenagem a Coutinho, a quem perdemos tragicamente há 10 anos vitimado pelo próprio filho. Ou seja: um convite irrecusável.

Com mediação da também colega de associação de críticos Kelly Demo Christ, Diretora de Comunicação do CCPA, pude, além de rever esta preciosa obra de Coutinho, debatê-la com o público presente, bastante interessado e, assim como eu, impressionado com a riqueza poética e artística do filme. O enredo é simples: 18 pessoas comuns selecionadas aleatoriamente através de anúncios em jornais relatam de frente para a câmera, num cenário com apenas uma cadeira para sentarem e cortinas escuras atrás, casos particulares relacionados a determinada música que lhes marcara a vida. Simples, contudo, é modo de dizer, pois é justamente dessa aparente simplicidade que Coutinho, hábil entrevistador e perscrutador da alma humana, extrai histórias quando não marcantes, ainda mais do que isso: impactantes e emocionantes.

Entre os aspectos que pude dividir com os presentes, um deles foi a visão de mundo de Coutinho, um marxista convicto que pautou sua obra - principalmente a documental, a qual passou a se dedicar exclusivamente partir dos anos 70 e pela qual ficou identificado - por um humanismo atravessado pela perspectiva da dialética como motor para o entendimento das relações de classe e, por isso, humanas. Esta característica, que surgiu com total potência em sua obra-prima, “Cabra Marcado para Morrer”, de 1983, ainda sob a égide da Ditadura Militar, se materializou em várias de suas realizações posteriores, principalmente a partir dos anos 90, quando se consolida de vez no documentário. Filmes como “Santo Forte”, “Moscou”, “Edifício Master” e “O Fim e o Princípio” carregam invariavelmente esta forma dual de enxergar o ser humano em sociedade, desvelando com uma sensibilidade ímpar sentimentos muito profundos por meio de uma investigação quase antropológica.

Em “As Canções”, valendo-se da máxima de que somente uma música é capaz de ter potência suficiente para guardar na memória sentimentos sublimes, este aprofundamento emocional se dá em vários momentos, seja nos tocantes depoimentos, seja nas interpretações das músicas (sim, cada pessoa canta pelo menos um pedaço da canção, mesmo não sendo cantores profissionais), seja no sensível trabalho de edição. A forma jornalística como o cineasta conduz as abordagens ganha, na montagem, traços “ficcionais”, que vão trazendo correlações, espelhamentos, divisões, coincidências.

trailer de "As Canções", de Eduardo Coutinho

O sentimento de abandono marital da platônica Sonia é o mesmo da inglesa Isabell e da sofrida Lídia, mas não que suas aparições se deem necessariamente numa sequência. Igual, viuvez, como nos relatos de Gilmar e de Ózio. Isso quando não se suscitam correlações ainda mais sutis: não seria tão fatal quanto pensar que, da forma como o militar João Barbosa confessa ter tratado a esposa ou a conturbação do relacionamento de Sílvia (mulher de olhar triste que encerra o filme noutra tocante fala) uma forma de morte também?

Diversos elementos que a obra de Coutinho nos leva a refletir, como o que pudemos fazer por algumas horas na sessão do Clube de Cinema. Um privilégio e um prazer.

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"As Canções"
Direção: Eduardo Coutinho
Gênero: Documentário
Duração: 90 min.
Ano: 2014
País: Brasil
Onde encontrar: Netflix
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Daniel Rodrigues