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segunda-feira, 14 de junho de 2021

R.E.M. - "Out of Time" (1991)

 

“Não esperávamos o que aconteceu com ‘Losing my Religion’. É uma música de cinco minutos sem refrão perceptível, e o bandolim é o instrumento principal. Não há absolutamente nenhuma maneira de prever que a música seria um sucesso."
Mike Mills

"Eu realmente gosto muito do disco. Na verdade, eu amo o disco.”
Michael Stipe

O início dos anos 90 foi especial para apreciadores de rock de qualquer canto do planeta, inclusive no Sul do Brasil, sempre longe demais das capitais. Surgiam ótimas e promissoras bandas tanto nas paradas de sucesso quanto na cena alternativa, despontavam alguns músicos de fina estirpe, as rádios e uma ativa MTV repercutiam muita coisa boa, festivais legais aconteciam pelo mundo. Mas aquele período foi também de confirmação de velhos conhecidos. Oriundos dos anos 60, 70 e 80, muitos artistas em plena atuação faziam alguns de seus melhores trabalhos naquele começo da última década do século XX, o mesmo que viu, nos anos 50, o rock surgir enquanto movimento jovem e cultural de massas. Foi assim com Iggy Pop, Lou Reed, The Cure, Neil Young, Metallica, U2 e vários outros. Sabendo-se de seus potenciais e história, de certa forma esperava-se deles que trouxessem novidades a cada lançamento. Porém, por incrível que pareça, não se alimentava essa expectativa quanto a R.E.M. – ou, quem sabe, temporariamente se esquecia deles.

Talvez por terem demorado três anos para lançar algo novo ou por virem de uma série de ótimos discos, desembocando no acachapante “Green”, a impressão que dava era a de que eles haviam se livrado dessa cobrança. A ausência do peso da responsabilidade foi positiva, pois fez com que a chegada de “Out of Time” fosse ainda mais impactante naquele ano de 1991. O primeiro single, "Losing My Religion", cujo videoclipe foi ao mesmo tempo um choque e um sucesso imediato, tratava-se de um perfect pop com as características que lhe são comuns: refrão pegajoso, riff fácil e inteligente, melodia envolvente, evolução com carga emotiva. Mas, mais do que isso, um tom melancólico, grave, contristado, algo entre uma balada com ares sacros e um pop rock de massas. Fora isso, o instrumento principal é um incomum bandolim. E que letra! “Aquele sou eu no canto/ Aquele sou eu sob os holofotes/ Perdendo minha religião/ Tentando te acompanhar/ E eu não sei se eu consigo fazer isso”. Sabia-se que se estava presenciando o nascimento de um clássico do rock.

Dada a primeira boa impressão, o então novo disco da R.E.M., porém, levou um pouco para chegar no ainda atrasado mercado fonográfico do Brasil daqueles idos. "Losing My Religion", por sua vez, cumpria o papel de reacender os holofotes para o quarteto Michael Stipe, Peter Buck, Mike Mills e Bill Berry. A se ver pelo primeiro hit, prenunciava-se um disco acima da média. Foi então que o dia de conhecer “Out...” chegou ao Rio Grande do Sul (provavelmente, se não o primeiro estado no Brasil, dos primeiros a ter esse privilégio) através da finada Rádio Ipanema, que aos finais de tarde geralmente rodava na íntegra alguma novidade do mundo do rock. 

E as expectativas foram todas confirmadas. “Radio Song”, que abre o álbum, assinalava que a R.E.M. vinha, sim, para engrossar a fila das bandas veteranas em plena forma naquela virada de anos 80 para os 90. Um britrock ao estilo das melhores coisas da Ride e Stone Roses, com um ritmo funkeado, riff matador e carregado das guitarras espetaculares de Buck. Ainda assim, o arranjo também comportava uma orquestra de cordas e uma boa dose de variações de andamento. Mas isso não é tudo: dividindo os vocais com Stipe está o rapper KRS-One. Primeiro, soltando frases e melismas com o sotaque das ruas norte-americanas, o que dá uma personalidade totalmente própria à música. Depois, ao final, KRS-One engata, aí sim, somente ele um rap, encerrando a canção com o provavelmente quarto ou quinto ritmo apresentado na melodia. Que cartão de visitas “Radio Song”!

A audição de “Out...” se desenrolava e, a cada nova faixa, mais se confirmava que se estava diante de um grande disco. "Low" emulava com competência The Doors, tanto no canto de Stipe a la Jim Morrison e no riff de guitarra circunspecto, que lembra temas como "When the Music's Over" e "Strange Day", quanto, principalmente, no órgão Hammond como o de Ray Manzareck. Bem ao estilo guitar melody, a R.E.M. volta à sua pegada dos discos “Document”, “Reckoning” e, principalmente, “Green”, em "Near World Heaven", outra música de trabalho do disco, esta, cantada por Mills. Conforme se avança no sulco, percebem-se semelhanças com a construção de repertório desses álbuns anteriores que tão certo havia dado, os quais intercalam temas mais alegres com outros mais melancólicos, mais agitados com lentos, mais distorcidos com melodias doces. Mérito do produtor Scott Litt.

O que “Out...” guarda também, no entanto, são mais maravilhas. A emocionante instrumental "Endgame" é um country altamente melodioso em que, além da instrumentalização caprichada com escaleta, violão, cordas e percussões delicadas, ouve-se a voz de Stipe apenas para cantarolar melismas como mais um instrumento. Após uma canção tristonha, vem mais uma pulsante. E em alto astral, por sinal. Sinônimo de música pop alegre, o segundo maior hit do disco, "Shiny Happy People", traz, além do termo "alegria" no próprio título, a esfuziante participação de Kate Pierson, da B52's, musa da divertida new wave, dividindo os microfones com Stipe, que pega emprestada a ideia tão bem executada por Iggy Pop com a cantora um ano antes noutro sucesso daquele começo de década, "Candy". Assim como “Losing...” e espelhando-se num tema de função parecida de “Green”, “Stand”, é mais um perfect pop que também marcou época por conta de sua melodia animada e de seu clipe, que trazia uma cenografia festiva e colorida como a música.

O pop rock eficiente de "Belong" completa-se com uma nova redução na rotação e mais uma bela canção: "Half a World Away", balada misto da atmosfera folk de "Endgame", o vocal anasalado típico de Stipe em "Losing...", as cordas de “Radio Song” e a levada Doors de "Low" – desta vez trocando o órgão por um cravo. Na sequência, Mills encabeça outro tema assim como fez em “Near...”. É “Texarcana”, novamente um rock com magnífico riff e complemento de cordas. A construção do repertório é tão parecida com a de “Green”, que mais uma vez as faixas se espelham. Caso de “Country Feedback”, balada que remete a “The Wrong Child” do álbum anterior. Esta prepara o terreno para o encerramento com "Me in Honey", em que se repete a dobradinha Stipe-Pierson num tema pop se não à altura de grandes faixas do próprio “Out...” e nem do gran finale de “Green” (o rockasso "I Remember California"), ao menos mantém com dignidade a boa qualidade.

Chegado ao final daquela primeira audição de “Out...”, ação se repetiria centenas de vezes nesses últimos 30 anos que o disco completa em 2021, ficava evidente que a R.E.M. se superava. E se não era melhor do que seu antecessor “Green” – difícil tarefa que a banda jamais atingiria até se dissolver, em 2011 – ao menos aperfeiçoava seu estilo e discurso. Adicionava-se às guitarradas de Buck outras formas de criar riffs; ampliava-se a instrumentalização; aprofundam-se na raiz da música norte-americana; Stipe apurava ainda mais sua poesia e canto. Presente em listas de grandes discos dos anos 90, como a dos 100 Álbuns das revistas Rolling Stone e Slant, “Out...” ganhou três Grammy Awards em 1992 (Melhor Álbum de Música Alternativa e dois para "Losing My Religion"). E se hoje o disco é considerado um clássico, à época de seu lançamento ele alçava o grupo a um novo patamar: o de banda que transpunha a fronteira do alternativo para o pop. O esquecimento temporário da R.E.M. havia feito bem tanto para poderem apresentar aquele novo trabalho quanto, principalmente, para atingirem livres de preconceitos um feito que poucos conseguem: o de tornar-se internacionalmente conhecido, mas manter o status de cult.

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FAIXAS:
1. "Radio Song" - 4:13
2. "Losing My Religion" - 4:26
3. "Low" - 4:55
4. "Near Wild Heaven" - 3:17
5. "Endgame" - 3:48
6. "Shiny Happy People" - 3:45
7. "Belong" - 4:05
8. "Half a World Away" - 3:26
9. "Texarkana" - 3:37
10. "Country Feedback" - 4:07
11. "Me in Honey" - 4:06
Todas as músicas de autoria de Berry, Buck, Mills e Stipe

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Daniel Rodrigues

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Música da Cabeça - Programa #38



Como diria Cassiano: “Então é Natal/ Estrelas no céu/ Então é Natal/ Papai Noel”. Pois o Bom Velhinho vem com um saco cheio de presentes musicais no programa de hoje, às 21h, na Rádio Elétrica! E tem pra todos os gostos: Caetano Veloso, Beatles, The Cure, Chico Buarque, R.E.M., Carole King, Mutantes e muito mais. Ah, o Papai Noel também não se esqueceu dos quadros “Palavra, Lê”, “Música de Fato” e do pedido de quem ouve o Música da Cabeça, que vai rolar no “Cabeça dos Outros”. Então, se comportem, que aí vocês ganham aquilo que pediram de Natal, ou seja: muita música. Produção, apresentação e trenó, Daniel Rodrigues.


terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

R.E.M. - "Green" (1988)


"Quem poderia imaginar que
uma compra impulsiva de [Peter]Buck,
de um velho bandolim italiano
em uma lojinha de Nova Iorque
poderia ter tamanho impacto na carreira da banda?"
Alan Jones
editor da revista Uncut



A grande explosão do R.E.M. em termos de público, aconteceu com o bom "Out of Time" de 1991, mas "Green" seu antecessor, de 1988, é na verdade seu inspirador e embrião em vários aspectos, desde a semelhança das capas, passando pelas características de cada canção, e até mesmo uma certa semelhança no formato e na distribuição das faixas. Sim, "Out of Time" foi um grande sucesso nas paradas e impulsionou o R.E.M. ao status de grande nome do pop-rock mundial, mas na minha opinião "Green", é infinitamente melhor e, este sim, verdadeiramente um ÁLBUM FUNDAMENTAL.
"Green" marca uma mudança interessante no som do R.E.M.: ao mesmo tempo que a banda mantinha características que a haviam consagrado no universo alternativo até a metade dos anos 80 e começaram a aparecer para o grande público a partir do álbum "Document", neste trabalho começavam a inserir instrumentos alternativos, pouco usuais em sua trajetória até então, como o acordeão, o violoncelo e principalmente, e com grande destaque em uma série de faixas, o bandolim, instrumento que o guitarrista Peter Buck havia recém adquirido e acabara de aprender a tocar.
O álbum começa, como anuncia o nome, com um pop de primeira qualidade, de riff repetido meio oriental e ritmo quebrado, "Pop Song 89". Título aliás bem característico da banda com uma espécie de brincadeira com 'a música pra tocar no rádio', como "Finest Worksong", "Radio Free Europe" e "Radio Song", que viria no álbum seguinte, "Out of Time", coincidentemente, também abrindo o disco.
"Get Up" que a segue é um pop alegre, pra cima; "You are the Everything" é uma belíssima canção folk (seria a "Half a World Away" do "Green"?) que marca bem a característica já salientada da tilização do acordeão e do bandolim, instrumento que seria utilizado também de forma fundamental no trabalho sucessor, como no mega-sucesso "Losing My Religion".
"Stand", outro daqueles pops extremamente gostosos, seria uma espécie de antecipação de "Shinny Happy People", até pelo sonzinho de 'carrosel' comum às duas; e a excelente "World Leader Pretend", com seu tom sério, quase dramático, a predecessora do clássico "Losing My Religion". Forte, grave, engajada, "World Leader Pretend" é, para mim a melhor faixa e o coração do álbum.
O álbum segue com a acústica "The Wrong Child", conduzida pelo bandolim e com um interessantíssimo vocal duplicado cantado de formas diferentes pelo próprio Michael Stipe; com "Orange Crush" e "Turn You Inside-Out" que fazem a dobradinha elétrica do álbum, no momento provavelmente mais vibrante do disco, com duas faixas relativamente pesadas, cheias de guitarras, pedais, distorção e energia; e com "Hairshirt", linda faixa acústica, também pautada pelo bandolim.
"I Remember California", outra das grandes do disco, também pesada, densa, com guitarras e interpretação marcantes e que seria o final original do álbum, certamente cumpriria o papel de encerrar um grande álbum de forma competente, mas a banda ainda nos revelaria uma espécie de surpresa com uma última faixa simplesmente... sem nome. Uma linda canção com um belíssimo trabalho de vocais e bateria, num manifesto pelo amor e pela vida que, de tal forma dá sentido ao nome do álbum que seu próprio título chega a ser dispensável. Daquelas faixas adoráveis que servem pra fechar um álbum de maneira perfeita. 
Como eu já disse, depois viria "Out of Time", muito bom álbum, consagrado e tudo mais, mas que é na verdade, nada mais que uma boa sequência do ótimo "Green".
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FAIXAS:
  1. "Pop Song 89"
  2. "Get Up"
  3. "You Are the Everything"
  4. "Stand"
  5. "World Leader Pretend"
  6. "The Wrong Child"
  7. "Orange Crush"
  8. "Turn You Inside-Out"
  9. "Hairshirt"
  10. "I Remember California" 
  11.   

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Ouça:
R.E.M. Green


Cly Reis

sábado, 16 de julho de 2011

R.E.M. - "Reckoning" (1984)

O Disco da Vida e da Morte

"Michael ouve a melodia e então escreve uma letra ou acha alguma que se encaixa. Elas são incrivelmente pessoais, coisas que aconteceram com ele, por isso, às vezes as pessoas não conseguem decifrá-las."
Mike Mills


Certa vez estava em um ônibus, passando sobre um viaduto e ouvindo o “Reckoning” do REM no walkman. Por um instante aquele som me preencheu de tal maneira, me elevou de tal modo que cheguei a dispensar minha vida por um breve momento. Disse silenciosamente, “Deus, se tu quiseres, podes fazer esse ônibus despencar deste viaduto agora mesmo, porque ter vivido até aqui e morrer ouvindo algo assim terá me bastado”. Aguardei por um momento, ouvindo a música, atento a um possível impacto na mureta e um salto no vazio, mas logo abri os olhos e vi que o ônibus já havia descido do viaduto e, ainda que houvesse chance de uma colisão logo ali a diante, parecia que Ele ignorara minha ‘permissão’. O Velho lá por sua vez deve ter dito, “larga de bobagem, menino, que ainda te reservei muita coisa. Vai, vai...”. E tudo seguiu em frente até hoje.
Colocando assim pode parecer que o “Reckoning” seja a coisa mais maravilhosa do mundo, o álbum definitivo, a obra suprema, mas não... Não é isso. É que ele consegue na sua simplicidade, na sua sutil beleza, na sua pureza, na sua, até, crueza, soar tão gostosamente, tão suficiente e tão indispensável que chega a parecer algo assim como um papo com o melhor amigo, um vento na cara, um doce saboroso, um beijo de carinho, um sono numa manhã de sábado.
Do tempo que o REM era mais bruto, mais simples, mais alternativo, mais autêntico, “Reckoning” é feito só de jóias: "Harborcoat", a primeira, é um college rock cheio de ska bem gostoso e embalado e já de cara uma das minhas prediletas ; a adorável melodia de "7 Chinese Brothers" é encantadora; a lindíssima "So. Central Rain (I'm Sorry") antecipa momentos que veríamos depois mais lapídados em "Green" e "Out of Time"; "Pretty Persuasion", talvez seja a mais pop do disco, mas o que não representa, em absoluto, um defeito; “Time After Time”, que vem em seguida com seus ares árabes-orientais, é simplesmente apaixonate; "Second Guessing" tem uma levada embalada e empolgante; a belíssima "Camera" vem nos explorando, nos ganhado, nos conquistando com seu ritmo lento até nos arrebatar de vez com a emoção e envolvimento da interpretação de Stipe; e outra das grandes do álbum, (Don't Go Back To) Rockville, é bem country, bem folk e totalmente raiz americana, aliás uma das marcas do disco, no geral.
Outro daqueles pra se ter em LP: originalmente as músicas foram distribuídas em lado direito e lado esquerdo e isso, certamente, dentro dos quebra-cabeças de letras, momentos e sonoridades montados por Michael Stipe ao longo do disco, tem também seu significado.
Felizmente Deus sequer levou em consideração minha autorização besta de criança. Se tivesse acabado ali não teria criado um blog, não visto meu time Campeão do Mundo, não teria conhecido minha esposa, não veria agora minha filha que está a caminho, entre outras tantas coisas boas (e ruins) que aconteceram desde lá. Mas mesmo assim, sem qualquer motivo efetivamente palpável ou justo, até hoje, quando pego o “Reckoning” pra ouvir não consigo deixar de pensar nele como O Disco da Vida e da Morte.
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FAIXAS:

  • Lado 1 - Esquerdo


  1. "Harborcoat" – 3:54
  2. "7 Chinese Bros." – 4:18
  3. "So. Central Rain (I'm Sorry)" – 3:15
  4. "Pretty Persuasion" – 3:50
  5. "Time After Time (AnnElise)" – 3:31



  • Lado 2 – Direito


  1. "Second Guessing" – 2:51
  2. "Letter Never Sent" – 2:59
  3. "Camera" – 5:52
  4. "(Don't Go Back To) Rockville" – 4:32
  5. "Little America" – 2:58

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Ouça:
R.E.M. Reckoning




Cly Reis