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sexta-feira, 1 de maio de 2020

cotidianas #677 - "Fábrica"




"Operários", Tarsila do Amaral
Nosso dia vai chegar
Teremos nossa vez
Não é pedir demais
Quero justiça
Quero trabalhar em paz
Não é muito o que lhe peço
Eu quero um trabalho honesto
Em vez de escravidão
Deve haver algum lugar
Onde o mais forte
Não consegue escravizar
Quem não tem chance
De onde vem a indiferença
Temperada a ferro e fogo?
Quem guarda os portões
Da fábrica?
O céu já foi azul
Mas agora é cinza
O que era verde aqui
Já não existe mais
Quem me dera acreditar
Que não acontece nada
De tanto brincar com fogo
Que venha o fogo então
Esse ar deixou minha vista cansada
Nada demais
Nada demais...
****************
letra de "Fábrica"
da banda Legião Urbana
(letra: Renato Russo)

Ouça:

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Chico Buarque - "As Cidades" (1998)

 

"
O Brasil é capaz de produzir um Chico Buarque. Seu talento, seu rigor, sua elegância, sua discrição são tesouro nosso. Amo-o como amo o mundo, o nosso mundo real e único, com a complicada verdade das pessoas. Tudo está na dicção límpida de Chico."
Caetano Veloso

E Chico chega aos 80. Mais do que somente um aniversário ou uma mera contagem numérica, o fato de ser ele, Chico, a completar oito décadas de vida, diz muito sobre o Brasil. Um Brasil que, em algum momento, contrariando todas as expectativas negativas e detrações, deu certo. Uma nação colonizada, saqueada e profundamente escravagista que, naqueles anos 40 de seu nascimento, urbanizava-se a duras penas. Um mero exportador de matéria-prima, de traços rurais, que cedia ao populismo e perseguia contrários (entre eles, artistas e pretos). Uma sociedade convencida da falácia da Democracia Racial. Uma terra de revoltas e levantes, oprimida ora pela Política do Café com Leite, ora pela Política da Bombacha. Um Brasil violento, homicida, aporofóbico e injusto e de senso militarista, o mesmo que se conduziu ao poder e à barbárie por tantos tempo anos mais tarde.

Mas, no meio disso tudo, nasceu Chico. Caetano, contemporâneo, disse isso com a sapiência que a admiração lhe confere: "Quando o mundo se apaixonar totalmente pelo que ele faz, terá finalmente visto o Brasil". Do mundo, não sei. O que sei é que Chico concentra tudo que há de melhor num pais continental violento e dado à desgraça, mas, talvez por isso, pela necessidade de contrapor o que se é por destino, mágico e incomparável. Chico é isso: mágico e incomparável. Seja nas obras-primas às menores, independente da fase da carreira. Há uma regularidade sublime em sua obra, tanto na literatura, no teatro ou no cinema. 

Na música, sua praia desde a adolescência (e pensar que esse admirador de Niemeyer queria ser arquiteto...), essa regularidade se expressa numa obra tão extensa quanto coesa e profundamente simbólica. Quando se fala em resistência da MPB nos Anos de Chumbo, de quem se lembra? E junto a “Coração de Estudante”, não é sempre “Vai Passar” que vem à memória quando se revive o histórico momento das “Diretas Já!”? Chico está embrenhado em nossa história como nação nestes 80 anos que vivemos junto com ele.

Em todas as épocas, Chico, seja o da “flor da idade” ou “o velho”, traduz em sua música o que há de melhor (ou de pior, traduzido da melhor forma) em nós. “As Cidades”, seu 28º álbum de estúdio, é um dos mais perfeitos exemplos. À época, já consolidado como escritor, o autor passava a cada vez mais rarear seus discos, geralmente intercalados, agora, por algum novo livro. Afora projetos esparsos, “Paratodos”, por exemplo, trabalho musical imediatamente anterior, havia 6 anos de lançamento. Neste ínterim, lançara o segundo romance, o celebrado “Benjamin”, de 1995. Assim, havia, além de grande expectativa para o que traria em um novo álbum de música, o questionamento se ele faria jus à mitologia. “Estará agora dando mais atenção à literatura?” “O homem das canções terá perdido a capacidade de inventar preciosidades como “Mulheres de Atenas” ou “Tatuagem”?” “Chico será ainda Chico?”

Resultado: 100 mil cópias vendidas. Disco de ouro. Ele provava que, sim, ainda era Chico. “As Cidades”, com arranjos e produção de Luiz Claudio Ramos e a marcante capa de Gringo Cardia, abre com a malemolente “Carioca”, uma declaração de pertencimento: "Cidade Maravilhosa, és minha". Samba sincopado marcado no piano, é uma tradução da Rio de Janeiro nada óbvia, pois abrangente, generosa, cronista. “O pregão abre o dia/ Hoje tem baile funk/ Tem samba no Flamengo/ O reverendo/ No palanque lendo/ O Apocalipse”. Música que, aliás, daria exemplo aos trabalhos subsequentes de Chico, com aberturas ou encerramentos dedicadas à sua cidade: “Subúrbio”, em “Carioca” (2006), e “As Caravanas”, de “Caravanas” (2017).

A belíssima “Iracema Voou”, de melodia delicada e letra ainda mais, redimensiona para os tempos modernos o mito indianista de José de Alencar. Que beleza da divisão e do tempo musical dos versos: “Tem saudades do Ceará/ Mas não muita”! O bonito tango rumbado “Sonhos Sonhos São” antecede a igualmente delicada “A Ostra e o Vento”, tema escrito para a trilha sonora do filme homônimo de Walter Lima Jr. de um ano antes. Uma joia. A voz infantil de Branca Lima em duo com Chico transmite a sensibilidade desta canção, capaz de fazer referências visuais ao cenário inóspito do filme, uma ilha de marinheiros apartada do mundo, e àquilo que estes elementos trazem de significado: a ostra, o afloramento da sexualidade feminina; o barco, o destino; o peixe, a fecundidade; o vento, o erotismo e a passagem do tempo.

Belezas e delicadezas são, aliás, uma marca de Chico. “Xote da Navegação”, bem posta logo em seguida de uma música tão marítima quanto sensorial, amplifica esse sensação noutra preciosidade do disco. Parceria com o maior discípulo de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, este xote com ares de fado lusitano retraz o Nordeste profundo, denotando, como disse certa vez Tom Zé, “quão barroca é a alma sertaneja”. “Com o nome Paciência/ Vai a minha embarcação/ Pendulando como o tempo/ E tendo igual destinação/ Pra quem anda na barcaça/ Tudo, tudo passa/ Só o tempo não”. É ou não é o que de melhor uma língua viva pode oferecer – no caso, o nosso tão desvalorizado Português? Como com a faixa “Carioca”, “Xote...” serve de espelho para os próximos trabalhos que Chico faria, quando põe, a aproximadamente esta mesma etapa do repertório, o baião “Ode aos Ratos” (do disco “Carioca”), "Tipo um Baião" (de "Chico", 2011) e “Massarandupió” (de “Caravanas”).

Outra parceria histórica é com o violinista e compositor Guinga na ardente “Você, Você”, típica melodia guinguiana, de inusitados intervalos e formações de acordes, vocalises e complexa harmonia. Na letra exímia de Chico, ele manda versos interrogativos como: “Que roupa você veste, que anéis?/ Por quem você se troca?/ Que bicho feroz são seus cabelos/ Que à noite você solta?”

Se estamos falando de obras-primas, então vem outra: “Assentamento”. Extraída do projeto “Terra”, produzido por Chico juntamente com o fotógrafo Sebastião Salgado, em 1997, é certamente uma das mais preciosas canções de todo o cancioneiro buarquiano. Resgatando a atmosfera de músicas antigas suas como “Fantasia” e “O Cio da Terra”, que carregam a temática das lutas fundiárias no Brasil, bem como a literatura de Guimarães Rosa, de quem declama os versos iniciais (“Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão/ contente com minha terra/ cansado de tanta guerra/ crescido de coração”), “Assentamento” é um canto político e de esperança ao Movimento Sem-Terra. “Vamos ver a campina quando flora/ A piracema, rios contravim/ Binho, Bel, Bia, Quim/ Vamos embora”. A luta continua, companheiros.

vídeo de "Assentamento" do DVD "As Cidades Ao Vivo"

Dois belos sambas: “Injuriado”, em dueto com a irmã e referência no meio dos bambas Cristina Buarque, e outra antiga: “Aquela Mulher”, do repertório do filme “Ópera do Malandro”, de 1985, mas que, cantada à época pelo ator Edson Celulari e, logo depois, por Paulinho da Viola, nunca havia sido registrada na voz do seu próprio criador.

Mais uma fineza de música, “Cecília”, parceria com Ramos, antecede o final triunfal no chão onde Chico pisa com tanta emoção: a Estação Primeira de Mangueira. “Chão de Esmeraldas”, criada por ele e Hermínio Belo de Carvalho para o então recente projeto “Chico Buarque da Mangueira”, a música parece não só ter expressado o carinho de Chico pela escola como, pé quente em terreno brilhante, antevisto a vitória da Verde e Rosa após 11 anos no Carnaval de 1998 com Chico como tema.

Motivos para desacreditar no Brasil nestes ¾ de século não são poucos. Suicídio de Getúlio, Serra Pelada, Ditadura, facções criminosas, hiperinflação, RioCentro, roubo da taça, colarinho branco, Collor, Eldorado dos Carajás, Anões do Orçamento, Carandiru, Golpe de Dilma, Lava-Jato, Extrema-Direita, 8 de Janeiro... E o que falar de Marielle, Edson Luiz, Amarildo, Mãe Bernadete, Herzog, Stuart Angel, Chico Mendes?... Não é fácil ser brasileiro.

Mas Chico é sempre Chico. É sempre uma qualidade acima da média, a qualidade potencial de um povo. Por causa dele, “todas as nossas fantasias de autodesqualificação se anulam”, diz Caetano. Chico é a Seleção de 70, as formas de Brasília, o oxigênio da Mata Atlântica, a batida de João, o traço de Tarsila, a sintaxe do Português, o baião de Gonzaga, o batuque do terreiro, a cintura da mulata. Chico materializa aquilo que podemos ser. E como é bom ser cidadão de um povo que tem como compatriota Francisco Buarque de Hollanda! Ou pode chamá-lo somente pelo apelido, que ele é gente como a gente. Essa gente.

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FAIXAS:
1. "Carioca" - 2:43
2. "Iracema Voou" - 2:58
3. "Sonhos Sonhos São" - 3:15
4. "A Ostra E O Vento" - 3:29
5. "Xote De Navegação" (Chico Buarque, Dominguinhos) - 2:30
6. "Você, Você" (Chico Buarque, Guinga) - 2:52
7. "Assentamento" - 3:43
8. "Injuriado" - 2:29
9. "Aquela Mulher" - 2:22
10. "Cecília" (Chico Buarque, Luiz Cláudio Ramos) - 4:03
11. "Chão De Esmeraldas" (Chico Buarque, Hermínio Bello de Carvalho) - 4:03
Todas as canções de autoria de Chico Buarque, exceto indicadas

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Daniel Rodrigues

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

10ª Bienal do Mercosul – Memorial do Rio Grande do Sul (2ª parte) e Centro Cultural CEEE Erico Verissimo









Vídeo de Alfredo Jaar, no CCCEEE visto da calçada.
O “pedacinho” do Memorial que faltava, o qual havia comentado na postagem anterior sobre a Bienal do Mercosul, era, na verdade, um andar inteiro. Numa abordagem mais tecnológica mas sem desalinhar-se do recorte “Biografias da Vida Urbana”, traz mais vídeos e fotografias, mas também quadros e instalações aludindo a temas já vistos como arquitetura, urbanidade, cidadania, mobilidade, segregação, entre outros vários que se podem derivar. Embora com um pouco menos de coisas interessantes, o nicho superior traz algumas boas surpresas.

Uma das salas de projeção mostra um filme de Miguel Rio Branco exaltando a estética erótico-kitsch-brega do universo de prostitutas da zona, com música ao fundo, ruídos, sussurros, tudo aglutinado. Misto de Boca do Lixo e Derek Jarman. Também em vídeo, mas não separado de outras obras, um bastante interessante do festejado chileno Alfredo Jaar. Chamado “Times Square, April 1987: A Logo for America”, é um documentário em vídeo digital que mostra uma animação criada pelo artista à época e que, projetada em plena Times Square, questionava, no coração da Big Apple, a prevalência dos Estados Unidos como nação dominante e a identidade continental do ser americano. Isso, antes do Muro de Berlim cair... A mim, que não abro mão de me referir aos nascidos naquele país valendo-me do essencial prefixo “norte”, pois me considero tão americano quanto eles, a percepção de Jaar é pertinente e necessária. Ainda, o vídeo dialoga com a única obra exposta no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, em que, numa grande tela que dá para a rua, mostra as mesmas animações e ditos como “This is not America’s flag” ou, simplesmente, “America?”.

Obra de Britto Velho, 
sociedade do espetáculo x realidade
Em pintura, as duas contundentes telas “Pichação”, do gaúcho Frantz, de 1981, merecem destaque. Feitas à época de repressão Militar no Brasil, os fragmentos/suposições de palavras de ordem, como um manifesto dito pela metade por conta da censura, dão à obra um caráter documental e sociológico. De pintura tradicional ainda, outras duas do pernambucano Montez Magno, da série “Fachadas do Nordeste” (acrílica sobre cartão), desafiam-se a compor, através de formas geométricas, uma poética do objeto urbano. Outro gaúcho, Britto Velho, tem a sua condizente “Reflexões e Variações sobre América Latina” (acrílica sobre aglomerado), de 1977, espelhando as duas faces dicotômicas da sociedade: o que a mídia evidencia destacadamente e, bem próximo, logo abaixo, aquilo que se é de fato sob a “luz” da verdade.

Avançando um pouco na exploração das técnicas, o mexicano Felipe Ehrenberg, conecta-se com o fenômeno das “tribos culturais” da cidade e, por meio de estampa eletroestática a partir de uma colagem como matriz (1973 a 2001), compõe um tríptico que lembra por demais a estética dos fanzines punks. Sem sair da reflexão sobre a urbe, uma das boas surpresas foi encontrar, em forma plástico-visual, o poema-música do multiartista Augusto de Campos “Cidade City Cité”, parceria dele com o espanhol Julio Paza (1963-2015), que, paulistanamente concretista, preenche, dentro da extensão que compreende a grafia do “menor maior poema do mundo” –  como classifica o próprio Augusto – uma sugestão de metrópole, moderna mas superficial e acelerada, tomada de luzes indistinguíveis na noite da “unívora cidade”.
Qualquer semelhança com um fanzine
não é mera coincidência.

Mas minha maior admiração ficou por conta da gigantesca tela do pernambucano Cícero Dias “Eu vi o mundo... ele começava no Recife”, umas das obras-primas da pintura de todos os tempos. Elaborada entre 1926 e 29, com suas assombrosas dimensões de 1 metro e meio de altura por 12 metros e meio, é um dos mais importantes registros pós-modernismo e, para além dos escândalos da época por mostrar um nu (acreditem: a sociedade considerava depravada aquela bucólica imagem da uma mulher sobre o burro), um ícone da arte brasileira. Por meio de um traço estilizado, a exemplo de Di Cavalcanti, porém consideravelmente mais regionalista – os personagens de feições e vestes típicas, a predominância do ocre da luz da capital pernambucana na paleta – Dias segue impressionando com esse exuberante óleo sobre papel, técnica que o torna ainda mais louvável. Não só eu: à época de sua primeira exposição, em 1931, em São Paulo, Mário de Andrade, eterno coração juvenil, escreveu à amiga Tarsila do Amaral, em que sobram empolgação e exagero: “Aqui, grande bulha por causa do Salão em que o Lúcio Costa permitiu a entrada de todos os modernos, e o Cícero Dias apresenta um painel de quarenta e quatro metros de comprimento com uma porção de imoralidades dentro. Os MESTRES estão furibundos, o escândalo vai grosso, ouvi contar que o edifício da Escola de Belas Artes rachou...” Memorial do Rio Grande do Sul não rachou, não pelo que outrora fora escândalo. Mas que a bulha ainda é possível de se ouvir, ah! Isso é.

Vídeo de Jaar que dialoga com a instalação no CCCEEE

"Pichação", de Frantz, entre a arte e o protesto

Fachadas do Nordeste, poesia geométrica

Poema de Augusto de Campos em versão plástica


C
Partes do painel de Cícero Dias
"Eu vi o mundo... ele começava no Recife"