Numa das conversas que tivemos sobre as nossas infâncias, confessei ao Clayton e ao Daniel, com muita emoção que “A Arca de Noé” é a trilha sonora que eu mais gostava e lembrava a minha primeira infância. Nada em termos fonográficos, nenhum outro disco podia se comparar a “Arca de Noé” e olha que o páreo tinha as obras “Os Saltimbancos”, “Sítio do Pica-pau Amarelo”, "Plunct-Plact-Zum!", “Pirlimpimpim” e o “Grande Circo Místico” só para começar a listinha básica de musicais das crianças que cresceram entre 1973 a 1983.
Na época da Arca, eu, uma guria entre 7 e 8 anos de idade, me divertia com a minha irmã repetindo muitas vezes as canções que minha mãe ajudava a gente a lembrar, porque não tínhamos os LPs. “A Arca de Noé” ficou na minha memória musical depois que assisti ao programa de televisão de mesmo nome exibido no início da década de 80, na Rede Globo. Os registros sonoros se fixaram tão fortemente nas minhas retinas, ouvidos e coração, que por muitos anos, lembrava dos detalhes visuais de cada apresentação. Lembrava dos gestos e dos figurinos/cenografias dos convidados que fazem parte do elenco musical dos volumes 1 e 2.
Eu e minha irmã na época em
que conhecemos "A Arca de Noé"
Muitos anos se passaram e já adulta me deparei com os dois volumes da Arca em CD e relembrei, faixa a faixa, cada poema. As músicas estavam tão vivas em mim que cheguei a apresentar “Corujinha”, da “Arca de Noé 1”, numa audição em 2008 promovida por todos os estudantes da Profª de música Maria Beatriz Noll. Aliás, foi ela também quem me mostrou a versão italiana de “A Casa”, no LP “L´Arca – Canzoni per bambini” a partir da produção de Sergio Endrigo que reuniu vários intérpretes italianos em versões das canções do volume 1 feitas por Vinícius de Moraes.
Cada vez que escuto a “Arca de Nóe” de Vinicius de Moraes, acompanho em poesia as vozes e a respiração de Milton Nascimento, Moraes Moreira, Alceu Valença, MPB 4, Elis Regina, Frenéticas, Fabio Jr., Boca Livre, Ney Matogrosso,Marinae Walter Franco só para citar os intérpretes do volume 1. O mais interessante é que parte deles já fazia parte do repertório diário que eu colocava na vitrola, após chegar da escola diariamente para fazer meus shows dublados com o som no volume máximo.
A “Arca de Noé” é o último trabalho poético-musical de Vinicius de Moraes lançado nos anos de 1980 e 1981 – este último, póstumo. Em entrevista ao jornalista Tárik de Souza, o produtor Fernando Faro reafirma que Vinicius trabalhou até pouco antes de morrer. “Na madrugada em que se foi, vertia do italiano para o português os poemas da Arca. E cobrava de mim: ‘Faro, me dá logo esse treco!’. Ele respirava esse disco, atento a todos os detalhes”, conta o produtor dos shows e dos álbuns da dupla Toquinho-Vinicius.
No volume 2, alguns intérpretes se repetem, mas as participações de Fagner, Jane Duboc, Elba Ramalho, Grande Otelo, Clara Nunes, Céu da Boca e Paulinho da Viola são muito especiais, diversificando os temas e os gêneros musicais.
A poesia de Vinicius é tão imensamente bela e se ampliou tanto na voz desses intérpretes que está na memória de crianças, jovens e adultos por sua qualidade, irreverência e pureza. A poesia d’“A Arca de Noé” é capaz de coisas que você nem imagina, como, por exemplo, reencontrar a sua criança toda a vez que a escuta. Experimente.
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FAIXAS - "Arca de Nóe 1": 1 - A Arca de Noé-Abertura - Chico Buarque e Milton Nascimento 2 - O Pato - MBP 4 3 - A Corujinha - Elis Regina 4 - A Foca - Alceu Valença 5 - As Abelhas - Moraes Moreira 6 - A Pulga - Bebel 7 - Aula de Piano - Frenéticas 8 - A Porta - Fábio Jr. 9 - A Casa - Boca Livre 10 - São Francisco - Ney Matogrosso 11 - O Gato - Marina 12 - O Relógio - Walter Franco 13 - Menininha - Toquinho 14 - Final - Instrumental
FAIXAS - “Arca de Noé 2”: 1 - Abertura - A Arca de Noé - Dionísio Azevedo 2 - O Leão - Fagner 3 - O Pinguim - Toquinho 4 - O Pintinho - Frenéticas 5 - A Cachorrinha - Tom Jobim 6 - O Girassol - Jane Duboc 7 - O Ar (O vento) - Boca Livre e Vinicius de Moraes 8 - O Peru - Elba Ramalho 9 - O Porquinho - Grande Otelo 10 - A Galinha d'angola - Ney Matogrosso 11 - A Formiga - Clara Nunes 12 - Os Bichinhos e o Homem - Céu da Boca 13 - O Filho Que Eu Quero Ter - Paulinho da Viola
Como venho ressaltado aqui no blog, a temporada de show está ótima. Mais
um destes belos espetáculos, que vi ao lado de Leocádia Costa e de minha
querida Martha Becker, ocorreu no Teatro Bourbon Country, quando o cantor,
compositor e violonista Toquinho e a
cantora Maria Creuza se reuniram
para homenagear Vinícius de Moraes. A ocasião – comemorativa aos 15 anos do
escritório jurídico TozziniFreire de Porto Alegre, que patrocinou o show – foi
especial. Isso porque a dupla havia se apresentado junto apenas em um
espetáculo, justo no histórico show de 1970 que os reuniu com Vinicius e que
deu origem a um dos mais celebrados discos ao vivo da MPB, “Vinicius de Moraes
en La Fusa”, gravado em Buenos Aires. Depois, nunca mais pisaram num palco
juntos.
Porém, felizmente, ambos estão ativos para poderem repetir o feito. O
show, na verdade, não se restringia apenas ao repertório de Vinicius de Moraes,
pois é mesmo comandado por Toquinho, este virtuose do seu instrumento que, como João Bosco e seu mestre Baden Powell, aprendeu não apenas a tocar mas também a
cantar e, principalmente, compor (alinhando-se a uma seleta estirpe de
compositores que vai de Liszt e Rachmaninoff a Jimi Hendrix e Louis Armstrong).
Assim, “Toco” – como é carinhosamente chamado por Maria Creuza –, teve a
“sorte”, segundo o próprio, de cocriar com outros grandes mestres da música
brasileira, como Chico Buarque, Paulo César Pinheiro, Jorge Ben e o próprio Baden, autores que também aparecem no set-list.
Maria Creuza, ainda com seu belo timbre mas de voz já um pouco cansada,
faz boas participações no meio e no final. Foi ela quem comandou clássicos como
“Você abusou”, “Se Todos no Mundo Fossem Iguais a Você” e “Eu Sei que Vou te
Amar”, este, seu melhor momento. Juntos, cantaram outras pérolas: “A
Felicidade”, “Tomara” e “Samba em Prelúdio”, de Baden (que promove na segunda
parte um lindo contracanto com as vozes de ambos), autor este do qual Toquinho
ainda tocou uma impressionante versão de “Berimbau”, do memorável "Os Afro-Sambas" (1966), em que o violão, de tão bem tocado, parecia realmente soar como o típico
instrumento afro.
Toquinho, um mestre com seu violão
foto: Dulce Helfer
De resto, o show é todo de Toquinho. Simpático e conversador, ele
contou histórias e comentou praticamente todos os números, fosse antes ou
depois. Afinal, histórias dele, dos tempos de bossa nova e, principalmente, do “vivido”
amigo Vinicius, não faltam. Uma destas foi a que deu origem a um de seus
maiores sucessos, “Tarde em Itapuã”. Ele, na época adolescente, vira o poeta escrevê-la
em sua casa em Salvador e se encantara com os versos. Só que a mesma estava
prometida para outro gênio da música brasileira musicar: Dorival Caymmi. No
entanto, Toquinho, ousado, roubou o papel e aproveito que voltava uns dias para
São Paulo para criar a melodia. Na volta a Bahia, encontrou Vinicius
desesperado atrás do seu escrito e, para aplacar sua fúria quando soube que tal
havia sido surrupiado, Toquinho tocou-a ao violão para o mestre. Meia hora
depois, mais calmo, Vinicius aceitou não repassá-la a Caymmi e assim nasceu um
dos maiores clássicos da MPB.
O show teve ainda momentos de bastante emoção, como nas interpretações
de “A Casa” e “O Pum”, do infantil "A Arca de Noé", último projeto de Vinicius com
Toquinho antes de morrer, em 1980, obra que permeia a infância de muita gente
que estava ali – a começar pela minha e de Leocádia, que, inclusive, já
escreveu sobre sua ligação com “A Arca...” aqui no blog. Na mesma linha, as
tocantes “O Caderno” (preferida do próprio Toquinho, dele com Mutinho) e
“Aquarela”, com sua letra lúdica e realista (“Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá/ O fim dela
ninguém sabe bem ao certo onde vai dar/ Vamos todos numa linda passarela/ De
uma aquarela que um dia enfim/ Descolorirá.”), foram de levar às lágrimas. Como
ele mesmo disse, o desafio de fazer música para os pequenos é se despir das
complexidades harmônicas do adulto e se comunicar com as crianças sem
subestimá-las.
No seu tributo ao “poetínha” couberam ainda “Samba pra Vinicius” (“Poeta, poetinha vagabundo/ Quem dera todo
mundo fosse assim feito você/ Que a vida não gosta de esperar/ A vida é pra
valer/ A vida é pra levar/ Vinícius, velho, sarava”), dele e de Chico,
“Chega de Saudade”, marco inicial da bossa nova em que deram vivas a João Gilberto, e, claro, as tão famosas parcerias com Vinicius: “Cotidianas n° 2”, "Como
Dizia o Poeta” e a atualíssima “A Tonga da Mironga do Kabuletê”: “Você que lê e não sabe/ Você que reza e não
crê/ Você que entra e não cabe/ Você vai ter que viver...”. Nem parece ter
sido escrita nos anos 70... Pra terminar, “Regra três”, bis que fechou a noite.
É muito bonito ver na ativa um verdadeiro representante de um período
tão fértil da música brasileira, um cara que faz com propriedade a ligação
entre os compositores dos anos 50 (Tom Jobim, Antonio Maria, Dolores Duran,
Carlos Lyra, entre outros) com o período pós-bossa nova dos anos 60 e 70 (Chico,
Baden, Elis Regina, festivais, tropicalistas) e, ainda assim, resgata a
tradição dos violeiros e do choro, um dos estilos seminais do samba moderno. E
mais digno ainda assistir eles homenageando Vinicius de Moraes, que revelou Maria
Creuza e que, com Toquinho, principalmente, escreveu nada menos do que cerca de
130 canções, hoje eternizadas geração após geração. Toquinho teve sorte? Sim, mas,
muita competência. Parafraseando o poeta: que nos desculpem os inaptos, mas
talento é fundamental. E Toquinho tem de sobra.
fica o orgulho de dividir alguns momentos da música
com o
Brasileiro Antonio das águas de março,
do matita, do porto das caixas, do
amparo, das luísas,
da sinfonia de Brasília, das saudades do Brasil.
O maior
compositor da música popular
de todos os países.”
Edu Lobo, sobre Tom Jobim
Há momentos em que uma obra-prima surge do acaso. Não foi assim com o
sonho em comum tido por Salvador Dali e Luís Buñuel na mesma noite e que os
motivou a filmar “Um Cão Andaluz”? Ou o processo intuitivo de Jackson Pollock,
que formava seus quadros com tintas de pura aleatoriedade? Pois em música
acasos como estes também acontecem. Em 1981, Edu Lobo, cantor, compositor e arranjador, um dos mais criativos e
respeitados artistas da música brasileira pós-Bossa Nova, estava de saída de
sua então gravadora, a PolyGram. Como era de praxe, haveria de realizar um
disco com a participação de vários artistas, como uma despedida festiva pelos
anos de casa. Em cumplicidade com o produtor Aloysio de Oliveira, o primeiro a
ser convidado sem pestanejarem foi Tom Jobim.
Num clima de admiração mútua, auxiliados pela direção não menos afetuosa
e sábia de Aloysio, chamaram Tom para tocar piano em “Pra dizer adeus”, faixa
de um dos primeiros discos de Edu, logo após esse ser descoberto por Vinícius de Moraes, no início dos anos 60. Tom o fez, mas não sem lançar contracantos, cantar
alguns versos e ainda adicionar-lhe acordes, os quais passariam a partir dali a
integrar a partitura da canção. Ou seja: chegou para uma participação e mudou a
música para sempre. Ao final da gravação, visto que todos estavam felizes com o
resultado e com a egrégora formada no estúdio, Tom pergunta: “Era só isso?”. Aloysio propôs, então,
de modo a não desapontar o maestro, que se gravasse outra de Edu, desta vez,
uma parceria com aquele que representava o elo entre os dois: Vinicius. Edu,
claro, gostou da ideia.
Mandaram ver, então, “Canção do Amanhecer”, esta, do primeiro álbum de
Edu, de 1965, dando à precoce parceria daquele jovem músico de 22 anos com o
tarimbado e mítico poetinha uma versão amadurecida. A presença de Vinicius,
como ele gostava de fazer com os amigos, mesmo que imaterial nesta ocasião só vinha
a reforçar a afinidade entre Edu e Tom. Como no primeiro take, o resultado foi incrível novamente: sintonia pura,
descontração e musicalidade aflorando. Quando termina, Tom capciosamente solta
de novo a pergunta: “Era só isso?”.
Aloysio, que conhecia bem o parceiro desde os anos 50 – época em que já
compunham juntos clássicos como “Dindi” e “Inútil Paisagem” –, entendeu o
recado e ligou para o executivo da gravadora. Estava claro que o “canto do
cisne” de Edu Lobo na PolyGram não teria vários músicos convidados, mas apenas
um: Antonio Carlos Jobim. O maior deles.
Com trabalhos solo recentemente lançados, ambos tinham poucas novidades
em suas pautas. Uma das inéditas, entretanto, abre o lado A do LP: a graciosa
“Ai quem me dera”, composição antiga de Tom em parceria com Marino Pinto até
então guardada para uma ocasião especial. A ocasião surgiu. Sente-se o sabor
dos primeiros temas da Bossa Nova, aquele mais carioca e gingado, com Tom e Edu
cantando em uníssono com perfeição. É nítida a afinidade entre os dois. Outra
de ânimo florescente é “Chovendo na Roseira”, composição instrumental de 1970 regravada
por Elis Regina quatro anos depois com a participação de Tom e já com a letra lírico-ecológica
do próprio autor. Aqui, esta valsa de cores tipicamente debussyanas (“Olha, que chuva boa, prazenteira/ Que vem
molhar minha roseira/ Chuva boa, criadeira/ Que molha a terra, que enche o rio,
que lava o céu/ Que traz o azul!”) recebe um tratamento harmônico de alto
requinte. A voz de Edu se apropria de tal forma que parece um tema coescrito
por ele.
Equilibrando as autorias – ora de um ora de outro com ou sem parceiros
–, escolheram-se mais duas em que Tom assina letra e melodia. Uma delas é
“Ângela”, das obras-primas do compositor. Tema da segunda fase da Bossa Nova
presente no clássico disco “Matita Perê” (1973), a romântica e melancólica
“Ângela” guarda traços da complexidade harmônica da música de Chopin. Ivan
Lins, um dos ilustres aprendizes do “maestro soberano”, contou certa vez que
esta é canção que ele gostaria de ter escrito – precisa dizer mais? A outra,
igualmente lírica e impressionista, é “Luíza”, a segunda e última inédita do
disco, das mais queridas do cancioneiro jobiniano e que abre o lado B do vinil.
Composta recentemente por Tom para o tema de uma novela da Globo, de tão
vigorosa, saiu neste álbum e ainda na trilha sonora da novela, ficando meses
nos ouvidos dos brasileiros todos os dias sem que jamais tenha se desgastado. E
que letra! “Rua/ Espada nua/ Boia no céu
imensa e amarela/ Tão redonda a lua/ Como flutua/ Vem navegando o azul do
firmamento/ E no silêncio lento/ Um trovador, cheio de estrelas/ Escuta agora a
canção que eu fiz/ Pra te esquecer, Luiza...”.
Os parceiros de Tom e de Edu são de extrema importância no repertório
afetivo escolhido pela dupla para este projeto quase acidental. É o caso de Chico Buarque. Assim como Vinicius, o autor de “Olhos nos Olhos” é outro que os
liga musical e afetuosamente. Parceiro de Tom desde os anos 60, tivera a mão de
Edu nos arranjos da trilha de sua peça/disco “Calabar/ChicoCanta”, em 1973.
Mas, por incrível que pareça, toda a grande obra da parceria Chico-Edu, que
hoje faz parte do inconsciente coletivo da música brasileira, veio somente depois
de “Moto-contínuo”, esta, sim, a primeira dos dois, escrita naquele ano e
lançada praticamente junto com a versão do álbum “Almanaque”, de Chico. Já na
estreia da parceria, Chico se esmerava na letra, uma de suas melhores. Ao
expressar em hipérboles a admiração intrínseca do homem pela figura feminina,
lança, através de anáforas e epíforas (“Um
homem pode...” e “se for por você”),
versos da mais alta beleza poética: “Juntar
o suco dos sonhos e encher um açude/ se for por você (...) Homem constrói sete
usinas usando a energia/ que vem de você”. Ainda, Tom faz-se presente
categoricamente, introduzindo neste samba cadenciado e denso ricos contracantos
de seu piano e a voz em uníssono com Edu – com timbres muito parecidos, aliás.
Outros dois sambas melancólicos: “É Preciso Dizer Adeus”, de Tom e
Vinicius (“É inútil fingir/ Não te quero
enganar/ É preciso dizer adeus/ É melhor esquecer/ Sei que devo partir/ Só nos resta
dizer adeus”), representando a reverência à parceria gênese de toda a
geração da qual Edu pertence; e “Canto Triste”, mais uma dele com Vinicius,
esta imortalizada, assim como “Chovendo...”, por Elis (“E nada existe mais em minha vida/ Como um carinho teu/ Como um silêncio
teu/ Lembro um sorriso teu/ Tão triste”), fechando o disco de forma
altamente melodiosa: só ao violão e a voz de seu autor.
Não sem antes, entretanto, registrarem a talvez melhor do disco: “Vento
Bravo”. Faixa do obscuro e hoje cult
“Missa Breve”, gravado por Edu em 1972, trata-se de uma composição feita com
outro parceiro e amigo em comum com Tom: Paulo César Pinheiro. Em entrevista
para o programa O Som do Vinil, do Canal Brasil, Edu comenta que não entendera
bem porque Tom, que pedira para incluí-la no set-list, gostava tanto desta música. Parece, porém, evidente. A
letra, com marcas da literatura regionalista – remetendo à prosa de Guimarães Rosa de “Sagarana” e a de Monteiro Lobato de “Urupês” –, confere estilisticamente com o que o próprio Pinheiro escrevera para Tom anos antes
para a música "Matita Perê". As leis dos homens e da natureza, com emboscadas e
perseguições, bem como a implacável ação do tempo, são marcas de ambas as
obras. “Vento virador no clarão do mar/
Vem sem raça e cor, quem viver verá/ Vindo a viração vai se anunciar/ Na sua
voragem, quem vai ficar/ Quando a palma verde se avermelhar/ É o vento bravo/ O
vento bravo”, diz a letra, que narra a fuga de um escravo mata adentro. O
refrão, melodicamente intrincado e encantador, ainda diz: “Como um sangue novo/ Como um grito no ar/ Correnteza de rio/ Que não
vai se acalmar...”. Ao contrário da sinfônica peça de Tom, porém, traz uma
melodia intensa baseada no som dos violeiros folclóricos do sertão. Remete ainda,
no trítono do piano que lhe faz base, às trilhas de filmes e séries policiais norte-americanas
dos anos 50/60, as quais Edu sempre soube adicionar à sua música com
brilhantismo.
E como conjugar tanto talento, tanta sabedoria musical e sensibilidade
artística e de tão vastos cancioneiros? Por incrível que pareça, nem sempre juntar
isso resulta em boa coisa, pois se pode pecar para mais ou para menos. Em “Tom
& Edu”, primeiro, a opção foi por uma estética limpa, enxuta. Nada de grandes
bandas ou orquestra. Pretendeu-se, já que “só tinha de ser com você”,
reproduzir o clima de admiração mútua. A ausência das cordas, que chegou a ser
motivo de crítica à época do lançamento na “vira-latas” imprensa brasileira –
que achava um desperdício dois regentes dispensarem a orquestração – é de um
acerto categórico. Basicamente, ouve-se o piano de Tom e/ou de Edu, o violão de
Paulo Jobim e Luiz Cláudio Ramos, o baixo dividido por Sérgio Barroso e Luiz
Alves e apenas a bateria como percussão, tocada por Paulo Braga. Quando muito,
o flugehorn impecável de Marcio
Motarroyos, como em “Chovendo...” e “Vento...”. E, claro, o canto dos dois experientes
artistas. A essência clássica de ambos, cujas musicalidades não à toa são
parecidas, retraz naturalmente harmonias ao estilo de Debussy, Ravel, Bach e
Villa-Lobos. Menos, para quem tem conteúdo, é sempre mais.
O segundo motivo de acerto do projeto é a presença de Aloysio como
produtor. Parceiro dos dois de longa data, o ex-dono do selo mítico selo Elenco
(pelo qual gravara e lançara inúmeros artistas fundamentais à MPB nos anos 60,
entre os quais o próprio Edu Lobo) tinha a mão apurada nas mesas de som,
conhecia com profundidade harmonia e composição, compartilhava-lhes do mesmo
carinho e, principalmente, tinha maturidade para saber influir apenas no que
devia. Afinal, quem ousaria mandar em Edu Lobo e Tom Jobim dentro de um
estúdio? Tendo recentemente coordenado dois projetos de Tom semelhantes àquele
(os discos com Miúcha de 1977 e 1981), Aloysio soube dar a arquitetura sonora
certa às faixas.
Já mais satisfeito ao final das 10 gravações que acabava de ajudar a deixar
para a história, Tom enaltece o pupilo: “Eu
vos saúdo em nome de Heitor Villa-Lobos, teu avô e meu pai”. Edu, por sua
vez, contou em entrevista que tem a felicidade de ter dito em vida a Tom de que
este era o maior nome da música brasileira de todos os tempos, palavras que,
segundo ele, emocionaram Tom. “De todos
os arquitetos da música da música que conheço, Antonio Carlos Brasileiro de
Almeida Jobim é, sem dúvida, o de traço mais amplo e perfeito”, pontuou o
seguidor inconteste do maestro. Tanta identificação, tanta confluência entre os
artistas, que somente o próprio Aloysio de Oliveira, no alto de sua sapiência,
para saber definir: “Edu e Tom, Tom e
Edu. E até, se você quiser, Tu e Edom”. Definitivamente, não foi por acidente que eles se juntaram para esse encontro, pois eram almas irmãs.
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FAIXAS:
1. Ai Quem Me Dera (Tom Jobim/Marino Pinto) - 2:13
“Quando eu era criança, as pessoas me perguntavam: ‘como é teu nome?’ Eu respondia: Adriana Partimpim. Meu pai até hoje só me chama de ‘Partimpim’.”
Adriana Calcanhoto
"Os artistas japoneses do grande período mudavam de nome várias vezes na vida. Amo isso!!!" Adriana Partimpim
“ADRIANA CALCANHOTO: Era possível, através da música, passar para o outro lado e adentrar o mundo fascinante dos adultos...?
ADRIANA PARTIMPIM: O disco foi feito para eu ser a criança que sou hoje e não a que já fui.
ADRIANA CALCANHOTO: Então o ‘disco infantil’...
ADRIANA PARTIMPIM: Ao invés de música para crianças, tarja que não considero exata, preferi chamar de disco de CLASSIFICAÇÃO LIVRE. Que, no fundo, é tudo o que ele mais gostaria de ser.” Trecho da entrevista que Adriana Partimpim concedeu à Adriana Calcanhoto na época do lançamento do disco
Vinicius de Moraes, depois dos vários projetos literários e musicais que encabeçou durante mais de 40 anos de vida artística, voltou seu olhar, no último deles, às crianças. Nada das mulheres, das paixões ardentes, da boemia, da praia ou dos orixás. O histórico “Arca de Noé”, em parceria com Toquinho e que envolveu vários outros artistas convidados, fez escola no Brasil no que se refere à produção cultural para os pequenos. Elevou-a – junto com outros igualmente célebres, como “Sítio do Picapau Amarelo”, “Pirilimpimpim” e “Plunct Plact Zum” – a um nível de igual qualidade ao que Vinicius fizera na bossa-nova e na literatura.
Com a morte do “Poetinha”, logo após o lançamento do primeiro volume de “Arca...”, em 1980, coincidindo com a acirrada competição televisiva dos programas infantis que tomariam os anos 80, essa proposta de oferecer alta qualidade de cultura para os baixinhos foi se esvaziando. Toquinho e Paulo Leminski bem que tentaram, mas sucumbiram a “Ilariês” e assemelhados. Parecia que não haveria jamais alguém que seguisse aquele caminho aberto por Vinicius em final de vida. Porém, passadas quase duas décadas e meia, o destino levou a gaúcho-carioca Adriana Calcanhoto a assumir esse espaço com o rico – e salvador – projeto “Adriana Partimpim”, de 2004.
A ideia de Adriana, a Calcanhoto, era antiga, de 10 anos antes. À época, ela já havia recolhido temas aos quais gostaria de propor uma nova roupagem sonora, mais solta, divertida e que agradasse tanto crianças quanto adultos. O parceiro Dé Palmeiro foi quem mais incentivou. Porém, imagina-se que deva ter contribuído em certa medida a forte ligação amorosa que Adriana passou a ter com a atriz e cineasta Suzana de Moraes, filha de Vinícius, com quem se casara quatro anos antes de “Partimpim” ser lançado. Pronto: havia juntado todo o necessário: a vontade de compor o repertório, sua experiência e qualidade artística, o apoio externo e o acolhimento emocional. Muito provavelmente, o universo viniciano dentro de casa (e do coração) contagiou Adriana ainda mais, quase que como uma bênção espiritual. O resultado é um disco com alma, diferenciado: ao mesmo tempo altamente musical, tanto no que se refere à escolha do repertório quanto em arranjos e sonoridade, mas também delicioso de se ouvir, pop no melhor sentido.
Não precisa mais de meia hora para isso. De grande experiência e rara sensibilidade, Adriana seleciona dez faixas tão certeiras que parecem, mesmo com idades de composição tão diferentes entre si, terem sido escritas para integrar somente esse disco. A beleza começa com um som de scratch de rap, seguido de uma batida de samba muito gingada e um violão digno dos melhores mestres do instrumento. É "Lição de Baião", canção do repertório de Baden Powell, gravada originalmente em 1961, e que tem a participação de ninguém menos que Louis Marcel Powell, filho e sucessor da maestria do pai nas cordas de nylon. Um barato a letra que brinca – como as crianças fazem! – com as palavras em francês e em português, construindo versos misturando os dois idiomas.
Quadrinhos que ilustram a canção "Oito Anos" (adrianapartimpim.com.br/um/)
"Oito Anos", que Paula Toller compôs para responder às inúmeras (e, não raro, capciosas) perguntas do filho Gabriel, virou um grande sucesso na voz de Partimpim. É divertidíssima em sua enumeração de indagações típicas de criança que está conhecendo o mundo. “Por que as cobras matam/ Por que o vidro embaça/ Por que você se pinta/ Por que o tempo passa”, são alguns dos versos que dão ideia da encrenca que é para uma mãe responder A própria autora comenta a respeito: "Quando cantei para o Gabriel fui mais mãe-artista que artista-mãe. Agora ouço Adriana interpretando ‘Oito anos’ como um menino esperto e adorável. Na leveza da voz dela, há espontaneidade e uma sutil implicância muito bem sacada, afinal, perguntar tanto é menos para saber a resposta do que para treinar a ferramenta perguntadora e a paciência do respondedor.”
A marchinha carnavalesca "Lig-Lig-Lig-Lé", dos anos 30, ganha um arranjo colorido em que se vale bem do clima com que Adriana orientou seus músicos: “tocaram com leveza, com delicadeza e espontaneidade, com muito humor e quase nenhuma coerência”. Querida desde a época de seu lançamento, no carnaval de 1937 (o noticiário da época a classificava como “sucesso fulminante” e “destinada a um recorde de bilheteria”), é das mais divertidas faixas do disco.
Mais do que “Oito Anos”, “Fico Assim sem Você”, na sequência, foi um verdadeiro hit de “Partimpim”, colocando o disco entre os mais vendidos da época. Versando um funk melódico de Claudinho & Buchecha – e cuja original já havia feito estrondoso sucesso nos anos 90 –, não só conquistou o grande público com sua bela melodia romântica e arranjo moderno – com a programação de ritmo funkeada, o violão bossa-nova de Adriana, bem como sua delicada voz, muito afeita à melodia da canção –, como, igualmente, prestou uma bonita homenagem à dupla carioca, desfeita tragicamente em 2002 por conta da morte de Claudinho. A letra, de certa forma, prenuncia a falta que um amigo faz ao outro caso se separassem (o que, fatalmente, ocorreu): "Avião sem asa/ Fogueira sem brasa/ Sou eu assim, sem você/ Futebol sem bola/ Piu-Piu sem Frajola/ Sou eu assim, sem você...". E o refrão não pode ser mais doce: "Eu não existo longe de você/ E a solidão é o meu pior castigo/ Eu conto as horas pra poder te ver/ Mas o relógio tá de mal comigo."
Outra delícia é "Canção da Falsa Tartaruga", em que o poeta concretista Augusto de Campos, fértil parceiro de Adriana (a Calcanhoto), e seu filho, o músico e também poeta Cid Campos, versam com muita habilidade e sensibilidade um trecho de “Alice no País das Maravilhas”, clássico do escritor britânico Lewis Carroll, de 1865. O resultado é uma canção delicada, com um refrão de notas abertas tão bonito que é impossível não cantar junto sempre que se ouve: “Quem não diz: - Ave!/ Quem não diz: - Eia!/ Quem não diz: - Opa!/ Que bela Sopa!” E por que uma sopa de uma falsa tartaruga? Ora, alguém já viu uma tartaruga de verdade fazer sopa?...
Rebuscando mais um pouco o variado conhecimento musical, Adriana traz a bossa nova meiga e melancólica “Formiga Bossa Nova”, adaptação do poema do português Alexandre O’Nell que ficara conhecida, em 1969, na voz da cantora lusa Amália Rodrigues. Outra mostra do quanto a proposta de “Partimpim” não é trazer somente temas de fácil assimilação, uma vez que abarca (também) o público infantil. Caso também de “Ser de Sagitário”, composta por Péricles Cavalcanti para sua filha, que ainda não havia nascido e que ele e sua esposa não sabiam nem que sexo teria, apenas que nasceria no começo de dezembro, ou seja, na vigência do signo de sagitário. “Você metade gente/ e metade cavalo/ Durante o fim do ano/ cruza o planetário”, diz a poética e tocante letra, fazendo uma metáfora com o centauro, símbolo do signo no zodíaco.
O poetinha Vinícius de Moraes: inspiração e bênção
Na mesma linha, outra brilhante canção de “Partimpim”: “Ciranda da Bailarina”. Se “Formiga Bossa Nova” e “Ser de Sagitário” não poupam as crianças de refletirem e aguçarem seus sentimentos, esta, clássico de Edu Lobo e Chico Buarque da trilha do balé “O Grande Circo Místico”, de 1983, vale-se da fantasia e da figura de linguagem da comparação para concluir aquilo que é óbvio, mas que nem todo mundo admite: que ninguém é perfeito. Ao dizer que só a bailarina, tão artificial quanto mítica, não tem pereba, marca de bexiga ou vacina e nem dente com comida ou casca de ferida, está se deixando claro que todo mundo é ser humano. E aí é que está a beleza! Afinal,“sala sem mobília/ Goteira na vasilha/ Problema na família/ Quem não tem?” Bela versão de Adriana em que seus violão e vocal apurados funcionam muito bem novamente. Fora que ainda lhe foi permitido finalmente dizer a ridiculamente proibida palavra “pentelho” sem o grosseiro corte da censura como ocorreu na versão original, ainda dos tempos de Ditadura.
Os craques da nova MPB Moreno Veloso, Kassin e Domênico, este último, autor de "Borboleta", canção encomendada especialmente a ele por Adriana para o disco, antecede outra das especiais de “Partimpim”: “Saiba”, que o encerra. Lindamente classificada como“uma canção para ninar adultos”, “Saiba”, de Arnaldo Antunes, fecha o disco com a mais doce e profunda poesia, pondo os baixinhos para refletirem sobre coisa séria, mas necessária - e, por que não dizer, comum. A música leva o ouvinte a pensar sobre a condição humana a partir de uma proposição óbvia, porém pouco elucubrada: a de que “todo mundo foi criança” e que o ciclo da vida, inevitavelmente, se encerra um dia. Como não ficar tocado por versos como estes? “Saiba/ Todo mundo teve infância/ Maomé já foi criança/ Arquimedes, Buda, Galileu/ e também você e eu”. A letra ainda tem a função educativa de apresentar versos e termos rebuscados, como os nomes estrangeiros Nietzsche e Sadam Hussein, ou rimas diferentes do comum: “Simone de Beauvoir” com “Fernandinho Beira-Mar” ou “Pinochet” com “você”, ambas rimas de classificação “preciosa”, um tipo raro que combina palavras de idiomas distintos. Um final emocionante e que lembra, em certa medida, as melancólicas “Menininha” e “O filho que eu quero ter”, que finalizam os dois volumes de “Arca de Noé”, respectivamente.
A brincadeira de assumir outra personalidade foi levada a sério (sic) por Adriana, a Calcanhoto, que deu vida à outra Adriana, a Partimpim. Com nome artístico independente de sua criadora, a criatura Adriana Partimpim deu tão certo, que, além deste primeiro álbum, outros dois ótimos vieram a seguir (2009 e 2012), além de dois DVD’s ao vivo igualmente imperdíveis. Mais do que isso: o projeto Partimpim pareceu simbolizar um salto qualitativo na obra e na carreira de Calcanhoto, um momento em que ela conseguiu reunir sua competência artística, estética e performática a seus mais íntimos sentimentos. E o resultado foi algo genuíno. Infantil? Adulto? Tanto faz. Como conseguira Vinícius de Moraes em “Arca...”, o trabalho das Adrianas, a Calcanhoto e a Partimpim, rompeu as fronteiras da idade dos ouvintes e da idade do tempo. Afinal, contempla, igualmente, as crianças grandes e os pequenos adultos.
Clipe de"Fico Assim sem Você"
********************************** FAIXAS: 1. "Lição de Baião" (Daniel Marechal/Jadir de Castro) - 03:16 2. "Oito Anos" (Dunga/Paula Toller) - 03:08 3. "Lig-Lig-Lig-Lé" (Oswaldo Santiago/Paulo Barbosa) - 02:38 4. "Fico Assim Sem Você" (Abdullah/Cacá Moraes) - 03:08 5. "Canção da Falsa Tartaruga" (Augusto de Campos/Cid Campos sobre texto de Lewis Carroll) - 04:07 6. "Formiga Bossa Nova" (Alain Oulman/Alexandre O'Neill) - 02:28 7. "Ciranda da Bailarina" (Chico Buarque/Edu Lobo) - 02:49 8. "Ser de Sagitário" (Péricles Cavalcanti) - 03:03 9. "Borboleta" (Domênico Lancellotti) - 02:30 10. "Saiba" (Arnaldo Antunes) - 03:01
No topo, capa do LP original lançado no Brasil e, abaixo, a da edição americana
“É a grande soma da obra de João Gilberto. É o disco que dá a visão mais ampla da ideia que ele tem de repertório, de estilo”.
Caetano Veloso
Os baianos, mais do que qualquer outra gente, são donos de uma genialidade que às vezes beira a ingenuidade. Caetano Veloso conta que, certa vez, ao visitar Dorival Caymmi em sua casa numa quente tarde de Salvador, o anfitrião mal o deixou entrar pelo portão e já se pôs a mostrar-lhe uma novidade que havia descoberto para aliviar aquele intenso calor. Levou, então, Caetano até a sala e solenemente lhe apresentou sua mais nova obra de engenharia doméstica: havia disposto a cadeira na qual estava sentado só de bermuda e chinelos feito um Buda nagô de frente para um... ventilador!
Por mais óbvio que pareça o raciocínio de Caymmi, ele guarda, no fundo, uma percepção que, muitas vezes, foge aos mortais preocupados em complexar a vida: a simplicidade. Foi valendo-se do mesmo senso natural que outro baiano favorecido pelos Céus, João Gilberto, chegou a uma conclusão semelhante. Além daquilo que produzia nos invariavelmente indispensáveis discos de estúdio desde o final dos anos 50, João costumava reinventar seu repertório a cada nova apresentação ao vivo. Geralmente, só ele é o inseparável violão. Uma magia inimitável a qualquer outro momento da história da música moderna. Então, do fundo de sua cabeça privilegiada mas distraída, pensou: "porque não gravo um disco ao vivo que transmita essa atmosfera?"
Sim, passados mais de 30 anos de carreira, João nunca havia feito um álbum neste formato. Tinha até então dois ao vivo, todos com parcerias e/ou bandas/orquestra acompanhando: "Getz/Gilberto #2", em companhia do saxofonista de jazz norte-americano Stan Getz, de 1965, e o especial da TV Globo "João Gilberto Prado Pereira de Oliveira", de 1980, no qual recebe vários convidados. Assim, só ele no palco, nunca.
O que parecia óbvio, por se tratar da essência do som do homem que inventou a moderna música brasileira com a concepção da bossa nova, ganhava, enfim, um registro fiel. Já havia se tornado comum a artistas brasileiros a partir dos anos 70 gravarem seus shows no Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, desde que a curadoria do evento se abrira para a sonoridade da MPB como sendo cabível no gênero do "jazz moderno". De A Cor do Som a Elis Regina, passando por Gilberto Gil, Pepeu Gomes e Hermeto Pascoal. Faltava João.
E o Bruxo de Juazeiro não deixa por menos. Com seu repertório impecável selecionado cirurgicamente, une velhos sambas, como os de Ary Barroso, Haroldo Barbosa, Geraldo Pereira e Wilson Batista, a então novos clássicos. Melhor exemplo é "Menino do Rio", de Caetano, lançada em 1979 pelo autor e já versada pelo próprio João um anos depois. Mas ocorreu que a música fizera novamente muito sucesso em 1982 na voz de Baby Consuelo para a trilha do filme homônimo, e João, ao resgatá-la, transformava-a imediatamente de um hit para um clássico.
João destila musicalidade. É tocante ouvir o trato de cada detalhe, de cada pronúncia, de cada acorde ou silêncio. A permanente confluência harmonia-melodia, as variações de ritmo, o casamento de cordas vocais e cordas de nylon num constante entendimento, entrelaçando-se, dançando. "Tim Tim Por Tim Tim", conhecida do repertório de João, abre com um verdadeiro show de gingado. Quem escuta ele tocando e cantando com tamanha naturalidade pode até pensar que se trata de um improvido. Mas o mais impressionante de João é que tudo aquilo faz parte de um exercício de controle absurdo, e ao vivo isso fica mais evidente. As soluções harmônicas, as escolhas de tempos, a voz afinadíssima mas sem vibrato, o controle da cadência, o que arpejar e o que silenciar: tudo se resolve ali, na hora, no palco, diante do microfone e da plateia.
O público, neste show, aliás, merece uma atenção à parte. Até mais: merece também aplausos. Visivelmente formada por muitos brasileiros, mas certamente também por suíços e outros estrangeiros, na maioria da Europa, a plateia se emociona e transmite essa emoção para o artista, que retribui, numa corrente de energia poucas vezes vista ou perceptível em discos ao vivo. João brincando de "quém quém" ao cantar "O Pato" ou sambando com a voz em "Sem Compromisso" não deixam mentir. Mas, principalmente, "Adeus América". O samba de Haroldo Barbosa, escrito para outro símbolo mundial do Brasil (o maior deles), Carmem Miranda, como uma declaração de amor ao Brasil após ela ser tachada pelos compatriotas invejosos de "voltar americanizada" dos Estados Unidos, aqui soa (e ainda mais aos brasileiros da plateia) como um canto de exílio, um canto de saudade da terra mater. “Não posso mais, que saudade do Brasil/ Ai que vontade que eu tenho de voltar/ Adeus América, essa terra é muito boa/ Mas não posso ficar porque/ O samba mandou me chamar”. É certamente o momento mais emocionante do show, como talvez nenhuma outra gravação ao vivo de João neste ou noutros discos.
Há também a apropriação "mpbística" do jazz standart italiano "Estate", presente no memorável LP "Amoroso", de 1977, e, claro, a reverência à bossa nova. Mais precisamente, a Tom Jobim. Do maestro, João toca quatro das 15 do set-list: "Retrato em Branco e Preto", dois ícones da primeira fase bossanovista, "Garota de Ipanema" e "Desafinado"; e uma imbatível "A Felicidade", menos recorrente no repertório de João e até por isso ainda mais impactante.
Outro maestro, no entanto, é exaltado por João na histórica apresentação no 19º Festival de Montreux. Cabe ao legado de Ary Barroso fechar o show com três faixas: "Morena Boca de Ouro" e outras dois símbolos de brasilidade em música: as ufanistas "Isto Aqui o que É?" e aquele que é considerado o segundo hino da nação, "Aquarela do Brasil", numa execução de quase 10 minutos. João, que a havia protagonizado no disco "Brasil", de quatro anos antes e quando teve a companhia de Caetano e Gil para interpretá-la, encara aqui a empreitada sozinho. Coisa só de quem tem a mesma envergadura da própria música que entoa.
Prestes a completar 40 anos de seu lançamento, “Live at The 19th Montreux Jazz Festival” guarda a primazia de ser a primeira gravação fiel de um show de João Gilberto, abrindo caminho para vários outros que viriam nos anos seguinte e dos quais destacam-se pelo menos dois: “João Gilberto In Tokyo”, de 2004, e “Live At Umbria Jazz”, de 2002. No entanto, este registro evidentemente possui uma aura e uma importância especial. Mesmo que na maioria dos discos, inclusive os de estúdio, João fosse captado “just in time” pelas mesas de som, no palco não há o que editar ou refazer. É aquele pulsar orgânico e indelével. E no caso de João, isso vale mais do que o silêncio, como diz Caetano.
E dizer que João levou mais de duas décadas para deixar essa óbvia joia da cultura brasileira para a posteridade... Às vezes, a obviedade é mesmo genial.
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Originalmente lançado no Brasil e no Japão em 1985 como LP duplo de 15
faixas, "Live At The 19th Montreux Jazz Festival", na versão
norte-americana, de um ano após, chamou-se apenas de "Live In
Montreux" e contendo 13 músicas: sem "Tim Tim Por Tim Tim",
"Desafinado" e "O Pato" e tendo acrescida "Rosa
Morena" (Dorival Caymmi).
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FAIXAS:
1. “Tim Tim Por Tim Tim” (Geraldo Jacques, Haroldo Barbosa) - 3:38
2. “Preconceito” (Marino Pinto, Wilson Batista) - 2:25
3. “Sem Compromisso” (Geraldo Pereira, Nelson Trigueira) - 4:05
4. “Menino Do Rio” (Caetano Veloso) - 3:45
5. “Retrato Em Branco e Preto (Antonio Carlos Jobim, Chico Buarque) - 6:36
6. “Pra Que Discutir Com Madame?” (Haroldo Barbosa, Janet de Almeida) - 6:25
7. “Garota De Ipanema” (Antonio Carlos Jobim, Vinicius De Moraes) - 3:42
8. “Desafinado” (Antonio Carlos Jobim, Newton Mendonça) - 4:53
A Bossa-Nova já era uma sensação nacional e João Gilberto já era seu representante mais significativo quando o estilo cameçou a despertar interesse também fora do Brasil. A sofisticação do ritmo, a singularidade da batida, a modernidade do conceito era algo que impressionava os americanos naquele final de década de 50 e no rastro desta descoberta internacional, seguiram-se diversas releituras, interpretações e parceiras. Provavelmente a mais marcante delas tenha sido a que envolveu o saxofonista norte-americano Stan Getz e o gênio brasileiro, do violão de voz maviosa, João Gilberto. Executando, na maioria, músicas de Tom Jobim, um dos mestres do gênero, com o próprio Tom ao piano, a dupla produziu algumas das melhores versões de clássicos da música brasileira no álbum "Getz/Gilberto" de 1964, combinando o violão notável de João e seu vocal ímpar, ao sax tenor grave e sedutor de Getz, conduzidos por vezes pela voz sensual, rouca, quase infantil de Astrud Gilberto, então esposa do cantor.
A propósito dela, sua interpretação para "Corcovado" é absolutamente fantástica! Não que em "The Girl from Ipanema", a outra cantada por ela no álbum, não seja ótima, mas aquele início ( "quiet night of quiet stars" ) é simplesmente de amolecer as pernas. Mas não só ela brilha em "Corcovado". João canta de uma maneira emocionante e a entrada para o sax de Getz e , ah..., de tirar o fôlego.
Getz e João em 1963
Já a citada "Garota de Ipanema", mesmo no seu trecho em inglês, permanece graciosa como uma moça passeando pelo calçadão, com destaque especial nesta para o piano do mestre Antônio Brasileiro; em "Doralice" o vocal de João, fazendo as vezes de trumpete, conversa com o sax de Getz; "Pra Machucar Meu Coração" como propõe o título, é pra machucar mesmo, apaixonada e com um vocal sentido de João.
"Só Danço Samba" é bem ritmada e gostosa; em "O Grande Amor", ao contrário das demais, o sax de Stan Getz é que abre a canção se extendendo com um longo solo até dar espeço, primeiramente para a voz de João e depois para o piano de Tom, até voltar em um solo final arrebatador; a tristonha "Vivo Sonhado" tem um daqueles trabalhos vocais admiráveis de João nesta que é a canção de encerramento do disco; e "Desafinado", outro dos grandes clássicos da MPB, é mais um dos pontos altos do álbum com shows particulares de cada um: João com sua voz instrumental e sua batida perfeita de vioão, Getz com aquelas entradas extasiantes de seu poderoso saxofone e o maestro Tom Jobim derramando as notas de seu piano como um bálsamo sobre a canção.
Disco apaixonante. Um dos meus preferidos da discoteca. Obra prima do samba, da bossa e do jazz, ou de tudo isso junto. Daqueles que não apenas se ouve mas se saboreia. Ouvir a voz doce de Astrud, a leveza da de João e o sax envolvente de Getz é uma das melhores coisas que se pode querer num final de tarde de preferência com o sol desaparecendo atrás do Corcovado.
Sem dúvida o disco que fez definitivamente a música brasileira romper fronteiras com o ritmo/estilo/gênero que, com certeza, foi e é até hoje a maior contribuição brasileira para a música mundial.
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FAIXAS: 1."The Girl from Ipanema" (Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Norman Gimbel - versão) – 5:24 2."Doralice" (Dorival Caymmi, Antonio Almeida) – 2:46 3."Para Machucar Meu Coração" (Ary Barroso) – 5:05 4."Desafinado" (Tom Jobim, Newton Mendonça) – 4:15 5."Corcovado" (Tom Jobim, Gene Lees - versão) – 4:16 6."Só Danço Samba" (Tom Jobim, Vinícius de Moraes) – 3:45 7."O Grande Amor" (Tom Jobim, Vinícius de Moraes) – 5:27 8."Vivo Sonhando" (Tom Jobim) – 3:04
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Ouça: Stan Getz e João Gilberto - "Getz / Gilberto (1964)
"No disco americano, o poeta/cantor domina o tempo e portanto pode cantar: '´já tem coragem de saber que é imortal'".
Matinas Suzuki, em resenha da Folha Ilustrada de 1986
"Como existe João, e para que não se esqueça isso, este é um disco de rock and roll. Sem aspas."
Caetano Veloso, ao Correio da Bahia, 1990
Os anos 80 foram de diversificação para Caetano Veloso. Maduro artisticamente, mais curado das feridas do exílio nos anos 70 e consolidado como um dos artistas mais importantes e populares do Brasil, o baiano lançou-se em vários tipos de projetos naquela década. Estreia, em 1986, um programa de auditório na Globo ao lado de Chico Buarque, “Chico & Caetano”, marco da tevê brasileira. Cria trilhas para tevê, teatro e cinema, além de rodar o seu próprio filme, o autoral “O Cinema Falado”, daquele mesmo ano. Arrisca-se até como ator nos filmes “Tabu”, de Julio Bressane, de 1982, e um ano depois, “Onda Nova”, de José Antônio Garcia e Ícaro Martins. Também, escrevera artigos tão polêmicos quanto carregados de qualidade literária e filosófica. Na carreira musical, concluía a jornada junto à Outra Banda da Terra – que o acompanhara por praticamente toda a década anterior –, integra o naipe de “Brasil” (1981), de João Gilberto, juntamente com Gilberto Gil e Maria Bethânia, produz o amigo Jorge Mautner e obtém sucesso naquilo que era o ápice da popularidade de um músico no Brasil à época: as trilhas de telenovelas – casos de “O Homem Proibido”, de 1982 (com “Queixa”), “Eu Prometo”, 1983 (“Você é Linda”) e “Tieta”, 1989 (“Meia Lua Inteira”).
Dentre esses variados projetos, faltava investir mais fortemente em um: a projeção internacional. Se no seu quintal estava tudo dominado, agora eram os gringos que precisava atingir para expandir seu trabalho naturalmente universal. Conhecido na Europa desde que vivera na Inglaterra, no período da Ditadura Militar, Caetano mantinha frequência de shows internacionais em diversos países, como Suíça, Portugal, França, Itália, Israel, entre outros. Mas faltava o coração da indústria fonográfica: os Estados Unidos. Surge, então, a oportunidade de gravar em Nova York um disco especialmente para o mercado norte-americano, algo que Gil já o fizera, em 1979, no ótimo “Nightingale”. Porém, ao contrário do parceiro de Tropicalismo, que optara por versar para inglês clássicos de seu repertório, os quais ganharam novos arranjos para banda, Caetano escolhe a simplicidade do acústico. É o que se revela no cristalino “Caetano Veloso”, de 1986.
Formato que já vinha sendo lapidado pelo artista há alguns anos em shows – incluindo “Totalmente Demais”, disco coirmão gravado no Brasil naquele mesmo ano –, o som voz/violão/percussão ganha no “Disco Americano”, como é apelidado, a sua mais alta qualidade. Com um repertório escolhido a dedo, Caetano traça um histórico de seu gênio compositivo ao longo das então mais de três décadas de carreira. Composições antigas, como “Coração Vagabundo”, de seu primeiro disco (“Domingo”, de 1967), e “Saudosismo”, de 1968, se aliam a temas mais recentes, como “Luz do Sol”, escrita para a trilha do filme “Índia, a Filha do Sol”, de 1982, e duas de “Velô”, de 1983. Além disso, puxam-se clássicos do cancioneiro caetaneano como “O Leãozinho”, “Terra” e “Trilhos Urbanos”, esta última, a que tem a primazia de abrir os caminhos, ditando o clima que se seguirá nas 13 faixas do álbum. Tudo sob um arranjo simples e sofisticado ao mesmo tempo, com o violão do próprio Caetano fazendo toda a base bossa-novística, as percussões de Mestre Marçal e Marcelo Costa contribuindo com texturas e leves ritmações e o violão solo de Toni Costa completando a arquitetura sonora.
Assim como “Trilhos...”, ainda melhor do que sua original nessa versão, ocorre o mesmo com “O Homem Velho”, que, somente voz/violão, faz revelar a real essência da canção. Escrita para o pai de Caetano quando de seu falecimento, tem uma de suas mais tocantes letras, com versos como: “A solidão agora é sólida, uma pedra ao sol/ As linhas do destino nas mãos a mão apagou/ Ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock'n'roll/ As coisas migram e ele serve de farol”. Caetano está cantando lindamente, dando às interpretações a medida certa de emotividade. É o que se nota em “Eu Sei que Vou te Amar”, numa das mais belas versões do clássico de Tom e Vinícius – à altura das interpretações de Elizeth Cardoso, João Gilberto e do próprio Tom Jobim.
Outras imortais de Caê, como “O Leãozinho”, bastante afeita ao acústico, também são levadas apenas por seu intérprete ao violão, límpidas. Mesmo caso de “Odara”, originalmente uma disco music que, desta maneira, soa como se sempre tivesse sido tocada na sutiliza do acústico. Aliás, a musicalidade de Caetano é tamanha que ele consegue dar tal roupagem a duas melodias totalmente distintas dos ritmos brasileiros: “Get Out of Town”, standart do cancioneiro norte-americano, de Cole Porter, e “Billie Dean”, o pop dançante de Michael Jackson. Tal como ousara nos anos 70 em “Qualquer Coisa”, de 1975, quando pôs Beatles dentro do som mais brasileiro de todos: o samba. E são duas das mais belas canções do disco: “Get Out...”, superelegante, que conta com um solo de violão arrasador de Toni Costa, e “Billie...”, em que aproveita a radiosa melodia original para transformá-la, inclusive mesclando-a em pout-pourri com o samba de gafieira “Nega Maluca” e a sinfônica “Eleanor Rigby”, que o faz voltar a Lennon e McCartney, inclusive pela marcante participação de Toni Costa relembrando a guitarra de Perinho Albuquerque em "Eleanor...";
“Cá-Já”, do álbum “Muito”, de 1978, ganha arranjo mais encorpado com as percussões e o violão de Toni Costa. Daquele mesmo disco, “Terra”, talvez a mais brilhante composição de Caetano, encerra repetindo a sonoridade de pequena banda e, mais uma vez, superando a primeira gravação. Versos inesquecíveis como: “De onde nem tempo, nem espaço/ Que a força mande coragem/ Prá gente te dar carinho/ Durante toda a viagem/ Que realizas no nada/ Através do qual carregas/ O nome da tua carne...”, se redimensionam em beleza na discrição exata em que cabe a canção. Caetano faz menos ser muito mais.
Naquela mesma década de 80, logo em seguida viria uma nova fase na carreira musical de Caetano quando, junto aos “Ambitious Lovers” Peter Scherer e Arto Lindsay, incorpora elementos do pós-jazz e da ethnic fusion à sua abundante musicalidade e poética tropicalista. Mais uma faceta que Caetano apresentava. Porém, a versatilidade de usar de formas variadas seu talento naqueles anos ganha no “Disco Americano” certa redenção. Todos sabem (mesmo que alguns façam de conta do contrário) de suas qualidades artísticas, mas o seu âmago está, de fato, no ensinamento permanente e na profunda reverência à batida e ao canto de João. O resto é quase perfumaria – e se não é, o disco feito para os Estados Unidos faz passar essa sensação ao ouvi-lo. Tudo cabe ali: o samba, o jazz, o rock, o pop. O moderno e o passado. Só voz, violão e canção: basta isso para Caetano ser totalmente demais.
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FAIXAS: 1. Trilhos urbanos 2. O homem velho 3. Luz do sol 4. Cá-já 5. Dindi (Tom Jobim/Aloysio de Oliveira)/ Eu sei que vou te amar (Tom/Vinicius de Moraes)/ 6. Nega maluca(Fernando Lobo, Evaldo Ruy)/ Billie Jean (Michael Jackson)/ Eleanor Rigby (Lennon-McCartney) 7. O leãozinho 8. Coração vagabundo 9. Pulsar (Augusto de Campos/Caetano Veloso) 10. Get out of town (Cole Porter) 11. Saudosismo 12. Odara 13. Terra Todas as composições de autoria de Caetano Veloso, exceto indicadas