Duelo dos bons esse! Jogo sem favorito. Pode dar qualquer coisa. Duas gerações diferentes em campo, estilos até parecidos de jogo e muita qualidade em ambos os lados. O time do original conta com um cracaço: John Wayne. Uma daquelas lendas do futebol, digo... do cinema. Até dava seus problemas fora de campo, às vezes dentro dele também, é verdade. Era meio chegado numa manguaça e consta que em muitas cenas que filmou, interpretando um personagem, por sinal, beberrão, o mercenário "Rooster" Cogburn, estaria mesmo um tanto... por assim dizer, mamado. Isso é que é craque! Fugia da concentração, ia pra balada, chegava bêbado, jogava bêbado e ainda acabava com o jogo. Dúvida? O cara SÓ faturou o Prêmio de Melhor do Mundo da FIFA daquele ano, ou melhor, digo, o Oscar da Academia exatamente por causa dessa atuação. Mas do outro lado o melhor jogador do adversário, Jeff Bridges, embora não tenha alcançado ainda a condição de lenda como o outro, pra pouca coisa não serve e, só pra não deixar por menos, também tem sua Chuteira de Ouro, ou melhor, sua estatueta dourada na prateleira. Se o prêmio não foi conquistado pelo mesmo papel, ao menos foi por um personagem tão pé-de-cana quanto Cogburn, em "Coração Louco". Grande enfrentamento mas o Duke, leva pequena vantagem não só pelo confronto direto, a estatueta conquistada no filme em que os dois interpretam o mesmo papel, como pelo jeitão pronto de caubói, pelo manejo das armas, pela montaria... Não tem como ganhar do maior caubói das telonas de Hollywood. 1x0 no placar para o antigo "Bravura Indômita". Mas o filme de 1969 não tem muito tempo pra comemorar pois no confronto entre as Mattie Ross, a personagem que recorre ao velho federal para encontrar o assassino de seu pai, embora Kim Darby esteja ótima também, a atriz da da refilmagem, Hailee Senfield, consegue se destacar com uma atuação verdadeiramente diferenciada. Desarma, passa bem, distribui a jogada e ainda aparece na frente pra fazer o gol de empate. 1x1 no placar. Os coadjuvantes, cada um de seu lado, seguram as pontas com qualidade garantido o equilíbrio do jogo. Ambos os LaBoeuf, Glen Campbell, no original, e Matt Damon, no remake, mandam bem e nenhum consegue se destacar muito sobre o outro. Se de um lado temos brilhando o jovem, mas já careca e rodado, Robert Duvall como Ned Pepper, do outro temos Josh Brolin fazendo um desprezível Tom Chaney, e o placar assim continua em igualdade.
trailer "Bravura Indômita" (1969)
trailer "Bravura Indômita" (2010)
Mas aí vem a fotografia do Bravura '69, com seus tons outonais como que saídos de um quadro e coloca o time de Hathaway em vantagem de novo. Uma pintura de gol! Reta final de jogo. Essa é a hora pr'a gente ver quem tem garrafa vazia pra vender, quem tem café no bule. E é exatamente a hora em que aparece o dedo do treinador. Os irmãos Coen fazem uma mexida tática importante mudando sutilmente alguns elementos de roteiro e deixando o seu time mais agressivo e conseguem o empate no finalzinho! Que jogo é esse??? Emoção até o fim. Haja coração! Mas não há tempo pra mais nada. O juiz sopra o apito aponta o meio de campo e é fim de papo. Temos o primeiro empate no Clássico é Clássico (e vice-versa) do ClyBlog.
Entre os Rooster Cogburn, pequena vantagem para John Wayne sobre Jeff Bridges por ter levado o Oscar pela atuação no filme.
Se o original de Henry Hathaway é um clássico consagrado,
a máxima que dá nome a esta seção vale para os filme dos Coen.
No ano em que a Netflix vem com força na disputa pelo Oscar, somando entre suas quatro produções, quinze nomeações, uma delas, "A Balada de Buster Sruggs" conta com ninguém menos que os já oscarizados Irmãos Coen, à frente do projeto. Com três indicações, esta antologia de western traz, em seis episódios, alguns dos mais característicos e tradicionais elementos do gênero como gatilhos rápidos, duelos, assaltos a banco, enforcamento, caravanas, indígenas, corrida do ouro, caçadores de recompensa tudo ao melhor estilo dos irmãos Coen que, por sinal, são especialistas em westerns, sejam eles contemporâneos e mais urbanos como "Fargo", "Arizona Nunca Mais" ou o premiado "Onde os Fracos Não têm Vez", como um faroeste tradicional como "Bravura Indômita", refilmagem deles para o clássico de 1969.
Tom Waits, como o obstinado prospector, faz um dos melhores episódios do filme.
Pontuado com o habitual humor-negro da dupla, o conjunto de historietas adaptadas dos livros vai do cômico ao trágico, do absurdo ao realista, do trivial ao inusitado em histórias que, cada uma à sua maneira, com seus méritos, seus personagens, conquistam a atenção do espectador. O caubói bom de gatilho e de música, que dá nome ao filme, no primeiro conto é cativante; a historia da solteirona que perde o irmão e o cachorro durante a caravana entre Estados é de cortar o coração; e a do garimpeiro, vivido brilhantemente por Tom Waits, é um carrossel de emoções, indo desde uma simpatia e torcida pelo personagem, até chegar a uma revolta pelo oportunismo do bandido que espera à espreita pelo ouro fácil.
A bem da verdade, embora todos sejam interligados pela época e pelo ambiente, a consolidação do Oeste americano, o filme como um todo, fica devendo um pouco de unidade. As histórias são instigantes, interessantes mas a variedade de situações, sem um laço em comum, faz com que pareça, de certa forma, mais um conjunto de episódios independentes do que uma obra fechada.
Salvo este probleminha, vale a pena assistir "The Ballad of Buster Scruggs". É gostoso, é divertido, é bem dirigido, é envolvente. Um fã de cinema e admirador da obra dos Coen, provavelmente, não ficará decepcionado. Aos menos avisados, no entanto, é bom avisar: não vale a pena se apegar muito aos personagens. Os Coen não costumam poupar seus protagonistas.
O simpático Buster Scruggs é bom de gatilho e de gogó.
O slogan da 63ª FLPOA (como sempre abrevio a cada edição) é no mínimo provocativo. Criado pela CRL em parceria com a agência Bonaparte a campanha permite ao público em geral refletir sobre questões muito contemporâneas como o tempo destinado a leitura. Num mundo cada vez mais virtual onde grande parte dos temas circula em celulares portáteis para todos os fins, do cinema à leitura, será que reservamos tempo para ler no nosso dia a dia? Fica então o desafio para a reflexão de quais conteúdos optamos por agregar a nossa rotina e ocupar de certa forma a nossa cabeça.
Em meio a tantos dissabores que temos enfrentado em relação ao meio cultural no Estado do RS hoje começa um evento que traz leveza, alegria e a literatura como foco: a 63ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre.
Numa Praça que se modifica desde 1955 para receber a Feira do Livro da cidade, nesta edição tudo cabe dentro dela. O ambiente em que se encontrarão as barracas dos editores, as áreas de programação adulta e infanto-juvenil, os países homenageados e também as áreas de convivência para lanches rápidos e cafés estão dentro da Praça da Alfândega. Os braços desse ambiente atingem dois centros culturais que estendem a Feira pela Rua dos Andradas, o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo e a Casa de Cultura Mario Quintana.
Essa proximidade traz um ambiente acolhedor e colorido já que nesta época do ano primaveril as árvores estão mais floridas. A leveza está no acesso que a população gaúcha e os turistas ganham com a Feira no coração do Centro Histórico. Em meio a prédios históricos como a ex-sede dos Correios (hoje Memorial do RS), o Museu de Arte do estado do RS (MARGS), o Santander Cultural (infelizmente numa fase institucional péssima em função de toda a polêmica sobre a exposição Queer Museu) e o próprio ambiente da praça que recebeu faz poucos anos a reformulação do projeto Monumenta, desvenda-se barracas, pipoqueiros, palcos, stands promocionais, exposições, ciclos de cinema e muito burburinho durante os 19 dias de Feira.
A Praça se transforma num local legal para encontros, leituras e está aberta a muita circulação de conhecimento. Neste ano a Feira pretende atender aos consumidores ávidos por novos títulos, com preços promocionais com descontos mínimos de 20%, variando de acordo com cada livreiro descontos maiores que esse.
A patrona da Feira deste ano, Valesca
de Assis
Nesta edição a Patrona é a escritora de Santa Cruz, Valesca de Assis*, que recebeu das mãos da Patrona da 62ª Cintia Moscovich, a notícia que a sororidade estava mantida! Na realidade nestes 62 anos de Feira poucas vezes as mulheres foram Patronas, entretanto a representatividade sempre foi de alto nível: Lya Luft (1996), Patrícia Bins (1998), Jane Tutikian (2011) e Cintia Moscovich (2016). As primeiras palavras de Valesca foram relacionadas a uma postura política e humana: "A nossa Feira, como tem sido, como foi no ano passado, vai ser a Feira da resistência. Eu sou uma resistente há muito tempo, já passei por uma ditadura, já apanhei na Praça da Alfândega, e vou continuar resistindo em nome dos livros e com o intelecto que me resta, porque as pernas já estão meio danificadas. "A resistência é permanente. Só o livro, a leitura, vai salvar o nosso país".
A programação concebida por Jussara Rodrigues (adulta) e Sônia Zanchetta (infanto-juvenil) contempla autores dos países homenageados nórdicos, David Lagercrantz, Kim W. Andersson e Carl Jóhan Jensen entre outros oriundos da Finlândia, Suécia, Noruega, Dinamarca e Islândia e também a autores negros que trarão suas produções, questões de lusofonia, abrangendo gaúchos e estrangeiros (o ganhador do Prêmio Nobel, o nigeriano Wole Soyinka, a homenagem em forma de Sarau ao poeta Oliveira Silveira, Oscar Henrique Cardoso, Lilian Rocha, Ana dos Santos, Eliane Marques, Deivison Moacir Cezar de Campos e Luís Maurício Azevedo) entre outros.
Haverá homenagens para os escritores Luis Fernando Veríssimo, Luiz Antonio de Assis Brasil, Armindo Trevisan, Maria Carpi e o músico Belchior, falecido no início do ano.
Jussara Rodrigues e Sônia Zanchetta, responsáveis pela programação
Sônia destaca: “Assim como o Seminário 'A arte de contar histórias', a 12ª edição da Mutação na Feira, que traz quadrinhos e cultura pop, e “já tem um público certo” terão novas edições esse ano." Acontecerá também o Colóquio de Literatura e Infância – Diálogos com as Matrizes Africanas, com participação dos escritores Júlio Emílio Braz e Otávio Jr, etc. Alguns eventos também regulares participantes da FLPOA estarão renovando suas edições: a 10ª Mostra de Ilustração de Literatura Infantil e Juvenil Traçando História, o III Encontro de Escritores Negros do Rio Grande do Sul, o VII Seminário Internacional da Biblioteca e da Leitura no Desenvolvimento da Sociedade.
Neste ano estarei na minha 15ª edição da FLPOA. Nos últimos anos estou trabalhando na equipe de fotografia junto aos colegas, Luis Ventura, Otávio Fortes e Iris Borges. Nossa turma está dentro da Imprensa da Feira. Daí que teremos no Clyblog cenas das atividades e quem sabe mais resenhas comentando algumas atividades dessa edição.
Destaco quatro atividades que são diversas entre si e que valem a pena se agendar para participar: a palestra com a Monja Coen que abordará sob a luz budista o tema “O Sofrimento é Opcional” (11 nov), o Encontro dos autores Mia Couto e Ondjaki com a Patrona Valesca de Assis (13 nov), abordando a questão lusófona, o 2º Encontro de Influenciadores Literários e Seguidores (18 nov), que vai englobar booktubers, blogueiros, instagramers, mas também os inscritos e seguidores e o espetáculo “O Urso com Música na Barriga” (19 nov) com texto de Erico Verissimo, direção de Arlete Cunha e atuação do grupo Atimonautas que trabalha com bonecos de manipulação direta. Dicas imperdíveis!
Conheça a programação atualizada e monte a sua agenda De 1º a 19 de novembro a Praça estará em festa, mas ela só ficará completa com a sua presença. Participe!
........................... SERVIÇO Área Infantil Bancas: 10h às 20h30 Programação: 9h às 20h30 Área Geral e Internacional Dias úteis e domingo: 12h30 às 20h30 Sábado: 10h às 20h30
Confira algumas imagens:
Atividades para os pequenos na programação infantil da Feira (foto: Miguel Sisto)
Marco Sena, presidente da Câmara do Livro, organizadora do evento
A equipe de foto: Luis Ventura, eu, Otávio Fortes e Iris Borges
* Valesca estreou como escritora em 1990, com a publicação de "A Valsa da Medusa". O trabalho "Harmonia das Esferas" foi vencedor do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes e Prêmio Especial do Júri da União Brasileira de Escritores, em 2000. Hoje ela é professora de História especializada em Ciências da Educação e ministrante de oficinas de escrita criativa. Valesca é casada com o Patrono a 20 anos atrás, Luiz Antonio de Assis Brasil também escritor.
Um dos trunfos do cinema moderno é o da subversão. Mais do que somente
a criatividade estética trazida pelos cinemas novos ou da reelaboração
narrativa proposta pelos “rebeldes” da Hollywood nos anos 70, o elemento que de
alguma maneira transforma o status quo,
que contraria o esperado pelo inconsciente coletivo, é o que determina com
maior eficiência a ponte entre moderno e clássico em cinema. Afinal, por que
até hoje é tão impactante o pastor assassino de “O Mensageiro do Diabo” ou a
brincadeira com a dualidade de gênero de “Quanto Mais Quente Melhor”, mesmo
ambos os filmes contados em narrativa tradicional? Em “Aquarius”
(2016), o diretor Kleber Mendonça Filho,
diferente do que fizera em seu filme anterior, o ótimo “O Som ao Redor”,
vale-se desta premissa com sucesso ao reelaborar, hibridizando ambas as formas,
significados muito peculiares do universo da história que se propôs a contar,
construindo uma narrativa impregnada desses elementos não raro surpreendendo o
espectador.
O longa conta a história de Clara (Sônia Braga, magnífica), uma
jornalista e crítica de música aposentada. Viúva, mãe de três filhos adultos e
moradora de um apartamento repleto de livros e discos na beira da praia da Boa
Viagem, em Recife, ela se vê ameaçada pela especulação imobiliária quando a
empresa detentora do seu edifício – o emblemático Aquarius – tenta a todo custo
tirá-la de lá para demolir o prédio e construir um empreendimento gigante e pretensamente
moderno. Fiel a suas convicções e sabedora de seus direitos, Clara resiste, não
sem consequências e retaliações.
As praias de Recife, elemento presente nos filmes
de Kleber Mendonça Filho.
Antes de qualquer coisa, impossível dissociar a história de Clara do
momento do Brasil. O embate entre o poder estabelecido do capitalismo e a
resistência do pensamento humanístico, à luz do maniqueísmo ideológico que
tomou o País nos últimos anos, fazem de “Aquarius” um símbolo do cinema
brasileiro da atualidade, o que, em parte, explica o sucesso de bilheteria (mais
de 55 mil pessoas já assistiram). Entretanto, é a forma com que Mendonça Filho
escolha para contar que faz de “Aquarius” uma obra marcante e, talvez, tão
apreciada. Ele vale-se de elementos da cultura de sua terra natal, Pernambuco,
e principalmente da Recife enquanto símbolo de metrópole brasileira, com seus
medos, violências, angústias e neuroses, mas também as benesses: a ligação com
o mar e o mangue, o desenho da cidade, sua rica cultura e suas memórias. Aliás,
memória é o substrato do filme. Contrapondo permanentemente passado e presente,
o diretor suscita a crítica ao perpassar questões imbricadas à sociedade, como
a desigualdade socioeconômica, a “commoditização” dos relacionamentos, a
relação entre gerações e os preconceitos, sejam estes raciais, sociais, de
gênero ou condição física.
É com base nesta visão muito pessoal, a qual não esconde o inimigo nem
exclui o belo, que “Aquarius” se monta. Muitos dos significados vão ganhando
forma à medida que o filme transcorre, às vezes quase uma suspeita inconscientemente
desconsiderada assim que o enigma se dissolve. Como a relação de Clara com seu
sobrinho, a qual, num primeiro momento, pode parecer ao espectador, que ainda
não teve informações suficientes sobre ela (ou melhor: tem informações
suficientemente superficiais para desconfiar do mais vulgar e aparente),
tratar-se de um caso amoroso liberal e promíscuo. A explicação vem sutil, sem
alarde, mas dizendo muito sobre a personagem e a história.
A personagem, aliás, carrega em si outro símbolo: o da mulher
emancipada e independente. De pronto percebe-se que Clara é reconhecida como
profissional. Porém, à medida que se entende melhor, revela-se que ela, no
passado, optou em deixar os filhos ainda pequenos com o pai para não perder a
oportunidade de ganhar a vida no centro do País. De certa forma, um pouco da
própria Sônia Braga, que, de modo a dar a natural continuidade internacional à
sua trajetória já restringida no deficiente Brasil pré-democracia, precisou dar
as costas às críticas “vira-latas” e rumar para a indústria norte-americana –
sem, ao contrário do que lhe acusavam, perder identidade e raízes.
Sônia Braga, magnífica, à frente do famigerado ed. Aquarius"
Estes dois exemplos mostram bem o jogo de ressignificações proposto por
Mendonça Filho. Largamente empregadas por cineastas maduros do cinema moderno,
como os irmãos Coen e Quentin Tarantino, a ressignificação tem o poder de
desfazer mitos e quebrar expectativas, muitas vezes a custa de anticlímaces e
desconstruções do imaginário sociocultural. “Aquarius” mostra não o
relacionamento de uma “tiazona” com um rapazote como propositadamente dá a
entender, mas, sim, uma possível, afetuosa e saudável relação entre tia e
sobrinho. O filme mostra não um estereótipo de heroína vencedora e invencível –
e, por isso, desumanizada e reforçadora da ótica sexista –, mas uma mulher com
suas qualidades e defeitos, com inquietudes e paixões tentando fazer o melhor
na vida.
Maior evidência dessa ressignificação é a cena do nu parcial da
personagem. A mensagem imediata que se transmite, ao vê-la começando a se
despir para tomar banho, é o de que se verá a antiga musa e símbolo sexual
despida agora com idade avançada. “Como estará o corpo de Sônia Braga aos 66
anos? Será que está uma velha gostosa?” Mendonça Filho quebra a lógica rala não
ao confirmar o que se suspeitava no que diz respeito às marcas da idade terem
chegado à Dona Flor. Fazendo emergir outro nível de mensagem, mais profundo e
agudo, mostrando-a com um dos seios amputados, consequência de um câncer da
personagem Clara. Em milésimos de segundo, entremeiam-se o preconceito com o
deficiente físico – algo explorado ainda mais e sem rodeios no decorrer –, com
a mulher “não-jovem”, com a mulher em si.
Interessante notar que, a título de narrativa, o cineasta dá um passo
atrás no que se refere à modernidade na comparação com seu filme anterior.
Enquanto “O Som ao Redor” é uma trama coral ao estilo das de Robert Altman e
Paul Thomas Anderson, “Aquarius”, por se concentrar numa personagem, torna-se
mais linear e anedótico. O que não é nenhum demérito, pelo contrário. Assim
como o cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu, que depois de uma
trilogia de sucesso de tramas corais (“Amores Perros”, “21 Gramas” e “Babel”) e
de passar pelo radicalismo de "Birdman" optou acertadamente pelo formato
clássico para realizar "O Regresso", seu grande filme. Mendonça Filho parece de
certa forma e em noutra realidade repetir o recente feito de Iñárritu: iniciar
a carreira explorando uma linha intrincada de narrar para, em seguida,
aperfeiçoar seu estilo e simplificar a narrativa voltando as atenções a um herói/heroína.
Em “Aquarius”, contado em capítulos tal qual a construção literária de Stanley Kubrick e Tarantino – inclusive, com um prólogo, com Clara ainda jovem, em 1980
–, Mendonça Filho equilibra com assertividade a forma tradicional e a moderna
de contar a história.
Outros elementos de ressignificado são compostos de maneira muito
segura pelo diretor, que conduz o filme num ritmo cadenciado, por vezes
poeticamente contemplativo, como um ir e vir da onda do mar da praia. Igual a
“O Som ao Redor”, em “Aquarius” o mar é um olho divino que a tudo enxerga. O
som, inclusive, faz-se presente novamente e, agora, é demarcado pela música. De
Queen a Gilberto Gil, passando por Roberto Carlos e Taiguara, as canções pontuam
o filme do início ao fim, ajudando a construir a narrativa e dando-lhe uma
dimensão tanto documental quanto lúdica. Novamente, Mendonça Filho reelaborando
o passado para trazer luzes ao presente. Na guerra indigna que Clara tem de
deflagrar contra a construtora que quer tomar o prédio sob a égide monetária e
desfazendo o real valor sentimental e simbólico, fica clara a mensagem que o
autor que transmitir: o mundo precisa de mais poesia. Se Cazuza integrasse a
trilha com estes versos de “Burguesia”, não seria nenhum absurdo: “Enquanto houver burguesia não vai haver
poesia”.
Para além da discussão partidária e da polêmica em torno da afronta
direta ao Governo no episódio da classificação etária e da não escolha pelo
título à concorrência ao Oscar de Filme Estrangeiro, o objeto do filme é por si
saudavelmente revolucionário, o que o torna, por esse viés, sim, bastante
político. Como um “Sem Destino” ou “Um Estranho no Ninho”, marcos de uma era logo
ao serem lançados, “Aquarius” está igualmente no lugar e na hora certa, tornando-se
de imediato importante como registro do Brasil do início do século XXI
polarizado ideologicamente. Polarização largamente mais desfavorável do que
proveitosa. A ideia do que Clara representa, “minoria empoderada” e não sujeita
aos preceitos verticais da sociedade machista e ditada pelo dinheiro, celebra
uma verdadeira liberdade de pensamento e conduta cidadã a que tanto se aspira
entre os tantos tabus que hão de serem quebrados. Os novos significados, uma
maneira de pensar despida de pré-concepções e amarras sociais, é o que intentam
aqueles que acreditam em igualdade e fraternidade. Se isso concorda ou discorda
do pensamento de esquerda ou de direita, é outra questão. “Aquarius” é, isso
sim, um libelo da necessária subversão em tempos de intolerância.
Nosso
primeiro colaborador da série Duelo, de entrevistas sobre cinema western e clássicos
da sétima arte, é o capixaba e morador de Niterói, José Eugenio Guimarães.
Zootecnista, Cientista Social e professor universitário de profissão. Cinéfilo
de coração, o cara é dono do ótimo Blog Eugenio em filmes. Além de escrever em
sua page diversos textos sobre várias
fases do cinema, ele é um assíduo colaborador de muitas páginas culturais e
sobre o tema na internet. Eugenio, que veio de uma família de cinéfilos,
assistiu seu primeiro filme bem precocemente, aos dois anos de idade e que
depois não parou mais. Ele mantém aquele costume voraz dos aficionados por
cinema de rever uma grande produção muitas e muitas vezes. Conta que assistiu “No
Tempo das Diligências”, mais de 200! O western é só mais uma de suas grandes
paixões. Nosso entrevistado é também um profundo conhecedor de cinema
independente e um fã declarado do cineasta brasileiro Glauber Rocha. É com ele
que vou ter o imenso prazer de bater um papo cinéfilo nestas linhas cheias de
intensidade e paixão real pelo cinema.
BINO: José Eugenio, não posso deixar de fugir
de uma pergunta meio clichê: qual foi o primeiro grande filme que te impactou, aquele
que vem à tua memória sempre num flash rápido?
John Ford
JOSÉ
EUGENIO: Impacto, mesmo, senti ao ver “No Tempo das Diligências” (“Stagecoach”,
1939), em 1963, aos sete anos. Meu pai, cinéfilo, era assumidamente fordiano. E, certamente, herdei dele
essa paixão pelo cinema de John Ford. Muito antes eu já o ouvia, enquanto fazia
a barba ou tomava banho, rememorar diálogos inteiros de “Como era verde o meu
vale” (“How green was my valley”, 1941), o filme que ele mais preferia do
diretor. Mas a experiência de ver “No tempo das diligências” em tela de cinema,
ainda menino, foi algo que jamais esquecerei. Antes de irmos ao Cine Odeon de
Viçosa/MG, no qual foi exibido, o velho, como bom pai, começou a preparar o meu
espírito para o que eu iria ver. E tudo correspondeu às expectativas. Pareceu
que eu estava sonhando. Durante muito tempo “No tempo das diligências” foi o
meu filme preferido de John Ford. Só fui revê-lo no cinema, pela última vez, em
Belo Horizonte, em 1977, quando entrei na sessão das 14h e só saí ao fim da
sessão das 22h, quase à meia-noite. Então, também o vi nas sessões das 16, 18 e
20h. Cinco sessões ao todo, enfileiradas. Saí do cinema meio tonto, mas
totalmente em paz comigo mesmo. Já vi “No tempo das diligências” mais de 200
vezes. Também já ultrapassei esse número com “Rastros de ódio” (“The searchers”,
1956) e “O homem que matou o facínora” (“The man who shot Liberty Valance”,
1962), ambos também de Ford. São filmes que sempre revejo, nos quais sempre
descubro coisas novas.
B: O primeiro filme que a gente assiste no
cinema é como a primeira transa, algo marcante. Que lembranças tens dessa época?
JE: Comigo
até que não dá para fazer essa relação. Pois o primeiro filme que vi no cinema
foi em 1958. Estava com dois anos. Minha mãe queria ver “Marcelino Pão e Vinho”
(“Marcelino Pan y Vino”, 1955), de Ladislao Vajda, e não tinha com quem me
deixar. Levou-me junto. Segundo ela, fiquei o tempo todo com os olhos
arregalados colados na tela, do começo ao fim. Evidentemente, não guardo
lembranças desse meu batismo no cinema. O que ficou dessa ocasião foram as
canções do filme, usadas por minha mãe para embalar o meu sono enquanto fui
criança de colo. “Marcelino Pão e Vinho” só fui rever em BH, em um
relançamento, quando estava com 21 ou 22 anos. Valeu como experiência afetiva,
afinal estava tendo a oportunidade de ver o filme que inaugurou a minha
cinefilia e que me fez fazer incontáveis birras para voltar ao cinema. Mas o
filme mesmo é decepcionante, muito carola e moralista, uma produção típica da
Espanha franquista afundada num catolicismo tão retrógrado como medieval.
B: Sobre tuas preferências no cinema em geral,
quais escolas tu mais admiras? Fale um pouco delas.
JE: Há
muitas "escolas". Prefiro chamar de movimentos. Mas as que fizeram a
minha cabeça ou ampliaram os meus horizontes na cinefilia são, principalmente,
o Cinema Revolucionário Russo, a Avant Gard Francesa, o Realismo Poético
Francês, o Free Cinema Inglês, o Expressionismo Alemão, o Neorrealismo
Italiano, a Nouvelle Vague Francesa e o Cinema Novo Brasileiro.
Falar um
pouco delas... Vamos lá. Tentarei ser breve.
O Cinema
Revolucionário Russo, por ter sido uma experiência que, ao menos por curtíssimo
tempo, uniu o cinema a um projeto de mudança política e social. Era o cinema no
compasso da revolução, inserido na construção de novos homem e tempo.
Infelizmente, Stálin acabou com tudo isso.
A famosa cena do olho de "Um Cão Andaluz",
de Buñuel e Dalí
A Avant
Gard Francesa, por trazer a abstração, o universo da subjetividade para o
cinema, contaminando-o de poesia, aproximando-o das outras esferas da criação. Poucas
vezes o cinema esteve tão perto do sublime e da ousadia, do rompimento de
convenções, como neste breve período circunscrito aos anos 20.
O Realismo
Poético Francês por investir no lirismo, transitando do otimismo à tragédia em
tão pouco tempo. Praticamente foi um movimento que antecipou a tragédia
europeia instalada com o Nazismo, incorporando, principalmente em seu momento
de auge, a desesperança e o fatalismo.
O
Neorrealismo Italiano por mostrar o melhor do humanismo num momento cravado na
destruição provocada pela Segunda Grande Guerra. Câmeras nas ruas e becos, sob
a realidade do sol ou da noite, acompanhando gente praticamente real,
vivenciando problemas comuns, cotidianos, principalmente os que dizem respeito
à sobrevivência. Então, é um cinema aliado ao exercício da objetividade, mas
sem se esquecer de expressar o que passa em cada particularidade dos seres em
cena.
Já o
Expressionismo Alemão apreende a realidade num momento de incerteza e
dissolução. A Alemanha derrotada na Primeira Guerra entrou numa crise profunda,
não apenas econômica como moral, política e social. A mistura de tudo isso
gerou perplexidade. O fantástico, inclusive o terror, dominaram a cena.
Personagens dementes ou próximas disso davam o tom às narrativas e ações. Não
havia explicações plausíveis para os atos. Quase tudo encontrava motivação numa
ordem transcendental, inatingível, etérea, inexplicável. A poesia, a
psicanálise, a escultura, a pintura eram fortes aliadas da composição cênica. É
como se o cinema se tornasse total, ao englobar todos os demais meios de
expressão e sem esquecer os rumos incertos que a sociedade vinha tomando. Mas
tudo prenunciava o pior, como sabemos.
A Nouvelle
Vague, por sua vez, foi o cinema do NÃO. Não a qualquer convenção, a qualquer
dependência do cinema à literatura e aos estúdios. A liberdade criativa, a
juventude, o espírito de rebeldia dominaram o movimento, que falava
principalmente ao ser e às questões da contemporaneidade. Havia uma autonomia
autoral sem precedentes. As produções eram baratas, filmava-se onde era
possível, o glamour pouco importava.
Um espírito de espontaneidade dava a tônica, algo que Jean-Luc Godard ainda
hoje preserva em seus ensaios fílmicos.
cena de "Acossado" de Jean-luc Godard
O Free
Cinema Inglês é praticamente paralelo e parecido à Nouvelle Vague, mas era
menos etéreo, mais centrado nas questões concretas e prementes da existência.
Dava para sentir os personagens pulsando de forma mais vigorosa e intensa.
No Brasil,
o Cinema Novo, tão radical, com tantos nomes importantes e a vontade de revelar
o país além dos grandes centros, também de maneira independente dos esquemas
industriais, sem muitas preocupações às fórmulas, mas criando outras. Glauber,
maior nome do movimento, era praticamente um cineasta que se reinventava de
filme para filme, até chegar na desconstrução plena da narrativa em seu esforço
tão pouco compreendido de emancipar o olhar. É um provocador que faz falta à
mesmice de agora.
B: Em relação ao western, qual foi a grande contribuição desse
gênero para o cinema mundial?
Antônio das Mortes, personagem de Glauber
inspirado em Ford
JE: Ao cinema
mundial, não sei. Mundial é muita coisa. O que se sabe de concreto é: o western, por mais que muitos lhe torçam
o nariz, foi o gênero que apresentou um tipo de homem que podem ser
caracterizado como o indivíduo em sua forma mais bem acabada, sociologicamente
falando. O cowboy ou seus similares
estavam apoiados única e exclusivamente em suas determinações, desejos e
vontades. É algo específico de uma determinada cultura. Historicamente, não há
precedentes ao tipo em nenhum outro local do mundo. Geralmente as pessoas
estavam vinculadas a alguma estrutura, a uma ordem. O cowboy, não. Goza de uma margem de autonomia sem precedentes. Isso
encantou principalmente as plateias fincadas em organizações sociais mais
tradicionais. Nisso, de certa forma, o modelo inspirou cineastas japoneses,
principalmente Kurosawa. No Brasil, Glauber Rocha, principalmente em “Deus e o
Diabo na Terra do Sol” e "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", tem no
personagem Antonio das Mortes uma extensão. Aliás, sabe-se claramente que o
desenho do personagem está inspirado em Ethan Edwards (John Wayne), de “Rastros
de ódio”. Esses filmes de Glauber buscam inspiração nos westerns de Ford, mas sob a capa de um Eisenstein. E há a Itália,
país que sempre valorizou o gênero, tanto que inventou uma variante. Outras
formas de narrativa heroicas contaminadas pelo western pode ser encontradas no cinema popular chinês, por exemplo.
No Brasil, também há os filmes de cangaço, há muito tempo em baixa, com suas
estruturas narrativas também herdadas dos westerns,
principalmente pelo uso do cavalo pelos cangaceiros, algo que não resiste à
menor análise junto à realidade, pois cangaceiro se locomovia a pé. Mas o cowboy, mesmo, é uma experiência única,
ímpar, puramente estadunidense. É o indivíduo moldado naquilo que Weber chamou
de ética protestante – do puritanismo: alguém que apenas presta contas às suas
determinações e vontades.
B: "O Portal do Paraíso" é considerado o filme
que matou o western americano, tudo por seu grande desastre comercial. O western spaghetti também passou por seu período turbulento e, após os anos 70,
também não teve mais o brilho da era do ouro dos Sergio's e companhia. Com todo
esse hiato, raras produções western tiveram destaque no cinema. Um exemplo é “Dança
Com Lobos” e "Os Imperdoáveis", que ganharam muitos Oscar e foram muito bem
recebidos pela crítica. Poucos estúdios e diretores apostam nesse tipo de
produção. Porque você acha que este gênero está tão em baixa nos últimos
tempos?
JE: O western é vítima de vários fatores. Há
primeiro a televisão, que o banalizou com um punhado de séries familiares e
telefilmes de consumo imediato. Também há o politicamente correto. Além do fato
de que os estadunidenses em geral têm certa dificuldade de confrontar um
passado de conquista que não se afigura tão glorioso para a História, dados os
custos humanos do empreendimento. Ainda é muito complicado, para eles, discutir
o genocídio dos índios. É um tema praticamente encoberto de tabu. É uma pena,
pois se há um gênero que pode ser chamado de genuinamente nacional em se
tratando de Estados Unidos, é o western.
Quer queira quer não, mostra como o país foi conquistado e unificado. À medida
que os EUA foram se urbanizando e se industrializando, ficado mais
cosmopolitas, o western foi se
tornado um gênero ultrapassado, uma narrativa que não combina mais com a
realidade, principalmente por revelar uma etapa que se quer esquecer.
B: Tarantino e os irmãos Ethan e Joel Coen parecem ter apostado no western,
cada um a seu estilo. Como você vê a estética e os filmes destes diretores?
Francamente,
em termos estéticos não saberia como responder. Sei que são recicladores, cada
qual à sua moda. São cineastas que têm um modo próprio de expressão mas sem
abrir mão das dívidas a pagar com a tradição. Tanto que seus filmes podem ser
sérias releituras ou, dependendo do momento, também podem ser meros pastiches.
O que me irrita, hoje, é o extremo valor que se dá a esses nomes. Não tanto os
Irmãos Coen, que são brilhantes. Mas faço reservas a Tarantino, não tanto a
ele, que é bom cineasta, mas por ser visto, principalmente pelos setores mais
jovens, como um valor totalmente original. Não é, mesmo. Pode ser mais
barulhento, mas estiloso, mais midiático, mas é também um manipulador em causa
própria, um bom marqueteiro de si mesmo. Em todo caso, vamos ver. Não estou
dizendo que o abomino, muito ao contrário. Apenas revelo o que para mim
desponta como limitações.
B: Se tu tivesses que fazer uma lista de 10
grandes e definitivos westerns de todos os tempos, quais seriam?
Esse
negócio de listar "grandes e definitivos" é problemático. Mas, vamos
lá, com todo o meu perdão às injustiças que certamente cometerei:
1 - No
tempo das diligências (Stagecoach), de John Ford (1939)
2 - Paixão
dos fortes (My Darling Clementine), de John Ford (1946)
3 - Rio
Vermelho (Red River), de Howard Hawks (1948)
4 - O
preço de um homem (The Naked Spur), de Anthony Mann (1953)
5 - Os brutos
também amam (Shane), de George Stevens (1953)
6 - Rastros
de ódio (The Searchers), de John Ford (1956)
O Duke, John Wayne,
em cena de "Rastros de Ódio"
7 -
Galante e sanguinário (3:10 to Yuma), de Delmer Daves (1957)
8 - Onde
começa o inferno (Rio Bravo), de Howard Hawks (1959)
9 - O
homem que matou o facínora (The Man Who Shot Liberty Valance), de John Ford
(1962)
10 - Meu
ódio será sua herança (The Wild Bunch), de Sam Peckinpah (1969)
Puxa,
apenas 10 títulos! Acabei de excluir cerca de 16 outros, que considero
essenciais, da lista. Parece que acabo de cometer pecado mortal.
B: Agora mudando o rumo da conversa. Quando
Redford quando criou Sundance queria dar oportunidade ao cinema independente. Muitos
diretores e produtores beberam nessa fonte que Cassavetes catapultou anos
antes. Que tu acha desse tipo de cinema não tão mainstream? Algum filme ou diretor te chamou atenção
nestes últimos anos?
JE: Esse
tipo de cinema, à margem, é essencial. E aí que vamos encontrar os germes de
renovação, as criatividades. Cinema é indústria e indústria é algo formatado,
que pode ser reproduzido em grande escala. O cinema independente está à margem
disso, pode se afastar das convenções, investir em pesquisas estéticas,
formais, autorais; pode correr riscos com mais facilidade. Pode ousar. Pena que
todo sopro de independência, de rebeldia, acaba, com o tempo — e são raras as
exceções —se incorporando ao mainstream,
ainda mais no cinema americano. Gosto de citar um caso extremo: John Waters,
com seu cinema de guerrilha. Já significou mau gosto. Vide “Pink Flamingos”.
Hoje, é encenado na Broadway. Seus exercícios autorais, fétidos, imorais e
amorais já foram incorporados à industria e refilmados segundo os grandes
esquemas. Vivemos tempos cada vez mais perigosos ao autoral e ao independente.
O capitalismo incorpora tudo, até o que lhe é contrário. Basta ser domesticado,
esquematizado e, claro, dar lucro.
Sobre quem
está chamando a minha atenção nos últimos anos: Sophie Deraspe, Martin Laroche,
XAvier Dolan, Stéphane Lafleur, Robert Morin, Denis Villeneuve, Alexandro
Avranas, Rosario Garcia-Montero, Petra Costa, Peter Webber... deve ter mais
alguém.
B: E sobre as produções Brasileiras e
Latino-Americanas o que você tem a dizer?
JE: Bom...
O cinema brasileiro sempre me interessou, desde que me habituei a vê-lo já na
fase final das comédias da Atlântida. Nós temos um cinema muito bom, diferente,
com valorosos cineastas. No tempo do Cinema Novo éramos uma das cinematografias
mais desafiadores. O cinema brasileiro foi recordista mundial de prêmios em
mostras e festivais internacionais nos anos 70. Penas que os contextos
políticos não ajudaram.
Já vi
muitos filmes mexicanos. Eram exibidos facilmente no Brasil até o começo dos
anos 70. Havia aqui uma representação da PelMex – Películas Mexicanas –, que
fazia a distribuição do que veio a ser conhecido como Cinema de Lágrimas. O
cinema cubano também teve melhores dias entre nós, principalmente o Novo Cinema
Cubano (já velho), dos anos imediatamente posteriores à Revolução.
Pouco
conhecemos das produção dos nossos vizinhos, excluída, atualmente, a Argentina,
que vive um contagiante momento de euforia. Quanto a nós, agora, parece que
estamos prisioneiros do formato ditado pela Globo Filmes. Mesmo assim, não
podemos reclamar, pois temos Jorge Furtado, Fernando Coimbra, Karim Aïnouz, Cláudio
Assis e gente mais velha que ainda está na ativa apesar de todas as
dificuldades.
B: O que tu achas do cinema como ferramenta de
inclusão social?
As
contribuições seriam exatamente a de levar o cinema à população. Tentativa que
não é nova e era praticada em tempos mais generosos e mais fartos de filmes com
temáticas populares e de acesso mais facilitado ao público em geral,
principalmente ao carente de cinema. Nos anos 60 e 70 os cineclubes faziam essa
ponte, levando o cinema à população que nunca o teve. Inclusive estimulando-o a
tomar a câmera como exercício de criação própria. Cheguei a participar um pouco
dessa fase, em meus dias de cineclubismo.
B: Para finalizar, se você se definisse como
pessoa em um filme, qual seria ele, e por quê?
JE: Ah! Não
sei. Certamente seria alguém semelhante aos personagens interpretados pelo
Wilson Grey, pelo Hank Worden, pelo Henry Calvin. Nunca me preocupei com isso.
Mas alguém heroico é que não seria. Estou mais perto do perfil dos perdedores.
Se tivesse que ser um cowboy,
encontraria afinidades com o Monte Walsh vivido pelo Lee Marvin em “Um homem
difícil de matar” (Monte Walsh, 1970), de William Fraker.
Agora sim posso declarar o meu ponto de vista sobre "Bravura Indômita". Ainda não
tinha assistido ao primeiro filme, que foi dirigido por Henry Hathaway, em
1969. Em 2010, foi filmado o remake
dos irmãos Joel e Ethan Coen. O filme gerou críticas positivas, mas nem todo
mundo gostou e as semelhanças entre ambas produções são grandes. A fotografia
do primeiro filme, que foi quase todo filmado com luz de outono, é esplêndida e
brilhante, muitas vezes parece saída de um quadro de época. Creio eu que John Wayne
deva ter amado filmar "Bravura", pois o ator passava o tempo todo
bebendo de verdade, algo que já era normal em seus filmes. Muitos dizem que seu
personagem era uma paródia de si mesmo, tanto que lhe deu o único Oscar da
carreira, merecido, é claro, e com muito álcool.
Outro ponto a destacar do longa de Hathaway, o qual não
canso de repetir, é sobre a habilidade do Duke com o cavalo. Em diversas cenas
isso é explícito, inclusive na cena final em que ele pula uma cerca alta,
dispensando o dublê. A forma como ele manejava as armas demonstra certamente
que em outra vida ele foi um cowboy
de verdade. Todo o elenco desse filme é ótimo, da maravilhosa atriz adolescente,
Kin Darby, a um iniciante Dennis Hopper e o já careca Robert Duvall.
trailer "Bravura Indômita" (1969)
cartaz da versão dos
irmãos Cohen, de 2010
Na versão dos Cohen,
praticamente idêntica em história ao de Hathaway, os diretores dão seu pitaco
estilístico e o deixam mais "sujo", mas não menos violento e satírico
que o primeiro. Depois de assistir, cheguei à conclusão que Jeff Bridges é o único
ator neste planeta que conseguiria com seu estilo errante e versátil estar à
altura de Wayne para reviver o personagem de "Rooster" Cogburn. Pena
não ter sido tão reconhecido, porque ele também merecia o Oscar. E o filme foi
indicado a vários prêmios, perdeu em quase todos. Hailee Steinfeld que fez a
menina Mattie Ross no segundo filme, e está no meu panteão das grandes atuações
femininas do cinema atual. O elenco também conta com os bons atores Matt Damon
e Josh Brolin.
Resumindo, os filmes são diferentes mas ao mesmo tempo
parecidos. Hoje, revendo pela ótica dos Coen, os diretores e produtores foram
muito corajosos e ousados ao fazer um remake
que muitas vezes se sai melhor que o original, acertaram em tudo, desde a
escolha dos atores a toda equipe técnica, que foi indicada para um penca de
Oscar. Voto final: em direção, prefiro os Coen; roteiro, os Coen; entre Wayne e
Bridges, dá empate; fotografia, fico com o de 1969; Mattie Ross, meu voto vai
para Haillee Stenfield; Ranger La Boeuf, vitória de Glen Campbell; e sobre os
dois filmes, ambos são ótimos.
Expectativa para a premiação desta noite em Los Angeles.
Tenho a impressão que não teremos nenhum grande arrebatador de prêmios e que as honras ficarão bem distribuídas, inclusive entre filme e direção, que acredito não devam para nas mesmas mãos.
(palpite)
Vamos ver.
Abaixo todos os indicados ao Oscar deste ano:
Melhor filme:
- "A Rede Social"
- "O Discurso do Rei"
- "Cisne Negro"
- “O vencedor”
- "A Origem"
- "Toy Story 3"
- “Bravura indômita”
- “Minhas mães e meu pai”
- “127 horas”
- “Inverno da alma” Melhor diretor:
- David Fincher – “A rede social”
- Tom Hooper – “O discurso do rei”
- Darren Aronofsky – “Cisne negro”
- Joel e Ethan Coen – “Bravura indômita”
- David O. Russell – “O vencedor”
Melhor ator:
- Jesse Eisenberg – “A rede social”
- Colin Firth – “O discurso do rei”
- James Franco – “127 horas”
- Jeff Bridges – “Bravura indômita”
- Javier Bardem – “Biutiful” Melhor atriz:
- Annette Bening – “Minhas mães e meu pai”
- Natalie Portman – “Cisne negro”
- Nicole Kidman - “Rabbit hole”
- Michelle Williams - “Blue valentine”
- Jennifer Lawrence - “Inverno da alma” Melhor ator coadjuvante:
- Mark Ruffalo – “Minhas mães e meu pai”
- Geoffrey Rush – “O discurso do rei”
- Christian Bale – “O vencedor”
- Jeremy Renner – “Atração perigosa”
- John Hawkes – "Inverno da alma" Melhor atriz coadjuvante:
- Helena Bonham Carter – “O discurso do rei”
- Melissa Leo – “O vencedor”
- Amy Adams – “O vencedor”
- Hailee Steinfeld – “Bravura indômita”
- Jacki Weaver - “Reino animal” Melhor roteiro original:
- “Cisne negro”
- “Minhas mães e meu pai”
- “O vencedor”
- “A origem”
- “O discurso do rei” Melhor roteiro adaptado:
- “A rede social”
- “127 horas”
- “Bravura indômita”
- “Toy Story 3”
- "Inverno da alma" Melhor longa-metragem de animação:
- "Como treinar o seu dragão"
- "O mágico"
- "Toy Story 3" Melhor direção de arte:
- "Alice no País das Maravilhas"
- "Harry Potter e as relíquias da morte - Parte 1"
- "A origem"
- "O discurso do rei"
- "Bravura indômita" Melhor fotografia
- "Cisne negro"
- "A origem"
- "O discurso do rei"
- "A rede social"
- "Bravura indômita" Melhor figurino
- "Alice no País das Maravilhas"
- "I am love"
- "O discurso do rei"
- "Bravura indômita"
- "The tempest" Melhor documentário (longa-metragem)
- "Exit through the gift shop"
- "Gasland"
- "Inside job"
- "Restrepo"
- "Lixo extraordinário" Melhor documentário (curta-metragem)
- "Killing in the name"
- "Poster girl"
- "Strangers no more"
- "Sun come up"
- "The warriors of Qiugang" Melhor edição
- "Cisne negro"
- "O vencedor"
- "O discurso do rei"
- "127 horas"
- "A rede social" Melhor filme de língua estrangeira
- "Biutiful"(México)
- "Dogtooth" (Grécia)
- "In a better world" (Dinamarca)
- "Incendies" (Canadá)
- "Outside the law" (Argélia) Melhor trilha sonora original
- "Como treinar seu dragão" - John Powell
- "A origem" - Hans Zimmer
- "O discurso do rei" - Alexandre Desplat
- "127 horas" - A.R. Rahman
- "A rede social" - Trent Reznor e Atticus Ross Melhor canção original
- "Coming home", de "Country Strong"
- "I see the light", de "Enrolados"
- "If I rise", de "127 horas"
- "We belong together", de "Toy Story 3"
Melhor curta-metragem
- "The confession"
- "The crush"
- "God of love"
- "Na wewe"
- "Wish 143" Melhor curta-metragem de animação
- "Day and night"
- "The gruffalo"
- "Let's pollute"
- "The lost thing"
- "Madagascar, carnet de voyage"
Melhor edição de som
- "A origem"
- "Toy Story 3"
- "Tron: o legado"
- "Bravura indômita"
- "Incontrolável" Melhor mixagem de som
- "A origem"
- "O discurso do rei"
- "Salt"
- "A rede social"
- "Bravura indômita"
Melhores efeitos visuais
- "Alice no País das Maravilhas"
- Harry Potter e as relíquias da morte - Parte 1"
- "Além da vida"
- "A origem"
- "Homem de Ferro 2" Melhor maquiagem
- "Minha versão para o amor"
- "Caminho da liberdade"
- "O lobisomem"
Globo e TNT transmitem a festa, o canal aberto, começará só depois que os 'Brothers' definirem anjos, líderes, emparedados e tudo mais, ali pela meia-noite, já a TNT promete abrir a trasmissão já a partir das 21h, como "Tapete Vermelho" e às 22h com o início da cerimônia. Pra quem tem esta opção, é muito mais negócio.
Saíram hoje, no final da manhã americana e início da tarde brasileira, os indicados ao maior prêmio da indústria cinematográfica mundial, o famoso, conhecido e cobiçado senhor dourado e magrelo chamado Oscar. Curiosamente trazendo algumas surpresas: "Bravura Indômita", por mais que seja dos já consagrados Cohen, levar dez indicações é surpresa pra mim. O queridinho do momento "A Rede Social" ficar com 8 nominações, atrás de "O Discurso do Rei" que lidera com 12, não deixa de ser um pouco inusitado também, mas o que importa é quem ganha mais prêmios e não indicações, não é verdade?
Surpresa agradável foi ver o ótimo "Toy Story 3" disputando na categoria principal. Não vai levar, mas só a indicação já demonstra o quanto foi apreciado e faz justiça à sua qualidade.
Vemos também a produção a co-produção Brasil-Inglaterra "Lixo Extraordinário" indicada para Melhor Documentario podendo trazer então a cobiçada primeira estatueta para o cinema nacional mas não da maneira como todos gostariam que seria como Filme Estrangeiro.
Agora é aguardar a abertura dos envelopes que acontece dia 27 de fevereiro, em Los Angeles.
Abaixo a lista completa dos indicados ao Oscar:
"O Discurso do Rei" de Tom Hooper lidera o número de indicações
Melhor diretor: - David Fincher – “A rede social” - Tom Hooper – “O discurso do rei” - Darren Aronofsky – “Cisne negro” - Joel e Ethan Coen – “Bravura indômita” - David O. Russell – “O vencedor”
Melhor ator: - Jesse Eisenberg – “A rede social” - Colin Firth – “O discurso do rei” - James Franco – “127 horas” - Jeff Bridges – “Bravura indômita” - Javier Bardem – “Biutiful”
Melhor atriz: - Annette Bening – “Minhas mães e meu pai” - Natalie Portman – “Cisne negro” - Nicole Kidman - “Rabbit hole” - Michelle Williams - “Blue valentine” - Jennifer Lawrence - “Inverno da alma”
Melhor ator coadjuvante: - Mark Ruffalo – “Minhas mães e meu pai” - Geoffrey Rush – “O discurso do rei” - Christian Bale – “O vencedor” - Jeremy Renner – “Atração perigosa” - John Hawkes – "Inverno da alma"
Melhor atriz coadjuvante: - Helena Bonham Carter – “O discurso do rei” - Melissa Leo – “O vencedor” - Amy Adams – “O vencedor” - Hailee Steinfeld – “Bravura indômita” - Jacki Weaver - “Reino animal”
Melhor roteiro original: - “Cisne negro” - “Minhas mães e meu pai” - “O vencedor” - “A origem” - “O discurso do rei”
Melhor roteiro adaptado: - “A rede social” - “127 horas” - “Bravura indômita” - “Toy Story 3” - "Inverno da alma"
Melhor longa-metragem de animação: - "Como treinar o seu dragão" - "O mágico" - "Toy Story 3"
Melhor direção de arte: - "Alice no País das Maravilhas" - "Harry Potter e as relíquias da morte - Parte 1" - "A origem" - "O discurso do rei" - "Bravura indômita"
Melhor fotografia - "Cisne negro" - "A origem" - "O discurso do rei" - "A rede social" - "Bravura indômita"
Melhor figurino - "Alice no País das Maravilhas" - "I am love" - "O discurso do rei" - "Bravura indômita" - "The tempest"
Melhor documentário (longa-metragem) - "Exit through the gift shop" - "Gasland" - "Inside job" - "Restrepo" - "Lixo extraordinário"
Melhor documentário (curta-metragem) - "Killing in the name" - "Poster girl" - "Strangers no more" - "Sun come up" - "The warriors of Qiugang"
Melhor edição - "Cisne negro" - "O vencedor" - "O discurso do rei" - "127 horas" - "A rede social"
Melhor filme de língua estrangeira - "Biutiful"(México) - "Dogtooth" (Grécia) - "In a better world" (Dinamarca) - "Incendies" (Canadá) - "Outside the law" (Argélia)
Melhor trilha sonora original - "Como treinar seu dragão" - John Powell - "A origem" - Hans Zimmer - "O discurso do rei" - Alexandre Desplat - "127 horas" - A.R. Rahman - "A rede social" - Trent Reznor e Atticus Ross
Melhor canção original - "Coming home", de "Country Strong" - "I see the light", de "Enrolados" - "If I rise", de "127 horas" - "We belong together", de "Toy Story 3"
Melhor curta-metragem - "The confession" - "The crush" - "God of love" - "Na wewe" - "Wish 143"
Melhor curta-metragem de animação - "Day and night" - "The gruffalo" - "Let's pollute" - "The lost thing" - "Madagascar, carnet de voyage"
Melhor edição de som - "A origem" - "Toy Story 3" - "Tron: o legado" - "Bravura indômita" - "Incontrolável"
Melhor mixagem de som - "A origem" - "O discurso do rei" - "Salt" - "A rede social" - "Bravura indômita"
Melhores efeitos visuais - "Alice no País das Maravilhas" - Harry Potter e as relíquias da morte - Parte 1" - "Além da vida" - "A origem" - "Homem de Ferro 2"
Melhor maquiagem - "Minha versão para o amor" - "Caminho da liberdade" - "O lobisomem"