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quarta-feira, 27 de março de 2019
Música da Cabeça - Programa #103
Não é só porque estamos no finzinho do Mês da Mulher: é porque aqui elas estão sempre na nossa cabeça. Um programa (quase) todo feminino foi o que calhou esta semana, pois terá Liz Fraser, Marina Lima, Gal Costa, Maria Rita, Suzanne Vega, Lady Miss Kier e outras. Não será diferente no “Música de Fato”, no “Palavra, Lê” e no quadro móvel da semana, “Cabeção”. Tudo com a massiva presença delas. Seja homem ou mulher, o negócio é escutar o Música da Cabeça de hoje, às 21h, pela feminilíssima Rádio Elétrica. Produção e apresentação dela: Daniel Rodrigues.
Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/
quarta-feira, 23 de novembro de 2016
Meredith Monk - “Dolmen Music” (1980)
“Se Monk está procurando um lugar
no firmamento clássico,
é a música clássica que tem muito a aprender com ela.
Ela pode aparecer ainda mais à medida que o novo século se desenrola,
e as
gerações posteriores invejarão aqueles que conseguiram vê-la viver".
Alex Ross,
jornalista e crítico musical
“A voz humana pode muito bem ser
o Instrumento mais expressivo de todos,
capaz da mais sutil das nuance e da
exclamação mais dramática,
mas poucos exploraram toda a sua gama tão
completamente quanto Meredith Monk”.
John Kelman,
jornalista e crítico
musical
Um jornalista amigo meu, logo após assistir o espetáculo de Meredith Monk no Theatro São Pedro durante o 22º Porto Alegre em Cena, em 2015, comentou abismado com o que vira: “Meredith Monk veio de outro planeta”.
Embora entenda a força de expressão, pois em parte é um asteísmo justo, hei de
discordar dele: Monk não vem de longe, de um lugar desconhecido, mas, sim, do
próprio planeta Terra. De seus recônditos, das profundezas, da natureza mais
genuína e inobservada por nós, reles normais. Em Monk habitam uma índia shokagawe, uma japonesa enka, uma bruxa celta, uma inca quíchua,
uma indiana vadava, uma caçadora
africana, uma fêmea das cavernas. Ou, simplesmente, uma mulher, misteriosa e
mágica, moderna e atemporal, autêntica e viva.
Cunhada na vanguarda dos anos 60, a norte-americana Monk é compositora,
cantora, coreógrafa e criadora da new
opera, além de música de teatro, filmes e instalações. Uma das artistas
mais originais e influentes do nosso tempo, é pioneira da chamada "técnica
vocal estendida" e "performance interdisciplinar", que muito
caminho abriu para artistas internacionais como Björk, Elizabeth Fraser, Laurie
Anderson, Diamanda Galas e brasileiros como Arnaldo Antunes, Tom Zé e Walter
Franco. Monk cria obras que prosperam na interseção de música e movimento,
imagem e objeto, luz e som, descobrindo e tecendo novos modos de percepção. “Dolmen Music”, de 1980, considerada
uma de suas obras-primas, traz uma mostra expressiva desse caldeirão de ideias
e referências.
Contemporânea de conterrâneos como Philip Glass, Morton Feldman, Terry
Riley, Harry Partch e Steve Reich, Monk é, como estes, parte de uma linha
evolutiva da música clássica através dos séculos. Talvez até mais que eles,
entretanto, ela junta todos os tempos e estilos em um único elemento-base: a
voz. Dona de uma capacidade sintética espantosa, ela faz remontar Palestrina e Boulez num átimo. Assim, Monk destila em “Dolmen Music” peças da mais inquietante beleza. Quando muito, conta com a
participação de Steve Lockwood no segundo piano e a percussão e violino do
produtor Collin Walcott (o “CO” do Codona, grupo avant-garde formado por ele com DOon Cherry e NAná Vasconcellos nos
anos 70).
Na primeira parte, é praticamente apenas isso: voz e piano. Suficiente
para Monk, sobre melismas e vocalises, criar paisagens de som que desenterram
sentimentos, energias e memórias para as quais não há palavras. E nem precisam.
Vê-se isso num de seus clássicos: “Gotham Lullaby”, que abre o álbum. Sobre uma
delicada base de piano em contraponto, que, cíclica, engendra dois tempos de 4 compassos
para, obsessiva e incondicionalmente, voltar sempre à mesma nota, ela explora
do mais sentimental registro de soprano a sufocados gritos de desespero. Regravada
por Björk em 2015, é uma canção de ninar de um lugar fictício e obscuro – e
absolutamente interno.
Na minimalista “Travelling”, o piano, tal como já explorara em “Key”,
de 1970, se transforma em elemento percussivo para acompanhar o canto tribal,
que se vale de perfil sonoro prolongado das notas para conferir-lhes variações
de modulação, a exemplo dos gritos de guerra indígenas. Noutra hora, é a mezzo clássica que aparece, a qual
lembra por demais Liz Fraser do Cocteau Twins. Sua exploração sonora vai do som
mais gutural ao agudo nasal em exercícios vocais de difícil execução. Já “The
Tale” – que fechou sua apresentação em Porto Alegre numa engraçada performance de bruxa dos contos de
fantasia – parece brincadeira de criança, mas é de uma complexidade inequívoca.
A breve letra (“I still have my hands/ I
still have my mind/ I still have my money/ I still have my telephone…”) é
um artifício chistoso para desencadear uma peça de caráter mínimo em que Monk põe
mais uma vez sua interminável capacidade vocal a serviço da imaginação. É
impossível não visualizar uma bruxa encanecida e enrugada, pois, sobre o tema
sonoro picaresco do órgão elétrico, ela encarna a personagem, ornamentando
falas e risadas por meio de ressonâncias e modulações.
“Biography”, outra assistida no show de 2015, é uma das mais incríveis
canções escritas nos últimos 50 anos na música mundial. Não é exagero o que
digo, afinal, “Dolmen Music” como um todo é considerado um dos 20 trabalhos fundamentais
para se entender a música da segunda metade do século XX conforme aponta o
crítico e pesquisador musical italiano Piero Scaruffi. E este tema, composto em
1973, é bastantemente representativo dentro do repertório de Monk. Não à toa
sua execução deixa todo mundo pasmado como ocorrera em Porto Alegre, um misto
de estarrecimento e encanto. Nela, Monk parece sintetizar todo o sofrimento da
condição feminina neste mundo opressivo e desigual ao contar a biografia de uma
anônima e simbólica mulher. Tudo sem precisar de palavras, somente através dos
sons. O triste tema do piano faz base para o canto que vai da mais íntima
angústia à histeria. Os melismas aprontados por Monk vão pouco a pouco se
transformando, ganhando mais intensidade mas, igual e fatalmente, aproximando-se
do insano. O choro aflito é desenhado em traços dissonantes e atonais,
remetendo aos arranjos vocais lancinantes de Ligeti em “Requiem” e de
Penderecki em “Canticum Canticorum Salomonis”. A loucura avança aos limites, e
Monk passa a articular palavras sem sentido em vibratos, tremulos e glissandos.
Um pássaro ferido grita, um animal acuado na jaula grita. Há momentos em que, alucinada,
a mulher conversa consigo mesma, alternando a própria voz e tentando fazer
emergir o que ainda lhe resta de sanidade. Até sucumbir de vez. Em sustenidos,
o piano, impassível em sua melancolia, anuncia que, enfim, tudo terminou.
Música que vale ouvir e reouvir sempre.
A segunda metade do disco é totalmente dedicado à faixa-título, miniconcerto
para seis vozes, piano, violino, violoncelo e percussão. O arsenal técnico e
criativo de Monk é explorado aqui com maior complexidade, mas sem se descaracterizar
do restante. Afinal, é a voz que permanece no comando, capaz de fazer-nos
projetar mundos exóticos e sem distinção temporal. “Overture And Men's Conclave”,
primeira parte da peça, começa nas três vozes femininas e cello repetindo uma pequena célula de 4 compassos, em que a última nota
se estende. As vozes masculinas, monódicas como a dos modos gregorianas e
microtonais como a dos cantos tibetanos, entram em contracanto. O uso do “kobushi”,
vibrato lento muito usado como ornamento música japonesa, passa a dar cores
cada vez mais orientais à música, cuja intensidade aumenta, fazendo a música
avolumar-se.
A predominantemente ressonante “Wa-ohs”, na sequência, é trazida do
repertório de “Songs from the Hill/Tablet”, trabalho de Monk de um ano antes.
Novamente, a referência à música do Oriente é visível, haja vista que o coro
forma um quase um mantra de monges budistas. Percussivas, as vozes funcionam
como gongos soando. Logo após, acordes cadenciados de cello conduzem a bela “Rain”, em que os timbres femininos vão
entrando em frases esparsas até encurtarem seus espaçamentos e construírem um
andamento mutável, em que as modificações das células rítmicas vão se alterando
no decorrer e ganhando novas conformações.
Cheia, a polifônica “Pine Tree Lullaby” conta apenas com as vozes em
cascata, engendrando um canto litúrgico e zen ao mesmo tempo. Não menos
impressionante, “Calls” aproxima-se do arrojo do rock ao usar o violoncelo
sendo friccionado pelo arco, mas não na horizontal como normalmente, e sim na
direção vertical. O efeito é de um som trasteado, vibrado, atritado. Soma-se a
isso ainda as baquetas de percussão no próprio instrumento, que não necessariamente
percutem o cello, mas, sim, colocadas bem próximas às cordas, deixam-se
percutir pela vibração gerada pela esfregação da crina do arco. As vozes
retornam para a derradeira “Conclusion”, onde novamente Monk resgata o
lamentoso tema central da abertura da peça, adicionando agora gemidos, ruídos,
palavras quebradas e onomatopeias das mais diversas.
Se se pensar a obra de Meredith
Monk dentro de uma linha evolutiva da música clássica se perceberá que sua música
abarca todas as épocas. Vem desde a Idade Média, passando pelo Renascimento,
Barroco, Romantismo, Ópera, Decadentismo, Modernismo até chegar ao nas
vanguardas do século XX e todos os seus inúmeros direcionamentos. Por este ângulo,
é fácil explicar o porquê da minha emoção quando a vi no palco. Era a emoção de
estar vivenciando algo superior. O privilégio de vê-la ao vivo é como
presenciar uma ópera de Wagner regida por ele mesmo, é como escutar um recital
de Chopin com o próprio ao piano. Monk, no panteão dos compositores clássicos,
nos traz essa exploração da voz como uma linguagem que expande os limites da
composição musical na história de arte, uma linguagem eloquente em si própria.
E que nos faz identificar algo submerso em nós mesmos. Nós, esses habitantes de
um indistinto planeta Terra que Monk nos faz reconhecer.
FAIXAS:
1. “Gotham Lullaby” -
4:14
2. “Travelling” - 6:15
3. “The Tale” - 2:47
4. ”Biography” - 9:26
5. “Dolmen Music” -
23:39
a. “Overture And Men's Conclave”
b. “Wa-ohs”
c. “Rain“
d. “Pine Tree Lullaby”
e. “Calls”
f. “Conclusion”
todas as composições de autoria
de Meredith Monk.
*********************
OUÇA O DISCO:
por Daniel Rodrigues
segunda-feira, 29 de junho de 2015
Cocteau Twins – “Blue Bell Knoll” (1986)
Duas variações da capa do álbum |
"Quando você morrer, e, em
seguida,
abrir os olhos, se não estiver tocando ao fundo essa música,
provavelmente você está indo para o lugar errado."
Robert Christgau,
crítico musical
sobre “Blue Bell Knoll”
Era uma vez uma falange de anjos que, de saco cheio da exigência de
serem angelicais o tempo todo, se revoltaram e desceram dos Céus. Desafiadores,
eles vieram cair na Terra de propósito, justo neste planetinha atrasado dentre
os tantos bilhões que podiam escolher na galáxia. Claro que foi, justamente,
para desafiar as divindades. Se aqui achariam a inveja, a tristeza, a ganância,
a incompreensão, a violência, era exatamente onde suas almas jovens e rebeldes
queriam ficar. Como filhos desgarrados que precisavam se autoafirmar, puseram
toda a revolta para fora. E como se não bastasse, inventaram de formar uma
banda de rock, para desespero dos santos. Queriam seguir Lúcifer e não o chato
do Gabriel. Assombro geral no firmamento.
No começo, foi o punk. Jogaram fora as auréolas e trajaram roupas de
segunda mão rasgadas e sujas. Muito couro duro e escuro; nada de sedas leves e
brancas como antes. Na música que criavam, todo esse inconformismo era transmitido
na forma de depressão. Compunham canções soturnas, carregadas, chorosas, em que
a guitarra mais parecia gemer pedindo clemência. O baixo, grave em sonoridade e
intenção, e a bateria, marcada, repetindo uma interminável marcha fúnebre. Eram
chamados não apenas de punks, mas de gothic-punks,
ou seja, os punks de espírito dark. E
na voz da anja, dor. Muita beleza e afinação divina. Mas dolorida. Gravaram o
primeiro disco assim, em 1982, chamado “Garlands”, onde descarregaram as mágoas
e aflições que vinham guardando desde casa, quando romperam com o Pai em busca
do reconhecimento de si mesmos.
Acontece que uma vez anjo, sempre anjo. Os desgarrados, à medida que
iam produzindo, iam também, pouco a pouco, amenizando a raiva. E, não
coincidentemente, voltando a serem cada vez mais angelicais. O bom “Head Over
Heells”, segundo deles, de um ano depois, é o meio termo entre esses dois polos
de estado evolutivo. Avançam mais um pouco no sentido da suavização e chegam já
praticamente renovados no referencial "Treasure", de 1984, que, embora lírico,
ainda guarda um pouco da densidade dark
dos anos iniciais. Já com as asas de volta, depois do astral “Victorialand”
(1986), atingem o ápice da manifestação de suas almas celestiais com “Blue Bell Knoll”. Os querubins em
questão são Elizabeth Fraser (voz), Robin Guthrie (guitarras, teclados) e Simon
Raymonde (baixo): os escoceses do Cocteau Twins.
Maduros tecnicamente e afeitos aos estúdios da 4AD, eles mesmos produzem
um álbum altamente delicado e sofisticado, bastante marcado pelas texturas
espaciais dos teclados e pelas programações de ritmo. É assim que começa a
faixa-título, numa das aberturas de disco mais belas da discografia do pop britânico dos anos 80: um ataque de
teclados que lembra o som de cravo junto com a guitarra e bateria só no bumbo e
chipô. Camadas sonoras preenchem o espaço. Não demora, subindo um tom, entra a
deslumbrante voz de Liz Fraser articulando de improviso a letra em cima de uma
melodia vocal. Já começa nesse nível. Em seguida, a bonita “Athol-Brose” antecipa
uma das melhores do disco: “Carolyn’s Fingers”, encantadora, que, se for
considerar o tema, essa tal Carolyn deve realmente ter dedos mágicos. Brit-pop clássico, com a tradicional
batida funkeada em tempo 2/3, mas com o também tradicional riff twiniano. E o mais relevante: Liz Fraser dando um show de
vocal, adicionando uma carga erudita ao pop-rock
como poucas vezes se tinha visto. Deste jeito, jamais.
Guthrie, um guitarrista de qualidade, como boa parte de sua geração (Will Sergeant, Barney Sumner, Daniel Ash, irmãos Reid) não chegava aos pés em
técnica de um Jimmy Page, Eric Clapton ou um Jeff Beck (no pós-punk, não raro o baixista era mais hábil que o guitarrista na
banda). Porém, sua criatividade para compor e aproveitar os recursos sensoriais
e de textura que as cordas lhe proporcionam é gigantesco. Foi a mente inventiva
e observadora de Guthrie que cunhou uma rica assinatura melódica para a banda.
Ele sintetizou uma espécie de “base de riffs”
para o Cocteau Twins, a qual transmite, em notas geralmente de som cintilante,
exatamente esse espírito suave e etéreo que lhes é característico. Trata-se de
uma combinação de notas em tempo 7/7 que se assemelha ao andamento de uma valsa
mas que, avaliando bem, é bastante hipnótica visto sua estrutura cíclica em
arpejo. Com essa base, Guthrie é capaz de criar infinitos riffs, infinitas combinações valendo-se da variação de tom, das
texturas, dos arranjos, dos timbres e por aí vai. Como um pintor que se vale
das mesmas tintas para pintar quadros diferentes. É tão inteligente e marcante
que pode até nem conter todas as 7 notas (6, 5 ou até 4 apenas), mas percebe-se
o mesmo esqueleto ao se ouvir. O que apareceu pela primeira vez em 1983, na
linda “Sugar Hiccup” (e que já vinha sendo já largamente usada por eles, basta
ouvir “Pandora”, do “Treasure”, ou várias de “Victorialand”), é claramente
repetido em “Carolyn’s Fingers”, na melodiosa "Suckling the Mender",
cujo arranjo vocal do refrão a faz ganhar cores orientais, e em "Spooning
Good Singing Gum", outra linda, que chega a pôr o ouvinte para voar.
O estilo Ethereal criado pelos Twins, impressionista e sofisticado, é
fruto de uma improvável mescla de pós-punk,
ambient music, new age, folclore celta e música barroco-renascentista, Isso
é evidente em "The Itchy Glowbo Blow" e noutra balada, "A Kissed
Out Red Floatboat", com seus sons espaciais e um lindo refrão, onde Liz,
em overdub, põe o tom lá em cima.
“Ella Megalast Burls Forever” é outra magnífica balada que evoca, aliás, tanto o
sentido moderno do termo (canção sentimental em andamento lento) quanto sua
acepção primeira, medieva, de uma forma de poesia lírica em estrofes. Chega a
ser litúrgica de tão elevada, pois faz vir à mente suntuosas igrejas em que o
som se propaga às alturas. Os ecos, as sobreposições e os contracantos só fazem
aumentar essa sensação.
A voz de Liz Fraser, aliás, é um caso à parte. Ela não ficou conhecida
no meio pop-rock alternativo como “a
voz de Deus” por acaso. Talvez a melhor pupila de Cathy Barberian – mas também
bastante inspirada em Meredith Monk, Joni Mitchell e nos intrincados arranjos
de voz de Philip Glass – Liz foi, desde o início dos Twins, o maior destaque da
banda. Soprano – diferente de Barberian, uma mezzo –, foi aperfeiçoando a técnica e soltando seu canto até
chegar ao status que adquiriu. A
capacidade de alcance dos agudos e a fluência pelas escalas são típicas de uma
voz treinada e, acima de tudo, emocionalmente livre. “Cico Buff”, balada ambient muito terna, e "For Phoebe
Still a Baby", cheia dos ornamentos vocais, foram escritas para que ela as
conduzisse. Até o conteúdo do que ela canta tem sentido superior quando cria
melismas e inventa palavras ininteligíveis e sem sentido semântico nenhum,
apenas experenciando a musicalidade da pronúncia e dos encadeamentos. Não é
possível – nem necessário – entender o significado, pois a música é sentida na
essência, e essa é a própria concretização da linguagem universal da arte
musical. Provavelmente, seja esse o idioma dos anjos.
Depois de “Blue...”, a sina desses anjos na Terra permaneceu no caminho
de iluminação e de cores, influenciando diretamente bandas como Lush, Stereolab, My Bloody Valentine, The Cranberries, The Moon Seven Times, entre outras. Nos anos
seguintes, vieram os também ótimos “Heaven or Las Vegas” (1990, considerado
para muitos o melhor do grupo), “Four-Calendar Café” (1993) e “Milk &
Kisses” (1998), este, o último antes da dissolução após apenas nove discos de
estúdio (contando com o em parceria com o compositor vanguardista Harold Budd,
“The Moon & The Melodies”, de 1986).
Nessa trajetória, eles viram que tinham razão quando se autoexpurgaram,
pois o mundo precisa, sim, de um pouco de Satanás para sair do conformismo e
quebrar barreiras. O Diabo, afinal, é o pai do rock. Mas compreenderam,
igualmente, que havia uma inquestionável beleza naquilo que Gabriel representava
– e que ele não era o chato como eles pintavam. Foi em “Blue Bell Knoll” que aprenderam
isso e a não fugirem de seus próprios destinos, e que aceitar e elaborar suas
próprias naturezas era o caminho mais acertado. Isso vale tanto para anjos
quanto para pessoas. Quem sabe, então, não foi este, desde o início, o designo
divino aos Twins quando vieram em missão: ensinar aos humanos que o importante
é seguir o próprio coração?
vídeo de "Carolyn's Fingers" - Cocteau Twins
************
FAIXAS:
1. "Blue Bell
Knoll" - 3:24
2.
"Athol-Brose" - 2:59
3. "Carolyn's
Fingers" - 3:08
4. "For Phoebe
Still a Baby" - 3:16
5. "The Itchy
Glowbo Blow" - 3:21
6. "Cico
Buff" - 3:49
7. "Suckling the
Mender" - 3:35
8. "Spooning Good
Singing Gum" - 3:52
9. "A Kissed Out
Red Floatboat" - 4:10
10. "Ella Megalast Burls Forever" - 3:39
todas as composições de autoria
de Fraser, Guthrie e Raymonde.
por Daniel Rodrigues
sábado, 18 de agosto de 2012
Massive Attack - Mezzanine (1998)
"O Massive Attack nunca foi uma banda convencional."
Robert Del Naja
Conheci o Massive Attack com o clipe de “Teardrop” na MTV. Fã
que sou de Cocteau Twins, fiquei fascinado com aquela combinação da voz
angelical de Liz Fraser com a batida eletrônica sutil e a melodia delicada da
canção. Descobrindo que a música fazia parte do álbum “Mezzanine”, tratei de
comprá-lo o quanto antes. Para minha agradável surpresa, ouvindo o álbum,
chegava então à conclusão que a excelente “Teardrop” não era a melhor coisa que
aquele disco tinha. A começar por “Angel”, que abre o disco, com seu ar
misterioso, atmosfera árabe, vocal meio sussurrado, iniciando suavemente até
incendiar-se com uma furiosa e estrepitosa guitarra que dá corpo à canção da metade
para o final.
O disco todo é meio que mergulhado em climas orientais
arábicos e a ótima “Innertia Creeps” com sua percussão bacanérrima e a
faixa-título do álbum, “Mezzanine”, repetem esta característica de forma bem
marcante. Mas o disco é um festival de estilos, influências e colagens e dentro
disso, cores reggae aparecem sutilmente combinadas ao vocal hip-hop de
“Risingson”; mais fortes no baixo grave de “Dissolved Girl”, e mais evidentes
na condução da ótima “Man Next Door”, que conta com samples de The Cure e Led Zeppelin; já “Exchange”, esta com trecho sampleado de Isaac Hayes, é um
adorável cool jazz charmoso com a marca da sofisticação sonora do grupo.
Liz Fraser volta a aparecer em duas faixas, “Black Milk”,
canção lenta em que divide os vocais com um dos vocalistas do Massive, Rober
Del Naja; e na excelente “Group Four” uma espécie de pesadelo crescente,
intensa, forte, de vocal envolvente e enfeitiçante de tirar o fôlego. Para
recuperá-lo, antes de encerrar o disco, “(Exchange”) retorna só para dar aquele
último gostinho e aquela relaxada final para terminar com uma sensação gostosa.
Um ótimo disco de uma banda que sempre fez discos no mínimo
interessantes mas sofria constantemente com problemas internos. Na época do
“Mezzanine’ conta inclusive que os integrantes mal se falavam. Pode? Nem mesmo
sei como é que um grupo que brigava tanto conseguiu produzir pérolas como foram
especialmente o ótimo "Blue Lines" e este, também excelente, “Mezzanine”.
***********************************************
FAIXAS:
- "Angel" - 6:18
- "Risingson" - 4:58
- "Teardrop" - 5:29
- "Inertia Creeps" - 5:56
- "Exchange" - 4:11
- "Dissolved Girl" - 6:07
- "Man Next Door" - 5:55
- "Black Milk" - 6:20
- "Mezzanine" - 5:54
- "Group Four" - 8:13
- "(Exchange)" - 4:08
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Cocteau Twins - "Treasure" (1984)
“A voz de Deus”
como a imprensa britânica,
entusiasticamente apelidou
Liz Fraser quando do aparecimento da banda
Em “Head Over Heels”, segundo álbum o caminho começava a ser
encontrado, as programações ainda estavam lá e ainda soavam frias, os climas
ainda eram sombrios, mas já se notava uma evolução compositiva significativa e
sobremaneira uma maior leveza na condução da vocalista, de evidente capacidade até então subexplorada. Mas era então em “Treasure”, de 1984, que o milagre acontecia e
aquela abertura de álbum, com a voz semi-soprano de Liz Fraser surgindo doce e
frágil, como que levantando do horizonte, anunciava que os Cocteau Twins
encontravam o caminho que seguiriam dali para frente com cada vez maior apuro e
perfeição técnica, desenvolvendo como nenhuma outra banda uma música de climas
etéreos, incorpóreos, imateriais.
Com uma bela levada de violão à espanhola , “Ivo” tem uma
interpretação envolvente e apaixonada de Fraser, fazendo nos refrões algo
parecido com pequenos e graciosos soluços. “Lorelei” que a segue é alegre, fresca, cheia de sinos e
pirilampos, enfeitando suas variações e brincadeiras vocais. Num clima todo
clerical, “Beatrix”, com seus teclados sacros sobre uma notável linha de baixo
de Simon Raymonde, traz a voz de Liz Fraser no máximo de seu potencial
operístico, nesta que é uma das canções mais arrepiantes do disco.
Num álbum cujas canções levam títulos que remetem a seres
fantásticos, lendas celtas ou personagens mitológicos, “Persephone” (a deusa
dos mundos inferiores na mitologia grega) é uma pequena viagem ao inferno, lembrando
muito a sonoridade do primeiro disco, “Garlands”, com programação de bateria
dura, forte, pesada, marcada, indesmentivelmente eletrônica, mas aqui
claramente com uma intenção formal mais consolidada. Montando uma atmosfera
toda sombria e claustrofóbica, somados à batida fria, a guitarra de Robin Guthrie
aparece mais ruidosa que nunca, o baixo de Raymonde cria uma espécie de camada
sonora e Liz Fraser canta desesperada e angustiadamente, no limite entre o belo
e o trágico.
“Pandora”, a outra deusa grega do disco, ao contrário da anterior, é como uma brisa amena, como uma fonte de água cristalina, como uma
chuva de verão, tal a leveza da guitarra de Guthrie e a beleza dos vocais
sobrepostos, ecoados e misturados de Fraser, cantando versos ininteligíveis,
palavras inexistentes ou meras vocalizações de sonoridade interessante.
Num fado valseado que caracterizaria bem o som da banda dali
para a frente, “Amelia”, apaixonante, traz mais uma interpretação de tirar o
fôlego de Miss Fraser, cantarolando sem letra e explorando toda sua capacidade praticamente de cantora clássica.
“Cicely” é mais crua, com a bateria eletrônica soando dura;
“Aloysius” tem uma bela melodia de escala decrescente de guitarra; e a nebulosa “Otterley”
é praticamente sussurrada sobre leves dedilhados de violão, antecipando a
sonoridade que seria tônica no trabalho seguinte, “Victorialand”.
“Donimo” anuncia o final do com a voz de Liz emergindo com
uma doçura incrível, depois florescendo em sons até atingir um êxtase de
emoção num final mais que digno para um disco como este.
Embora a banda não morra de amores pelo álbum, penso que a
partir dele é que o trio escocês escreveu seu nome na história do rock com uma
linguagem absolutamente singular. Muitos trabalham essa linha etérea, muitos a
linha pop-lírico, alguns se parecem, alguns tantos como Lush, Bat for Lashes,
St. Vincent, The Moon Seven Times, surgiram por causa deles; mas nenhum deles conseguiu colocar todos os ingredientes de melancolia, beleza, dramaticidade,
paixão, dor, magia, juntos com tamanha perfeição como os Cocteau Twins. E isso,
aliado à unidade sonora que conseguem, a essa assinatura inconfundível que criaram
no universo pop, somando-se à voz de qualidades únicas e incomparáveis de Liz
Fraser, garante a eles seu lugar de respeito no mundo da música e o de
“Treasure” entre os FUNDAMENTAIS.
FAIXAS:
- "Ivo" – 3:53
- "Lorelei" – 3:43
- "Beatrix" – 3:11
- "Persephone" – 4:20
- "Pandora (for Cindy)" – 5:35
- "Amelia" – 3:31
- "Aloysius" – 3:26
- "Cicely" – 3:29
- "Otterley" – 4:04
- "Donimo" – 6:19
*****************************************
Ouça:
terça-feira, 21 de julho de 2009
Coluna dEle #10
Hoje no ClyBlog é dia da coluna de... do... vocês sabem de quem.
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"Cheguei! Estou no paraíso", como diria o Compadre Washington. E Eu estou literalmente (hehehe).
E aí, tudo na boa?
Feliz Dia do Amigo atrasado pra toda a galera aí embaixo. Atrasado, mas sincero. Apesar de muita gente ficar achando que Eu não ligo pra vocês, "que tipo de Pai é esse que abandona seus filhos numa hora dessas?" e outras choradeiras, eu queria dizer que tenho todos vocês no meu coração e que não dá pra ficar interferindo em tudo a toda hora e não é por não ficar salvando o pescoço de vocês a todo momento que Eu deixo de ser parceiro.
*******************************************
Vi a alguns dias neste blog uma tal de uma lista dos 100 melhores discos de todos os tempos escolhidos pelo blogueiro.
Esse cara deve estar de pilha! Deve estar de sacanagem comigo.
Jesus and Mary Chain como melhor? O negócio parece uma furadeira elétrica enguiçada e o cara Me põe esta... esta... coisa, pra não dizer algo pior, no topo da lista. Ah, larguei! Sem falar que os caras ainda põe no meio da história o nome do meu guri e da minha patrôa.
Não posso deixar de concordar com os Stones, com o Nirvana, com os Led, mas com todo o respeito, colocar o veadinho do Prince entre os 10, não dá pra agüentar.
Bom, vou parar de meter o pau na lista dos outros e apresentar a minha.
Com vocês...
OS 10 MELHORES dELE
Com vocês...
OS 10 MELHORES dELE
1. The Beatles "White Album"
(Cara, Eu tenho o "Álbum Branco" original da época. Bolachão pesado, sabe? Puts! Os Beatles foram os caras que eu botei no mundo pra fazer o que Eu faria se tivesse uma banda de rock)
2. Rolling Stones "Beggars Banquet"
2. Rolling Stones "Beggars Banquet"
3. Pink Floyd "The Darkside of the Mooon"
(Essa eu tenho que concordar com o blogueiro. Mas também, desse acho que não tem cristão que não goste)
4. Michael Jackson "Thriller"
(Todo mundo tem esse disco, vocês acham que Eu não teria?)
5. Madonna "Like a Prayer"
(Não só por ter o nome da Minha Senhora, mas o disco é bom pacas. O título também ajuda pra Eu gostar. Tem toda aquela coisa de cruzes, clipe com igreja, santo preto e tal. A loira é foda)
6. Jimmy Hendrix "Electric Ladyland"
7. Muddy Waters "Fathers and Sons"
(Nesse eu apareço na capa NEGÃO e criando o homem. Hehehe! Bárbaro! Mas não só pela capa, o disco é demais mesmo!)
8. Stan Getz e João Gilberto "Getz/Gilberto"
(Esse é pra baixar a rotação. A interpretação do João é de levar às nuvens. E o que são aqueles solos do Getz, hein? Simplesmente divinos!)
9. Cream "Fresh Cream"
(Olha, diziam na época que Eric Clapton era Deus. Eu sei que ele não é por que Eu sou, mas que o disco é bom pra caralho, é)
10. Cocteau Twins "Heaven or Las Vegas"
(Eu só dei pra uma mortal uma voz que representasse a Minha celestialidade na Terra e esta mortal é a Liz Fraser. "A voz de Deus")
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Até a próxima, galera!
Isso se a minha coluna for mantida depois das minhas divergências musicais com o dono do blog.
Abraços.
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Palpites, reclamações, pitacos, opiniões e discordâncias sobre a lista,
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