Júri de Longas Gaúchos: ao lado das colegas Gabi e Keyti
Minha proximidade e intimidade com o Festival de Cinema de Gramado vem numa crescente desde que passei a, ainda na pandemia, a participar mais ativamente daquele que é o maior festival de cinema do Brasil. Se em outros anos compus Júri da Crítica, comissão de seleção de curtas-metragens brasileiros e, nas duas últimas edições, o júri do Prêmio Accirs, que revela o prêmio da crítica para a Mostra Gaúcha de Curtas-Metragens no Prêmio Assembleia Legislativa, ocorrido durante o evento, desta vez a experiência foi ainda mais completa. Segunda edição à frente da Accirs e primeira em tempo integral, desta vez minha participação foi para a composição do júri de longas gaúchos.
Juntamente com minhas queridas colegas, a gaúcha Gabrielle Fleck, atriz e produtora gaúcha baseada em Los Angeles, Estados Unidos, e Keyti Souza, produtora executiva baiana, formamos um júri coeso e harmonioso. E principal: saímos os três satisfeitos com o resultado de nossa deliberação, que distribuiu de forma meritocrática Kikitos para todos os cinco filmes da mostra.
Afora essa incumbência, claro, também integrei, assim como no ano passado, o nosso querido júri do Prêmio Accirs na 22º Prêmio Assembleia Legislativa – Mostra Gaúcha de Curtas no primeiro final de semana. Ao lado dos colegas Mônica Kanitz, Paulo Casanova, Roger Lerina, Cristian Verardi e Ivana Almeida da Silva, premiamos com certificado o filme “Gambá”, dirigido por Maciel Fischer, o qual tive novamente a alegria de entregar no palco do Palácio dos Festivais. Outro orgulho também foi a presença preta nos júris do festival, uma vez Keyti e eu estivemos acompanhados das ilustres Fernanda Lomba, Dríade Aguiar, Isabel Fillardis e Polly Marinho. O registro, pode-se dizer, resultou numa foto histórica para o festival de Gramado.
Entregando o Prêmio Accirs para o curta gaúcho "Gambá"
Mas o bom mesmo de festival de filmes é ver... filmes! Ao todo, assisti 45 deles, entre documentários, curtas e longas, dentre estes, “O Último Azul”, vencedor do Urso de Prata em Berlim que fez sua pré-estreia em Gramado. Da programação geral, o destaque realmente fica por conta dos longas brasileiros, praticamente 100% de acerto, a não ser o fraco “Querido Mundo” (RJ), de Miguel Falabella, um “Sai de Baixo” cinematográfico esquizofrênico e indeciso entre a linguagem do cinema e do teatro.
Afora este, só filmes de alto nível, como os ótimos “Cinco Tipos de Medo”(MT), grande vencedor do 53º Festival de Cinema de Gramado (levou para casa quatro Kikitos: Melhor Filme, Melhor Roteiro e Melhor Montagem para Bini, além do prêmio de Melhor Ator Coadjuvante paraXamã), “Nó” (PR) e “A Natureza das Coisas Invisíveis” (DF), meu preferido da mostra. Já as outras mostras foram bastante mais inconstantes. A de documentários brasileiros, por exemplo, continha filmes mais fracos que alguns da mostra de longas metragens gaúchos, tal “Uma em Mil” ou o grande vencedor, “Quando a Gente Menina Cresce”, melhores que qualquer um dos candidatos nacionais.
Momento histórico dos jurados pretos em Gramado: eu com Fernanda Lomba, Dríade Aguiar, Keyti, Isabel Fillardis e Polly Marinho
Na mostra de curtas nacionais, idem. A seleção trouxe um conjunto mais fraco em relação ao do ano passado, o mesmo para com os curtas gaúchos. O que talvez explique seja a enxurrada de inscrições justificada este ano por conta das produções realizadas a partir das leis de incentivo, como a Paulo Gustavo, que faz aumentar o número de filmes, mas não necessariamente de filmes bons, uma vez que dá espaço para realizadores ainda imaturos cinematograficamente falando. Melhor assim do que os recentes anos de falta de incentivo e negacionismo.
Chamou atenção, por fim, os vários filmes de criança nas diferentes categorias, tipo de temática não tão corrente no cinema brasileiro. Dos curtas gaúchos, os ótimos “Gambá”, laureado por nós da Accirs, e “Trapo”, grande vencedor da Mostra Gaúcha, são quase filmes irmãos, tamanha semelhança narrativa e temática. Ambos tratam do universo infantil e trazem, ludicamente, questões como amadurecimento, medos e anseios. Entre os longas gaúchos, outro filme nesta linha: o já mencionado “Quando...”, que trata sobre a passagem da infância para a adolescência de meninas na fase da primeira menstruação.
Nos curtas e longas brasileiros, idem. O curta paranaense “Quando Eu For Grande”, sobre um menino que volta para casa com sua mãe após uma visita ao pai e ao irmão na prisão, carregando dúvidas e incertezas sobre o futuro, e o longa candango “A Natureza...”, que trata da relação de duas meninas na faixa dos 10 anos, são exemplares.
A clássica foto final com os premiados
Ademais, confiram, então, os premiados da edição de 2025. Ano que vem tem mais.
🎥🎥🎥🎥🎥🎥🎥🎥🎥🎥
LONGAS-METRAGENS BRASILEIROS
Melhor Filme: "Cinco Tipos de Medo", de Bruno Bini
Melhor Direção: Laís Melo, por “Nó”
Melhor Ator: Gero Camilo, por “Papagaios”, de Douglas Soares
Melhor Atriz: Malu Galli, por "Querido Mundo", de Miguel Falabella
Melhor Roteiro: Bruno Bini, por "Cinco Tipos de Medo"
Melhor Fotografia: Renata Corrêa, por "Nó", de Laís Melo
Melhor Montagem: Bruno Bini, por "Cinco Tipos de Medo"
Melhor Trilha Musical: Alekos Vuskovic, por "A Natureza das Coisas Invisíveis", de Rafaela Camelo
Melhor Direção de Arte: Elsa Romero, por "Papagaios", de Douglas Soares
Melhor Atriz Coadjuvante: Aline Marta Maria, por "A Natureza das Coisas Invisíveis", de Rafaela Camelo
Melhor Ator Coadjuvante: Xamã, por "Cinco Tipos de Medo", de Bruno Bini
Melhor Desenho de Som: Bernardo Uzeda, Thiago Sobral e Damião Lopes, por "Papagaios", de Douglas Soares
Prêmio Especial do Júri: "A Natureza das Coisas Invisíveis", de Rafaela Camelo
Menção Honrosa: "Sonhar com Leões", de Paolo Marinou-Blanco
Melhor Filme pelo Júri Popular: "Papagaios", de Douglas Soares
Melhor Filme pelo Júri da Crítica: "Nó", de Laís Melo
Xamã, premiado como Melhor Ator Coadjuvante por seu papel e "Cinco..."
CURTAS-METRAGENS BRASILEIROS
Melhor Filme: “FrutaFizz”, de Kauan Okuma Bueno
Direção: Adriana de Faria, por “Boiuna”
Ator: Pedro Sol Victorino, por “Jacaré”
Atriz: Jhanyffer Santos e Naieme, por “Boiuna”
Roteiro: Ítalo Rocha, por “Réquiem para Moïse”
Fotografia: Thiago Pelaes, por “Boiuna”
Montagem: Lobo Mauro, por “Samba Infinito”
Trilha Musical: As Musas, por "As Musas"
Direção de arte: Ananias de Caldas e Brian Thurler, por “Samba Infinito”
Desenho de som: Marcelo Freire, por “Jeguatá Xirê”
Prêmio Especial do Júri: "Aconteceu a Luz da Lua", de Crystom Afronário
Menção Honrosa: "Quando Eu For Grande", de Mano Cappu
Prêmio Júri da Crítica: “O Mapa em que Estão Meus Pés”, de Luciano Pedro Jr.
Prêmio Canal Brasil de Curtas: “Na Volta Eu Te Encontro”, de Urânia Munzanzu
Melhor Filme Júri Popular: “Samba Infinito”, de Leonardo Martinelli
"Frutafrizz", melhor curta brasileiro no 53º Festival de Gramado
LONGAS-METRAGENS DOCUMENTAIS
Melhor Longa-metragem Documentário: “Lendo o Mundo", de Catherine Murphy e Iris de Oliveira
Menção Honrosa Documentário: "Para Vigo Me Voy!", de Lírio Ferreira e Karen Harley
O doc sobre Paulo Freire e seu método de ensino levou o principal Kikito na categoria
LONGAS-METRAGENS GAÚCHOS - MOSTRA SEDAC/IECINE
Melhor Filme: “Quando a Gente Menina Cresce”, de Neli Mombelli
Direção: Jonatas e Tiago Rubert, por “Uma em Mil”
Ator: Stephane Brodt, por “Passaporte Memória”
Atriz: Lara Tremouroux, por “Passaporte Memória”
Roteiro: Jonatas e Tiago Rubert, por “Uma em Mil”
Fotografia: Bruno Polidoro, por “Bicho Monstro”
Direção de arte: Gabriela Burck, por “Bicho Monstro”
Montagem: Joana Bernardes e Thais Fernandes, por “Uma em Mil”
Desenho de som: Rodrigo Ferrante e André Tadeu, por “Rua do Pescador n° 6”
Trilha musical: Renato Borghetti, por “Rua do Pescador n° 6”
Menção Honrosa: para o elenco feminino de "Quando a Gente Menina Cresce"
Melhor Filme pelo Júri Popular: “Quando a Gente Menina Cresce”, de Neli Mombelli
Prêmio Iecine Destaque: “Um é Pouco Dois é Bom”, de Odilon Lopez (recebido por Vanessa Lopez)
Prêmio Iecine Inovação: Victor Di Marco e Marcio Picoli
Prêmio Leonardo Machado: Araci Esteves
Prêmio Iecine Legado: Gustavo Spolidoro
Prêmio Sirmar Antunes: Glória Andrades
O belo "Quando...": merecia estar na mostra nacional
MOSTRA GAÚCHA DE CURTAS - PRÊMIO ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
Melhor filme: ‘Trapo’
Melhor direção: Viviane Jag Fej Farias e Amalia Brandolff (‘Fuá – O Sonho’)
Melhor atriz: Mikaela Amaral, por‘Bom Dia, Maika!'
Melhor ator: Igor Costa, por ‘O Pintor’
Melhor roteiro: Cássio Tolpolar, por ‘Imigrante/Habitante’
Melhor fotografia: Takeo Ito, por ‘Gambá’
Melhor direção de arte: Clara Trevisan, por ‘Mãe da Manhã’
Melhor trilha sonora/música: Zero, por ‘Bom Dia, Maika!’
Melhor montagem: Alfredo Barros, por ‘Imigrante/Habitante’
Melhor figurino: Samy Silva, por ‘A Sinaleira Amarela’
Melhor edição de som/desenho de som: Vini Albernaz, por ‘Mãe da Manhã’
Melhor produção/produção executiva: Renata Wotter, por ‘O Jogo’
Melhor filme - Prêmio Accirs - Júri da Crítica: ‘Gambá’
"Trapo", um dos filmes de criança do festival, levou o troféu de Curta Gaúcho
Coutinho dirige e atua em seu "Cabra...", um dos 10 maiores e um dos 5 filmes do diretor na lista
Chegamos, enfim, ao momento mais aguardado: o final do nosso especial “Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes”. Ou melhor, o início, já que seguimos uma ordem numeral inversa, partindo dos últimos da lista para, agora, os primeiros. Chegou a hora de dar fim a um dos conteúdos especiais alusivos aos 15 anos do Clyblog em 2023, iniciada em abril e publicado em cinco partes ano longo dos meses. Nossa proposta foi trazer aqui, de forma criteriosa e misturando noções de crítica e história do cinema com preferências pessoais, títulos que representassem o cinema brasileiro neste corte temporal. E justamente num ano em que o cinema brasileiro completou 125 de nascimento segundo a efeméride oficial. O que não invalida a nossa intenção, a qual teve como referência, se não a gênese da produção cinematográfica nacional, em 1898, outro marco inconteste para a história da cultura audiovisual sul-americana, que é a exibição do mais antigo filme brasileiro preservado: “Os Óculos do Vovô”, de 1913.
Embora as corriqueiras e até salutares ausências (afinal, listas servem muito para que outras também sejam compostas), o que se viu aqui ao longo da extensa classificação foram títulos da maior importância e qualidade daquilo que foi produzido no cinema do Brasil neste mais de um século. De produções clássicas, passando pela fase muda, os alternativos, o cinema da atualidade aos sucessos de bilheteria. Num país de dimensão continental, houve trabalhos do Norte ao Sul, com representantes de seis estados da nação: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia. Entre as décadas, leva pequena vantagem os anos 60 sobre os 80 e 2000, com 25, 24 e 23 títulos respectivamente, dando uma boa ideia dos períodos de maior incentivo à produção
Diretores consagrados e filmes marcantes para a cinematografia brasileira e mundial também percorreram a listagem de cabo a rabo. Nomes como Glauber Rocha, Cacá Diegues, Hector Babenco, Kléber Mendonça Filho, Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos, Eduardo Coutinho e Joaquim Pedro de Andrade se fizeram presentes de forma consistente e todos com mais de um título, provando sua importância basal para a concepção formativa do cinema brasileiro. Glauber, maior cineasta brasileiro, encabeça, com seis filmes, seguido de Coutinho, com cinco, e Nelson, Leon e Babenco, com quatro cada. Porém, os novatos, nem por isso deixaram de também demarcarem seus espaços, feito talvez ainda mais louvável uma vez que, com pouco tempo de realização, já figuram entre os grandes. Caio Sóh, com “Canastra Suja”, de 2018, (107º colocado), Gustavo Pizzi, de “Benzinho”(2018), e Gabriel Martins, com “Marte Um”, de 2022 (79º) estão aí para provar.
Katia, uma das 7 cineastas mulheres: pouca representatividade
Embora em menor número, as diretoras não deixam de contribuir com seu talento ímpar. Kátia Lund (com duas co-direções, junto a Fernando Meirelles e a João Moreira Salles), Anna Muylaert, Daniela Thomas (“Terra Estrangeira”, com Walter Salles Jr.), Sandra Kogut, Laís Bodanzky, Tatiana Issa e Suzana Amaral formam o time de sete cineastas mulheres, que dão um pouco de diversidade à lista. Muito a se evoluir? Sim. Representatividades negras, LGBTQIAPN+ e indígenas aparecem de maneira periférica, até superficial, consequência natural participação de tais minorias na economia cultural brasileira ao longo da história. Quem sabe, daqui a mais uns anos não se precise demorar tanto mais para que se incluam definitivamente entre os essenciais do cinema brasileiro?
Outro recorte que vale ser frisado são os documentários, que se estendem por todas as postagens dessa série. Além de contarem com um dos dois mais representativos realizadores, Coutinho, rivalizam muito bem com as ficções, totalizando nada mais nada menos que 13 títulos neste formato, 11,8% do geral. Enfim, análises que podem se deduzir a uma coleção de filmes tão interessantes e simbólicos de uma nação, aqui representados por aqueles mais bem colocados e, de certa forma, mais significativos. Por isso, diferentemente do que vínhamos procedendo até então, ao invés de comentarmos apenas de 5 e 5, todos desta vez merecem algumas palavras. Afinal, eles podem se vangloriar de serem os 10 melhores filmes brasileiros de todos tempos. Ao menos, nesta singela e propositiva seleção.
.
************
10.“Pixote, A Lei do Mais Fraco”, Hector Babenco (1980)
Babenco chega à maturidade de seu cinema e faz o até hoje melhor trabalho de sua longa e regular filmografia. Com ar de documentário, toma forma de um drama realista e trágico, trazendo à tona mais uma mazela da sociedade brasileira: a desassistência político-social às crianças e a violência urbana. O pequeno Fernando, que, ao interpretar Pixote, faz bem dizer ele mesmo, nos emociona e nos entristece. Marília está num dos papeis mais espetaculares da história. Indicado ao Globo de Ouro e vencedor do New York Film Critics Circle Awards (além de Locarno e San Sebastian), é considerado dos filmes essenciais dos anos 80 no mundo.
09.“Eles não Usam Black Tie”, Leon Hirszman (1981)
Como um “Batalha de Argel” e “Alemanha Ano Zero”, é uma ficção que se mistura com a realidade, e neste caso, por vários fatores. Adaptação para o cinema da peça dos anos 50 de Gianfrancesco Guarnieri sobre uma greve e a repressão política decorrente, transpõe para a realidade da época do filme, de Abertura Política e ânsia pela democracia, retratando as greves no ABC Paulista. E ainda: tem o próprio Guarnieri como ator, que, segundo relatos, codirigiu o filme. Filme lindo, que remete a Eisenstein e Petri. Música original da peça de 58 de autoria de Adoniran Barbosa. Prêmio do Júri em Veneza.
08. ”Cabra Marcado para Morrer”, Eduardo Coutinho (1984)
Mestre do documentário mundial, Coutinho não se entregava mesmo quando parecia impossível. “Cabra...”, um dos maiores filmes do gênero, é um documentário do documentário. Interrompido em 1964 pelo governo militar, narra a vida do líder camponês João Pedro Teixeira e teve suas filmagens retomadas 17 anos depois, introduzindo na narrativa os porquês da lacuna. Premiado na Alemanha, França, Cuba, Portugal e Brasil, onde conquistou Gramado e FestRio.
07. “Cidade de Deus”, Fernando Meirelles e Kátia Lund (2002)
Talvez apenas “Ganga Bruta”, “Rio 40 Graus”, “Terra em Transe” e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” se equiparem em importância a “Cidade...” para o cinema nacional. Determinador de um “antes” e um “depois” na produção audiovisual não apenas brasileira, mas daquela produzida fora dos grandes estúdios sem ser relegada à margem. Pode-se afirmar que influenciou de Hollywood a Bollywood, ajudando a provocar uma mudança irreversível nos conceitos da indústria cinematográfica mundial. Ou se acha que "Quem quer Ser um Milionário?" existiria para o resto do mundo sem antes ter existido "Cidade..."? O cineasta, bem como alguns atores e técnicos, ganharam escala internacional a partir de então. Tudo isso, contudo, não foi com bravata, mas por conta de um filme extraordinário. Autoral e pop, “Cidade...” é revolucionário em estética, narrativa, abordagem e técnicas. Entre seus feitos, concorreu ao Oscar não como Filme Estrangeiro, mas nas cabeças: como Filme e Diretor (outra porta que abriu). Ao estilo Zé Pequeno, agora pode-se dizer: "Hollywood um caralho! Meu nome agora é cinema brasileiro, porra!".
06. “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, Roberto Santos (1965)
Uma joia meio esquecida. Leonardo Villar, de novo ele, faz o papel principal, que ele literalmente encarna. Baseado no conto-novela do Guimarães Rosa, é daquelas adaptações ao mesmo tempo fiéis mas que souberam transportar a história pra outro suporte. Obra-prima pouco lembrada.
05. "O Cangaceiro”, Lima Barreto (1953)
No nível do que Nelson Pereira faria com Jorge Amado e Ruy com Chico Buarque anos mais tarde, Lima Barreto teve a o privilégio de contar com diálogos escritos por Raquel de Queiroz. O que já seria suficiente ainda é completado por um filme de narrativa e condução perfeitas, com uma trilha magnífica, figurinos de Carybé, uma fotografia impecável e enquadramentos referenciados no Neo-Realismo de Vittorio De Sica e no western norte-americano de John Ford. O precursor do faroeste brasileiro ao recriar sua atmosfera e signos à realidade do nordeste. Se "Bacurau" foi aplaudido de pé em Cannes 66 anos depois, muitas dessas palmas devem-se a "O Cangaceiro", onde o filme de Barreto já havia emplacado o prêmio de Melhor Filme de Aventura e uma menção honrosa pela trilha sonora. Primeiro filme nacional a ganhar prestígio internacional, também levou os prêmios de Melhor filme no Festival de Edimburgo, na Escócia, Prêmio Saci de Melhor Filme (O Estado de S. Paulo) e Prêmio Associação Brasileira de Cronistas Cinematográficos.
04. “Limite”, Mário Peixoto (1930)
Scorsese apontou-o como um dos mais importantes filmes do séc. XX, tanto que o restaurou e para a posteridade pela sua World Cinema Foundation. David Bowie escolheu-o como o único filme brasileiro entre seus dez favoritos da América Latina. Influenciado pelas vanguardas europeias dos anos 20, Peixoto, que rodou apenas esta obra, traz-lhe, contudo, elementos muito subjetivos, que potencializam sua atmosfera experimental. Impressionantes pelo arrojo da fotografia, da montagem, da concepção cênica. Considerado por muitos o melhor filme brasileiro de todos os tempos. Um cult.
03. “Vidas Secas”, Nelson Pereira dos Santos (1963)
Genial. Precursor em muitas coisas: fotografia seca, roteiro, cenografia, atuações. Daquelas adaptações literárias tão boas quanto o livro, ouso dizer. Tem uma das cenas mais tristes do cinema mundial, a do sacrifício da cachorra Baleia. Limite também entre Neo-Realismo e Cinema Novo. Indicado a Palma de Ouro. Aula de cinema.
02. “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, Glauber Rocha (1963)
A obra-prima do Cinema Novo, um dos maiores filmes do século XX. De tirar o fôlego. Sobre este, reserva-se o direito de um post inteiro, escrito no blog de cinema O Estado das Coisas em 2010. Mais recentemente, este marcante filme de Glauber mereceu outra resenha, esta no Clyblog.
1º."O Pagador de Promessas", Anselmo Duarte (1960)
Com absoluta convicção, o melhor de todos os tempos no Brasil. Perfeito do início ao fim: fotografia, atuações, roteiro, trilha, edição, cenografia. Obra de Dias Gomes transposta para a tela com o cuidado do bom cinema clássico. Brasilidade na alma, das mazelas às qualidades. Cenas inesquecíveis, final arrepiante. E tem um dos papeis mais memoráveis do cinema: Leonardo Villar como Zé do Burro. E ainda é um Palma de Ouro em Cannes que venceu Antonioni, Pasolini e Buñuel. Tá bom pra ti? Irretocável.
O novíssimo "Marte Um" já figurando na lista dos melhores da história
A lista dos 110 filmes dos 110 anos de cinema brasileiro continua. Nesta segunda parte, na ordem decrescente iniciada da última posição, são mais 20 títulos, e a diversidade e criatividade típicas do cinema nacional se fazem cada vez mais presentes. Obras marcantes da retomada, como “Bicho de Sete Cabeças” e “O Invasor” convivem com clássicos combativos do cinema novo (“O Desafio”), documentários de décadas distintas (“Partido Alto”, dos anos 70, e “Jorge Mautner, O Filho do Holocausto” e “O Fim e o Princípio”, anos 2010) e longas recentíssimos. Entre estes, “Marte Um”, o mais novo de toda a lista, que precisou de menos de um ano de lançamento para carimbar seu lugar ao lado de consagradas chanchadas ou de produções inovadoras, tal o experimental "A Margem" e “A Velha a Fiar”, primeiro “videoclipe” do Brasil em que o tarimbado Humberto Mauro ilustra a canção popular de mesmo nome do Trio Irakitã.
A ausência, pelo menos neste novo recorte, são os filmes dos anos 80, que geralmente pipocam entre os escolhidos, mas que certamente virão mais adiante. Interessante perceber que cineastas mundialmente consagrados como Babenco, Karim e Coutinho se emparelham com novos realizadores como os jovens Gabriel Martins e Gustavo Pizzi. Tradição e renovação. Fiquemos, então, com mais uma parte da listagem que a gente traz como uma das celebrações pelos 15 anos do Clyblog.
************
90.“A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água”, Walter Avancini (1978)
Possivelmente, em algum momento o brasileiro viu uma cena em que Paulo Gracindo bebe um martelinho num boteco pensando que fosse cachaça e, indignado com a enganação, grita: “Água!”. A palavra ecoa enquanto a imagem congela e uma música brasileiríssima divina começa a tocar anunciando os créditos iniciais. Tanto quanto uma cena como a da nudez na praia de Norma Bengell em “Os Cafajestes” ou da operação do Bope no baile funk em “Tropa de Elite”, este começo do “teledrama” baseado no conto de Jorge Amado tem ainda a primazia de ser uma obra feita para a televisão, o que a coloca em tese em inferioridade diante do comum 35mm do cinema. Mas a questão instrumental não interfere neste média absolutamente brilhante dirigido por Avancini. Atuações e diálogos memoráveis, arte primorosa, ritmo perfeito, figurino geniais de Carybé, trilha magnífica de Dori Caymmi. Não à toa deu um dos Emmy conquistados pela TV Globo.
89. “O Invasor”, de Beto Brant (2001) 88. “O Desafio”, Paulo César Saraceni (1965) 87. “Jorge Mautner, O Filho do Holocausto”, Pedro Bial e Heitor d'Alincourt (2013) 86. “Dzi Croquetes”, Tatiana Issa, Raphael Alvarez (2005) 85. “Dois Filhos de Francisco”, Breno Silveira (2005)
84, “Partido Alto”, Leon Hirszman (1976-82)
83. “Eu, Tu, Eles”, de Andrucha Waddington (2000)
82. “O Xangô de Baker Street”, de Miguel Faria Jr. (2001)
81. “O Homem do Sputnik”, Carlos Manga (1959)
80.“Bicho de Sete Cabeças”, Laís Bodanzky (2000)
Da leva do início dos 2000, que sinalizam o começo do fim da retomada. Símbolo desta fase, “Bicho...” é um dos filmes que denotaram que o cinema brasileiro saíra da pior fase e entrava numa outra nova e inédita. Além de lançar a cineasta e o hoje astro internacional Rodrigo Santoro, conta com uma estética e edição arrojadas, com sua câmera nervosa e atuações marcantes, tanto a do jovem protagonista quanto dos tarimbados Othon Bastos e Cássia Kiss. Vários prêmios: Qualidade Brasil, Grande Prêmio Cinema Brasil, Troféu APCA de "Melhor Filme", além de ser o filme mais premiado dos festivais de Brasília e do Recife. Ainda, está nos 100 da Abracine. Trilha de André Abujamra e com músicas de Arnaldo Antunes.
79. “Marte Um”, Gabriel Martins (2022)
78. “Madame Satã”, de Karim Ainouz (2002)
77. “Babilônia 2000”, Eduardo Coutinho (2001)
76. “Benzinho”, Gustavo Pizzi (2018)
75. “A Margem”, Ozualdo Candeias (1967)
74. “Estômago”, de Marcos Jorge (2007)
73. “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”, Hector Babenco (1976)
72. “O Fim e o Princípio”, Eduardo Coutinho (2006)
No apagar das luzes, no último domingo, dia 23, estive na exposição, "Nossos Segredos" dOs Gêmeos, a dupla de "grafiteiros" brasileiros, Gustavo e Otávio Pandolfo, que começou colocando seu spray nos muros de São Paulo e, ao longo do tempo viu reconhecido seu talento e sua arte, tendo hoje seu trabalho espalhado pelo mundo afora em paredes, murais, empenas cegas e painéis.
Muita coisa, pintada, muitas vezes, de maneira muito intuitiva e despretensiosa em muros por aí, já foi naturalmente apagada pelo tempo ou mesmo pela ação de administrações pouco sensíveis, e por isso, boa parte do registro, de um total de mais de mil itens, é de fotografias de trabalhos dos irmão pelo mundo, mas a exposição também têm itens emprestados de colecionadores e produções adaptadas especialmente ao espaço do CCBB.
A exposição, aqui no Rio, acabou no domingo, mesmo, mas deixo aqui alguns registros da visita ao CCBB:
A obra "Abduzido", produzida especialmente para a exposição.
Toda a psicodelia do trabalho dos irmãos
O caráter lúdico é um marca registrada da obra dos artistas
Instalação com muita cor, som, geometria e elementos urbanos
Aqui, "Templo", uma das instalações do saguão do térreo.
E a imponente instalação "Gigante" que toma todo o átrio do prédio.
E este seu blogueiro marcando presença na exposição.
Estive no último final de semana em Bento Gonçalves acompanhando a segunda edição do Bento Jazz & Wine Festival, que tem a curadoria do meu amigo Carlos Badia. Depois de uma abertura festiva com o Secretário da Cultura, Evandro Soares, o ex-prefeito Guilherme Pasin e do atual Diogo Siqueira, foi feita a homenagem à pianista, tecladista e cantora Ana Mazzotti, que deu nome ao palco da Rua Coberta. Pra começar a função na sexta-feira, tivemos o Quarteto New Orleans, formado por Roberto Scopel no trompete; Luis Carlos Zeni no sax tenor; Jhonatas Soares na tuba e Edemur Pereira, na percussão. Nos moldes da POA Jazz Band, o grupo toca clássicos do dixieland, como a clássica "When The Saints Go Marching In". No final da apresentação, o Quarteto New Orleans desceu do palco e se misturou ao público, bem ao estilo da cidade americana.
Na sequência, no palco do teatro da Casa das Artes - um moderno centro cultural incrustrado na Serra - o Quartchêto iniciou as comemorações de seus 20 anos de estrada. Com sua formação inusitada de trombone, violão, acordeon e bateria e percussão, a banda desfilou composições de seus três discos com destaque para "Mas Tá Bonito". A novidade nesta apresentação foi a adição de Matheus Kleber no acordeon em substituição a Luciano Maia, que segue sua carreira solo. Como sempre, o Quartchêto demonstrou sua competência em mesclar os ritmos gaúchos à sonoridade do trombone de Julio Rizzo. Hilton Vacari mantém a base rítmica enquanto Ricardo Arenhaldt mostra todo o veneno do percussionista brasileiro.
Depois tivemos uma das surpresas do festival: o trio Blue Jasmine, formado por Fran Duarte na voz, Débora Oliveira na harmônica e Karina Komin na guitarra. As meninas fizeram um repertório de blues, R&B e rock com segurança e musicalidade. Entre as músicas apresentadas, estava "See See Rider", gravada originalmente pela blueseira Ma Rainey. A primeira noite foi fechada pelos caxienses do De Boni Quarteto. Liderada pelo acordeonista Rafael De Boni, a formação, que tem ainda Lázaro Rodrigues na guitarra, Gustavo Viegas no baixo elétrico e Cristiano Tedesco na bateria, passeia pelas sonoridades portenhas, com forte influência de Astor Piazzolla.
A El Trio, abrindo a tarde de sábado com jazz moderno
A tarde de sábado iniciou com as evoluções jazzísticas do DJ Zonatão, tocando Miles Davis, Jeff Beck e George Benson. A música ao vivo começou com El Trio, que tem Leonardo Ribeiro no violão e voz, Cláudio Sander nos saxes tenor e alto e Giovani Berti na percussão. Com forte acento nos ritmos latino-americanos, o El Trio também acerta no repertório de clássicos do jazz como "Tutu", de Miles, e "A Night in Tunisia", de Dizzy Gillespie. Leonardo mantém a harmonia e Giovani no ritmo, enquanto Sander mostra porque é um dos melhores saxofonistas do estado.
O trio de Leonardo Bitencoutrt
Seguiu-se o Mazin Silva Trio, com o guitarrista de Blumenau com um trio integrado por Caio Fernando no Baixo e o sensacional Jimi Allen na bateria. Mazin circulou pelas composições de seus inúmeros discos, com muita qualidade instrumental, mesmo que calcada nas sonoridades de Pat Metheny. Um dos grandes pianistas da novíssima geração da música gaúcha, Leonardo Bittencourt, apresentou um trio All-Star com seu colega de Marmota, André Mendonça no baixo acústico, e a revelação da bateria dos últimos anos, o riograndino Lucas Fê. Eles interpretaram standards do jazz com altíssima octanagem.
Uma das bandas mais interessantes surgidas no Rio Grande do Sul, o Quinteto Canjerana cativou o público da Rua Coberta com as músicas de seus dois discos gravados. Com Zoca Jungs na guitarra, violão e viola; Maurício Horn no acordeon, Alex Zanotelli no baixo elétrico, Maurício Malaggi na bateria e Fernando Graciola no violão, o grupo mostrou como se pode fazer música gaúcha instrumental contemporânea, dosando as sonoridades dos ritmos do Sul com uma abordagem moderna. A noite de sábado encerrou com um dos destaques de todo o festival, o violonista Lúcio Yanel. Argentino mas radicado há 38 anos aqui no Brasil, Yanel deu uma verdadeira aula do violão portenho e pampiano, passando por chacareras, milongas e valsas. Somente com seu violão, o músico conseguiu fazer com que o público ficasse hipnotizado com sua técnica exuberante.
Yanel: aula de violão portenho
O domingo começou com o trio de Bento Teia Jazz, que misturou composições próprias com standards. A proposta é interessante e mais estrada vai solidificar o som do grupo. O blues esteve representado pelo Alê Lucietto Trio que interpretou Muddy Waters, Jimi Hendrix e Eric Clapton junto com músicas da banda e animou o público com uma linguagem mais roqueira.
Um dos shows mais esperados do Bento Jazz & Wine Festival foi o de Renato Borghetti Quarteto, que mostrou uma grata surpresa: a participação de Jorginho do Trompete, substituindo o flautista e saxofonista Pedrinho Figueiredo, que estava em outro compromisso. Foi muito interessante ver e ouvir como as composições de Borghetti como "Passo Fundo" e "Milonga Para as Missões" se modificaram com a sonoridade rascante do trompete. Acompanhando os dois e mostrando suas habilidades musicais, estiveram os habituais Daniel Sá ao violão e Vitor Peixoto ao teclado.
Após a música vibrante de Borghettinho, o teatro da Casa das Artes recebeu um dos grupos mais instigantes surgidos no estado, a Marmota. Com os integrantes Leonardo Bittencourt e André Mendonça, que já haviam participado no sábado, tivemos o baterista Bruno Braga e o substituto de Pedro Moser, a revelação Lucas Brum na guitarra. Este se mostrou plenamente integrado ao intrincado e desafiador som da banda. Apresentando as músicas de seus dois discos, "Prospecto" e "À Margem", o quarteto ainda deu lugar a novas composições. O público aplaudiu de pé as evoluções instrumentais de rapaziada.
Para fechar o Bento Jazz & Wine Festival, o palco da Rua Coberta recebeu o Paulinho Cardoso Quarteto em sua formação clássica: Paulinho no aocrdeon, Zé Ramos na guitarra, Miguel Tejera no baixo e Daniel Vargas na bateria. Fazendo sua mistura bem sucedida de música regional com ritmos brasileiros, o grupo foi o perfeito fechamento para três dias de intensa atividade musical. Obrigado, Carlos Badia, e à cidade de Bento Gonçalves por abrir espaço para o instrumental, especialmente após a pandemia. Esperamos ansiosamente a terceira edição do evento em 2022.
Confira mais fotos dos shows do Bento Jazz & Wine Festival:
Paulo Gustavo, Cassiano, Luis Vagner "Guitarreiro"... pra compensar tanta perda só mesmo trazendo essa gente toda no MDC. Além deles vai ter também muita coisa legal, como Black Alien, The Glove, Elis Regina, Lee Morgan, Marisa Monte e mais. Tem homenagens no "Sete-List" e no "Música de Fato" e tem até Fausto Fawcett com letra sua no "Palavra, Lê". Sobrevivendo na garra, o programa vai ao ar hoje, 21h, na vivíssima Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.