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sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Oscar 2025 - Os Indicados

 


Podemos dizer que 23 de janeiro de 2025 foi um dia de glória para o cinema brasileiro. Afinal, nunca antes na história deste país um filme nacional havia recebido a indicação ao Oscar de Melhor Filme. “Ainda Estou Aqui”, o excelente filme de Walter Salles sobre a família Paiva durante o período da Ditadura Militar no Brasil, foi anunciado hoje ao Oscar 2025 junto com mais uma centena de outros títulos a esta e outras várias categorias do maior prêmio do cinema mundial.

Mas não só isso: além da inédita indicação, o filme de Waltinho concorre também a Melhor Filme Internacional – no qual tem boas chances de ganhar – e na de Melhor Atriz para Fernanda Torres, que interpreta Eunice Paiva no filme. A vencedora do Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama e que desbancou daquela premiação para esta ninguém menos que Kate Winslet, Angelina Jolie, Tilda Swinton e Nicole Kidman, tem agora à frente, no Oscar, outras quatro candidatas. Porém, também passa a encarar de frente Demi Moore, destacada em seu papel em “A Substância” e que carrega em si e em sua personagem um discurso de feminismo e etarismo que pode convencer Hollywood a reconhecê-la depois de tantos anos. Porém, Fernanda está melhor. Que se faça justiça.

Nas outras categorias, sem grandes surpresas: várias indicações ao franco-mexicano “Emilia Perez” (13, o de mais nominações), “Wicked” e “O Brutalista” (10 cada), além de “Um Completo Desconhecido”, “Conclave” (8 cada), “Anora” (6), “Duna: Parte 2” e “A Substância” (5 cada). Destes, parece sair na frente em Filme “O Brutalista”, mas “Anora”, Palma de Ouro em Cannes, pode surpreender nesta categoria na qual “Ainda...” tem certamente menos chances. Mas em Filme Internacional, o brasileiro tem outro rival: “Emilia Perez”. O confuso filme de Jacques Audiard, embora campeão em indicações, tem recebido críticas das comunidades mexicana e latina e LGBTQIAPN+ por sua narrativa superficial e sem “lugar de fala”, o que pode influenciar os jurados em favor de “Ainda...”. Tomara.

De resto, aquelas coisas de sempre do Oscar: falta de algo aqui, excesso de algo ali, ausência de um outro acolá. Críticos dizem que “Sing Sing”, que retrata uma história verídica do sistema prisional norte-americano, merecia mais reconhecimento além das apenas duas indicações que teve (Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Canção Original). Sobrando, o bruxesco “Wicked”, que aparece em vários dos prêmios técnicos, mas desnecessariamente em Filme, Atriz e Edição. E Clint Eastwood, com seu genial “Jurado nº 2”, quem viu? A Academia não dá nem as horas pro velho cowboy, e justo em sua obra de despedida... Fazer o quê? Só torcer por “Ainda...“ e conferir a lista completa dos indicados, que a gente traz aqui abaixo e segue acompanhando os filmes até a premiação em 2 de março. E viva o cinema brasileiro!

📹📹📹📹📹📹📹📹


Melhor Filme
“Anora”
“O Brutalista”
“Um Completo Desconhecido”
“Conclave“
“Duna: Parte 2”
“Emilia Pérez”
“Ainda Estou Aqui”
“Nickel Boys”
“A Substância”
“Wicked”

Melhor Direção
Sean Baker por “Anora”
Brady Cobert por “O Brutalista”
James Mangold por “Um Completo Desconhecido”
Jacques Audiard por “Emilia Pérez”
Coralie Fargeat por “A Substância”

Melhor Ator
Adrien Brody, por “O Brutalista”
Timothée Chalamet, por “Um Completo Desconhecido”
Colman Domingo, por “Sing Sing”
Ralph Fiennes, por “Conclave”
Sebastian Stan, por “O Aprendiz”

Melhor Atriz
Cynthia Erivo, de “Wicked”
Karla Sofía Gascón, de Emilia Pérez
Mikey Madison, por “Anora”
Demi Moore, por “A Substância”
Fernanda Torres, por “Ainda Estou Aqui”

Melhor Ator Coadjuvante
Yura Borisov, por “Anora”
Kieran Culkin, “A Verdadeira Dor”
Edward Norton, “Um Completo Desconhecido”
Guy Pearce, de “O Brutalista”
Jeremy Strong, de “O Aprendiz”

Melhor Figurino
“Um Completo Desconhecido”
“Conclave“
“Gladiador II”
“Nosferatu”
“Wicked”

Melhor Cabelo e Maquiagem
“Um Homem Diferente”
“Emilia Pérez”
“Nosferatu”
“A Substância”

Melhor Trilha Sonora Original
“O Brutalista”
“Conclave”
“Emilia Pérez”
“Wicked”
“Robô Selvagem”

Melhor Curta-Metragem em Live-Action
“A Lien”
“Anuja”
“I’m Not a Robot”
“The Last Ranger”
“The Man Who Could Not Remain Silent”

Melhor Animação em Curta-Metragem
“Beautiful Men”
“In the Shadow of the Cypress”
“Magic Candies”
“Wander to Wonder”
“Yuck!”

Melhor Roteiro Original
“Anora”
“O Brutalista”
“A Verdadeira Dor”
“A Substância”
“September 5”

Melhor Roteiro Adaptado
“Um Completo Desconhecido”
“Conclave”
“Emilia Pérez”
“Nickel Boys”
“Sing Sing”

Melhor Atriz Coadjuvante
Monica Barbaro, por “Um Completo Desconhecido”
Ariana Grande, por “Wicked”
Felicity Jones, por “O Brutalista”
Isabella Rossellini, por “Conclave”
Zoe Saldaña, por “Emilia Pérez”

Melhor Canção Original
“El Mal”, de “Emilia Pérez”
“The Journey”, de “The Six Triple Eight”
“Like a Bird”, de “Sing Sing”
“Mi Camino”, de “Emilia Pérez”
“Never Too Late”, de “Elton John: Never Too Late”

Melhor Documentário
“Black Box Diaries”
“No Other Land”
“Porcelain War”
“Soundtrack to A Coup D’Etat”
“Sugarcane”

Melhor Documentário de Curta-Metragem
“Death By Numbers”
“I am Ready, Warden”
“Incident”
“Instruments of a Beating Heart”
“The Only Girl in the Orchestra”

Melhor Filme Internacional
“Ainda Estou Aqui”
“The Girl with the Needle”
“Emilia Pérez”
“The Seed of the Sacred Fig”
“Flow”

Melhor Animação
“Flow”
“DivertidaMente 2”
“Memoir of a Snail”
“Wallace e Gromit: Vengeance Most Fowl”
“O Robô Selvagem”

Melhor Design de Produção
“O Brutalista”
“Conclave”
“Duna: Parte 2”
“Nosferatu”
“Wicked”

Melhor Edição
“Anora”
“O Brutalista”
“Conclave”
“Emilia Pérez”
“Wicked”

Melhor Som
“Um Completo Desconhecido”
“Duna: Parte 2”
“Emilia Pérez”
“Wicked”

Melhores Efeitos Visuais
“Alien: Romulus”
“Better Man”
“Duna: Parte 2”
“O Reino do Planeta dos Macacos”
“Wicked”

Melhor Fotografia
“O Brutalista”
“Duna: Parte 2”
“Emilia Pérez”
“Maria”
“Nosferatu”


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2024

 


Se liga rapaziada de Liverpool que
o tio Wayne tá chegando
A gente que gosta de falar sobre grandes discos, volta e meia quando descobre alguma coisa, reouve ou reavalia algum disco esquecido, pensa "Eu tenho que escrever sobre esse disco!". Mas aí, muitas vezes, a gente pondera, "Poxa, mas vai ser mais um álbum do Fulano nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS... Já tem tantos". É que tem uns que é inevitável que tenham mais de um. Dois, três..., um monte.  Beatles, por exemplo, muitos defenderiam que toda a discografia estivesse destacada entre os melhores discos de todos os tempos (e não seria nenhum absurdo). Caetano Veloso, Stevie Wonder, Miles Davis, é impossível que em obras tão relevantes que influenciaram gerações, nos impressionemos e nos limitemos a destacar apenas um grande trabalho de cada um deles. Depois de alguns anos fazendo a seção de grandes álbuns, acumuladas grandes obras de diversos nomes desse porte, a gente fica sempre com a curiosidade: quantos discos daquele cara, daquela banda tem nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS?

Então surgem outras curiosidades: a gente vê vários de Rolling Stones, Elton John, Smiths, e se pergunta "Quantos ingleses tem na lista?", aí vê Ramones, Madonna, Herbie Hancock, Aretha Franklin, e compara, "Será que tem mais americanos ou ingleses?", "e os brasileiros, como estão nessa parada?", e vão surgindo categorias e mais categorias. Qual ano tem mais grandes discos lembrados? Qual década se destaca?... E assim criamos o Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, um levantamento que fazemos a cada ano, contabilizando os discos incluídos na última temporada na nossa seção, apresentando então quem está na frente em cada um dos critérios. 

No último ano, entre os artistas internacionais, os Beatles continuam firmes na ponta como aqueles com mais discos citados, mas começam a sentir a proximidade do gênio do jazz Wayne Shorter que vem chegando como quem não quer nada. No âmbito nacional, se Caetano Veloso se manteve à frente por conta de um disco em parceira com Chico Buarque, o mesmo álbum fez com que o próprio Chico se aproximasse e alcançasse a segunda posição. Entre os países, o Brasil, com 8 dos 21 discos destacados no ano, deu um salto na tabela ampliando ainda mais a vantagem em relação aos ingleses, mas ainda longe dos norte-americanos que lideram com folga.  Já nas épocas, a década de 70 continua sendo a que tem mais grandes álbuns mencionados, embora o ano que tenha mais obras seja da década de 80, o ano de 1986. No entanto, no ano passado, por trazer alguns discos que recentemente completavam 50 anos, o de 1974 foi o que apareceu mais na nossa galeria.

 Ainda no que diz respeito aos anos, vamos dar uma 'trapaceada' desta vez: como o disco "Me & My Crazy Self", do bluesman Lonnie Johnson contém gravações de 1947 a 1953, vamos incluí-lo nos anos 40 só porque, até hoje, era a única década que não tinha nenhum disco indicado. Pode ser? (Segredo nosso. Fica entre a gente. Shhhh!!!)

Como destaques tivemos as estreias da talentosíssima musa francesa Françoise Hardy e do subestimado Ivan Lins no nosso seleto grupo de elite; o disco ao vivo de Gilberto Gil, no Tuca, um dos álbuns cinquentões do ano passado; mais um da rainha Madonna para marcar sua grandiosa vinda ao Brasil; e, em ano de Olimpíadas, um disco de atleta, o excelente "Rust in Peace", do faixa preta em taekwondo Dave Mustaine do Megadeth.

Bom, chega de papo-furado: vamos às listas, às colocações, aos números que é o que interessa aqui. Com vocês o Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2024.

Dá uma olhada aí:


*************


PLACAR POR ARTISTA (INTERNACIONAL)

  • The Beatles: 7 álbuns
  • Kraftwerk e Wayne Shorter***: 6 álbuns
  • David Bowie, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis, John Coltrane e John Cale*  **: 5 álbuns cada
  • Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan, Philip Glass e Lee Morgan: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Madonna, Iron Maiden , U2, Lou Reed**, e Herbie Hancock***: 3 álbuns cada
  • Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Chemical Brothers, Sean Lennon, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, PJ Harvey, Rage Against Machine, Body Count, Suzanne Vega, Beastie Boys, Ride, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green, Santana, Ryuichi Sakamoto, Sinéad O'Connor, Marvin Gaye e Brian Eno* : todos com 2 álbuns

*contando com o álbum  Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"

**contando com o álbum Lou Reed e John Cale,  "Songs for Drella"

*** contando o álbum "Five Star', do V.S.O.P.



PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Caetano Veloso: 8 álbuns*#
  • Gilberto Gil * **  e Chico Buarque ++ #:  7 álbuns
  • Jorge Ben ** João Gilberto*  ****: 5 álbuns
  • Tim Maia, Rita Lee, Legião Urbana,  , e Milton Nascimento***** º: 4 álbuns
  • Gal Costa, Titãs, Paulinho da Viola, Engenheiros do Hawaii e Tom Jobim +: 3 álbuns cada
  • João Bosco, Lobão, João Donato, Emílio Santiago, Jards Macalé, Elis Regina, Edu Lobo+, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Sepultura, Cartola, Baden Powell***  e Criolo º : todos com 2 álbuns 


*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil

**contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"

*** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"

**** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"

***** contando com o álbum Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"

+ contando com o álbum "Edu & Tom/ Tom & Edu"

++ contando com o álbum "O Grande Circo Místico"

# contando com o álbum "Caetano & Chico Juntos e Ao Vivo" 

º contando com o álbum Milton Nascimento e  Criolo "Existe Amor"



PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 3
  • anos 40: 1
  • anos 50: 121
  • anos 60: 101
  • anos 70: 166
  • anos 80: 142
  • anos 90: 108
  • anos 2000: 20
  • anos 2010: 18
  • anos 2020: 3


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1


PLACAR POR ANO

  • 1986: 24 álbuns
  • 1977 e 1972: 21 álbuns
  • 1969: 20 álbuns
  • 1976: 19 álbuns
  • 1970, 1971, 1985 e 1992: 18 álbuns
  • 1968, 1973 e 1979 17 álbuns
  • 1967, 1975 e 1980: 16 álbuns cada
  • 1983 e 1991: 15 álbuns cada
  • 1965, 1988, 1989 e 1994: 14 álbuns
  • 1987 e 1990: 13 álbuns
  • 1990: 12 álbuns
  • 1964, 1966, 1978: 11 álbuns cada



PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 218 obras de artistas*
  • Brasil: 167 obras
  • Inglaterra: 130 obras
  • Alemanha: 11 obras
  • Irlanda: 8 obras
  • Canadá: 5 obras
  • Escócia: 4 obras
  • Islândia, País de Gales, Jamaica, México: 3 obras
  • Austrália, França e Japão: 2 cada
  • Itália, Hungria, Suíça, Bélgica, Rússia, Angola, Nigéria, Argentina e São Cristóvão e Névis: 1 cada

*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de países diferentes, conta um para cada)

sábado, 6 de julho de 2024

The Chemical Brothers - "Further" (2010)

 



Álbuns Fundamentais - ClyBlog
"Os Chems fazem seu melhor álbum
em mais de uma década."
Pitchfork Music,
na época do lançamento


"Further" foi um álbum que tive uma certa dificuldade inicial pata assimilar. Tom Rowlands e Ed Simmons nunca ficaram estagnados numa zona de conforto mesmo já  consagrados e amplamente aclamados como sendo dos grandes expoentes da música eletrônica. Sempre ousaram, tentaram coisas diferentes e incorporaram elementos a seu som, mas em "Further" parecia que davam um passo adiante nesse experimentalismo, causando uma certa estranheza que, pelo que pude notar, na época do lançamento,  não fora exclusividade minha.

A estrutura das músicas, o formato do álbum, a disposição das faixas, as referências, parecia tudo pouco convencional. Mas audições mais frequentes, mais atentas, sem tantos juízos pré-estabelecidos, foram aos poucos me mostrando que ali estava um grande disco, mais um dos grandes trabalhos desses dois notáveis artesãos dos sons da nossa época.

Se o Kraftwerk, pai de todos da música eletrônica, foi paulatinamente construindo uma linguagem, forjando um formato, os Chemical Brothers que já encontraram a estrada pavimentada montado, parecem tentar desconstruir o processo, e em "Snow, a faixa de abertura, fragmentam a música, reduzem-na a ruídos eletrônicos, praticamente abdicam da melodia, numa peça singular sem batida, sem levada, sem um 'ritmo' lógico. É a volta ao começo da estrada. E perguntará alguém, "E funciona?". Não só funciona como "Snow" é improvavelmente linda. Um vocal doce, delicado sobre uma música sem música. Algo impressionante para começar um álbum que se mostrará não menos incrível. Até  porque na sequência, a segunda, "Escape Velocity", talvez seja uma das melhores músicas da dupla e uma das maiores coisas feitas em música eletrônica. Uma sinfonia eletrônica de mais de dez minutos construída paciente e minuciosamente, com uma estrutura que, em sua complexidade, lembra um grandioso concerto clássico. Mais uma grande ousadia do Brothers.

"Another World", que se segue, é uma canção suave e quase lenta; "Dissolve" é  um "rock psicodélico" que lembra particularmente The Who... E o ouvinte pode ficar perguntando, "Cadê a música eletrônica, propriamente dita, repetições, loops, BPM's aceleradas...?". Tudo isso chega finalmente na quinta faixa. Só que não de uma maneira simples e superficial. Por trás de um bate-estaca tipicamente de pistas de dança, elétrico, percussivo, repetitivo e alucinante, esconde-se uma faixa conceitual que remete aos primórdios das máquinas, à revolução industrial, à potência de um animal, à potência de uma máquina, o torque, o Jaule, o Cavalo Vapor. A máquina a serviço do homem, a tecnologia que evolui e hoje nos dá. Coisas como as que os Chemical Brothers fazem.

"Swoon", o primeiro single do álbum é um pop radiante, ensolarado, colorido, com cara de dia de primavera. Apaixonante! Tambores e ritmos tribais dão o tom em "K.D.B" que, ao contrário do que se possa imaginar não torna-se pesada ou agressiva pela ênfase percussiva. Os Chems encontram mais uma vez o ponto de equilíbrio entre o conceito, o primitivismo, as raízes negras da música eletrônica, e a palatabilidade comercial, produzindo aqui uma peça musical suave de atmosfera crescente e grandiosa.

Depois de toda essa viagem, "Wonder of Deep" retorna ao Kraftwerk, que no fim das contas, é como voltar ao início de tudo, a origem do universo do eletrônico.

"Further" é provavelmente o disco mais 'filosofal' dos Chemical Brothers. Nele Ed e Tom parecem se perguntar, "Por que estamos aqui?", "Do que somos feitos?", "De onde viemos, para onde vamos?", "E se...?". Talvez por isso eu tenha demorado um pouco para valorizar a obra. Não é todo dia que um álbum, da tão subestimada e desvalorizada música eletrônica, nos traz tanta informação.

Eles podiam ter ficado no conforto de sua reputação já consolidada, produzindo mais um hit certeiro aqui outro ali, mais uma febre das pistas, mas aqui se arriscaram. Mergulharam fundo e foram além. Além.

******************

FAIXAS:
  1. Snow (5:07)
  2. Escape Velocity (11:57)
  3. Another World (5:40)
  4. Dissolve (6:22)
  5. Horse Power (5:51)
  6. Swoon (6:05)
  7. K+D+B (5:40)
  8. Wonders Of The Deep (5:13)

*****************
Ouça:



por Cly Reis

domingo, 26 de maio de 2024

77º Festival de Cannes - Os Premiados

 


O diretor independente Sean Baker
exibindo seu triunfo em Cannes
Numa edição em que nomes como Cronenberg, Lanthimos, George Miller e o brasileiro Karim Aïnouz botaram seus filmes pra jogo, e o lendário Francis Ford Copolla exibiu seu sonhado projeto "Megalópolis", a Palma de Ouro, cobiçado prêmio principal do Festival de Cannes, acabou parando nas mãos do norte-americano Sean Baker, por sua comédia dramática "Anora", filme sobre uma dançarina de night-club que parece ter encontrado a sorte grande num casamento com um magnata, mas que percebendo que as coisas não se encaminham bem como imaginava, passa a fazer de tudo para dar um jeito de se livrar do compromisso.

O júri, presidido pela diretora Greta Gerwig, do badalado "Barbie", ainda premiou "All we Imagine as light", da indiana Payal Kapadia, com o Grand Prix, e o longa "Emília Perez", de Jacques Audiard, com o Prêmio Especial do Júri. Jesse Plemons, por "Tipos de Gentileza", filme de Yorgos Lanthimos, levou o prêmio de melhor ator, e, entre as mulheres, o prêmio foi, ineditamente dividido entre o elenco feminino do musical "Emilia Pérez".

Quer saber quais foram os outros vencedores das demais categorias?

Dá uma olhada aí abaixo, então:


🎬🎬🎬🎬🎬🎬



O sonho de princesa desfeito de "Anora"
foi o grande vencedor do Festival
Palma de Ouro: "Anora", de Sean Baker

Grand Prix: "All We Imagine as Light", de Payal Kapadia

Prêmio do Juri: "Emilia Pérez", de Jacques Audiard

Melhor Direção: Miguel Gomes, por "Grand Tour"

Melhor Ator: Jesse Plemons, por "Tipos de Gentileza"

Melhor Atriz: Adriana Paz, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez e Zoe Saldaña, por "Emilia Pérez"

Melhor Roteiro: Coralie Fargeat, por "The Substance"

Caméra d'Or: "Armand", de Halfdan Ullmann Tondel

Prêmio Especial: Mohammad Rasoulof, por "The Seed of the Sacred Fig"

Caméra d'Or – Menção Especial: “Mongrel”,de Wei Liang Chiang e You Qiao Yin

Palma de Ouro de Curta-Metragem: “The Man Who Could Not Remain Silent”, de Nebojša Slijepcevic

Menção Especial de Curta-Metragem: “Bad For a Moment”,de Daniel Soares



C.R.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2023

 



Rita e Sakamoto nos deixaram esse ano
mas seus ÁLBUNS permanecem e serão sempre
FUNDAMENTAIS
Chegou a hora da nossa recapitulação anual dos discos que integram nossa ilustríssima lista de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS e dos que chegaram, este ano, para se juntar a eles.

Foi o ano em que nosso blog soprou 15 velinhas e por isso, tivemos uma série de participações especiais que abrilhantaram ainda mais nossa seção e trouxeram algumas novidades para nossa lista de honra, como o ingresso do primeiro argentino na nossa seleção, Charly Garcia, lembrado na resenha do convidado Roberto Sulzbach. Já o convidado João Marcelo Heinz, não quis nem saber e, por conta dos 15 anos, tascou logo 15 álbuns de uma vez só, no Super-ÁLBUNS FUNDAMENTAIS de aniversário. Mas como cereja do bolo dos nossos 15 anos, tivemos a participação especialíssima do incrível André Abujamra, músico, ator, produtor, multi-instrumentista, que nos deu a honra de uma resenha sua sobre um álbum não menos especial, "Simple Pleasures", de Bobby McFerrin.

Esse aniversário foi demais, hein!

Na nossa contagem, entre os países, os Estados Unidos continuam folgados à frente, enquanto na segunda posição, os brasileiros mantém boa distância dos ingleses; entre os artistas, a ordem das coisas se reestabelece e os dois nomes mais influentes da música mundial voltam a ocupar as primeiras posições: Beatles e Kraftwerk, lá na frente, respectivamente. Enquanto isso, no Brasil, os baianos Caetano e Gil, seguem firmes na primeira e segunda colocação, mesmo com Chico tendo marcado mais um numa tabelinha mística com o grande Edu Lobo. Entre os anos que mais nos proporcionaram grandes obras, o ano de 1986 continua à frente, embora os anos 70 permaneçam inabaláveis em sua liderança entre as décadas.

No ano em que perdemos o Ryuichi Sakamoto e Rita Lee, não podiam faltar mais discos deles na nossa lista e a rainha do rock brasuca, não deixou por menos e mandou logo dois. Se temos perdas, por outro lado, celebramos a vida e a genialidade de grandes nomes como Jards Macalé que completou 80 anos e, por sinal, colocou mais um disco entre os nossos grandes. E falando em datas, se "Let's Get It On", de Marvin Gaye entra na nossa listagem ostentando seus marcantes 50 anos de lançamento, o estreante Xande de Pilares, coloca um disco entre os fundamentais logo no seu ano de lançamento. Pode isso? Claro que pode! Discos não tem data, música não tem idade, artistas não morrem... É por isso que nos entregam álbuns que são verdadeiramente fundamentais.
Vamos ver, então, como foram as coisas, em números, em 2023, o ano dos 15 anos do clyblog:


*************


PLACAR POR ARTISTA (INTERNACIONAL)

  • The Beatles: 7 álbuns
  • Kraftwerk: 6 álbuns
  • David Bowie, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis, John Coltrane, John Cale*  **, e Wayne Shorter***: 5 álbuns cada
  • Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan e Lee Morgan: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden , U2, Philip Glass, Lou Reed**, e Herbie Hancock***: 3 álbuns cada
  • Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, Philip Glass, PJ Harvey, Rage Against Machine, Body Count, Suzanne Vega, Beastie Boys, Ride, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green, Santana, Ryuichi Sakamoto, Marvin Gaye e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum  Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"

**contando com o álbum Lou Reed e John Cale,  "Songs for Drella"

*** contando o álbum "Five Star', do V.S.O.P.



PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Caetano Veloso: 7 álbuns*
  • Gilberto Gil: * **: 6 álbuns
  • Jorge Ben e Chico Buarque ++: 5 álbuns **
  • Tim Maia, Rita Lee, Legião Urbana, Chico Buarque,  e João Gilberto*  ****, e Milton Nascimento*****: 4 álbuns
  • Gal Costa, Titãs, Paulinho da Viola, Engenheiros do Hawaii e Tom Jobim +: 3 álbuns cada
  • João Bosco, Lobão, João Donato, Emílio Santiago, Jards Macalé, Elis Regina, Edu Lobo+, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Sepultura e Baden Powell*** : todos com 2 álbuns 


*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil

**contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"

*** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"

**** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"

***** contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor" e Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"

+ contando com o álbum "Edu & Tom/ Tom & Edu"

++ contando com o álbum "O Grande Circo Místico"



PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 3
  • anos 40: -
  • anos 50: 121
  • anos 60: 100
  • anos 70: 160
  • anos 80: 139
  • anos 90: 102
  • anos 2000: 18
  • anos 2010: 16
  • anos 2020: 3


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1


PLACAR POR ANO

  • 1986: 24 álbuns
  • 1977 e 1972: 20 álbuns
  • 1969 e 1976: 19 álbuns
  • 1970: 18 álbuns
  • 1968, 1971, 1973, 1979, 1985 e 1992: 17 álbuns
  • 1967, 1971 e 1975: 16 álbuns cada
  • 1980, 1983 e 1991: 15 álbuns cada
  • 1965 e 1988: 14 álbuns
  • 1987, 1989 e 1994: 13 álbuns
  • 1990: 12 álbuns
  • 1964, 1966, 1978: 11 álbuns cada



PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 211 obras de artistas*
  • Brasil: 159 obras
  • Inglaterra: 126 obras
  • Alemanha: 11 obras
  • Irlanda: 7 obras
  • Canadá: 5 obras
  • Escócia: 4 obras
  • Islândia, País de Gales, Jamaica, México: 3 obras
  • Austrália e Japão: 2 cada
  • Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola, Nigéria, Argentina e São Cristóvão e Névis: 1 cada

*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de países diferentes, conta um para cada)

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Marcelo Gross - Oktoberfest Praia de Belas Shopping - Praça Itália - Porto Alegre/RS (1º/10/2023)

 

Depois de dias intensos de chuva, temporais, ciclones, enchentes, alagamentos, enfim, o sol raiou em Porto Alegre. E um clima solar como este é, claro, um pedido parasse aproveitar o domingo. Após algumas voltas, fomos parar no agradável Esquenta da Oktoberfest, que o Praia de Belas Shopping, empreendimento vizinho nosso, promoveu durante a tarde. O mais legal foi que, diferentemente de outros anos, quando o shopping montava estruturas assim com food trucks, atrações e tudo mais, na área interna, desta vez o evento foi levado para a Praça Itália, ao lado do shopping, e a céu aberto e em espaço público. E que céu!

A Praça Itália, que passou por uma revitalização no início deste ano sob a gestão do Praia de Belas Shopping, sediar este preparativo para a famosa Oktoberfest, tradicional evento germânico que a cidade de Santa Cruz do Sul sedia durante o mês de outubro. Com uma programação diversificada, que reuniu jogos germânicos, personagens típicos e as soberanas do Oktoberfest, o principal, entretanto, foram as atrações musicais. 

Não ficamos a tarde inteira, em que estiveram artistas como Fabrício Beck e Bando Alabama, a OktoberBand by Boris Cunha e o DJ Fábio Lopez, mas tivemos a felicidade de assistir boa parte do show do “Cachorro Grande” Marcelo Gross. Com uma formação clássica de rock, baixo, guitarra e bateria, Gross, muito à vontade e simpático, trouxe um punhado de canções que unia o seu repertório solo (“Que loucura!”, “Carnaval”), clássicos da Cachorro (“Bom Brasileiro”, “Dia Perfeito”) e outras agradáveis surpresas, como “O Novo Namorado”, do ex-parceiro Júpiter Maçã, e uma versão de “Taxman”, dos Beatles. 

Aliás, Gross e sua banda fizeram jus às próprias referências no rock e na psicodelia dos anos 60, juntando The Who, Rolling Stones e Beatles e colocando todo mundo no palco. É ou não é briga de cachorro grande? Embora não seja um fã da banda, tenho o maior respeito pela honestidade de Gross e seus companheiros de estrada, bem como pela relevância deles para a cena rock gaúcha. A Cachorro abriu pros Stones em Porto Alegre em 2016, ora essa! No show, embora intimista, era visível o som profissional dos caras, e o quanto este universo do rock faz sentido para eles.

Confiram, então, algumas imagens do belo dia de sol e que a Praça Itália foi agradavelmente aquecida pelo Esquenta da Oktober.  

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Show rolando no palco montado na Praça Itália


Marcelo Gross mandando ver no bom e velho rock 'n roll


Um pouco do show de Marcelo Gross no 
Oktoberfest Praia de Belas Shopping


Beatles, Sontes, Who: briga de cachorro grande, literalmente

A movimentação da galera no evento a céu aberto


Leocádia e eu curtindo a tarde de sol na praça



Daniel Rodrigues

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

U2 - "Zooropa" (1993)

 

Atento, bebê?

“Quando começamos ‘Zooropa’, sugeri à banda que ficassem improvisando no estúdio regularmente. Eles haviam perdido esse hábito de improvisar e, por vários motivos, não o faziam. Então eu disse: ‘devemos imaginar que estamos fazendo trilhas sonoras de filmes hipotéticos, não fazendo músicas.’”
Brian Eno

Nunca acreditei em “Achtung Baby”, o tão celebrado disco da U2 de 1991. É este mesmo o termo: "acredito". Não se trata de "gostar", mas sim de crer. Aliás, gostar, até gosto. "One", "Until the End of the World" e “Acrobat” estão aí para provar. Porém, estas e todas as demais nove faixas de “Achtung...” são, a rigor, de longe menos inspiradas do que diversas outras da banda e, principalmente, graus abaixo do que Bono Vox, The Edge, Larry Mullen Jr. e Adam Clayton têm condições de entregar. Por que, então, falo de credibilidade e não necessariamente de qualidade? E por que abro o texto indo na contramão da maioria falando de uma obra consagrada e não daquela que motiva este artigo, “Zooropa”? Afora a ordem sucessória entre um disco e outro, é necessário que se volte alguns anos antes ao grande sucesso comercial e de crítica da U2 nos anos 90 para entender aquela que considero a maior farsa planejada da música pop moderna.

O ano é 1988. A U2 ostentava a posição de grande banda do rock internacional. Com o término da The Smiths e os às vezes errante caminhos da The Cure, a U2 somava todos os elementos para ocupar tal posição, rompendo a linha que divide o underground do início da carreira para o status de lotadores de estádio. Musicalmente, um fenômeno gerador de hits, vendas de discos e canções clássicas. Tinha um vocalista de admiráveis qualidades vocais e letrísticas, um guitar hero sofisticado e criativo e a "cozinha" mais competente do rock 80. Politicamente, foi o grupo mais engajado da sua geração. A coroação veio com “The Joshua Tree”, de 1987, que deu aos irlandeses discos de ouro, platina e diamante em vários países e um Grammy de Álbum do Ano, consolidando-os no mercado mundial com sucessos como "With ir Without You" e "I Still Haven't Found What I'm Looking For".

Arte do famigerado "Achtung...", de 1991
Ocorre que “Joshua...” é daquelas obras tão divisórias na carreira de qualquer artista, que lhes surtiu o efeito contrário. Ao invés de orientar Bono & Cia., desnorteou-os. Que rumo tomar depois de tamanho êxito comercial e artístico? O longo e irregular “Rattle and Hum”, no qual voltam os olhares para a cultura folk norte-americana, simboliza este hiato conceitual. A imagem da capa de Bono apontando o holofote para The Edge, mais do que uma mostra da saudável parceria entre ambos, simboliza uma necessidade (talvez inconsciente) de valorização da forma sobre a aparência. A U2 queria dizer que não se resumia ao Bono front man e, sim, que formavam um coletivo do qual seu guitarrista era o melhor representante. Nem todos entendiam isso, entretanto; E pior: continuavam exigindo-lhes a divindade cega atribuída às celebridades. Então, para que lado ir se já afastados da forte pegada política de “Sunday Blood Sunday” e alçados a astros planetários? Foi então que, naquele mesmo ano de 1988, a resposta se insinuou como uma solução: a fraude da dupla alemã Milli Vanilli.

Surgidos como revelação da música pop, Fab Morvan e Rob Pilatus foram acusados de não interpretarem as próprias músicas. Desmascarados, foram demitidos da gravadora que os fez vender milhões e tiveram que devolver o Grammy que venceram. Morvan e Pilatus precisaram convocar uma vexatória coletiva para confessarem que, de fato, apenas faziam playback em cima do palco e que ghostsingers cantavam por eles em estúdio. Justificaram que haviam sido recrutados pelo visual, como uma estratégia de publicidade. Bono, então, ouviu e ligou os pontos: “Fraude, Grammy, publicidade, paradas de sucesso, personagens...”. Deu-lhe um estalo: ali estava a chave para os problemas da U2.

Não é possível medir o quanto Bono ficou impactado com tal ocorrido, embora a polêmica da Milli Vanilli tenha ganhado tamanha proporção que, provavelmente, deu um sinal de alerta para qualquer um que pertencesse à indústria cultural. Bono, ao que tudo indica, perspicaz como é, captou a essência da discussão, mas injetou-lhe doses de ironia. Numa fase de “crise de identidade”, o negócio era assumir uma “não identidade”. Genial! Já distante da figura politizada que os consagrou e diante da incerteza que o estrelato provocou, a escolha da U2 foi criar uma nova imagem pública: dar vida a personagens fictícios e produzir músicas de fácil assimilação. 

Os riffs de “Achtung...”, basta notar, são bastante simples, até simplórios em alguns casos em se tratado da alta técnica de The Edge. "Who's Gonna Ride Your Wild Horses", "The Fly", "Mysterious Ways", "Tryin' To Throw Your Arms Around The World" são assim: quase sem graça. O minimalismo característico de The Edge transformou-se em preguiça. Praticamente todas as faixas têm o mesmo embalo. Mas, claro, com a caprichada produção de Brian Eno, que mascarava tudo. Além disso, fotos e clipes de Anton Corbijn, mixagem de Daniel Lanois e Robbie Adams e engenharia de som de Flood. Invólucro perfeito, como todo produto premium de supermercado. Para arrematar a traquinagem, o disco é gravado na mesma Alemanha em que David Bowie e o mesmo Eno conceberam a nova música pop no final dos anos 70. Mas também a mesma Alemanha da Milli Vanilli... 


Agora, valendo!

Jamais a U2 tinha feito algo tão raso como “Achtung Baby”, e isso queria dizer alguma coisa. O circo foi tão bem montado que, com absoluta unanimidade, todos caíram na deles. Público e crítica elevaram o disco a obra-prima mesmo sem ter um riff à altura de “Bad”, “Red Hill Minning Town”, “God Part 2”, “Like a Song...” e por aí vai. Quando um artista chega a determinado estágio, o que se espera é que, no mínimo, supere o que já fez. Mas diante da incapacidade crítica da pós-modernidade, a U2 percebeu que isso não se aplicaria a ídolos acima de qualquer suspeita como eles. Na verdade, fizeram o contrário: ao invés de evoluir, deram passos para trás, mas com muita inteligência e marketing. E ego. Bono encarnava personagens como The Fly e The Macphisto com visível falta de habilidade cênica, mas suficiente para encantar os fãs. A piada foi tão bem contada que, somado ao respeito e a credibilidade de que jamais uma banda “séria” como a U2 faria algo assim, ninguém desconfiou de nada.

Por sorte, a enganação deliberada de “Achtung...” foi, em trocadilho com o próprio título, apenas para ver se a galera estava “atenta”. Como ninguém estava, no fundo o tiro saiu pela culatra. O negócio era desistir da palhaçada e fazer algo bom novamente. Fruto de canções surgidas durante a turnê e de suspeitas “sobras” do afamado disco anterior, “Zooropa” mostra porque a U2 chegava, enfim, à maturidade. Improvisos, experimentações, ousadias, ludicidade. É possível sentir um clima de liberdade criativa em suas faixas. Se a ida para Berlim anos antes foi, como fez Bowie, para se afastar do burburinho da mídia, enfim a intenção funcionava para a U2. 

Um rápido paralelo entre as faixas de um disco e outro provam que a turma estava mesmo interessada em fazer o que sempre soube: pop-rock forjado no pós-punk, somado aos elementos do tecno, como downtemto, synth pop e experimental. Na abertura, para uma pirotécnica ”Zoo Station”, mandam ver “Zooropa”, extensa, pouco vendável, sem pressa para começar e nem para terminar. Riff bem elaborado que, lá pelas tantas, ainda sofre uma virada que acelera seu compasso, gerando quase que uma outra música. Excelente cartão de visitas para deixar claro que a U2, definitivamente, havia deixado as máscaras de mosca em segundo plano.

A melódica “Babyface”, algo semelhante em atmosfera a “So Cruel”, de “Achtung...”, faz homenagem ao músico de R&B que influenciaria bastante o som da banda naquele momento. Esta antecipa a primeira obra-prima do álbum: “Numb”. Desviando os holofotes quase monopolizados por Bono, a banda realiza de vez o que prenunciavam na capa de “Rattle...” com The Edge fazendo as vezes de protagonista. E aqui Eno, novamente recrutado como um quinto integrante, faz valer sua arte de produção. E não para “salvar” a música, mas para potencializá-la. Construtiva, a partir de uma programação eletrônica e um riff estetizado, “Numb” vai agregando elementos como bateria, efeitos de teclados, frases de guitarras, sintetizadores e contracantos, como o belo falsete de Bono dizendo versos como: “I feel numb” e “Too much is not enough”. Tão original que é sem comparação com qualquer uma de “Achtung...”.

Outra pérola: “Lemon”. Mais uma cantada em falsete, agora com Bono retomando o centro do palco, lembra “Misterious Ways” por certa latinidade da percussão de Mullen Jr. Mas apenas de longe, pois é muito melhor e bem mais elaborada. A começar pelo riff, este sim minimalista como The Edge é craque, mas saborosamente criativo, forjado apenas no efeito de pedal, que se forma através de ressonâncias. O baixo de Clayton, idem: seguro como sempre, fazendo a base perfeita para esta world music moderna. Mas principalmente: o arranjo de Eno. Nesta faixa fica evidente o quanto o papel do eterno Roxy Music foi fundamental para a retomada da U2 à sua raiz de beleza estética com liberdade e ousadia. Os coros em tom menor, com contracantos acentuados, dão um exótico ar étnico à música. Impossível não lembrar das contribuições de arranjo e melodia de Eno para a Talking Heads em “Remai in Light” (“Born Under Punches”/“Crosseyed and Painless”/”The Great Curve”), de 1980, ou músicas de seus trabalhos solo como “No One Receiving” (de “Before and After Science”, 1977).

clipe de "Lemon", com direção de Mark Neale

Já “Stay (Faraway, So Close!)”, se não supera “One”, sua mais evidente correspondente em “Achtung...”, emparelha, ainda mais porque, balada sentimental tanto quanto, faz paralelo também com outra do álbum anterior, “Until...”, pois ambas são temas de trilhas sonoras de filmes do cineasta alemão Win Wenders – neste caso, a tocante continuação de “Asas do Desejo” homônima à canção. Virando a chave, “Daddy's Gonna Pay For Your Crashed Car” devolve energia a “Zooropa” – aliás, como até então não havia ocorrido. Tecno industrial com um riff bem sacado, bateria eletrizante e uma produção, meus amigos! Que habilidade numa mesa de som tem o sr. Brian Peter George St. John le Baptiste de la Salle Eno! Ele colore a música do início ao fim, ressaltando todas as texturas e detalhes que ela tem de melhor, mas sem tirar o brilho original, deixando os louros para a performance da U2. Distantes da espetacularização da turnê Zoo TV, a banda irlandesa realmente está espetacular.

Se “Daddy’s...” lembra em certa medida “The Fly” e “Zoo Station”, de “Achtung...”, “Some Days Are Better Than Others” equivale a "Tryin' To Throw Your Arms Around The World". Novamente, contudo, vencendo a disputa. E quão simbólica a letra para aquele momento de autorreconhecimento, quase um mea culpa: “Alguns dias você usa mais força do que o necessário/ Alguns dias simplesmente nos visitam/ Alguns dias são melhores do que outros”. Já a escondida “The First Time” é uma surpresa altamente positiva, que começa com uma leve base de baixo sob a linda voz de Bono para ir ganhando, aos poucos, outros instrumentos/elementos, que lhe aumentam a emotividade. Além disso, faz analogia com “Love Is Blindness”, última do trabalho antecessor. Mas como assim, se ela não encerra “Zooropa”? Aham! A estratégia narrativa usada para gerar estardalhaço anteriormente, agora era empregada a favor da feitura da obra. “The First...” prepara o terreno para a penúltima faixa, “Dirty Day”, outra que, assim como “Zooropa”, não se apressa em começar e a se desenrolar. Pop eficiente, tem o detalhe da voz de Bono sobre todos os outros sons, como que viva diante do microfone, expediente imortalizado por Eno e pelo produtor Tony Visconti em “Heroes”, de Bowie, em 1978, daquela mesma inspiradora fase alemã do Camaleão do Rock. 

Eno com Edge e Bono em estúdio
dando as coordenadas pra banda
Toda essa construção narrativa, quase como a de um filme ou de uma ópera-rock (seria a tragédia do famigerado personagem The Fly?), converge para um gran finale: “The Wanderer”. Pode ser que tenha sido coisa de Bono ou dos outros integrantes da U2, mas ninguém me tira da mente que a ideia de chamar o mitológico Johnny Cash para cantar triunfalmente a última faixa do disco foi de Eno. A base totalmente em teclados, contrastando com o estilo country-folk orgânico de Cash, dão uma clara pista de que a música surgiu desta ideia central pensada por ele. O estilo melódico, a reelaboração modernista do rock 50, os coros estilo Phil Spector, o refrão com melodia emotiva terminado em uma nota baixa e melancólica... Tal “The River”, de Eno e John Cale, tal “Golden Hours”, do seu solo “Another Green World”. Muita coincidência. Ou a U2 emulou Eno, ou essa música, meus amigos, é de Eno com participação da U2! O que, na verdade, é uma prova de grandiosidade da banda, que soube abrandar os egos e delegar a alguém um fator importante da obra, mas sem perder sua marca própria. Isso se chama maturidade.

E quanta beleza em “The Wanderer”! Escritos para o barítono embriagado Cash, os versos (de Bono, credite-se) largam dizendo: “I went out walking/ Through streets paved with gold/ Lifted some stones, saw the skin and bonés/ Of a city without a soul” (“Eu saí caminhando/ Pelas ruas pavimentadas com ouro/ Levantei algumas pedras, vi pele e ossos/ De uma cidade sem alma”). Uma clara referência ao clássico “Walked in Line”, imortalizada na voz do errante Homem de Preto, mas também à própria consciência da U2 pelas perigosas trilhas da fama. “The Wanderer” ainda serviu como uma homenagem em vida a Cash. Eterno outsider e já no ostracismo naqueles idos, ele viria a se revitalizar como artista e gravar seus últimos álbuns na série “American”, morrendo 10 anos depois daquela gravação (a versão definitiva de “One”, aliás, é de seu “American III”, de 2000). Um digno final de disco da U2, o mais tocante e melhor de sua discografia, mais bonito até do que “MLK” encerrando “The Unforgatable Fire” ou do que “All I Want Is You” fechando “Ratlle...”. Um final para desfazer mal-entendidos e enterrar qualquer piada de mal gosto que um dia tenham feito.

clipe de "The Wanderer", com participação de Johnny Cash

“Zooropa”, o melhor disco da banda em toda a década de 90 e seu último grande álbum, completa 30 anos de lançamento. Isso nos leva a deduzir que, há três décadas, a U2 desfazia um erro grotesco chamado “Achtung Baby” para, responsavelmente para com sua própria obra, dignidade e reputação, conceber “Zooropa”. O processo de concepção conduzido por Eno, livre das amarras do enterteinment e voltado às origens deles como músicos, foi tão rico, que rendeu, dois anos depois, o ótimo “Passengers: Original Soundtracks 1”, em que encarnam com humildade a inédita nomenclatura para compor trilhas sonoras para diversos filmes. Um pouco do que já era “Zooropa”: uma narrativa, uma história.

O certo seria Bono, Edge, Mullen Jr., Clayton e Eno, assim como fez a Milli Vanilli no passado, chamar a imprensa para uma coletiva e confessarem o engodo de "Achtung Baby" – de preferência, em Berlim, cidade acostumada a reconstruções e onde a farra foi cometida. Mas isso jamais acontecerá. Para mim, contento-me em ouvir “Zooropa” e saber que ele veio reestabelecer minha relação com a U2, o que vinha gradativamente perdendo força e sofrera considerável abalo quando do meu desmascaramento solitário. “Zooropa”, com sua força e identidade, zerou tudo. A U2 está para sempre desculpada.

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FAIXAS:
1. Zooropa - 6:30
2. Babyface - 4:00
3. Numb - 4:18
4. Lemon - 6:56
5. Stay (Faraway, So Close!) - 4:58
6. Daddy's Gonna Pay For Your Crashed Car - 5:19
7. Some Days Are Better Than Others - 4:15
8. The First Time - 3:45
9. Dirty Day - 5:24
10. The Wanderer - 5:42
Todas as composições de autoria de Bono Voz, The Edge, Larry Mullen Jr. e Adam Clayton

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OUÇA O DISCO


Daniel Rodrigues