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segunda-feira, 5 de julho de 2021

"Hachiko Monogatari", de Seijirô Kôyaman (1987) vs. "Sempre a Seu Lado", de Lasse Hallström (2009)




Pelé e Coutinho, Bebeto e Romário, Assis e Washington, Gullit e Van Basten, Maradona e Careca... Duplas perfeitas, companheiros feitos um para o outro, parceiros que se conheciam só pelo olhar. Assim como essas duplas lendárias do futebol, no universo do cinema, uma delas também encantou o público e produziu alguns momentos mágicos e inesquecíveis: Hachi e o Professor (seja o de agronomia da versão original, ou o de música, da refilmagem americana). Embora não sejam exatamente uma dupla de ataque, como as mencionadas acima, uma vez que nenhum dos dois, com seus temperamentos dóceis e cordatos, jamais atacariam alguém, a comparação se justifica pelo entrosamento e pela sintonia entre os dois.
Embora a história seja um pouco diferente em alguns pontos, tanto em "Hachiko Monogatari", de 1987, quanto em "Sempre a Seu Lado", de 2009, o que acontece é que um professor universitário adota um cão da raça akita e entre eles se desenvolve uma amizade acima de qualquer barreira. Qualquer barreira, mesmo! Até mesmo da morte, uma vez que, mesmo depois que o dono morre, durante um aula, Hachi continua o esperando na estação de trem, que foi o último lugar onde vira o amigo, embarcando no trem para lecionar em outra cidade. A diferença fundamental entre as versões, está no fato que, no primeiro, o cão é dado ao professor Uono, como um presente, e, no remake, ele é encontrado pelo professor Parker, por acaso, na estação de trem, perdido de sua carga original que iria para outra cidade.
Ainda que o filme original seja mais fiel à história verídica do cão fiel e seu dono falecido, ocorrida nos anos 1920, na cidade de Shibuya, no Japão, a versão adaptada americana funciona melhor cinematograficamente e o acaso do extravio, a indecisão inicial do que fazer com o bichinho, o acolhimento temporário que transforma numa adoção definitiva, dão uma contribuição melhor para a construção emocional do filme.

"Hachiko Monogatori" (1987) - trailer


"Sempre a Seu Lado" (2009) - trailer

E aí, por mais que o original tenha seus méritos, é exatamente nas "americanices", nos clichês, no apelo emocional que o remake ganha o jogo. O que muitas vezes seria defeito, neste caso específico, com um tema tão comovente e um personagem (canino) tão cativante, a aposta na "receita de bolo", aquela fórmula certa para tocar o espectador, foi extremamente acertada. E não que o filme antigo não pretenda emocionar, mas é que, se tem uma coisa que Hollywood é especialista, é nisso.
Assim, com um jogo simples, sem firula, sem enfeitar, jogando a bola na área na hora certa, ou seja, entregando para o espectador aquela cena emocionante em momentos chave, com uma série de jogadas manjadas mas eficientes, com um medalhão no time, Richard Gere, que entrega uma boa atuação, e com seu parceiro Hachi, ali, seguro, guardando a entrada estação de trem como se fosse a grande área, o time dirigido pelo bom técnico sueco Lasse Hallström, de "Minha Vida de Cachorro", se impõe diante de um bom adversário e vence a partida na casa do rival.

No alto, a dupla inseparável, nos dois filmes (à esquerda, o original).
Abaixo, a estátua para Hachiko, em Shibuya, no Japão.
Não tem estátua de grandes jogadores na frente de estádios?
A do nosso craque fica na frente da estação de trem, ora!


Um gol na jogada manjada de fazer o público chorar (mas que dá certo);
 outro da estrela do time Richard Gere, carismático e competente dando o toque de qualidade que o time precisava;
 e mais um pelo dedo do treinador, aliás experiente em assuntos caninos.
 O original faz o seu de honra pela boa qualidade do filme e pela maior fidelidade à história original. 
Placar final em Shibuya, no Japão: 3x1 para "Sempre a Seu Lado".
(A medalha de ouro não fica com os anfitriões)






Cly Reis

domingo, 9 de novembro de 2014

Robert Evans: o homem que bancou Coppola


Não sei o que mais chama a atenção nesta foto: a superbarba do Lee Marvin, o tapa-olho do John Wayne ou a elegância do Clint. Mas uma coisa eu sei: o que tem as mais escabrosas histórias a contar é o Robert Evans. O homem já era um milionário da Costa Leste, ligado à indústria da moda, quando foi descoberto por Norma Shearer nadando numa piscina de hotel em LA. Virou ator famoso, ainda que medíocre. Não se contentou: queria ser o novo Darryl Zanuck, o bambambam dos estúdios de “OIiú”. E conseguiu. Como produtor, tirou a Paramount da ingrata nona posição entre os maiores estúdios para o primeiro lugar – em apenas quatro anos, entre o fim dos 60 e o começo dos 70. Produziu “Love Story”, "O Poderoso Chefão", “Ensina-me a Viver”, “Chinatown” e “Maratona da Morte”.
Quando ninguém queria dirigir o filme inspirado no livro de Mario Puzo, foi ele quem teve a ideia de chamar Coppola, um jovem de 30 anos que tinha feito três fracassos até então, mas que reunia uma virtude: era o único diretor ítalo-americano da época. E um filme sobre a máfia só funcionaria se fosse comandado por alguém "de dentro" – até então, a maioria dos filmes de gângster eram dirigidos por judeus. E não emplacavam.
À época de ‘Love Story” (filme que causou uma explosão de nascimentos de crianças nove meses depois do lançamento), Evans casou com a Ali McGraw. Era rico, bonito, bem-sucedido, tinha a mulher mais linda da época e linha direta com Henry Kissinger. Enfim, a vida mais invejável do mundo, aparentemente. Mas ele se preocupava demais em trabalhar. Em novos sucessos. Depois de dois meses na Europa comercializando os direitos de “O Poderoso Chefão”, Evans lembrou de ligar para a esposa, que filmava “Os implacáveis”, com Steve McQueen. Pobre Evans. Logo para quem acabou perdendo a mulher. "Você poderia ser o homem mais poderoso do mundo, mas perder a esposa para McQueen fazia me sentir insignificante", reconheceu.
Dali em diante, Evans ainda emplacou algumas coisas nos anos 70, como o próprio “Chinatown”, baseado num roteiro que ninguém entendia. "Eu não compreendia aqueles diálogos, mas se o Robert Towne garantia que era bom, então eu insisti", relembra. Valeu e pena, tanto que ganhou tudo quanto é prêmio, como todos sabem. Fato é que a traição pesou. Nos 80, Evans apostou todas as suas fichas em “Cottom Club”, também de Coppola e com o Richard Gere, que acabou sendo um fracasso. Ali, na verdade, o próprio produtor já estava fracassando. Pirou na cocaína, foi parar num hospital psiquiátrico – de onde conseguiu fugir a muito custo. Perdeu sua mansão em LA. Como não conseguia se desvencilhar da velha vida, acabou alugando a ex-casa para morar. Pagava 25 mil dólares mensais – isso estando quebrado. A casa acabou recomprada por Jack Nicholson, que presenteou o amigo com o pequeno regalo.

Quando recomeçava, foi acusado de assassinato, em um processo inconclusivo que levou quase uma década. Nos 90, recomeçou como produtor, tentando emplacar porcarias como “O Santo”, “O Fantasma” e “Jade”. Ganhou dinheiro (e provavelmente mais alguma coisa da Sharon Stone) com “Invasão de Privacidade”. Na prática, a melhor coisa que fez desde então foi escrever o livro "The Kid Stays in the Picture", que deu origem ao documentário "O Show Não Pode Parar", de 2002 – onde conta tudo isso. Na carreira, no entanto, fico em dúvida entre as coisas pelas quais mais o admiro: 1) Ter batido pé para Coppola estender “O Poderoso Chefão”, quando o diretor entregou o filme com 2h7min; 2) Ter metido a mão na trilha de “Ensina-me a Viver”, colocando Cat Stevens no filme mais sui generis que já vi; ou, claro, 3) Ter casado com a Ali McGraw. Cara legal esse Evans.


por Ricardo Lacerda

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

cotidianas #327 - O Mate (Chimarrão), de Cortázar a Senhor dos Anéis


Os Quechuas chamavam de "mati" a infusão feita de folhas para beber proveniente de uma planta. Os Guaranis atribuíam esta erva à lenda da jovem "la Caá Yarí", mas nos primeiros séculos às autoridades religiosas espanholas catequizadoras diziam que o mate era coisa do diabo que "fomentava o ócio e contaminava a todos, não sendo bom para saúde da alma e do corpo". Mesmo assim, Julio Cortázar ao escrever não dispensava um bom mate, e pra onde quer que fosse levava sua cuia de "louça" e uma "yerbita buena", até o dia que ficou "puto" quando viu a mesma faltar em Paris. Este é um dos contos preferidos do amigo escritor José Francisco Botelho, amante do mate.
Julio Cortázar
Sabato e Perón, entre rodadas de mate e uma "amizade" abalada, se entreolhavam pra ver quem daria primeiro os pêsames pela morte de seus entes queridos. Perón tinha perdido Evita e Sabato três familiares. Artigas gostava de matear com a gauchada e seus "perros" Cimarrones na beira do fogo. Brizola mateou com Che Guevarra, que mateou com o Presidente Haedo. Entre as alfinetadas políticas de Haedo, uma cuia de mate pra acalmar os ânimos. Na selva boliviana, entre os pertences capturados com "El Che", uma pequena cuia com mate "virado" várias vezes.
Na fronteira do Rio Grande do Sul, o ator Richard Gere provou o mate, mas não gostou. Preferiu um tal pão "cacetinho". No set de "O Senhor dos Anéis", o ator americano Viggo Mortersen (Aragorn) levava sempre sua cuia e uma térmica (termo), e fez grande parte do elenco provar a bebida, recebeu um "thanks" da maioria, mas no fim conseguiu um parceiro, Sir "Gandalf" Ian McKellen, que sorveu e aprovou. Viggo morou na Argentina e pegou lá o costume e, por último, mateou até com o Papa Francisco no Vaticano.
O Uruguai é hoje maior consumidor de erva mate do mundo, seguido da Argentina. No Rio Grande do Sul, é chamado de "chimarrão" no norte e centro do Estado, e "mate" na fronteira com Uruguai e Argentina pela influência do espanhol. Entre conflitos seculares o mate também está presente nos costumes do Líbano e da Síria. Levado por imigrantes libaneses da Argentina, lá a infusão recebe o nome de "yer-bah mah-tay" e tem seu consumo ligado às tradições das famílias. Não lembro a primeira vez que tomei o mate, mas lembro de muitos amigos e pessoas que conheci por causa dele. Nenhuma outra bebida no mundo é capaz de agregar, unificar e “hermanar” tanto como "El Matecito", que é universal. A propósito, vou tomar o meu agora.

por Francisco Bino




Francisco Bino é Especialista em Vinhos e Viticultura, mas possui uma Confraria de Cerveja Artesanal. Cinéfilo, fã de cinema anos 70 e folclore sul-americano, ama cultura pop, é colecionador de discos dos Beatles e filmes clássicos. É apresentador do evento Underrock and Beer, na Serra Gaúcha, a única harmonização de cervejas artesanais com cenas clássicas do cinema. Também escreve e possui grupos de cinema no facebook.