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segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Arvo Pärt - “Tabula Rasa” (1977)



Duas das edições mais conhecidas
de "Tabula Rasa": ECM e DG
“A música de Arvo Pärt é como bater em uma parede e um buraco aparece nela, onde você pode ver um novo mundo do qual você não tinha a menor ideia de que existia.” 
Thom Yorke

“Pärt dá espaço para o ouvinte, e ele pode entrar e viver ali.” 
Björk

O século 21 decretou a morte da música erudita. Dos poucos compositores que restaram dos importantes para a história dessa tradição secular, quase todos sucumbiram. O começo do novo milênio os viu, um a um, se despedirem: Luciano Berio (2003), György Ligeti (2006), Karlheinz Stockhausen (2007), Pierre Boulez (2016), Sir Peter Maxuell Davies (2016). Até mesmo os “trilheiros” John Williams e Philip Glass ficaram sozinhos com a ida, praticamente nas duas últimas décadas, de Jerry Goldsmith (2004), Ennio Morricone (2020) e, mais recentemente, Ryuichi Sakamoto (2023).

Após séculos de permanente produção, de obras-primas da humanidade, de sublimações, de revoluções, de genialidades, de invenções de mundos, a arte musical clássica, enfim, se desgastava. Da era antiga ao Renascimento, do Barroco ao Romantismo, do Modernismo às vanguardas, parece que nada mais restara para se apresentar, entender, aprender ou subverter. Algo haveria de salvar a música clássica desta crise. Mas o quê? A resposta estava na batuta do maestro e compositor estoniano Arvo Pärt, o último bastião da música clássica mundial, que completou 90 anos em 2025. Sua obra-símbolo: “Tabula Rasa”, de 1977, marco na história da música do século 20 e talvez a última grande obra da música erudita – até aqui.

Pärt é um desses compositores cuja produção criativa mudou significativamente a forma como se entende a natureza da música. Em 1976, após anos de pesquisa, interrupções e introspecção, e por ter passado pelos mais variados estilos (neoclassicismo, dodecafonia, serialismo, sonorismo, colagem e aleatoriedade), ele criou uma linguagem musical única chamada tintinnabuli (latim para "pequeno sino"), a qual define seu trabalho até hoje. A técnica, em essência, une duas linhas monódicas de estrutura – melodia e tríade – em um conjunto inseparável. Ela cria uma dualidade original de vozes através da qual confere um novo significado aos eixos horizontal e vertical da música, ampliando a percepção da música tonal e modal em seu sentido mais amplo.

Claro que, como todo compositor talentoso da União Soviética comunista, a exemplo dos conterrâneos Shostakovitch, Prokofiev e Stravinsky, uma vez que sua Letônia só se emancipara do Bloco em 1991, Pärt teve problemas com o governo. Por um lado, ele era visto como um dos compositores mais originais e notáveis de sua geração. Por outro, muitas de suas obras compostas na década de 1960 foram duramente criticadas, sobretudo “Credo”, de 1968, pelo impacto "perigosamente" forte que teve sobre o público. O texto em latim "Credo in Iesum Christum", constante no libreto, era uma confissão aberta e sincera do compositor de sua religiosidade cristã, o que foi considerado provocativo e contrário ao regime soviético da época. “Credo” foi praticamente proibida e Pärt, assim como sua música, caiu em desgraça por vários anos.

Curiosamente, foi justamente nesse período de reclusão e crise interna, o qual durou até 1976, que fez o compositor chegar à sua autoexpressão. Convertido à Igreja Ortodoxa, em 1972, e voltado intensamente para a música antiga, dedicando-se ao estudo do canto gregoriano, da Escola de Notre Dame e da polifonia renascentista, Pärt chega, enfim, ao tintinnabuli. “Tabula Rasa” (“Folha em Branco”, na tradução do latim), dos primeiros trabalhos resultantes desse longo processo do autor, não poderia ter um nome mais significativo.

Concerto de pouco menos de meia hora de duração escrita para cordas, piano preparado e dois violinos solo, "Tabula Rasa" contém apenas dois movimentos: “Ludus” e “Silentium”, que se complementam entre si em estrutura e expressão. “Ludus” (“Jogo”) mostra os dois violinos solo brincando em campos de lá menor, suavemente a princípio (após sua declaração fortissimo do centro tonal) e frequentemente interrompidos por silêncios. O “jogo” cresce em volume e atividade rítmica até explodir em uma cadência climática, um turbilhão de arpejos para os solistas e o piano preparado (ou seja, parafusos de metal e feltros inseridos entre as cordas do piano, produzindo "um efeito de cor tonal alienada"). A sensação gerada por Pärt neste movimento é de elevação. O Deus de Pärt está ali, definitivamente. Impossível o ouvinte ficar passivo à sua força emocional.

Já “Silentium” (“Silêncio”) é puro "tintinnabulismo": com elementos que conversam com a primeira parte, traz suaves oscilações triádicas sobre escalas no baixo. No final, os instrumentos vão desaparecendo gradualmente à medida que a música penetra nas profundezas. Densa, contristada, absoluta de espírito. Sem pressa em sua fé e expressividade.

Pärt e seu tintinnabuli influenciariam grande parte da música contemporânea, como Björk, Steve Reich, Radiohead, PJ Harvey e Nick Cave, que celebram ainda outras obras marcantes do compositor como "Spiegel im Spiegel" (1978), "Cantus in Memory of Benjamin Britten" (1977), "Collage über BACH" (1964) e "Te Deum" (1993). Diferentemente de outros inventores de técnicas composicionais modernos, como o jazzista Anthony Braxton e o israelense Osvaldas Balakauskas, cujos métodos são tão intrincados como exclusivos, Pärt, com seu proveito dramático dos silêncios, os ataques poderosos, o uso estratégico das dissonâncias e a expressão de uma profunda espiritualidade, alcançou o coração das pessoas. Se a música erudita tal qual a humanidade conhece acaba em Pärt, ao menos simboliza um final à altura. Mais do que isso, um final em que, curiosa e simbolicamente, termina onde tudo começou, nos primórdios da humanidade: numa "tabula rasa".

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O CD "Tabula Rasa", editado pela Deutsche Gramophon em 1999, traz, além deste concerto, "Fraters", composição da mesmo fase e ano, 1977, e a "Sinfonia nº 3", de 1971, considerada uma composição precedente do ainda não criado método composicional pärtiano. Já a versão da ECM, que detém os direitos da obra do compositor estoniano, editada em 1984, reúne duas versões de "Fraters": uma com a luxuosa execução de Gidon Kremer, ao violino, e Keith Jarrett, ao piano, e outra com arranjo da Orquestra de 12 Celistas da Filarmônica de Berlim. Inclui também "Cantus In Memory of Benjamin Britten" (Orquestra Staatsorchester de Stuttgart) e, claro, a própria "Tabula Rasa", que ganha execução da Lithuanian Chamber Orchestra, sob regência de Saulus Sondeckis, piano preparado pelo pianista e compositor russo Alfred Schnittke e violinos de Gidon Kremer e Tatjana Grindenko.

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FAIXAS:
Ed. Deutcsche Gramophon:
1. "Fratres" - For Violin, String Orchestra And Percussion (Roger Carlsson, Gil Shaham, Göteborgs Symfoniker, Neeme Järvi) - 09:43
a. "Ludus: Con moto" - 09:50
b. "Silentium: Senza moto" - 13:17
3. "Symphony No.3" (Göteborgs Symfoniker, Neeme Järvi)
a. "Attacca" - 06:59
b. "Più mosso Attacca" - 09:09
c. "Alla breve" - 09:09

Ed. ECM:
1. "Fratres" (Piano – Keith Jarrett/ Violin – Gidon Kremer) - 11:24
2. "Cantus In Memory Of Benjamin Britten" (Conductor – Dennis Russell Davies/ Orchestra – Staatsorchester Stuttgart) - 5:00
3. "Fratres" (The 12 Cellists Of The Berlin Philharmonic Orchestra) - 11:49
4. "Tabula Rasa" (Conductor – Saulus Sondeckis/ Orchestra – Lithuanian Chamber Orchestra/ 
Piano Prepared – Alfred Schnittke/ Violin – Gidon Kremer, Tatjana Grindenko) - 26:26

OUÇA:

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Daniel Rodrigues


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Música da Cabeça - Programa #45



O Carnaval tá chegando, mas aqui no programa a gente nunca para de pular. Nem que seja com o pop world music de Peter Gabriel e Sting, com o jazz de Lee Morgan, com a batucada de Aracy de Almeida, com o tecno pop do Kraftwerk e até com o concretismo eletroacústico de Karlheinz Stockhausen. Tudo dá samba no Música da Cabeça! Estes e outros alalaôs no programa de hoje, que terá “Música de Fato”, “Palavra, Lê” e a volta do quadro “Cabeção”. Pega tua fantasia e vem escutar o programa de hoje, às 21h na passarela da Rádio Elétrica! Produção, apresentação e serpentina, Daniel Rodrigues.



segunda-feira, 27 de maio de 2024

Philip Glass - "Symphony Nº 4 'Heroes'” ou "'Heroes' Symphony - by Philip Glass from the Music of David Bowie & Brian Eno” (1997)



As várias capas e edições de "Heroes" pelos selos
Point Music, Orange Mountain, Universal e Decca
  
“A influência contínua destas obras, ‘Low’ e ‘Heroes’, garantiu a sua estatura como parte dos novos ‘clássicos’ do nosso tempo. Assim como os compositores do passado recorreram à música do seu tempo para criar novas obras, o trabalho de Bowie e Eno tornou-se uma inspiração e ponto de partida para uma série de sinfonias de minha autoria”.
 
Philip Glass

Chegados os anos 90, Philip Glass já era uma lenda digna da idolatria. Ligado à música de vanguarda da Costa Leste norte-americana, pela qual surgiu nos anos 60, o autor das “Glassworks” e de peças revolucionárias como “Music in Twelve Parts”, “Koyaanisqatsi” e "Metamorphosis" já havia ultrapassado a linha entre erudito e popular fazia muito tempo, desde suas trilhas sonoras marcantes para o cinema quanto por sua aproximação com o rock e a world music. Porém, afeito a desafios, Glass deu-se conta de um gap em sua já extensa obra àquela época: por incrível que parecesse, faltava-lhe ainda a composição de uma sinfonia. Sim, Glass havia escrito óperas, concertos, corais, peças para câmara e teatro, prelúdios, partitas, balês, sonatas, trilhas sonoras e toda categoria musical que se possa imaginar. Menos sinfonia, justamente o gênero que tanto consagraria os grandes nomes da música clássica, aquele pelo qual os fariam mundialmente conhecidos, como Beethoven (5ª e ), Mahler (Trágica), Mozart (41ª ou Júpiter), Berlioz (Fantástica) e Shostakovich (8ª).

Glass precisava preencher essa lacuna. No entanto, dada a importância deste tipo de obra para um autor do gabarito dele, entendia que precisava ser algo especial. O “coelho da cartola” foi, mais uma vez, a versatilidade e o ecletismo: usar o rock como base para isso. Igual ao que compositores clássicos antigos faziam ao se referenciarem na obra de seus ídolos, só que de uma forma bem inovadora. Sobre temas do clássico disco “Low”, de David Bowie, de 1977, gravado na Alemanha e cuja batuta de Brian Eno mereceu-lhe créditos de coautoria, Glass elaborou sua primeira sinfonia em 1992. Um sucesso de crítica e, principalmente, junto aos próprios Bowie e Eno, que adoraram a homenagem, O mais legal da rica versão de Glass para as faixas do Lado B de “Low”, as de caráter mais ambient e avant-garde do álbum, foi que ele não criou uma ópera-rock, dando somente um teor erudito a sonoridades pop mas, sim, extraindo o que havia de “erudito” de cada música, de cada detalhe, fosse na instrumentalização, no redesenho sonoro ou mesmo na escolha de quais faixas usar.

Caminho aberto para as sinfonias, e Glass, então, não parou mais. Escreveu, nos anos subsequentes, as de nº 2 (1994) e nº 3 (1995) - formando, atualmente, 14 peças neste celebrado formato. Porém, a talvez melhor de sua carreira seja a que veio logo a seguir, em 1997: a “Sinfonia nº 4” ou simplesmente “Heroes”. Animado com a primeira experiência sinfônica e encorajado pelos próprios autores, Glass repete a dose de se inspirar noutro álbum célebre de Bowie/Eno: “Heroes”, de 1978, que forma, junto com "Low" e “Lodger”, de 1979, a famosa trilogia alemã que redefiniu o futuro da música pop com sua ousada combinação de influências da world music, da vanguarda experimental e do rock.

A experiência das sinfonias anteriores - bem como dos trabalhos com grande orquestra, como as óperas - foi, contudo, fundamental para que Glass chegasse à sua quarta empreitada neste tipo de obra mais equipado musical, formal e esteticamente. Glass sabia exatamente como fruir os sons e arranjos das canções originais para criar uma peça ainda mais singular. Ele utiliza flautins, clarinetes baixos, metais (trompete, trombone, trombone baixo, trompa e tuba), percussões (tambor lateral, tambor tenor, bumbo, pandeiro, pratos, triângulo, vibrafone, tam-tam, castanholas e carrilhão), harpa, celeste e cordas (violino, viola, violoncelo e contrabaixo).

O melhor exemplo é o tema-título, o "1º Movimento". Quem escuta os acordes orquestrados de Glass dificilmente identifica a música de Bowie, aquele glitter rock potente e dramático. Aliás, talvez a única característica mais visível que ele tenha mantido nos quase 10 minutos que se transcorrem (em detrimento dos aproximadamente 3min30' da versão comercial de Bowie ou, no melhor dos casos, dos pouco mais de 6min da versão estendida) seja a dramaticidade, tendo em vista que a transforma num adagio instrumental cheio de idas e vindas, volumes e variações de intensidade, Mas, principalmente: o veterano minimalista deu uma personalidade única à música, recriando-a. O entendimento de Glass sobre o que ele ouve em “Heroes” é tão singular quanto genial, coisa de quem tem ouvido absoluto ou uma outra percepção sobre as coisas: uma audição além daquilo que os reles mortais alcançam. 

A “Heroes” de Glass, por sinal, é mais colorida do que a séria expressividade dada pelo autor da canção. E não se ceda à tentação de cogitar que a “Heroes” sinfônica é meramente uma orquestração do tema que a originou, como se fosse possível encaixar uma sobre a outra. É, sim, uma outra “Heroes” - ou melhor, a mesma, só que sentida de outra forma. E embora as dessemelhança, por incrível que pareça, há ainda um fio de identificação, como que a "alma" da criação tivesse se mantido. A se pensar em outros trabalhos da música erudita dos anos 90, década pouco densa em obras significativas nesse campo em relação a suas antecessoras, “Heroes, Moviment I” é comparável a outras três marcantes obras: “Kristallnacht”, de John Zorn, "Food Gathering in Post-Industrial America, 1992", de Frank Zappa, e “Blu”, de Ryuichi Sakamoto.

Na sequência, “Abdulmajid”, de um arranjo primoroso, pega emprestada com suavidade a atmosfera árabe deste b-side de “Heroes”, uma world music bastante eletrônica em sua concepção primal, próximo ao som de Jon Hassell e Terry Riley. Ela ganha, agora, um conjunto de cordas em variações de 5 e 7 tempos, castanholas e uma percussão cintilante de sinos, esta última, executora do “riff”. Assim como o movimento inicial, este andante é prova da tarefa nada óbvia a que Glass se propôs, uma vez que seria, por exemplo, muito mais fácil arranjar para orquestra o tema de feições orientais (e já instrumental) “Moss Garden”, uma das faixas de “Heroes” de Bowie que não aproveitou. Já “Sense of Doubt”, originalmente instrumental, é provavelmente a que menos trabalho lhe deu em adaptar, visto que sua estrutura melódica forjada nos sintetizadores já intui o som da orquestra.

Para “Sons of the Silent Age”, mais uma das originalmente cantadas assim como “Heroes”, Glass suprime as vozes e dá a roupagem mais clássica de todas do repertório. Elegante, explora bastante os sopros doces em contraste com os registros graves de tuba e trombone baixo. Pode-se dizer um balê glassiano, que traz as repetições circulares de cordas e sopros, as quais dão a sensação hipnótica peculiar de sua música, mas ao mesmo tempo bastante renascentista, fazendo remeter a outros mestres formadores de sua musicalidade como Bach e Mozart.

Outra que Glass consegue unir a originalidade de seu olhar sobre a obra alheia e o frescor daquilo em que se baseia é “Neuköln”, a música que os ingleses Bowie e Eno compuseram em homenagem a um dos bairros de Berlim no período em que se refugiaram na capital alemã para produzir “Low/Heroes/Lodger”. Nesta, o compositor norte-americano se esbalda sobre a ideia-base, a de uma peça eletroacústica que conjuga sintetizadores, guitarras e frases arábicas de um áspero sax alto tirada do atonalismo de Cage e La Monte Young, admirados por Eno. Sabedor de todos estes caminhos como poucos, tanto dos antecessores quanto dos contemporâneos, Glass reúne as pulsões sonoras distintas e promove uma reunião de tempos e intenções, redimensionando a própria música. Ele não deixa de aproveitar nenhuma nota, nenhum som para atribuir a “Movement V - Neuköln” um caráter particularmente épico. 

Encerrando, outra na qual Glass mostra o quanto suas antenas são capazes de sintetizar mundos. Homenagem de Bowie e Eno aos pais do pop eletrônico, a banda alemã Kraftwerk, ‘V2 Schneider” (referência ao sobrenome de um dos fundadores e principais compositores dos “homens-máquina”, Florian Schneider) ganha uma retextura de Glass à sonoridade high-tech em um corpo sonoro tradicional e secular. Conforme diz o crítico musical especializado em música clássica Richard Whitehouse, “V2 Schneider” abre com movimentos rítmicos animados em metais e percussão, cordas e sopros trocando temas à medida que a música ganha em incisividade. “O movimento rítmico solidifica-se num ostinato pulsante, ao longo do qual a atividade ganha intensidade textural e dinâmica, construindo um pico de que é encimado pelo vigoroso acorde de encerramento, arredondando assim toda a obra com um efeito decisivo”, completa. Ao traduzir Bowie/Eno, Glass retraduzia o kratrock alemão presenciado in loco pela dupla britânica e, por tabela, todos os que inventaram a música eletrônica, como o “germaníssimo” Karlheinz Stockhausen e a turma da Música Nova de Darmstadt dos anos 50.

Em 1971, dois jovens músicos de aparência kitsch interessados em arte para além do rock assistiam empolgados à estreia em Londres de “Music in Changing Parts”, obra da primeira fase de Glass. Esses jovens eram David Jones e Brian de La Salle Eno, já artistas consagrados, mas nem por isso incapazes de admirar um de seus heróis na música. Tamanha reverência parece ter, de alguma forma, influído para que esse “herói” concretizasse, mesmo que apenas mais de três décadas depois, a autoexigência de compor sinfonias tendo como objeto exatamente aqueles dois rapazes fãs de tanto tempo. Sucessor de “Low” na fase alemã de Bowie, “Heroes” fazia-se, agora sinfônico, igualmente sucessor, mas na carreira de Glass - que ainda concluiria a veneração à trilogia berlinense com “Symphony Nº 12  - Lodger”, de 2022. Criadores e criaturas se intercambiam e se referenciam mutuamente. Como dizem os versos da música que dá nome a ambas as obras, a de Bowie/Eno e a de Glass, “Nós podemos ser heróis”. Todos são.

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Como ocorre com obras do catálogo ligado à música clássica, “Heroes Symphony” ganhou mais de uma edição. Em pelo menos duas delas, a peça vem acompanhada no CD de outras duas também orquestrais: o "Concerto para Violino", de 1987 (edição Deutsche Grammophon/Decca, de 2014), e outra em conjunto com “Low Symphony” (Universal, 2003). 

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FAIXAS:
1. “Movement I - Heroes” (David Bowie/Brian Eno) - 9:28
2. “Movement II - Abdulmajid” (Bowie/Eno) - 9:24
3. “Movement III - Sense of Doubt” (Bowie) - 7:29
4. “Movement IV - Sons of the Silent Age” (Bowie) - 8:37
5. “Movement V - Neukoln” (Bowie/Eno) - 7:58
6. “Movement VI - V2 Schneider” (Bowie) - 7:17

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues