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quinta-feira, 15 de abril de 2021

cotidianas #714 - "Um Dia Útil"



de manhã eu
levantei, fiz xixi
li o jornal
sem escovar o dente

tomei café com leite (como sempre correndo)
me arrumei, fui trabalhar
nem lembrei de dizer tchau pro povo lá de casa

fui tocar música com meus amigos músicos
aí eu canto (o dia inteiro eu canto)
e canto, e canto, e canto, e canto

às vezes pra ninguém porque é ensaio
às vezes pra ninguém mesmo não sendo ensaio
mas sempre junto com meus amigos músicos

e quando vai a multidão
parece que eu sou tão importante
depois acaba tudo
e eu volto quieto pra casa

e quando eu chego lá em casa
tá todo mundo dormindo
tá tudo escuro
escuro pra burro

eu fico olhando a rua pela janela de casa
é madrugada
eu sozinho com eles dormindo

desligo
a última luz da casa
vou dando trombada
até o quarto dos moleques

beijo eles, um por um
cubro eles, um por um
tropeço um bocado
pra chegar na minha cama

eu dou
um beijo leve e demorado
nos cabelos
da minha mulher que dorme

eu tiro a roupa
eu deito acordado
eu tô nu
eu me cubro
olhos arregalados numa fresta de luz no teto

e eu sonho sozinho
com meu coração pequenininho
minha compreensão também pequenininha
do conjunto das coisas todas

eu, com medo da morte, e tudo mais
sonhando sozinho, eu me pergunto
se quando a gente canta alguém presta atenção na letra

mas eu tento tentar dormir
aí vem aquele monte de dúvidas
que a gente tem quando trabalha como artista

e vem fé e vem tristeza e vem alegria
e tesão e neura e fantasia
e dionísio e ditadura

e eu não sei, não sei, não sei, não sei...
eu pego no sono
eu preciso dormir um pouco
e sonhar muito

porque se o cara não descansa ele não canta direito
e não leva sustança
pro coração do cidadão comum

e amanhã é mais um grande dia
um dia comum de muito trabalho
um dia grande
que nem um diamante

um longo dia belo
um baita dia duro e lindo
eu ganho pra estar brilhante
num dia útil

um dia útil
um dia útil
um dia útil

********************

"Um Dia Útil"
Maurício Pereira

Ouça:
Um dia útil - Maurício Pereira

domingo, 5 de julho de 2020

Teaser entrevista Maurício Pereira - Música da Cabeça #170


O Música da Cabeça especial de nº 170 traz uma entrevista com Mauricio Pereira. Confira o teaser do programa, que é na próxima quarta-feira, às 21h, na Rádio Elétrica.



sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Exposição "Castelo Rá-Tim-Bum” - Praia de Belas Shopping - Porto Alegre/RS


A exposição já passou, mas o sentimento ficou. Aliás, mantém-se presente há 25 anos desde que “Castelo Rá-Tim-Bum”, da TV Cultura, uma das séries infanto-juvenis mais famosas da televisão brasileira, foi ao ar. Leocádia e eu estivemos na exposição em homenagem à esta querida série televisiva, que esteve por aproximadamente de dois meses no Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre, mas que só no finalzinho deu pra vermos com a atenção que merecia. No meu caso, até a tinha percorrido no dia da estreia, em junho, mas a trabalho, o que atrapalha uma apreciação mais pormenorizada. Por isso, mesmo a alguns dias de fechar, foi super válido temos visitado.

A exposição – que está partindo para outras cidades brasileiras, aliás – reproduz o ambiente e os espaços da premiada série, que esteve no ar entre 1994 e 1997. Criada pelo dramaturgo Flavio de Souza e pelo diretor Cao Hamburguer, “Castelo Rá-Tim-Bum” marcou uma geração inteira com cenografias bem trabalhadas, música de qualidade e roteiros inteligente e educativos, que ensinavam desde práticas de higiene até detalhes sobre acontecimentos históricos. Tudo com humor, sagacidade, ludicidade e, principalmente, aquilo que gosto de destacar quando se trata de obras voltadas para o público infantil: sem fazer pouco da inteligência dos pequenos..

Croqui do figurino de Nino com as anotações do próprio autor
Organizada pela Acervo 21 em parceria com o Praia de Belas e a TV Cultura, a atração contou com uma estrutura enxuta da mesma, que já recebeu aproximadamente 1,5 milhão de visitas em São Paulo e Distrito Federal. Mas nem por isso ficou devendo, visto que, com o que foi montado, todo o universo da série pode ser captado muito bem. Com recursos interativos, figurinos e peças do acervo original da TV Cultura, a mostra reconstrói os ambientes do Castelo, onde Nino (Cássio Scapin), Morgana (Rosi Campos), Dr. Victor (Sérgio Mamberti) e outros personagens viviam.

Já na entrada, o simpático Nino dá as boas-vindas através de uma projeção muito bem realizada, gravada pelo próprio ator Cássio Scapin, que interpretava o personagem. O passeio segue por outros ambientes do castelo, como o saguão com a árvore da cobra Celeste, a Biblioteca do Gato Pintado e o esgoto dos monstrinhos Mau e Godofredo.

Os figurinos originais, assinados por Carlos Alberto Gardin, também fazem parte da exposição, assim como alguns bonecos e objetos utilizados na gravação da série. Destaque para os croquis, alguns com as indicações escritas a mão por Gardin, e figurinos ricos como o de Morgana e do índio Caipora, quase um punk pós-moderno.

A cobra Celeste foi substituída por um boneco mecânico, mas conversa com as crianças na voz original do personagem, além da banheira do Ratinho, que ganhou uma sala especial. Em todos os ambientes há também televisões exibindo trechos do programa, com destaque para o vídeo da gostosa (e didática) “Lavar as Mãos”, composta por Arnaldo Antunes especialmente para a série. Por falar em música, esse era outro trunfo do programa, uma vez que sua trilha reunia, além de Arnaldo, um pessoal muito talentoso e afim com o conceito lúdico do "Castelo", como André Abujamra, Maurício Pereira, Hélio Ziskind, Ed Motta, Fernando Salem, Paulinho Moska e outros.

O clássico "Lavar as Mãos", de Arnaldo Antunes


Mesmo sendo de uma época em que já era adolescente, e, por isso, não diretamente ligado à programação infantil, lembro sempre com carinho do “Castelo Rá-Tim-Bum” na tevê, que conquistava pessoas de qualquer idade com a qualidade que tinha. Ver a exposição, dessa forma, foi bastante prazeroso de algo que sempre valorizei. Confira algumas fotos e vídeos que fizemos durante nossa vista à exposição:

Leo, Nino e eu
A Biblioteca do Gato, espaço mais impressionantemente real da exposição

O boneco original do Gato
Leocádia confere o rico espaço da personagem Morgana

O suntuoso figurino usado pela atriz Rosi Campos, assinado por Carlos Alberto Gardin

Detalhes da cenografia
O típico chapéu de bruxa de Morgana

O livro falante de Morgana, também original da série
A árvore da cobra Celeste, que conversa com a visitante que foi fazer uma foto
Outro lindo ambiente da mostra
Detalhe super artístico da cenografia da série
O traje original de Nino usado pelo ator Cássio Scapin
Maquete original do circo usado na Sala de Música da série
A roupa do intelectual Pedro, vivido por Luciano Amaral na série

Mais beolos croquis de Gardin

O índio Caipora: figura de um punk pós-moderno

Rico em detalhes o desenho para formar o personagem do Caipora

Godofredo e Mau: mais divertidos, impossível
Crianças se divertindo na banheira do Ratinho
O Ratinho original feito em massinha
A letra da famosa música "Ratinho Tomando Banho" de Hélio Ziskind

Aí este que vos escreve também aproveito pra tomar uma ducha
com o Ratinho, afinal, "Banho é Bom" como diz a música

E ninguém melhor que ele pra terminar


texto: Daniel Rodrigues
fotos: Daniel Rodrigues e Leocádia Costa


quinta-feira, 11 de abril de 2019

cotidianas #626 - Eu Vi



Existem mil estórias de carro e racismo e essa é uma delas.
Eu vi,
Socorro!
Eu vi.
Era um sábado à noite (era um sábado à noite),
Rua Augusta, um Passat (Rua Augusta, um Passat),
No Passat dos negões (no Passat dos negões),
Eu vi! eu vi!
O som rolar de dentro do Passat.

E a polícia vem descendo (e a polícia vem descendo)
Camburão mandou o Passat, ele parar.
Mão no pescoço, todo mundo fora do Passat.
Revistando os negros, parece que eles tavam limpos.
E eu vi!
Eles tavam limpos eu vi!
Um motoqueiro...
Parou bem do meu lado
E ele disse assim:
"é duro ser preto!
É duro ser preto!
É duro ser preto!
É duro ser preto!"
É duro ser preto!
Disse o motoqueiro branco
pra mim.
É duro ser preto!
Disse o motoqueiro branco pra mim.

Era um sábado à noite (era um sábado à noite),
Rua Augusta, um Passat (Rua Augusta, um Passat),
No Passat dos negões (no Passat dos negões),
Eu vi! eu vi!
Juro que eu vi!
Eu nunca me esqueci!
Era um sábado à noite...

***************
"Eu Vi"
Os Mulheres Negras
(letra e música de Maurício Pereira e André Abujamra)

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Promoção "Post Mortem"



Tem conto meu, Cly Reis, na nova antologia da editora Multifoco"Post Mortem", organizada por Frodo Oliveira e Marla Figueiredo. Em mais este projeto coletivo da editora desta vez o destaque é para o universo dos contos policiais e se você quiser saber em primeira mão quem matou Lady Collinsworth, a personagem assassinada no meu conto, desvendar outros mistérios, conhecer astutos assassinos, serial killers, determinados homens da lei ou sagazes detetives não deixe escapar esta chance.
Quer ganhar o seu?
Basta dar um CURTIR lá na nossa página do página do ClyBlog no Facebook ou um LIKE no nosso Twitter na promoção "SORTEIO POST MORTEM" e você estará concorrendo a um exemplar.
Vai lá. Crime é não participar.

O sorteio acontece no dia 28 de outubro. Não deixe de participar!





"Post Mortem"
organização de Frodo Oliveira e Marla Figueiredo


autores participantes:
Cly Reis
Amanda Leonardi
Bruno Nascimento
Caiuã Araújo Alves
Cesar Bravo
Clarck Duque
Davi M Gonzales
Dionísio Ferreira
Fabio Baptista
Felipe Lucchesi
Frodo Oliveira
Gabriel Pereira
Gutenberg Löwe
Ítalo Poscai
J.R.R. Santos
L.P.S. Mesquita
Marta Arêas Campos
Maurício R B Campos
Rafael Pelegrino Furlani
Ricardo Guilherme dos Santos
Rô Mierling
Washington Luis Lanfredi
Zulmênia do Vale


Você também pode adquirir o livro na Loja Virtual da editora Multifoco

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

"Post Mortem" - organização Frodo Oliveira e Marla Figueiredo (Vários autores) – Ed. Multifoco (2016)




"Para os leitores que gostam de
 sangue, suspense e mistério se deliciarem
com histórias que vão do moderno suspense psicológico
 ao clássico “quem é o assassino?
Porque a vida pode acabar em qualquer esquina mal iluminada,
mas o suspense está apenas começando.”
texto de apresentação do livro
na contracapa



Foi lançada na última Bienal do Livro em São Paulo, em sua 24ª edição, a antologia "Post Mortem", mais uma excelente iniciativa da editora Multifoco, incentivando e dando espaço para novos autores uma vez que seu projeto abriu seleção para autores do Brasil inteiro para apresentarem contos de ênfase policial.

O ClyBlog tem a honra de ter um conto representado nesta coletânea, de minha autoria, originalmente foi apresentado na nossa seção Cotidianas, que invariavelmente rende bom material para este tipo de concurso, já tendo contos e crônicas selecionados para várias outras publicações. A versão final para o livro tem pequenos ajustes e diferenças da do blog sendo assim, altamente recomendável que, embora o texto esteja ainda disponível aqui no nosso espaço, seja lido na ver~soa impressa, até pela contextualização no conjunto da publicação.

O conto "O Assassinato de Lady Collinswoth", pelo qual tenho muito carinho, homenageia, de certa forma, o gênero mistério dentro da literatura policial. O típico mistério consagrado por Agatha Christie, Arthur Conan Doyle, George Simenon, Edgar Allan Poe. O mistério de detetive, o mistério que só uma mente aguçada e sagaz poderia resolver. Será? Bom, não vou me estender mais no comentário pois dada a natureza do conto qualquer detalhe pode estragar a surpresa.
A antologia foi organizada por Marla Figueiredo e Frodo Oliveira, que inclusive assina a autoria de um dos contos  e conta com outros 21 novos autores que tiveram essa bela oportunidade de mostrar seuss trabalhos. São eles Amanda Leonardi, Bruno Nascimento, Caiuã Araújo Alves, Cesar Bravo, Clarck Duque, Davi M Gonzales, Dionísio Ferreira, Fabio Baptista, Felipe Lucchesi, Gabriel Pereira, Gutenberg Löwe, Ítalo Poscai, J.R.R. Santos, L.P.S. Mesquita, Marta Arêas Campos, Maurício R B Campos, Rafael Pelegrino Furlani, Ricardo Guilherme dos Santos, Rô Mierling, Washington Luis Lanfredi e Zulmênia do Vale.

Assim que tivermos a publicação em mãos e a apreciado com a devida atenção, com certeza publicaremos aqui uma análise mais pormenorizada da obra. Por enquanto fiquem com um pequeno gole d"O Assassinato de Lady Collinsworth", mas cuidado, pode ter veneno.


"Mr. Line, no entanto continuava, vaidosamente, em sua exposição valorizando detalhes e salientando pormenores, como sempre fazia nos casos que desvendava, quando foi educadamente interrompido pelo mordomo Adam..."
trecho de "O Assassinato de Lady Collinsworth"




por Cly Reis

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Os Mulheres Negras - "Música e Ciência (1988)


“Um marco na ciência aplicada à música pop no terceiro mundo.”
 Maurício Pereira


Semana passada tive uma notícia que alegrou a mim e a um bocado de gente nas redes sociais: Os Mulheres Negras vão voltar. Esses paulistanos, que já vinham ensaiando um retorno desde 2009, agora se reúnem novamente para, provavelmente, lançar um novo disco – o provavelmente intitulado “Música, Guerrilha e Quitanda”. Esta incerteza toda é porque, quando se trata de Os Mulheres Negras, nada é lá muito confiável, pois tudo que sai deles carrega um quê de palhaçada. O provável nome do novo trabalho, por exemplo, segue a linha dos únicos outros dois lançados pela banda: “Música Serve Pra Isso” (1990) e “Música e Ciência” (1988), este último o grande disco de estreia da “terceira menor big band do mundo”, como se autointitulam (não me perguntem quem são as duas primeiras, pois acho que nem eles fazem ideia).
Banda totalmente atípica, já começa espirituosa tanto no nome como na formação e visual: Os Mulheres Negras é composta por apenas dois homens brancos, e a concordância errada se deve a uma esquisita homenagem às cantoras afrodescendentes. Versáteis e criativíssimos, o magro Maurício Pereira, vocal e sax, e o gordo André Abujamra, vocal e todos os outros instrumentos, se apresentam sempre de capa e com um chapéu que parece um xaxim. “Música e Ciência”, saborosamente eclético e artesanal, é experimental na medida certa, misturando diversos estilos ao toque cênico e cômico típico da Lira Paulistana (Maurício e Abujamra são também atores, constantemente vistos ou ouvidos em comerciais de TV, filmes, teatro, etc.). Seu título pode ser entendido como “Diversão e Técnica”, pois é evidente o quanto a dupla se diverte nas gravações, porém executando tudo com a técnica de ótimos músicos que são. Ou seja, no fundo, é um trabalho realmente sério e criterioso.
Inteligente e engraçado, o disco é delicioso de se ouvir de cabo a rabo. A primeira faixa já dá indício dessa mescla de musicalidade e humor. “Orelhão”, uma salsa eletrônica com cara de trilha de festinha infantil, chama-se assim porque sua letra é a reprodução de uma conversa telefônica entre Maurício e o pizzaiolo Seu Luciano, que se esqueceu de atender ao pedido deles. Na sequência, depois de alguns segundos ao som de uma gargalhada, aquele ritmo alegre e dançante da canção inicial dá lugar à enfurecida “Método”, um hardcore vociferado por Abujamra ao estilo João Gordo. Em seguida, o tom baixa de novo e vem o grande sucesso do grupo: “Sub”, uma versão swingada de “Yellow Submarine” dos The Beatles. Com um lindo solo de sax com os acordes de outra clássica dos Beatles, “While My Guitar Gently Weeps”, novamente traz o aspecto de música de criança ao reforçar o caráter lúdico da original – e superando-a em qualidade, inclusive.
A diversidade estilística está em todo o álbum. Tem bossa-nova (“Elza”), jazz (as belas instrumentais “Summertime”, “Mãoscolorida” e “19h30”), tango (“Feridas”, hilária), funk (a ótima “Eu vi”, outro sucesso) e rithim'n blues (“Gambá”, super bem cantada mas que não diz coisa com coisa). Mas não só o ecletismo prevalece, e sim o dueto de música e besteirol. “Milho”, com sentenças quase idiotas (uma mostra: “Atrás de um trilho reside um velho milho”), é minha preferida: um sertanejo caipira eletrificado com um incrível duelo de guitarra e acordeom. Matadora e hilariante. “Porquá Meciê”, num francês medonho, é outro destaque. Versos de pura bobagem do tipo: “Só hoje cedo eu já comi uns três tucanos” são musicados com maestria num pop swingado com uma batida bem marcada e uma gostosa levada de guitarra, além de detalhes brilhantes, como a variação timbrística e a afinação dos vocais da dupla e os solos de bateria (feitos com a boca!) de Abujamra.
Nesta linha, também há a vinheta “Samba do Avião”, clássico de Tom Jobim cantado à capela por Maurício. Até aí, tudo bem; se ele, além de pronunciar as palavras, não imitasse como a boca também o som da percussão! Outra, “Lobos para Crianças”, um jazz moderno que se transforma em rap, é exatamente o que seu título sugere: uma aula sobre Heitor Villa-Lobos para os pequenos. A letra diz: “Villa-Lobos, que cara legal/ Segura aí, moçada, vâmo sentá o pau/ Usou o charuto e escreveu a Bachiana/ E mais uma porrada de música bacana.” Como sempre, o negócio não fica só no gracejo: o solo de guitarra, reproduzindo “O Trenzinho Caipira”, é lírico e emocionante.
O desfecho tem a talvez mais engraçada do disco: “Xarope, a Levada”, cuja letra resume-se à genial frase: “Nosso objetivo é fazer música pop e, quem sabe, algum dia, ficar rico e xarope”. Um soul divertido ao estilo Motown pra mexer o esqueleto em clima de gravação caseira: falas ao fundo, risadas, palmas e chamamento para quem estiver ouvindo acompanhá-los naquela festa. Antes de tocarem este último número, porém, no espírito de improviso do disco, Abujamra chama o colega para dar um recado àqueles que escutaram “Música e Ciência” até o fim. É neste momento que ele diz a frase destacada no começo desta resenha e que, salvo o tom de autobrincadeira, é a mais pura verdade.
A banda é um daqueles casos da música brasileira que, sem grandes pretensões (tal como fora com o Tropicalismo, o “heavy-core” do Ratos de Porão ou a turma do Clube da Esquina, para ficar em apenas três exemplos), anteciparam tendências, tornando-se vanguarda na música mundial. Antes d’Os Mulheres Negras, não se tinha produzido em nenhum lugar do mundo algo que tivesse incorporado sem preconceito e com tamanha densidade, clareza de objetivo e leitura crítica a então recente ideia de “globalização” com tudo o que foi produzido em música pop até ali. Eles atualizaram o conceito de world music. Mostraram que, para ser moderno, não precisa ser high-tech; que para ser atualizado, não precisa viver no primeiro mundo; que para fazer um trabalho sério, não precisa ser sisudo. O segredo é enxergar as coisas com liberdade e rir um pouquinho delas.
Mesmo que “Música e Ciência” não tenha tido força comercial para chegar a ouvidos estrangeiros àquela época pré-Internet, Björk e Beck lançariam seus excelentes e avançados "Debut" e “Mellow Gold” apenas cinco e seis anos depois, respectivamente – aí, sim, revolucionando a música pop a partir de então. Talvez tenha sentido uma brisa dos ventos soprados pel’Os Mulheres Negras... Quem sabe? Porém o que “o gordo e o magro” sabiam muito bem era que não ficariam nem ricos e, muito menos, xaropes. Por isso sua retomada está sendo tão comemorada. A dupla retorna para mostrar o quanto continuam à frente de seu tempo e o quanto o terceiro mundo ainda é fonte de muita coisa nova que se faz por aí. Então: sejam benvindos de volta!
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FAIXAS:
1. Orelhão (Coruia, Maurício Pereira, André Abujamra)
2. Método
3. Sub [Yellow submarine] (Lennon, McCartney)
4. Summertime (Gershwin)
5. Feridas
6. 3 músicas coladas [Peter Gun](Henri Mancini, André Abujamra)
7. Purquá mecê
8. Eu vi
9. 19:30 (Agnaldo Valente Rocca, Maurício Pereira, André Abujamra)
10. Elza
11. Milho
12. Gambá
13. Lobos para crianças
14. Samba do avião (Tom Jobim)
15. Mãoscolorida
16. Xarope, a levada

todas de Maurício Pereira e André Abujamra, exceto indicadas


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Clipe de "Milho"


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Ouça o Disco:
Os Mulheres Negras Música e Ciência