Mais uma lista daquelas de melhores filmes de todos os tempos...
Esta da revista inglesa Empire escolhida por leitores e cineastas.
Chama a atenção a inclusão do recentíssimo "O Cavaleiro das Trevas" e a posição curiosa de 28° para "Cidadão Kane", quase sempre colocado nas listas como o número 1, ou senão entre os 5, pelo menos.
Na ponta aparece o "...Chefão 1", que eu não concordo, mas compreendo e já vi nesta condição em outras listas, mas o 2° lugar pro "Indiana..." é muita areia pro caminhãozinho do Sr. Jones.
Confiram aí os 30 primeiros e a lista completa no site da revista no link logo abaixo:
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1. "O Podereso Chefão", de Francis Ford Coppola (1972)
2. "Indiana Jones Os caçadores da arca perdida", de Steven Spielberg (1981)
3. "Star Wars: O Império contra-ataca", de Irvin Kershner (1980)
4. "Um sonho de Liberdade", de Frank Darabont (1994)
5. "Tubarão", de Steven Spielberg (1975)
6. "Os Bons Companheiros", de Martin Scorsese (1990)
7. "Apocalipse Now", de Francis Ford Coppola (1979)
8. "Cantando na chuva", de Stanley Donen e Gene Kelly (1952)
9. "Pulp Fiction", de Quentin Tarantino (1994)
10. "Clube da Luta", de David Fincher (1999)
11. "Touro Indomável", de Martin Scorsese (1980)
12. "Se meu Apartamento Falasse", de Billy Wilder (1960)
13. "Chinatown", de Roman Polanski (1974)
14. "Era uma vez no Oeste", de Sergio Leone (1968)
15. "O cavaleiro das trevas", de Christopher Nolan (2007)
16. "2001: Uma Odisséia no Espaço", Stanley Kubrick (1968)
17. "Taxi Driver", de Martin Scorsese (1976)
18. "Casablanca", de Michael Curtiz (1942)
19. "O Poderoso Chefão - Parte II", de Francis Ford Coppola (1974)
20. "Blade Runner", de Ridley Scott (1982)
21. "O Terceiro Homem", de Carol Reed (1949)
22. "Star Wars: Uma Nova Esperança", de George Lucas (1977)
23. "De volta para o futuro", de Robert Zemeckis (1985)
24. "O Senhor dos Anéis: A sociedade do anel", Peter Jackson (2001)
25. "Três Homens em Conflito", de Sergio Leone (1967)
26. "Dr. Fantástico", Stanley Kubrick (1964)
27. "Quanto mais quente melhor", de Billy Wilder (1959)
Nunca tinha visto uma orquestra fazer bis. Pois na noite de 16 de agosto, no Teatro Dante Barone, da Assembleia Legislativa do RS, presenciei isso. Foi no 15° Concerto da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) – Temporada 2011, desta vez sob a ótima regência do maestro japonês Kiyotaka Teraoka, oficial da Orquestra Sinfônica de Osaka.
Em junho, já tinha assistido a outro concerto da Ospa, em homenagem Sergei Rachmaninoff. Muito bom. Mas este foi magnífico. A começar pela primeira peça: o balé “Petrouchka”, do genial maestro e compositor russo naturalizado francês Igor Stravinsky (1882-1971), que eu já adorava e tinha a maior vontade de ouvir ao vivo pela primeira vez. E as minhas expectativas foram totalmente atendidas. “Petrouchka” conta a história de um fantoche tradicional russo feito da palha e um saco de serragem como corpo que acaba por tomar vida e ter a capacidade amar. Como a outra grande obra de Stravinsky, o marco “A Sagração da Primavera” (1913), “Petrouchka”, feita entre 1910 e 1911, é absolutamente revolucionária, sendo uma das maiores responsáveis por mudar a cara da música universal no último século.
A peça de Stravinsky inova em estrutura rítmica, orquestração, timbrística, forma, harmonia, uso de dissonâncias. Uma obra complexa e moderníssima que valoriza, particularmente, a percussão acima da harmonia e da melodia, algo nunca visto antes na música erudita. Influenciou largamente trilhas para cinema, a se perceber, por exemplo, uma clara referência em dois históricos temas: a do hitchcockiano “Psicose”, “hino” do suspense composto por Bernard Herrmann, com seus gritos agudos de violino, e a de “Tubarão”, de John Williams para o thriller de Spielberg, com aquela inesquecível levada minimalista de cellos em duas notas, repetem trechos de “Petrouchka” de forma quase idêntica.
Kiyotaka Teraoka regeu com brilhantismo as peças de Stravisky, Ravel e Debussy e ainda proporcionou um emocionante e surpreendente bis.
O balé também tem várias parecenças com a música pop. As quatro partes que compõem a obra são coladas umas às outras, imprimindo uma unidade incrível à música como um todo, mesmo com tantas variações. Esse expediente foi utilizado com inteligência, por exemplo, pelos Beatles no clássico e influente disco "Sgt. Peppers". Outro detalhe muito similar à música pop é a forma como essas partes se interligam: uma sequência de bombo, forte e contínua, igual aos rolos de bateria que o rock instituiu.
Na segunda parte do concerto, seguiram a bela “Petite Suite”, do impressionista Claude Debussy (1862-1918), e “Pavanne pour un Enfante Défunte”, de Maurice Ravel (1875-1937), que, mais do que a de Debussy para com sua grande obra (“Prélude à L’Apres-Mid d’un Faune”), nem chega perto da genialidade de seu “Bolero”, esta, sim, um verdadeiro patrimônio da humanidade.
Maestro Yuzo Toyama: lenda viva em seu país.
Mas a surpresa guardava-se para o final. Lembram-se que havia mencionado que nunca tinha visto uma orquestra tocar um bis? Pois a incrível “Rhapsody for Orchestra”, do maestro e compositor japonês Yuzo Toyama (ao qual eu dei graças a Deus por passar a conhecer) foi o que motivou. Nascido em 1931, Toyama é vivo, idolatrado em seu país e, mesmo a idade avançada, ainda se apresenta regendo por aí. “Rhapsody...”, sua obra mais celebrada, de 1960, me transportou para dentro dos filmes clássicos de Korosawa como “Os 7 Samurais” e “Yojimbo”. A abertura, só com percussão, adaptando a musicalidade típica do Japão feudal, é um desbunde. Rico em harmonia e construção melódica, o intenso e curto número de Toyama (pouco mais de 7 minutos) ainda desfecha incrivelmente. Depois de um breve silêncio (um “Ma”, na terminologia da música tradicional japonesa), um dos percussionistas retoma-a maravilhosamente percutindo duas bachi, pás de madeira adornadas que produzem um som fino e estridente. Dali para um final triunfante, aplaudido de pé por uns bons cinco minutos pelo bom público presente. E o bis veio exatamente a partir da repetição deste último trecho, para entusiasmo geral.
O maestro Teraoka, claramente afeito à obra do conterrâneo, colocou o coração na batuta e regeu com emoção extra, o que contagiou orquestra e plateia. Satisfeito, voltei louco para rever um bom Kurosawa e conhecer mais a obra do agora admirado Toyama.
************************* Rhapsody for Orchestra
"Ataque dos Cães" e "Duna" vislumbrando o Oscar no horizonte.
Depois de muita especulação acerca de quem já ganhara Globo de Ouro, BAFTA e outros prêmios indicativos, saiu a tão esperada lista do Oscar que, a bem da verdade, confirmou a maioria das expectativas. "Ataque dos Cães", de Jane Campion, como era esperado, por suas inúmeras qualidades, leva um monte de indicações, "Duna" se impõe nos prêmios técnicos, embora também figure em outras categorias, a encantadora animação da Disney, "Encanto" disputa o prêmio em sua categoria, tem tema de James Bond disputando para trilha original, e "Belfast" e "Amor Sublime Amor" pintam como aqueles que podem roubar a cena.
No mais, uma certa surpresa pela não indicação de Lady Gaga a melhor atriz, da mesma forma que surpreende um pouco a indicação de Kirsten Stewart, ignorada em outras premiações. Havia uma expectativa sobre como a Academia lidaria com o badalado e discutido "Não Olhe Para Cima" e, felizmente ele não foi ignorado, sendo nomeado para quatro prêmios, inclusive o de melhor filme e também para aquele que é seu maior mérito, o roteiro. Destaque também para a animação dinamarquesa "Flee" que disputa em três categorias, sendo elas, curiosamente, animação, filme estrangeiro e documentário, coisas aparentemente um tanto distantes uma da outra.
Como hoje em dia, com o streaming e as coisas chegando muito mais rápido às nossas casa, está mais fácil de ver os concorrentes, o negócio agora é preparar a pipoca, zapear os canais de filmes e aplicativos e começar a maratona de filmes.
O Oscar é logo ali. A cerimônia está marcada para o dia 27 de março.
Confira, abaixo, todos os indicados em todas as categorias:
Melhor filme
"Belfast"
"Não olhe para cima"
"Duna"
"Licorice pizza"
"Ataque dos cães"
"No ritmo do coração"
"Drive my car"
"King Richard: criando campeãs"
"O beco do pesadelo"
"Amor, sublime amor"
Melhor direção
Kenneth Branagh - "Belfast"
Ryusuke Hamaguchi - "Drive my car"
Jane Campion - "Ataque dos cães"
Steven Spielberg - "Amor, sublime amor"
Paul Thomas Anderson - "Licorice Pizza"
Melhor atriz
Jessica Chastain - "Os olhos de Tammy Faye"
Olivia Colman - "A filha perdida"
Penélope Cruz - "Mães paralelas"
Nicole Kidman - "Apresentando os Ricardos"
Kirsten Stewart - "Spencer"
Melhor ator
Javier Bardem - "Apresentando os Ricardos"
Benedict Cumberbatch - "Ataque dos cães"
Andrew Garfield - "Tick, tick... Boom!"
Will Smith - "King Richard: criando campeãs"
Denzel Washington - "A tragédia de Macbeth"
Melhor atriz coadjuvante
Jessie Buckley - "A filha perdida"
Ariana DeBose - "Amor, sublime amor"
Judi Dench - "Belfast"
Kirsten Dunst - "Ataque dos cães"
Aunjanue Ellis - "King Richard: criando campeãs"
Melhor ator coadjuvante
Ciarán Hinds - "Belfast"
Troy Kotsur - "No ritmo do coração"
Jesse Plemons - "Ataque dos cães"
J.K. Simmons - "Apresentando os Ricardos"
Kodi Smit-McPhee - "Ataque dos cães"
Melhor filme internacional
"Drive my car" - Japão
"Flee" - Dinamarca
"A Mão de Deus" - Itália
"A Felicidade das Pequenas Coisas" - Butão
"A Pior Pessoa do Mundo" - Noruega
Melhor roteiro adaptado
"No ritmo do coração"
"Drive my car"
"Duna"
"A filha perdida"
"Ataque dos cães"
Melhor roteiro original
"Belfast"
"Não olhe para cima"
"King Richard: criando campeãs"
"Licorice pizza"
"A pior pessoa do mundo"
Melhor figurino
"Cruella"
"Cyrano"
"Duna"
"O beco do pesadelo"
"Amor, sublime amor"
Melhor trilha sonora
"Não olhe para cima"
"Duna"
"Encanto"
"Mães paralelas"
"Ataque dos cães"
Melhor animação
"Encanto"
"Flee"
"Luca"
""A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas"
"Raya e o último dragão"
Melhor curta de animação
"Affairs of the art"
"Bestia"
"Boxballet"
"A Sabiá Sabiazinha"
"The windshield wiper"
Melhor curta-metragem em live action
"Ala kachuu - Take and run"
"The long goodbye"
"The dress"
"On my mind"
"Please hold"
Melhor documentário
"Acension"
"Attica"
"Flee"
""Summer of Soul (...ou Quando A Revolução Não Pôde Ser Televisionada)"
Jean-Claude Carrière disse certa vez que “quem faz cinema é herdeiro dos grandes contadores de histórias do passado”. Pois é isso: cineastas são contadores de histórias. Afinal, quase invariavelmente, quanto mais original a obra cinematográfica, mais se sente a “mão” do seu realizador. Um filme, na essência, vem da cabeça de seu diretor. Fato. Tendo em vista a importância inequívoca do cineasta, convidamos 5 apaixonados por cinema que, cada um à sua maneira – seja atrás ou na frente das câmeras –, admiram aqueles que dominam a arte de nos contar histórias em audiovisual e em tela grande.
Então, dando sequência às listas dos 5 preferidos nos 5 anos do clyblog, 5+ cineastas:
1.Gustavo Spolidoro cineasta e professor (Porto Alegre/RS)
"Se Deus existe, ele se chama Woody Allen"
O pequeno gênio,
Woody Allen
1 - Woody Allen 2 - Stanley Kubrick 3 - Rogário Sganzerla 4 - François Truffaut 5 - Agnes Varda ***************************************
2.Patrícia Dantas designer de moda (Caxias do Sul/RS)
"Gosto destes"
1 - Quentin Tarantino 2 - Stanley Kubrick 3 - Sofia Coppola 4 - Woody Allen 5 - Steven Spielberg *************************************** 3.Camilo Cassoli
Clint Eastwood tem baseado sua carreira como realizador na busca e identificação do herói americano. Ou do anti-herói. Desde o começo de sua carreira, no seriado “Rawhide” ou nos gloriosos spaghetti-westerns de Sérgio Leone, Clint se interessa pela figura mítica que, em tempos idos, salvava o mundo de suas mazelas. Assim aconteceu com “Dirty Harry”, o vigilante que fazia a justiça pelas próprias mãos. Só que poucos notaram que Harry Callahan era um policial. Portanto, autorizado pela sociedade para fazê-lo. Seus cowboys – o pistoleiro sem nome de “High Plains Drifter” ou “Josey Wales, o fora -da-lei” - reforçavam este mito, destruído depois pelo próprio Clint em “O Cavaleiro Solitário” onde interpretava um pregador e, especialmente em “Os Imperdoáveis”, onde o personagem Will Munny era um pistoleiro aposentado. Mesmo nos filmes em que não protagoniza, como “Um Mundo Perfeito”, “Sobre Meninos e Lobos” e “Invictus”, a figura do herói aparece, mesmo que combalida. Por outro lado, em filmes como “Bird”, “A Conquista da Honra” e “J.Edgar”, o herói é falho, humano, cheio de defeitos, como o Walt Kowalski de “Gran Torino”, um ex-combatente de guerra que odeia seus vizinhos descendentes de coreanos, mas que passa a vê-los com outros olhos, diante de uma ameaça maior. Se antigamente Eastwood acreditava no poder do herói, a partir de um determinado momento, começa a analisar as causas desta mitologia ufanista reforçada em inúmeros filmes vindos de Hollywood.
Bradley Cooper como um herói de guerra
cheio de conflitos internos
Seu filme mais recente, “Sniper Americano” segue esta trilha. Chris Kyle, interpretado com sensibilidade por Bradley Cooper, é um jovem americano fixado no mito do cowboy e do culto às armas, além de uma postura masculina, incentivada por seu pai. Aos 30 anos, depois de ver o ataque às Torres Gêmeas, Kyle se alista e se transforma num sniper, atirador de elite, que consegue o status de “ter matado mais de 160 pessoas” no Iraque. Através de flashbacks, o diretor procura explicar as motivações de um jovem americano em servir à pátria, mesmo que isso seja prejudicial à sua vida civil e, especialmente, seu casamento. Os dramas de consciência de Chris Kyle são muito bem colocados na primeira missão que vemos. Uma criança carrega uma granada em direção às tropas americanas e o sniper tem de decidir se mata ou não o jovem. Este conflito irá se repetir durante todo o filme, mesmo que Kyle sempre tenha consigo a certeza de servir a pátria. O interessante é que este é o mesmo Clint Eastwood que fez “O Destemido Senhor da Guerra”, onde usava a ficção para defender a invasão americana em Granada no ano de 1983. Apesar de seu passado republicano, o diretor parece ter enxergado além da visão maniqueísta de mocinhos e bandidos. Ele conduz com habilidade as cenas de combate, alternando-as com a vida cotidiana de Kyle com sua esposa (Sienna Miller) e seus filhos. Depois de um grande tempo para se readaptar à vida em sociedade, espantando seus fantasmas, Kyle chega ao final do filme aparentemente pronto para enfrentar o dia-a-dia. Uma análise mais simplista poderia dizer que “Sniper Americano” é um filme ufanista. Clint Eastwood usa todo seu arsenal narrativo – aprendido certamente com o seu mestre Don Siegel – e impede o discurso final. Aos 85 anos a serem completados em maio, podemos exagerar e dizer que Clint Eastwood chegou em sua maturidade criativa. Grande e poderoso filme. ************************************* Consigo Mesmo Sob a Mira porDaniel Rodrigues
Bradley muito bem no papel do sniper Chris Kyle
Há anos acompanho direto nas salas de cinema cada estreia de Clint
Eastwood, um mestre por trás das câmeras que, como ator, foi dirigido por
grandes cineastas (Leone, Siegel, De Sica, Cimino) e aprendeu muito bem com
eles. Meu acompanhamento tão de perto de sua obra não é à toa, pois, mesmo já dirigindo
desde os anos 70, foi desde os 80 que Eastwood se estabeleceu como um dos
maiores de sua arte no cinema atual. Não só pela capacidade de contar bem uma
história, com classe e sensibilidade, mas por sua abordagem invariavelmente
consciente e pessoal dos temas, muitas vezes revelando mazelas de sua própria
sociedade, a dos Estados Unidos.
Pois mais uma vez o velho Eastwood, no auge de seus 84 anos, toca em
feridas mal curadas de seu povo. E que ferida. O ótimo “Sniper Americano”, produção concorrente ao Oscar de Melhor Filme e
mais 5 estatuetas (ator, roteiro adaptado, edição, edição de som e mixagem de
som), não apenas traz um assunto espinhoso como, para além disso, atinge o
talvez mais maléfico problema dos norte-americanos para com o mundo e consigo
mesmos: a cultura bélica e armamentícia. Adaptação do livro “American Sniper:
The Autobiography of the Most Lethal Sniper in U.S. Militar History”, conta a
história real de Chris Kyle (Bradley Cooper, muito bem no papel), um atirador
de elite das forças especiais da marinha americana que, durante cerca de dez
anos de operação militar no Iraque, matou mais de 150 pessoas, tendo recebido
diversas condecorações por sua atuação. Um sucesso tão funesto como este não
poderia, entretanto, ter saído impune na forma de ver de Eastwood. As marcas
são perceptíveis quando o soldado retoma a “vida normal” ao retornar da guerra.
Ele não sai do front, nem quando não está fisicamente nele. A objetividade
cega, pueril e insensível de Chris o mutila psicologicamente tanto quanto seus
ex-colegas que perderem partes do corpo físico. Ele é incapaz de amar a esposa,
de sensibilizar-se e nem de se considerar a “Lenda” como o chamam: sua sina é apenas
“defender seu território” a qualquer preço.
Até aí, outros filmes também mostraram os traumas de guerra e as
dificuldades sociais de ex-combatentes das várias que os EUA já se enfiaram, de
“Sob o Domínio do Mal”, de 1962 (Coréia) e “Taxi Driver”, de 1976 (Vietnã), a “A
Volta dos Bravos”, de 2006, (Iraque) para ficar em apenas três guerras e três
títulos. Ocorre que, desta vez, é Eastwood quem volta suas lentes para o
problema, e isso é de uma dimensão muito maior no atual cinema de Hollywood. Com
um olhar sem hipocrisia – embora ele não esconda seu patriotismo –, Eastwood vai
mais fundo no entendimento psicológico da questão. Não é só a guerra e seus
problemas posteriores: o nascedouro é essencial de ser compreendido. Ao contar
a biografia de Chris até chegar ao exército, o cineasta deixa claro o quanto
está incutida nas raízes do norte-americano o mito às armas e ao combate. Caubói
fracassado que atirava em animais desde criança para brincar de mira, o
personagem se transforma (após assistir pela TV sobre um atentado terrorista à
Embaixada dos EUA no Iraque e, principalmente, os ataques do 11 de Setembro), em
um militar combativo e sedento por justiça. Suas fragilidades e frustrações são,
assim, camufladas pelo uniforme e até ganham status de qualidade, uma vez que
se transfiguram em capacidade de combater com competência e assertividade.
Com este substrato, Eastwood nos dá uma aula de condução narrativa. Além
das construções psicológicas precisas das personagens, os flashbacks da
infância de Chris, quando ele aprende em casa com o pai a lei de Talião, e o
presente, antes de ir para a guerra ou entre uma operação e outra, se
indistinguem. Igualmente, as cenas que intercalam rapidamente entre a brutal
preparação na SEAL e início de sua relação com a esposa até o casamento dão bem
a ideia de que este pensamento bélico faz para do dia a dia. Mais que isso: de
que nada é superior a tal. Se Chris é elevado a herói por seus feitos, como
cidadão ele é totalmente deslocado, sem capacidade de interagir e viver com
felicidade. A visão de Eastwood transparece até na fotografia, que muda apenas
quando a história se passa no Oriente Médio. Nos Estados Unidos, seja passado
ou presente, a luz, a coloração e a textura são as mesmas, pois tudo faz parte
de um único nefasto e contínuo ideário selvagem ao mesmo tempo assassino e
suicida.
Por falar em fotografia, a do craque Tom Stern (de clássicos como
“Beleza Americana” e “Cão Branco” e das parcerias com Eastwood em vários filmes
como “Dirty Harry na Lista Negra”, “Bird” e “Os Imperdoáveis”), é brilhante. Principalmente nas excelentes
cenas de batalha, as quais não se restringem somente ao PV do ângulo privilegiado
do atirador, mas também de campo, com travellings,
câmera na mão e panorâmicas muito bem executadas. O conceito fotográfico lembra
bastante o de outras referenciais realizações sobre o tema das guerras promovidas
pelos EUA contra países islâmicos: “Guerra ao Terror” (Bigelow, 2008), também Iraque, e “O Grande Herói” (Berg, 2014), no Afeganistão. Ponto alto e de total diferenciação
em “Sniper”, no entanto, é a sequência da tempestade de areia, justo no momento
em que se travava um tiroteio entre a tropa americana e os soldados de Bin
Laden. Nesta, Stern consegue um resultado interessantíssimo, pois totalmente
inteligível para o espectador mesmo numa fotografia em que se desenham apenas
vultos escurecidos sobre uma textura granulada marrom esverdeada.
Tudo isso é mérito de Clint Eastwood, certo? Os norte-americanos não
acham bem assim. Como se sabe, a Academia do Oscar acompanha em muito o
sistema, haja vista as preferências, vícios e injustiças históricas que já se promoveram
na premiação. Neste caso, “Sniper Americano” concorre e é dos favoritos, mas não
aquele que o fez chegar a esse patamar. Estranho, né? Nem tanto, pois talvez
Eastwood, com sua clareza e olhar sem concessões (como já fizera muito bem em
“Gran Torino”, “Sobre Meninos e Lobos”, principalmente), talvez tenha ido um
pouco longe na densa análise do ser do norte-americano. A característica do
belicismo e do mito ao caubói está no cerne da sociedade, e expô-la de maneira
tão real – ou seja, não escondendo que há consequências para este tipo de
atitude – é vexatório na mentalidade auto-heroica e competitiva daquele país. Afinal,
isso justifica uma série de atos e políticas que sustentam o poderia dos EUA.
Além do mais, o “gelo” que a Academia dá a Eastwood, como já fizera com
os igualmente opiniáticos e figurões Spielberg, Copolla e Scorsese, também é
uma maneira de dizer: “Velho, nós te exaltamos
e nos orgulhamos do teu talento, mas tu já ganhaste duas estatuetas (“Os
Imperdoáveis” e “Menina de Ouro”, 1992 e 2004, respectivamente), então: baixa a
bola”.
Espero sinceramente que pelo menos o Melhor Filme venha para “Sniper
Americano”, o mais hollywoodiano dos postulantes junto com “Selma” e “A Teoria
de Tudo”. Embora não tenha visto todos, parece-me que "Birdman", "Whiplash", "O Grande Hotel Budapeste" e "Boyhood" (que tem o agravante de já ter levado o
também yankee Globo de Ouro), os
outros concorrentes nesta categoria distanciam-se mais do “cinemão”, o que dá
vantagem ao filme de Eastwood. Ainda
mais considerando que, depois de uma fase de necessária renovação em que, no
início dos anos 2000, a Academia premiou como Melhor Filme produções de linha
alternativa, como “Crash” e "Quem Quer Ser Um Milionário?", a mesma voltou a um
julgamento mais tradicional nos últimos anos. Tenho certeza de que, se ganhar,
Eastwood subirá ao palco do Dolby Theatre, em Los Angeles, com aquele sorriso
simpático e sábio no rosto de quem se sentirá indiretamente vencedor também
como diretor.
Assisto Martin Scorsese no cinema há mais de 30 anos. Desde o célebre “Os Bons Companheiros”, em 1990, até hoje, acompanho a filmografia do cineasta nova-iorquino a cada lançamento, tendo perdido assim, na tela grande, talvez apenas uns dois nesse período. Vi desde produções menos empolgantes, como “Vivendo no Limite” e “O Irlandês” até obras-primas como “Os Bons...”, “Cabo do Medo” e “O Lobo de Wall Street”. Agora, em 2023, posso afirmar que presenciei mais uma de suas grandes realizações: “Assassinos da Lua das Flores”. Estrelado pelos dois atores favoritos do diretor, Robert De Niro e Leonardo DiCaprio, reúne pela primeira vez, por incrível que pareça, ambos em um filme sob suas lentes, celebrando o encontro de duas gerações de atores/parceiros da longa carreira.
O filme se passa no ano de 1920, na região norte-americana de Oklahoma, rica em petróleo, onde misteriosos assassinatos acontecem na tribo indígena de Osage. A série de ocorridos violentos desencadeia uma grande investigação envolvendo o recém-criado FBI, que passa a investigar um esquema maquinado pelo ganancioso pecuarista William Hale (De Niro), que convence seu sobrinho Ernest Burkhart (Di Caprio) a se casar com Mollie Kile (Lily Gladstone) para tirar-lhe as preciosas terras.
Llly no papel da rica indígena Mollie: atuação que comanda o filme
O entrosamento do diretor de “Taxi Driver” com a dupla de atores é evidente, e isso é uma das forças do filme, tendo trabalhado com De Niro por 9 ocasiões e com DiCaprio, 6, totalizando 15, quase 60% de toda a filmografia do cineasta. “Assassinos...” é conduzido pelo talento da dupla, porém, assim como já ocorreu com Sharon Stone e Margot Robbie, outra atriz tem um papel primordial na trama, formando com eles um tripé narrativo, que dá especial ação à história: Lily Gladstone, no papel de Mollie. Ela divide as atenções da câmera, não raro atraindo-a para si e, mais que isso, ditando o aspecto emocional da história. Além de bonita, Lily é daquelas figuras, que, sob o olhar de Scorsese, tem o poder de dominar a cena quando filmada, principalmente pela força de sua expressividade e olhar, misto de encantamento, força e fragilidade. Quão simbólica é a sua personagem, uma vez que evoca a importância dos povos originários formadores das Américas tão dizimados pela cultura branca europeia.
Para além das boas atuações (que se estende a todo o elenco), “Assassinos...” é tecnicamente perfeito, como é característico do perfeccionista Scorsese. A Direção de Arte, a cargo de Jordan Crockett, em especial, juntamente com a fotografia, a maquiagem e os figurinos, são impecáveis, creio que dignas de indicação ao Oscar para 2024. A trilha sonora, do amigo e ídolo Robbie Robertson, ex-líder da The Band (a qual Scorsese filmara em 1978 no doc “The Great Waltz”) falecido em agosto, é econômica, mas totalmente assertiva, misturando os sons folk do interior norte-americano, desde o blues de raiz e os spirituals de trabalho a temas indígenas típicos. Na edição, mais uma vez a parceira Thelma Schoonmaker, fazendo chover e contribuindo para que um filme de extensas 3 horas e 26 minutos de rolo não perdesse o ritmo.
A multipremiada dupla De Niro/DiCaprio: ao todo, 15 filmes com Scorsese
Aliás, embora a montagem contribua para a coesão da obra, é indiscutível que o resultado final (seja acertado ou não) se deve em última análise ao diretor. E aí entra Scorsese e sua maestria. Com o aval da indústria cinematográfica para fazer produções no formato que quiser, seja longa, curta, documentário, série ou especial, ele não abre mão de estender-se para contar a história a que se propõe. E o faz isso sem provocar sequer uma “barriga” em todo o decorrer da fita! Atuações, música, arte, edição, foto, tudo contribuiu. Mas nada disso funcionaria não fosse a mão habilidosa do cara que já experimentou diversas formas de fazer filme, mas que busca, mesmo passados dos 80 anos de vida, surpreender o espectador. Contumaz crítico da “tecnologização” exacerbada de Hollywood e suas intermináveis e interdependentes franquias Marvel, Scorsese – embora não desconsidere o uso de efeitos especiais, a se ver por “A Invenção de Hugo Cabret”, de 2011 – vale-se da gramática do cinema para extrair nuances narrativas e técnicas que produzam impacto ao espectador. Isso, sim, é inovação. O uso de imagens de arquivo em P&B antigas com imagens de arquivo ”fake”, por exemplo, embora não novos, é um recurso que funciona muito bem em “Assassinos...”, cabendo-lhe perfeitamente à narrativa.
Foto dos verdadeiros Osage usadas de forma documental no filme
O roteiro, contudo, é responsável por tamanho sucesso. Escrito pelo próprio Scorsese em conjunto com o premiado Eric Roth (Oscar de Roteiro por “Forrest Gump”, em 1994), a história se baseia no best-seller homônimo do escritor David Grann, o roteiro prevê todos os diversos pontos de flexão e inflexão, estabelecendo o ritmo de uma história complexa e rica em detalhes e delineamentos. A própria escolha do tema, aliás, faz parte de um entendimento maior e, em certo aspecto, “alternativo” de Scorsese como cidadão norte-americano. Assim como outro talentoso cineasta contemporâneo seu, Clint Eastwood, Scorsese ama seu país, mas nem por isso (e até por isso) deixa de evidenciar as barbaridades que constituíram sua sociedade. A mesma abordagem crítica de obras como “Cabo do Medo” e “Taxi Driver” se refletem na sua visão revisionista em filmes históricos, casos de “Gangues de Nova York” e “A Época da Inocência”. É preciso trazer a luz a podridão do passado para que os novos tempos corrijam os rumos.
A este aspecto o roteiro também traz méritos no que se refere à construção psicológica das personagens. A obra original favorece, mas dar corpo a personagens tão complexos no audiovisual ganha uma dificuldade diferente, visto que diversas nuances que a escrita absorve, a tela exige que se escancare. A personalidade contraditória de Ernest, por exemplo, ora um marido dedicado, ora um ganancioso induzido pelo tio, é facilmente indutora a erros, por mais talento que Di Caprio tenha.
Misturando drama histórico com faroeste, policial e filme de tribunal, Scorsese consegue forjar um filme rico em referências e qualidades diversas, que o colocam entre os melhores de sua longa filmografia. Se serão justos com o velho Scorsese ao indicá-lo ao Oscar, bem como DiCaprio como ator, Lily para atriz e DeNiro em coadjuvante, ainda é cedo para prever. É comum a Academia fazer “vistas grossas” a grandes realizadores como ele, Steven Spielberg, Spike Lee ou Brian De Palma como que fazendo de conta que eles sejam “premiáveis” por si só - erro que a leva, não raro, a ter que dar apressadamente um prêmio logo após cometerem uma descarada injustiça. Nestes vários anos que acompanho Scorsese seja na tela grande ou na televisão, ele ganhou apenas uma vez o Oscar de Direção pelo não mais que competente “Os Infiltrados”, em 2006, por terem-no esnobado pela superprodução “Gangues...” quatro anos antes. Porém, até o começo de 2024, quando começam a pipocar as previsões dos favoritos à estatueta, ainda tem bastante coisa para rolar e a indústria do cinema é muito programada para este período. Mas que seria justo, seria.
Semanas atrás Leocádia e eu fomos a uma sessão de pré-estreia
no GNC Cinemas do Praia de Belas Shopping do novo sucesso de bilheteria da DC Films, “Adão Negro”, com o astro Dwayne "The Rock" Johnson. Legal? Impossível dizer que
não. Cenas de aventura empolgantes, efeitos visuais de alto nível, desenho de
som impecável, roteiro eficiente, astros consagrados, trilhas com músicas
pop... Tudo embalado para que a coisa funcione. Mas será que
"funciona" mesmo? Talvez sim, e talvez seja exatamente este o termo
mais adequado: cumprimento de função.
Spin-off de "Shazam!" (2019) e "Shazam!: Fúria dos Deuses" (2022), o filme conta a história se passa após quase cinco mil anos de prisão
de Adão Negro, um anti-herói da antiga cidade de Kahndaq, no que seria o Oriente
Médio, que é libertado nos tempos modernos. Suas táticas brutais e seu modo de
justiça atraem a atenção da Sociedade da Justiça da América (JSA), que tenta impedir
sua fúria e ensiná-lo a ser mais um herói. Além disso, Senhor Destino (Pierce
Brosnan), Gavião Negro (Aldis Hodge), Esmaga-Átomo (Noah Centineo) e Cyclone
(Quintessa Swindell) se unem para impedir uma força maligna mais poderosa que a
do próprio Adão.
Filmes de super-heróis são uma verdadeira galinha dos ovos
de ouro para o cinema comercial do século XXI. Após mais uma crise da indústria
cinematográfica nos anos 90, quando o envelhecimento dos realizadores
consagrados do cinema comercial como Spielberg, Lucas e Zemeckis se deparou com a falta
de agentes capazes de trazer um novo produto para a permanente necessidade de
novidade da sociedade de consumo, o avanço técnico da era digital permitiu que
o cinema pudesse concretizar algo que vinha ensaiando há décadas: a transposição
dos quadrinhos de heróis para as telas. E a considerar a riqueza
temático-simbólica dos HQs, bem como a amazônica quantidade de histórias e
personagens a serem explorados, este se tornou o caminho certo para a
construção do novo blockbuster.
O Adão Negro do HQ original da DC
Pujante, a lógica de oferta e procura se estabeleceu. A
produção é tamanha que, após duas décadas de produções milionárias e geralmente
exitosas em bilheteria, Hollywood criou, claro, um padrão. “Adão Negro”, com
todos os seus elementos inerentes à obra original da DC Comics, não foge à
regra. Tem as características da história original, mas, de resto é tudo o
mesmo formato repetido em novas condições narrativas. E isso é escalonado de
forma exemplar, que vai do conceitual - como a prevalência do maniqueísmo e as
simplificações morais - aos arranjos narrativos, como as piadas, o impacto de
uma música retrô e até o tempo de duração das falas. Pois há, claramente, por
mais que a dinâmica do filme amortize essa constatação racional com tantos
tiros, estrondos, movimentos rápidos, edição agilíssima e luzes, muitas luzes,
percentuais para a quantidade de falas e de não-falas. Por melhor que seja, por
mais que funcione, que empolgue o público e cumpra a função de entreter,
impossível não sair com a impressão de que não se está vendo imagens, mas
estatísticas.
Nada contra a ideia de blockbusters e nem de exploração do
filão graphic novel em audiovisual. O que questiono é: será que esta fórmula
funciona de verdade a ponto de se sustentar por mais anos sem desagaste? Continuarão
avançando na tática de, igual a Globo aplicava ao humorístico Zorra Total, misturar
personagens incansável e indistintamente até nem se saber mais de onde cada um
veio? Quentin Tarantino recentemente disse que jamais rodaria para a Marvel,
pois considera que filmes deste tipo sejam fruto de uma prática de mercado
produtivista a qual ele, ligado ao cinema de autor, não se enquadra. Martin Scorsese,
tempo atrás também se manifestou contrário ao declarar que o universo
cinematográfico da Marvel está "mais próximo dos parques de diversão do
que do cinema". Vindo de dois autores que revolucionaram e mudaram a história
do cinema é, no mínimo, de considerar a interrogação quanto ao que se esperar
no futuro do “grande cinema”.
The Rock e os atores que fazem os super-heróis da JSA
Ao final, se sai do cinema cativado, pois se fez tudo
psicosinestesicamente para que isso aconteça, mas muito mais amortecido do que
outra coisa. É tanta superexposição a estímulos sensoriais, que não há como
absorver. O script não tem erro, e isso é um defeito: não há espaço para
apreciação e nem elaboração. O filme é tão consumível e embalado quanto a
pipoca e o refrigerante que se come assistindo.
Não digo que tudo isso seja ruim, e nem que filmes da DC ou
Marvel devessem parecer uma obra de Bergman constituída basicamente em diálogos.
Mas para poder dizer com segurança que filmes assim como "Adão Negro" convencem,
ainda falta algo mais do que simplesmente cumprir uma função. Por mais que a
intenção seja ao de tentar me alegrar.