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domingo, 10 de maio de 2020

Mãe é Mãe - Algumas das Mães Mais Marcantes do Cinema


Todo mundo tem mãe e, como não podia deixar de ser, no cinema, todo personagem tem mãe. Muitas vezes elas não são mencionadas, não aparecem, são secundárias, não tem sequer relação com a história, mas sabemos que elas existem. Contudo, em outros casos, elas são tão essenciais ou têm participação tão destacada na trama que é impossível não lembrar delas. o ClyBlog destaca algumas dessas mães aqui. Sei que cometeremos injustiças, vai faltar uma que outra, alguém vai dizer que essa ou aquela não podia faltar, mas procuramos fazer uma lista interessante e heterogênea em características, estilos, época, nacionalidade, ambiente, gênero cinematográfico, etc.
Então, vamos à lista:
* (Cuidado! Pode conter spoilers)


************


Ela, inatingível, pairando sobre tudo.
1. "O Espelho", de Andrey Tarkovski (1975) - Para mim, desde que vi pela primeira vez, "O Espelho", filme semiautobiográfico do diretor russo Andrei Tarkovski, representa uma obra sobre mães. No filme Maria (Margarita Terekova), uma mãe abandonada pelo marido, voluntário para o exército, vive com seus dois filhos em uma propriedade campestre e ali acompanhamos parte do cotidiano desse núcleo familiar corajosamente conduzido por uma mulher. Filme cheio de simbologias e metáforas, embora traga elementos como infância, saudade, nostalgia e seja passível de diversas interpretações, para mim, é a maternidade o elemento que mais chama atenção e emociona. O olhar e as imagens sempre poéticas de Tarkovski mostram aquela mulher como uma espécie de entidade superior, uma criatura inabalável, altiva, incólume, impenetrável, mesmo com o mundo desabando à sua volta. A cena de sonho em que ela flutua, elevada da cama, confere a ela ares de divindade, de magia, de alguém com um poder inexplicável que talvez até ela mesmo desconheça. E, na maioria das vezes, não é bem assim que são nossas mães?



2. "Psicose", de Alfred Hitchcock (1960) - Esse é o caso de uma mãe que é fundamental para a trama mas, na verdade, não está presente fisicamente o tempo inteiro durante o filme. 
Hitchcock, genial como era, até nos deixa com a pulga atrás da orelha num primeiro momento, sugerindo alguma farsa ou assombração, uma vez que nos tornando conhecedores do fato que a mãe do dono do motel, Norman Bates, está morta, faz aparecer um vulto feminino na janela da casa, nos deixa ouvir uma bronca de voz feminina envelhecida no filho Norman e, por fim mostra-nos uma senhora de cabelos brancos e coque esfaqueando a cliente loura no chuveiro, numa das cenas mais clássicas do cinema. "Como assim?", pergunta-se o espectador de primeira viagem. Acho que não  vou dar *spoiler porque a essas alturas, mesmo quem não  viu, está  cansado de saber que é o próprio Norman que, perturbado e esquizofrênico assume o papel da mãe, vestindo-se como ela e punindo quem quer que seja que venha a despertar algum tipo de desejo no reprimido Norman.
É  incrível mas uma das mães  mais célebres  do cinema, não está verdadeiramente no filme. Loucura!

"Psicose" e sua famosa cena do chuveiro.








3. "O Bebê de Rosemary", de 
Roman Polanski (1968) - Rosemary (Mia Farrow) é uma futura mãe que pressente uma ameaça ao filho que ainda está  em sua barriga, vinda de seus vizinhos, um casal de velhotes estranhos e enxeridos e, por incrível que pareça, de seu próprio marido. Tudo começa quando se mudam para o novo apartamento, conhecem os vizinhos e não muito tempo depois, o esposo, um ator pouco valorizado, ganha um papel importante em um filme em virtude da morte do ator que interpretaria o papel. O marido passa agir estranhamente, os velhos passam a estar constante e inconscientemente presentes em sua casa e sua vida e até mesmo administram à grávida uma estranha dieta à base de algumas ervas de origem e efeitos duvidosos. Aos poucos Rosemary, fragilizada física  e emocionalmente, começa a desconfiar estar sendo vítima de alguma espécie de seita para a qual o bebê que leva dentro de si, provavelmente, virá a ser elemento chave.
Paranoia, imaginação, ansiedade, fantasia, reflexo de sua fraqueza física, estresse da gravidez? Exagero ou não, essa mãe vai brigar até o último instante para proteger seu filho de algo que, na verdade, nem ela sabe bem ao certo do que se trata mas que, pelo que vai se apresentando a ela, parece algo muito, muito maligno.




4. "Sexta-Feira Muito Louca", de Mark Walters (2003) - Quantas vezes já não ouvimos que só estando no lugar da outra pessoa para saber como ela se sente, não? Pois é, "Sexta-Feira Muito Louca" promove essa possibilidade justamente em uma relação de uma mãe e uma filha. Relação difícil, intolerância, falta de compreensão mútua... Só mesmo uma troca de corpos para fazer com que cada uma perceba as dificuldades da vida da outra. E nessa confusão quem sai ganhando é o espectador com situações muito divertidas, com Jamie Lee Curtis fazendo uma adolescente no corpo de uma "coroa", e da maluquete Lindsay Lohan curtindo uma de senhora responsável presa num corpo de garota de colégio. Mamãe vai entender, ou talvez lembrar, que existe pressão por notas, coleguinhas implicantes e insuportáveis, professores chatos, paqueras, necessidade de privacidade, tempo para lazer, etc. e talvez, a partir de tudo isso, se remodelar; e a filhota vai perceber que ser mãe, ter obrigações, preocupações, casa, trabalho, e, principalmente filhos aborrecentes, não é tarefa para qualquer uma.



 
Mães e filhas e suas histórias.
5. 
“Clube da Felicidade e da Sorte”, de Wayne Wang (1993) – Filme emocionante sobre mulheres que foram filhas, se tornaram mães e viram as filhas se tornarem mães.
Quatro chinesas com histórias diferentes em seu país de origem, vão parar nos Estados Unidos e lá constroem famílias, se conhecem e tornam-se grandes amigas. Muitos anos depois, após a morte de uma delas, Suyuan, é revelado à sua filha June, que as filhas gêmeas que a mãe tivera na China e que abandonara bebês durante a guerra em circunstâncias pouco esclarecidas, às quais todos acreditavam não terem sobrevivido, estavam, sim, vivas e dispostas a conhecê-la. Então, a festa de despedida de June, que embarcará para a China para conhecer as irmãs, serve de pano de fundo para conhecermos as histórias de vida de cada uma delas, de suas dificuldades na China, das particularidades das relações com suas próprias filhas quando crianças, e dos problemas da vida adulta destas como mulheres.
Traumas, reminiscências, roupa-suja, desabafos, remorsos, sacrifícios, esqueletos dentro do armário são trazidos à tona em momentos chave do filme de modo a preencher lacunas em aberto e colocar as coisas nos seus devidos lugares e apenas reafirmar aquilo que todos sabemos: que ela pode ter todos os defeito que tiver, mas que não existe ninguém como a mãe da gente.



6. "Dançando no Escuro", de Lars Von Trier (2000) - Tudo o que Selma queria era guardar um dinheirinho para fazer a cirurgia de olhos de seu filho para que ele não acabasse como ela, quase sem enxergar nada, uma vez que herdara dela a doença progressiva de perda de visão. Mas um vizinho, um policial proprietário do terreno onde ela vive num trailer com o filho, descobre sobre o dinheiro e rouba as economias da pobre coitada que, além de tudo, acabara de ser demitida da fábrica onde trabalhava. Tentando recuperar seu dinheiro, Selma acaba matando o vizinho e é presa por isso. Uma história dura, dramática, pesada, é verdade. Mas a vida de Selma, de certa forma, é embalada e seus momentos difíceis amenizada pela música. Amante dos musicais cinematográficos, Selma foge mentalmente de sua realidade imaginando estar em cenas de filmes musicais onde tudo à sua volta suscita sons e canções, desde as máquinas da metalúrgica onde trabalha ou mesmo passos, enquanto é levada pelos guardas na cadeia.
Filme do sempre controverso , com atuação brilhante da cantora Björk, no papel da protagonista, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes.
Eis uma mãe que deu cada centavo de seu trabalho e fez tudo que estava a seu alcance pelo bem do filho. Até as últimas consequências.

"Dançando no Escuro", 107 passos




A maluca mãe de Carrie, disposta tudo para
que a filha continue pura.
7. "Carrie, A Estranha", de Brian De Palma (1976) - Não tem como falar em mães no cinema e não lembrar da maluca, crente e super-protetora mãe de Carrie White. Fanática religiosa, Margareth mantém a filha afastada e alienada em relação ao mundo que a rodeia, expondo a jovem a constrangimentos diários como, por exemplo, o do início do filme em que se desespera por ter menstruado e é ridicularizada pelas outras meninas no vestiário da escola. Ah, mas não é uma boa ideia zoar com uma garota como Carrie com poderes psicocinéticos que se manifestam especialmente quando ela se altera emocionalmente, e essa galera que adora tocar um terror nos outros, vai entender isso da forma mais dolorosa possível.
Uma das garotas do bullying no vestiário, verdadeiramente arrependida e na boa intenção de se redimir com Carrie, convence o namorado, os gostosão da escola, a convidá-la para o baile, de modo que a esquisitinha se enturme, socialize. A mãe, brilhantemente vivida por Piper Laurie, tenta evitar de todas as maneiras que a filha vá, utilizando-se de seus argumentos religiosos, chantagens psicológicas e sua por fim de sua autoridade de mãe, mas Carrie, decidida a viver pelo menos um dia de sua vida, começa a mostrar seus poderes em casa, contra a própria mãe e termina de fazê-lo na festa, onde vítima de um trote de muito mau gosto, do restante da turminha da pesada, proporciona um banho de sangue em uma das cenas mais marcantes da história do cinema.

A velha podia ser louca, mas não dá pra dizer que ela não avisou.



Sarah Connor não vai permitir que robô nenhum 
se meta com seu filho.
8. "O Exterminador do Futuro II – O Julgamento Final", de James Cameron (1991) - Tá certo que no início, lá no primeiro filme, por mais que tivesse sido informada por um carinha do futuro que seria a mãe de um líder da resistência humana numa guerra contra as máquinas, Sarah Connor estava mais interessada era em salvar a própria pele do que de um bebê que, a bem da verdade, ela nem tinha certeza se viria a existir mesmo. Mas a partir do momento que se convenceu, da pior forma possível, depois de ter sido perseguida por um ciborgue sanguinário e impiedoso, de que o papo de apocalipse das máquinas era quente, foi determinada em ter a criança e, no pouco tempo em que teve com ele antes de ser internada num hospital psiquiátrico, em treiná-lo e prepará-lo para cumprir seu destino no front dos humanos contra as máquinas.
Durante todo o tempo em que esteve mantida no manicômio penitenciário por ter destruído uma fábrica de eletrônicos e alegar que o fizera porque um robô exterminador teria vindo do futuro para matá-la e a seu filho, Sarah (Linda Hamilton) sempre ficou pensando numa maneira de sair dali para proteger o filho. A desconfiança que o garoto tem, posteriormente no filme, quando a resgata do hospício, de que a mãe está mais preocupada com a humanidade do que com ele, não demora para se desfazer diante de toda o amor com que ela o protege.
Ela é fria é pragmática, objetiva, dura, durona, mas não poderia ser de outra maneira quando se sabe que seu filho, além de já ser naturalmente importante somente por ser seu filho, pode ser a salvação da humanidade.




9. "Leonera", de Pablo Trapero (2008) - Circunstância estranhas... Um homem morto, outro ferido, uma mulher inconsciente. Um dos dois seria o assassino, teria sido uma quarta pessoa? Por que não ela não lembra de nada? Teria sido drogada? Ou não quer lembrar? O fato é que nesse mistério todo, a garota é quem vai parar na cadeia, só que grávida como se encontra, é enviada a uma instituição onde é permitido que as internas tenham lá seus bebês e depois permaneçam com elas no presídio, até os 4 anos de idade. Revoltada com a gravidez, relutante e resistente em ter o filho, num primeiro instante, Julia Zarate (Martina Gusmán), aos poucos vai sendo conquistada pelo seu pequeno rebento e seu instinto e amor de mãe acabam prevalecendo, fazendo dela uma mãe atenciosa e carinhosa, mesmo dentro daquele ambiente prisional.
O lugar, mesmo com as características tradicionais de um ambiente prisional, em muitos momentos acaba parecendo uma creche e a presença das crianças acaba iluminando um pouco o lugar e garantindo-lhe, de certa forma, sempre um rasgo de alegria e esperança.
Só que em meio às situações corriqueiras de um presídio, envolvimentos íntimos, desavenças com outras internas, visitas do advogado, audiências de apelação, Julia vê-se às voltas com as investidas de sua mãe para levar o neto dali daquele ambiente que considera pouco apropriado para a criação  de uma criança. Sob pretexto de tratar um resfriado do menino, a avó consegue convencer a mãe a tirá-lo de lá, em princípio, apenas para uma consulta médica, com a promessa de levá-lo de volta. Só que isso não acontece e aí Julia vai fazer de tudo para ter seu filho de volta.
Filme de uma mãe que até hesita um pouco no ofício divino que lhe é concedido mas que a partir do momento que se sente mãe, não vai deixar que ninguém tire isso dela. Uma leoa que protege sua cria a qualquer custo.




10. Kill Bill – vol.2”, de Quentin Tarantino (2004) – No final do volume 1 é revelado, apenas para o espectador, que a criança que a noiva baleada na cabeça num massacre numa igrejinha de interior, sobrevivera à chacina. Recuperada de um coma de quatro anos, a mãe, uma assassina treinada que não perdera seus instintos mortais, depois de se vingar de parte do grupo que tentara matá-la, vai agora em busca do líder e ex-amante, Bill. O tempo inteiro, a grande motivação da vingança de Beatrix Kiddo (Uma Thurman), também conhecida como a Mamba Negra, é o fato de terem-lhe tirado seu bebê, tanto que a primeira coisa que faz quanto desperta do coma, sem noção de quanto tempo estivera ali, é levar a mão à barriga e perceber que não tem mais ali a criança. Aquela é a vingança de uma mãe. Cada um que sucumbe a ela paga pelo fato de terem lhe tirado a oportunidade de poder ter um filho, estar perto da criança, curtir cada momento. Ah, todos terão que pagar por isso! O que ela não contava é que, às portas de seu confronto final, ao encontrar Bill, encontraria também uma graciosa menina, doce, dengosinha e com carinha de anjo. Ah, amigos, ela desaba! A determinação com que ela adentra a vila onde habita o algoz, de arma em punho, pronta para aniquilar o homem que lhe causara tanto sofrimento e privação, é completamente desestruturada assim que vê a menina.
Ele, cavelheiresco como é, apesar de seu ofício, permite a elas algumas horas juntas antes do inevitável duelo final entre os dois, que serão os momentos mais gostosos e bem aproveitados por aquela mãe. Horas que valerão por anos, até porque, ela não sabe o que acontecerá assim que sair daquele quarto e colocar sua espada Hatori Hanzo em ação contra a de seu oponente, o tão perseguido, Bill.



11. “Volver”, de Pedro Almodóvar (2003)Almodóvar gosta de destacar mulheres em seus filmes e não raro, trata especificamente de mães, como acontece, por exemplo em "Julieta" (2016), "A Flor do Meu Segredo" (1995) e, é claro, "Tudo Sobre Minha Mãe" (1999). Mas não vamos cair na obviedade de destacar o filme que explicitamente dedica, já no título, sua temática às mães e sim um outro do qual gosto muito e que traz as questões das relações entre mães e filhas de uma maneira mais leve, mesmo contendo elementos dramáticos, polêmicos e sombrios. "Volver" é uma espécie de comédia surrealista onde uma mãe, Irene, brilhantemente interpretada por Carmen Maura, "retorna dos mortos" para alguns acertos, alguns ajustes, uma reconciliação com suas filhas, especialmente com Raimunda, vivida por Penélope Cruz, com quem nunca tivera, em vida, uma relação muito boa. Raimunda, diante da novidade da misteriosa volta da mãe, ainda vê-se às voltas com o assassinato cometido por sua filha adolescente  Paula,que matara o padrasto que tentara abusar sexualmente dela. A não ser pelos relatos de Raimunda, não sabemos como era a mãe quando viva, mas o que sabemos é que a Irene "fantasma" é um personagem adorável que dá um brilho todo especial ao filme de Almodóvar. Um filme delicioso com uma mãe que vai nos mostrando, e às filhas, que tudo o que sempre fez, foi protegê-las, assim como a filha Raimunda faz agora em relação à sua pequena Paula. Aquele instinto que passa de mãe para filha.



12. "Indochina", de Régis Wargnier (1992) - Eliane (Catherine Deneuve), dona de uma vasta extensão de seringais na Indochina francesa e mãe adotiva de uma garota indochinesa, se apaixona e tem um romance com um oficial francês da Marinha, Jean-Baptiste, mas o rapaz também cai nas graças da filha Camille em um incidente na rua onde o militar salva sua vida. Em parte por ciúmes, em parte para protegê-la do cenário efervescente pela libertação da colônia, Eliane, rica e influente consegue fazer com  que transfiram o oficial para os quintos-dos-infernos, numa ilha, literalmente, lá na cochinchina, de modo que fique longe da filha, imaginando assim que a jovem desista dele e, por fim, o esqueça. Só que aquela mãe não contava que o amor da menina pelo oficial fosse muito maior do que ela imaginava. A menina atravessa o país atrás do seu amor e, agora sem a proteção de sua posição social, como uma indochinesa comum e misturada a seu povo,  conhece a relidade local, se afeiçoa à sua gente ele e se solidariza com sua luta pela independência.
A busca e Camille por Jean-Baptiste é comovente e tem momentos verdadeiramente lindos, mas em paralelo a isso, a mãe, verdadeiramente amorosa apesar do ato egoísta, desesperada, não mede esforços para encontrar a menina e move mundos e fundos para tê-la de volta. Mas aí já é tarde, a pequena e frágil Camille já virou uma revolucionária procurada e praticamente uma lenda em seu país.
O fato de ter afastado a filha da pessoa que ela amava pode parecer desqualificar Eliane no quadro das grandes mães. É verdade, ela foi um tanto egoísta, autoritária, até insensível. Mas não se engane, leitor. É o tipo do caso da mãe que acha que está fazendo o melhor para o filho, mesmo que isso tenha que custar algum sacrifício o qual, neste caso específico, era para ambas. A gente até fica com uma raivinha dela durante o filme mas na cena do reencontro das duas é de morrer de pena daquela mãe.
mostrando que mãe adotiva é tão mãe quanto qualquer outra.


"Indochina" - trailer



Uma das mortes clássicas de "Sexta-Feira 13".
Jason aprendeu direitinho com a mamãe.
13. “Sexta-Feira 13”, de Sean S. Cunnigham (1980) – Quando pensamos em “Sexta-Feira 13”, a primeira lembrança que nos vem à mente é o assassino psicopata da máscara de hóquei, Jason Voorhees, mas pouca gente lembra que quem mata no primeiro filme da franquia (alerta de spoiler) é a mãe de Jason. Sim! Pamela Voorhees traumatizada e perturbada pela morte do filho, afogado por negligência dos monitores do acampamento de Crystal Lake, responsabiliza, de um modo geral, a todos os jovens cheios de vida e resolve que deve se vingar de todos aqueles que venham a acampar no lugar onde o filho morreu. E a mamãe capricha! É um banho de sangue com algumas cenas das mais clássicas do terror slasher como, por exemplo, a que Kevin Bacon, estreando, novinho ainda, tem a garganta atravessada por uma faca, deitado na cama. Caso em que o filho aprendeu direitinho os ensinamentos da mãe pois, dali em diante, nas  sequências da franquia, é Jason quem assume o facão e mostra-se extremamente competente em sua tarefa.
Quem assistiu a “Sexta-Feira 13 – parte 1”, jamais vai esquecer a frase, dita com aquela vozinha fininha, imitando a de uma criança, sempre antecedendo mais uma atrocidade: “Mata ele, mamãe!”.



14. "A Troca", de Clint Eastwood (2009) - Agora, imagina se seu filho desaparece, você denuncia o fato às autoridades e depois de algum tempo eles vem pra você com uma outra criança e querem que você engula e aceite aquilo. Cara, é exatamente o que acontece em "A Troca", filme dirigido por Clint Eastwood e estrelado por Angelina Jolie, e o pior é que a coisa toda é baseada num fato real ocorrido em Los Angeles na década de 20. 
Aquela mãe insiste, Christine Collins, reafirma que não é o mesmo menino que sumira, tenta provar de todas as maneiras, com os professores, com exames médicos, com fotos, mas a polícia não só tenta lhe impor que é o garoto que ela procura como a acusa de insanidade mental por não reconhecer o próprio filho.
Uma história angustiante em que ficamos cada vez mais envolvidos e torcendo por aquela mãe. Mas infelizmente, amigos, tenho que revelar que a situação só piora.
Caso de uma mulher que não desiste do filho, não desiste da verdade, mas que, mãe solteira, vê-se impotente e cada vez mais sufocada pelas autoridades, pelo machismo e pela conjuntura social de sua época.



15. "Mãe!", de Darren Aronofsky (2017) - Essa é a mãe de todos nós. Salvo outras possíveis interpretações, a Mãe, interpretada por Jennifer Lawrence no filme de Darren Aronofsky, representa mãe natureza, a vida. E tudo o que aquela mãe mais quer é viver em paz e preservar sua casa, que é, na verdade, a nossa casa. A casa em questão, uma propriedade retirada em reformas, é onde ela vive com Ele, um escritor em crise criativa, vivido por Javier Barden, que, vaidoso e inconsequente, permite visitas inconvenientes que cada vez mais vão tumultuando a vida e o lar dos dois. Primeiro são um homem e uma mulher, convidados por Ele (Adão e Eva); depois uma multidão mal-educada que chega para o funeral de um dos filhos do homem e da mulher, morto pelo irmão (Caim e Abel), e com seu mau comportamento, mesmo diante de todas as advertências, acabam causando um enorme vazamento (Dilúvio) e a ira da dona da casa; e por fim, quando ela já está grávida, os convidados que chegam para celebrar a nova obra do escritor que finalmente rompera seu bloqueio criativo e que assim que ela tem o bebê, em meio à sua noite de consagração, exibido, faz questão de levar e entregar seu filho, recém nascido à turba de insensatos que..., (* alerta de spoiler)  literalmente, o devoram (Jesus Cristo).
Um filme complexo, para o qual cabem diversas outras interpretações ou variações, mas que não deixa dúvida quanto a uma coisa: o zelo que uma mãe tem pelo seu lar e pelos seus.
À parte as reflexões religiosas, com "Mãe!" você vai entender melhor o desespero da sua mãe quando chegava em casa e via aquele lugar de cabeça pra baixo. 



Alguns outros filmes com mães marcantes que merecem destaque e poderiam perfeitamente estar na nossa lista: "O Óleo de Lorenzo", de George Miller (1992); "Mamãe Faz Cem Anos", de Carlos Saura (1979); "Mommy", de Xavier Dolan (2014); "Minha Mãe é Uma Peça", de André Pellenz (2013); "Tudo Sobre Minha Mãe", de Pedro Almodóvar (1999); "Mom", de Ravi Udyawar (2017); "Que Horas Ela Volta?", de Anna Muylaert (2015); "O Quarto de Jack", de Lenny Abrahamson (2016);  "Precisamos Falar Sobre Kevin", de Lynne Ramsay (2012), "Juno", de Jason Reitman (2008); "Zuzu Angel", de Sérgio Rezende (2006)





por Cly Reis




segunda-feira, 31 de outubro de 2016

10+1 Filmes de Terror Para Curtir no Halloween



Halloween pede um bom filmezinho de terror, não? É só ver por aí, hoje, as programações dos canais recheadas de títulos do gênero em todas as suas variações possíveis. Tem de demônios, de casa assombrada, de serial-killer, de zumbis, de mutilações e podreiras e assim por diante. O ClyBlog pediu para que alguns amigos listassem seus favoritos do gênero e reuniu os mais mencionados numa super lista de filmes altamente recomendáveis para os amantes do lado sinistro do cinema. Na verdade, a maioria deles já são conhecidos, batidos, alguns já são clássicos mas exatamente por conta dessa imortalidade, dessa aura mítica que os envolve é que merecem sempre serem assistidos de novo e de novo e de novo.
Então vamos a eles:


As perspectivas de Kubrick ficam mais sufocantes.
1. "O Iluminado", de Stanley Kubrick (1980)
Frequentemente apontado como o melhor terror de todos os tempos, o clássico de Stanley Kubrick não foi esquecido pelos votantes. Um escritor, Jack Torrance, se candidata a trabalhar como zelador num hotel nas montanhas na época de baixa temporada quando o mesmo fica completamente vazio e leva para lá sua esposa e seu filho pequeno. Só que lá ele começa a ser influenciado por "alguma coisa" e seu comportamento vai mudando chegando ao ponto de ameaçar a integridade física de sua própria família. Ao mesmo tempo o garoto começa a ter visões para o espectador vai ficando claro que alguma coisa de não muito bom andou acontecendo naquele lugar. A câmera em movimento e as perspectivas de Kubrick, sempre muito marcantes, talvez nunca tenham sido mais adequadas e perfeitas do que neste filme, causando uma sensação de opressão, claustrofobia e inquietude, especialmente nos momentos em que perambula pelos corredores quietos e vazios do hotel. E as meninas no corredor, e a mulher na banheira, e a cascata de sangue no elevador, e o REDRUM... Ah, cara, que filmaço!




2. "O Exorcista", de William Friedkin (1973)
Passa o tempo, surgem filmes e mais filmes de terror, aperfeiçoam-se as técnicas, surgem novos recursos, mas "O Exorcista'continua lá, sempre sendo lembrado como um dos grandes filmes de sua categoria. Não é para menos, o drama da menina Regan possuída por um demônio é impactante visualmente ainda hoje mesmo com o avanço dos efeitos especiais. Como não lembrar da cena em que a garota vira completamente o pescoço?

As cenas mais impactantes de "O Exorcista"



3. "O Bebê de Rosemary", de Roman Polanski (1968)
Outro dos mais lembrados nas listas dos votantes e outro da "veterano" do terror. Clássico de Roman Polanski em que  um casal se muda para um novo apartamento e lá, Rosemary grávida, começa a suspeitar de um plano maligno dos vizinhos, um casal de idosos, com o próprio marido para fazer de seu bebê o Filho das Trevas. Filme muito mais inquietante, angustiante do que aterrorizante. Não é de dar medo mas mantém o espectador em um estado de tensão constante. Brilhante roteiro e excepcionais atuações, especialmente de Mia Farrow no papel principal. De um modo geral, o impacto visual é bem brando, mas, mesmo muito sutilmente e sem forçação nenhuma, a parte em que aparecem os olhinhos da criança é bem perturbadora.






4. "Evil Dead - A Morte do Demônio", de Sam Raimi (1981)
Como se faz um clássico? Com um sítio no meio da floresta, um grupo de amigos, pouca grana e uma câmera na mão. Exagerando é mais ou menos isso. Com baixíssimo orçamento, com alguns amigos, uma boa ideia, criatividade e muito talento, o então novato Sam Raimi, criava um dos filmes mais cultuados do gênero de terror. Um livro misterioso encontrado no porão de uma cabana onde um grupo de jovens vai passar um final de semana grupo de amigos que vai passar um final de semana dá início a uma demoníaca e sangrenta jornada de terror. Um espírito é libertado e cada um deles começam a ser possuídos pela entidade maligna. A cenas da câmera correndo rapidamente rente ao chão no meio da floresta com um efeito sonoro agoniante são muito legais e a da árvore estuprando a garota, uma das mais marcantes de todos os filmes de terror.


Tralier de "Evil Dead", A Morte do Demônio"




O Freddy vai te pegar...
5. "A Hora do Pedsadelo" de Wes Craven (1984)
O filme de Wes Craven consegue ter um dos personagem mias carismaticamente sinistros ou sinistramente carismáticos do cinema. Sabemos que Freddy Krugger, pedófilo, sequestrados e matador de criancinhas é um filha da puta mas aquele jeitão desleixado e seu humor negro fazem com que inevitavelmente mantenhamos alguma simpatia por ele. O fato do assassino se materializar no sonho dos adolescentes da cidade, filhos das pessoas que o queimaram vivo é um grande achado do filme e seu grande diferencial. Além de lhe conferir um charmoso toque surrealista, também lhe atribui características de desenho animado uma vez que o mundo dos sonhos possibilita de forma ilimitada variações de forma, espaço, dimensões, estado físico, etc. com uma justificativa muito mais natural do que teria em outra situação no mundo real.





Quem é aquela mulher?
6. "Psicose", de Alfred Hitchcock (1968)
"Ah, mas não é filme de terror!". Não é? Uma mulher é morta brutalmente a facadas no chuveiro por outra "mulher"... Como assim? Não havia mais ninguém no motel além do dono e gerente Norman Bates. Mas poderia ser sua mãe... Não! Ela e falecida. Mas então com quem ele conversa? De quem é aquela voz de mulher? O espírito da velha? Será? Não! Antes fosse. é algo pior. "Psicose" tem o grande mérito de ir mudando de gênero ao longo de seu desenvolvimento e ir moldando a expectativa do espectador: começa como um filme policial, um roubo; passa a ser um terror sobrenatural talvez, uma vez descartado a assombração, passa a ser um suspense e por fim descobrimos que é um filme de serial-killer. Ora, se um filme de assassino em série não é terror então que me desculpem Leatherface, Michael Myers e cia.






Samara, dos personagem mais marcantes
do mundo do terro nos últimos tempos.
7. "O Chamado", de Gore Verbinski (2002)
Uma das várias refilmagens americanas de originais japoneses e, neste caso, assim como em "O Grito" com competência e êxito. Pode-se  até discutir quanto a qual das versões é melhor mas é fato que a ocidental já um clássico do gênero. O filme da fita de vídeo matadora, à qual quem a assiste acaba morrendo em uma semana, mantém a tensão no alto o tempo inteiro por conta da expectativa de saber se a mãe, a jornalista Rachel, conseguirá em tempo hábil salvar o filho que assistiu à fita. A edição, muito videoclípica, nas cenas do tal VHS maldito é simplesmente agoniante, e Samara com sua cabeleira sobre o rosto e seus movimentos quebrados ao sair da tela e atacar as vítimas já é uma referência entre os personagens de horror.






Ih, tá na hora.
8. "O Exorcismo de Emily Rose", de Scott Derrickson (2005)
Outro dos novos clássicos este é um filme daqueles constantemente apontado como extremamente assustador, de não deixar dormir. Um dos motivos desta inquietação de provoca no espectador é o fato de ser baseado numa história real, o que inapelavelmente esfrega na nossa cara que TUDO AQUILO ACONTECEU DE VERDADE. Outro é a grande atuação da triz Jennifer Carpenter garantindo um incrível realismo às possessões. E outro ainda, possivelmente seja a tal da "hora do demônio" que tanto atormenta a jovem e depois as noites da advogada. Eu mesmo, quando vi, pensei duas vezes quanto a deixar o relógio ao lado da cama e quis dormir tão profundamente pra não correr o risco de acordar às 3 da manhã. Curiosamente é um filme de tribunal com flashbacks no referido exorcismo o que mais méritos lhe dá quanto ao fato de ser considerado tão assustador.






O vampiro repugnante de Murnau.
9. "Nosferatu", de F.W. Murnau (1922)
É incrível como muitos dráculas depois nenhum tenha conseguido superar esse. Baseado no "Drácula" de Bram Stoker, o filme do genial alemão F.W. Murnau traz um vampiro completamente fora dos padrões que depois nos acostumamos a ver no cinema,  o tipo bonitão e sedutor. Seu Conde Orlock é feio, bizarro, estranho e aterrorizante. Em 1922, mudo, com recursos primaríssimos de efeitos especiais, "Nosferatu" não é responsável apenas pela formação da linguagem do terror mas pela consolidação da linguagem cinematográfica como um todo. Obra-prima. Não é à toa que seu subtítulo é "uma sinfonia do horror".





O menino com seu "brinquedinho".
10. "Cemitério Maldito", de Mary Lambert (1989)
Filme que é cult desde que nasceu por conta da trilha sonora dos Ramones mas que, pode ter certeza, não fica só nisso. Depois de em um antigo cemitério indígena, revelado por um vizinho, ressuscitar o gato atropelado numa movimentada rodovia, o pai da família Creed desesperado pelo fato do filho ter tomado o mesmo destino que o mascote, resolve utilizar o mesmo recurso para reanimar o menino já sabedor que, assim como acontecera com o bichano, quem é enterrado naquele solo sagrado não volta como era antes. O filme tem cenas fortes de violência, de brutalidades, de mutilação especialmente as do menino com o bisturi na mão mas poucas coisas são mais aterrorizantes que a risadinha do garoto antes de aprontar "alguma das suas".






"Parece que tem alguém ali. Ih, tem alguém ali!"
10+1. "Os Inocentes", de Jack Clayton (1961)
Esse pra falar a verdade não foi tão votado mas é escolha da redação uma vez que eu e o Daniel, editores deste blog, adoramos esse filme e ambos os consideramos um dos grandes de todos os tempos. "Os Inocentes" conta a história de uma moça que vai trabalhar como governanta numa propriedade afastada para cuidar de duas crianças orfãs cujo tio, dono da casa, prefere se eximir da tarefa. O problema é que naquela casa enorme, naquela propriedade imensa, no jardim, no lago, a governanta começa a ver fantasmas. Só que os fantasmas não passam rápido, não "parece" que vimos alguma coisa. Eles realmente estão ali! E este é o grande mérito do terror do filme. É assustador pela sobriedade, pela leveza, pelo silêncio, pela fotografia primorosa e pela grande atuação de Deborah Kerr no papel da governata, Srta. Giddens. Na minha opinião tem um final um tanto exagerado, excessivamente teatral que contrasta com toda a sobriedade do restante do filme, mas o filme é taõ bom, tão bom o tempo todo que a gente até releva algum excessozinho que possa ter sido cometido no final. Mas nada demais! Não se deixe influenciar por essa última impressão. é obra de arte.



Agradecimentos a Claudia Melo; Vagner Rodrigues; Jowilton da Costa; Lisiane Möller; Thamy Lopes; Marcelo Silva; Roberta Motta; Roberta Miranda, José Júnior; Carolina Costa, Daniel Rodrigues, Valeska, Jamal e Lúcio Agacê que colaboraram nesta enquete.

Cly Reis


terça-feira, 5 de outubro de 2021

"O Segundo Rosto", de John Frankenheimer (1966)


Eu dilacerado

Sondar as profundezas da natureza humana é uma das mais recorrentes propostas do cinema de autor. Neste universo, há inúmeros títulos que abordam o tema sob enfoques dos mais diversos. Determinados cineastas, no entanto, tomam este tipo de temática quase como uma obsessão – o que lhes faz soar formalmente ainda mais freudianos. O cinema europeu, mais dado a estes instigantes “intrincamentos psicologizantes”, tem em Bergman uma referência indissociável, mas ainda há Antonioni, Wenders, Resnais, Buñuel, Fassbinder e alguns outros. No cinema americano a prática de levar a câmera ao divã é mais incomum, porém, por sorte, não inexistente. Inspirado no cinema marginal americano dos anos 40-50 (Penn, Aldrich, Ray), no expressionismo alemão e pelas vanguardas dos anos 60 e 70 – que tomavam os corações de jovens cineastas pelo mundo todo àquela época –, o norte-americano John Frankenheimer (1930-2002) muito perseguiu em seus filmes a temática psicanalítica. Seu mais assertivo feito é, entretanto, “O Segundo Rosto” (Seconds, EUA, 1966), uma brilhante metáfora sobre a perda de identidade e a dilaceração do indivíduo na sociedade moderna.

Um dos livros mais importantes do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, “Modernidade e Holocausto”, traz, através da visão crítica e ampla peculiar do autor, a ideia de que os sintomas da Solução Final da Segunda Guerra Mundial ultrapassam o castigo aplicado ao povo judeu (o que já seria, contudo, suficientemente trágico). Para ele, as implicações do massacre praticado pelo regime nazista se estendem às esferas política, sociológica e psicológica com tal força que se torna, ainda hoje, problema não só de judeus, mas de não-judeus, de ocidente e oriente; da sociedade moderna como um todo. Trata-se, obviamente, de um fenômeno maligno, mas cujos fatores psicossociais formadores não são necessariamente perversos, visto que pautado no tripé da burocracia moderna, da eficiência racional-tecnológica e da mistificação – aspectos que, convenhamos, isoladamente, não inspiram essencialmente maldade. 

Nesta linha, “O Segundo Rosto” traz à tona, num enredo envolto em mistério, ficção-científica e surrealismo, um dos resultados psicossociais dos efeitos devastadores que o genocídio impregnou no inconsciente coletivo: a divisão do “eu”. Afinal, a Crise dos Mísseis havia ocorrido há apenas 4 anos, a cisão entre as “Alemanhas” estava no auge e a Guerra Fria era “compensada” pelos Estados Unidos num conflito injustificável no Vietnã. Tal tensão fica explícita na construção do personagem-protagonista (s?). Na história, um homem de meia idade, John Hamilton (maravilhosamente interpretado por John Randolph), vice-presidente de um banco, vive com a esposa numa confortável casa de subúrbio. Angustiado e insatisfeito com sua vida burocrática e repetitiva, contrata uma empresa especializada em "renascimentos". A organização forja sua morte e, após avançados procedimentos cirúrgicos, faz com que ele renasça na figura de Anthiocus Wilson (Rock Hudson), um pintor de sucesso cuja história toda pré-programada ele, agora renovado por fora, terá de se incubar “por dentro”. Claro, não sem enormes desafios psicológicos.

Cena de "Seconds":  modernidade e Holocausto

Frankenheimer concebeu um filme revolucionário, inspirador de grandes realizadores como David Cronenberg e Roman Polanski, de quem se vê em vários trabalhos elementos pescados de “O Segundo Rosto”. A relação carne/alma, recorrente discussão na obra de Cronenberg – “A Mosca” (1986) e “Crash” (1996), por exemplo –, é explorada numa brilhante metáfora no filme: a “companhia de renascimentos” usa como fachada um frigorífico. A utilização das perturbações mentais como elemento narrativo é também típica do cinema tanto de Cronenberg quanto de Polanski, que de “O Segundo Rosto” se valeu bastantemente para compor os roteiros e a atmosfera sombria de suspenses psicológicos como “O Bebê de Rosemary” (1968) e “O Inquilino” (1976).

De fato, “O Segundo Rosto” inova e surpreende. Começa com a hipnótica abertura do mestre Saul Bass, designer alemão que revolucionou o modo de apresentar os filmes ao adicionar, com técnica e criatividade, o conceito do filme já nos subtítulos, e cujos créditos iniciais de obras-primas como “Um Corpo que Cai”, “O Homem do Braço de Ouro” e “Cabo do Medo”, assinadas por ele, são um espetáculo à parte. Em “O Segundo Rosto”, Bass se vale de imagens em hipercloses distorcidas de um rosto casadas com a tensa música de outro mestre, Jerry Goldsmith, dando a tônica do que virá no decorrer da trama. 

A marcante abertura assinada por Saul Bass


As interpretações são outro destaque, principalmente a de Rock Hudson, cuja mente perturbada consegue-se penetrar pelo espectador a ponto de causar uma quase náusea. Perversão, culpa, alucinação, medo, inocência; está tudo ali, embaraçado. As figuras que, por paranoia ou não, aterrorizam o mundo de Anthiocus parecem saídas de um tenebroso sonho, lembrando as caracterizações feitas por Orson Welles em “O Processo” (1962). 

Afora o roteiro, eficiente e preciso, equilibrando densidade e didática, a direção e a fotografia merecem aplausos. O olhar de Frankenheimer é cirúrgico, usando os elementos fílmicos com precisão e clareza de objetivos. A câmera, por exemplo, é um artifício para, independente da forma como é empregada, transmitir desequilíbrio, seja em movimentos bruscos – como na fascinante cena inicial na estação (presa à altura da cabeça do ator, esta técnica de hiperrealismo ainda é muito usada hoje, na publicidade, por exemplo, para fortalecer a proximidade física do espectador com o “objeto” filmado) –, seja em enquadramentos fixos, ora em angulações distorcidas e inclinadas, ora aproveitando-se da profundidade de campo proporcionada pela lente objetiva.

O "eu" dividido: simbologia
do espelho como terror
A propósito disso, a fotografia expressionista em P&B assinada pelo chinês James Wong Howe, outro craque de Hollywood que modificou a forma de fotografar em audiovisual, é um dos pontos mais marcantes do filme, tendo concorrido, inclusive, ao Oscar daquele ano. Não só o uso da perspectiva funciona como ressignificação da complexidade psicológica do protagonista como, igualmente, os closes nas texturas rugosas das peles, nas gotículas de suor que escorrem do rosto, no brilho artificial da íris dos olhos. Foco e desfoco andam juntos o tempo todo, e a composição dos cenários, às vezes propositadamente poluída de elementos visuais, reforçam o deslocamento psicológico de Hamilton-Anthiocus no mundo em que vive – embora o termo “viver” não seja propriamente o mais adequado nesta situação.

Falando em terminologias, este é outro fator expressivo no que se refere à metalinguagem que o filme suscita. O título original pode ser traduzido tanto como “segundo” ou “outro”, pontuando o conceito de dualidade marcante da obra, quanto por “segundos”, numa referência à passagem do tempo, seja este imagético ou físico, real ou psicológico, cronológico ou anacrônico. Outro termo que merece atenção é o “renome” que o protagonista recebe: Anthiocus. Ora: se alguém que busca reinventar-se na modernização forçada de suas feições e biografia recebe um nome etimologicamente referido a “antigo”, é porque alguma coisa está errada! Na sua nova vida, o agora artista, amante de uma linda jovem, conviva da alta classe burguesa e bonito feito um Deus submerso num novo inferno, na verdade, não se desfez daquele velho Hamilton que há dentro dele e cuja casa à art nouveau sempre pareceu um museu – e dos gélidos. Sua profissão de artista plástico, como o "Pintor da vida moderna" de Baudelaire – cuja existência servia para transpor à tela o momento presente –, soa como uma irônica metalinguagem da abstração da realidade pelo cinema enquanto arte.

Duas cenas de "Seconds": influência expressionista
nas imagens distorcida e aterradoras

Este Fausto revisitado, como bem associou o crítico cinematográfico francês Jean Tulard, tem tudo a ver com as crias que o fantasma do Holocausto produziu e produz. Se pensarmos que a pós-modernidade em que vivemos hoje é fruto da modernidade e de que, embora o mundo globalizado e a era digital signifiquem um novo paradigma repleto de novas significações, a própria recentidade história do pós-Guerra intui que problemáticas advindas com este período não tenham sido ainda esgotadas. Tudo bem em se renovem os questionamentos; mas, conforme assinala Bauman, sofre-se ainda, como o personagem de “O Segundo Rosto”, do mal-estar característico da crise da modernidade, impelido pelo também recente advento da psicanálise, pela queda do materialismo histórico e pela quebra do Estado clássico. O resultado é a perda de direção e a criação de um grande “nada”, o qual se impõe à frente de tudo. Alguma semelhança com a falta de critérios e distinções morais da família, da sociedade, do Estado de Direito que se vê hoje?

Cena de "Brilho Eterno...":
poesia do inconsciente
Fugir, então: eis a solução! Este “eu” que, do século passado para cá, de tão massacrado, não está mais se achando. “Eu” que se reduziu a suas meras limitações na filosofia existencialista; “eu” de um K. de “O Processo” de Kafka, que não sabe para onde vai e nem porque; “eu” que perde-se no labirinto das veleidades e da estética, como o hedonista fotógrafo Thomas de “Blow Up” (Antonioni, 1966); ou aquele “eu” lisérgico, marginal e impulsivamente desistente do sistema de Jack Kerouac, Para onde correr, se só há o nada em qualquer direção em que se vá? O jeito é reinventar-se – mesmo que artificialmente. Mais recente, o poético “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (Michael Gondry, 2004) navega por mares bem parecidos com o de “O Segundo Rosto”. Neste lindo romance psicológico da era digital, Joel (Jim Carrey) vive um marido magoado por sua esposa Clementine tê-lo, como nos computadores, deletado de sua mente. Resolve, então, retribuir na mesma moeda. No decorrer da operação na “clínica”, Joel percebe que, na verdade, não quer excluí-la de sua vida, e sim manter em sua memória os momentos em que estiveram felizes. A partir disso, ele enfrenta uma incrível luta mental para que essas memórias continuem vivas dentro de si.

O conflito em que esses personagens se consumem e os leva a uma divisão de si mesmos está, em ambos os filmes, diretamente ligada à relação com suas mulheres. Elas lhes são o espelho de suas identidades. Analisando o filme Frankenheimer, a esposa de Hamilton-Anthiocus exerce um papel fundamental na trama, tanto no início da história, no descompasso entre eles, quanto no desfecho, quando se reafirma este desafino. Embora o objeto espelho seja recorrente no cinema para expressar duplicidade, divisão, diferenciação, afastamento, ruptura etc, a repetição deste no decorrer de “O Segundo Rosto” é ludicamente deliciosa ao mostrar a “distorção” da imagem tanto de Hamilton quanto de Anthiocus. Há, porém, na cena crucial do diálogo entre o ele e sua (ex) esposa na casa em que viviam, onde é ela quem se vê refletida e não se “reconhece”, tal como ocorre com o (ex) marido a todo instante, antes e depois da cirurgia.

"O Inquilino" de Piolanski:
dissociação do "eu"
A formação do “eu” no olhar do “outro”, de acordo com o psicanalista francês Jacques Lacan, inicia na infância na relação do ser humano com os sistemas simbólicos fora dele mesmo. O que ele chama de "fase do espelho" é quando a criança, não possuindo qualquer autoimagem como uma pessoa "inteira", vê-se ou "imagina" a si própria refletida, figurativamente, no "espelho" que é o olhar do outro. Só aí ela pode se ver como uma "pessoa inteira". Mas o que ocorre quando este “espelho” está “quebrado”? Outro famoso psicanalista, o suíço C. J. Jung, disse que “não se cura a dissociação dividindo-a, mas dilacerando-a”. No já citado “O Inquilino”, o personagem principal, num processo semelhante ao de Anthiocus, a certa altura, questiona-se: caso mutilassem partes de seu corpo, poder-se-ia, mesmo assim, ele e suas partes continuarem se chamando pelo mesmo nome? Despedaçado, sua angústia está em perder a “unidade” de sua alma, de ser um mero “inquilino” dentro de si mesmo.

Embora  este sujeito complexo e problemático esteja sempre partido, ele passa a vivenciar sua própria identidade como se ela estivesse reunida e "resolvida", como resultado da fantasia de si mesmo que ele formou naquele espelho em cacos. Aspectos tão profundos da psique humana e do inconsciente coletivo encontram, por sorte, leito na obra de autores do cinema americano como Frankenheimer (e aí se podem citar também Allen, Scorsese, Eastwood e Altman), coisa que o cinema de outras partes do mundo, infelizmente, muitas vezes não tem tanto poder em atingir um público maior valendo-se de recursos semelhantes. Apesar de pessimista, a visão de Frankenheimer supõe um alarme, um apontamento do erro de nossa pós-modernidade de que fugir de si esvazia e dilacera.

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trailer de "O Segundo Rosto"


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

ClyBlog 5+ Filmes


Ah, se tem um assunto que nos fascina aqui no clyblog é cinema. Tenho certeza que não falo só por mim. Daniel Rodrigues, Leocádia Costa, José Júnior, Luan Pires, parceiros-colaboradores do blog, todos, assim como eu, são fanáticos pela arte dos Lumière.
No embalo das listas comemorativas dos nosso 5 anos, é a vez então de 5 amigos qualificadíssimos escolherem seus 5 grandes representantes da 7ª Arte.
(Ih, no número da arte não deu pra ficar no CINCO. Mas isso é o de menos...)
Enfim, com vocês, clyblog 5+ filmes preferidos.





1 Ana Nicolino
estudante de filosofia
professora de inglês
(Niterói/RJ)
"Meus cinco melhores. 
(Não estão em ordem)
Vai assim mesmo!"

1. "Solaris" - Andrei Tarkovski
2. "Rashomon - Akira Kurosawa


3.  "Morangos Silvestres" - Ingmar Bergman
4. "Fahrenheit 451" - François Truffaut
5. "8 e 1/2" - Federico Fellini

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2 Roberta de Azevedo Miranda
professora
(Niterói)

"Depois de muto pensar em qual seria o tema da minha lista,
achei que este combinaria mais comigo.
Sou amante dos filmes de terror psicológico, por assim dizer."


1. "Psicose" - Alfred Hitchcock
2. "O Bebê de Rosemary" - Roman Polanski
3.  "O Exorcista" - William Friedkin
4. "O Iluminado" - Stanley Kubrick
5. "O Exorcismo de Emily Rose" - Scott Derricson


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3 Álvaro Bertani
empresário
proprietário da locadora "E o Vídeo Levou"
(Porto Alegre/RS)

"Decidi nortear a escolha pela quantidade de vezes que assisti a cada um deles,
e se houvesse a possibilidade de passar o resto da minha vida dentro de um filme,
não restaria qualquer dúvida que seria um dos cinco escolhidos."


1. "8 e 1/2" - Federico Fellini
2. "Cidadão Kane" - Orson Welles
3. "Cópia Fiel" - Abbas Kiarostami
 

 4. "Ponto de Mutação" - Bernt Capra
5.  "Nós que Aqui Estamos Por Vós Esperamos" - Marcelo Masagão

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4 Daniel Rodrigues
jornalista
editor do blog O Estado das Coisas Cine
colaborador do ClyBlog
(Porto Alegre/RS)

" O fato de eu amar “Bagdad Café” é quase que uma tradução de mim mesmo. 
Zelo por aquilo que gosto, e, se gosto, acabo naturalmente mantendo este laço intacto anos a fio.
Assisti pela primeira vez em 1998 e desde lá, a paixão nunca se dissipou.. 
"O Chefão" tem a maior interpretação/personificação do cinema; "Fahrenheit 451" é poesia pura;
"Laranja Mecânica" considero a obra-prima do gênio Kubrick. Jamais imaginaria Beethoven ser tão transgressor;
e 'Stalker", com sua fotografia pictórica e esverdeada, a forte poesia visual,
o andamento contemplativo, o namoro com a literatura russa, a água como elemento sonoro e simbólico
 é para mim, a mais completa e bela obra de Tarkowski."


1. "Bagdad Café" - Percy Adlon
2. "O Poderoso Chefão I" - Francis Ford Copolla
3.  "Fahrenheit 451" - François Truffaut
4. "Laranja Mecânica" - Stanley Kubrick
5. "Stalker" - Andrei Tarkovski

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5 José Júnior
bancário
colaborador do ClyBlog
(Niterói/RJ)

"É a pergunta mais difícil que você poderia me fazer! 
Se eu parar pra pensar tem muitos de muitos estilos variados.
Ih, ferrou!
Não consigo para de pensar em filmes."

O texto de William Burrougs se presta perfeitamente
para as geniais bizarrices de Cronenberg,
em "Mistérios e Paixões"














1. "Mistérios e Paixões" - David Cronenberg
2. "O Exorcista" - William Friedkin
3.  "O Império Contra-Ataca" - Irvin Kershner
4. "Matrix" - Andy e Larry Wachowski
5. "O Bebê de Rosemary" - Roman Polanski