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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

"Exorcismo Negro" - José Mojica Marins (1974)




“José Mojica, mestre do terror e dos espaços profundos.” 
Glauber Rocha

“Sua câmera não mente jamais e confirma o desejo de reinventar o gênero horror com uma deformação formal, que só se encontra em alguns verdadeiros pioneiros”. 
Rogério Sganzerla

Nas primeiras décadas do século XX, alguns dos cineastas que ajudaram a construir a linguagem do cinema o fizeram com muita criatividade e intuição. Passados os pioneiros anos em que Griffith e Méliès abriram os portais daquele mundo de imaginação, foi a vez de outros realizadores, principalmente Vidor, Hitchcock, Lang, Sternberg e Clair, desvelarem aquela pedra bruta. Com recursos tecnológicos e financeiros geralmente parcos de um período de entre-Guerras, era a inventividade em criar soluções, trucagens e métodos que os fazia obter o resultado que pretendiam em frente à câmera e... ação! Estava feita a magia.

As décadas se passaram e os polos produtores e escolas de cinema foram assimilando a gramática audiovisual de maneira formal e técnica. Porém, o primitivismo criativo, algo genial e admirável em qualquer realizador, inclusive nos mais estudados, é ainda mais valioso quando surtido com espontaneidade. Caso do já saudoso José Mojica Marins, morto no último dia 19 de fevereiro. Eternizado como seu principal personagem, o assustador coveiro Zé do Caixão, o diretor – um autodidata que mal tinha o primário concluído, quanto mais um curso de cinema – alinha-se a este time de cineastas cuja linguagem cinematográfica lhe era natural e transbordante.

Mojica como Zé do Caixão à
época de "À Meia Noite..."
À margem do mainstream, Mojica firmou seu nome pela via do cinema marginal. Independente e amador, ele não produzia para nenhum grande estúdio e penava para financiar seus projetos, mas seu cinema de terror bizarro inspirado nos B Movies e, igualmente, calcado no noir e no western norte-americanos e seus grandes estetas – Orson Welles, John Ford, Howard Hawks, John Huston – driblava qualquer escassez de recursos. Esmerava-se nos roteiros e tinha uma técnica intuitiva apurada para a fotografia, a edição, a construção de personagens e a condução narrativa. Assim foi por toda sua carreira, “fazendo chover” mesmo com baixos orçamentos, a exemplo dos celebrados “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” (1964), “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” (1967) e “O Estranho Mundo de Zé doCaixão” (1968).

Duas exceções, entretanto, mostram que, nas raras ocasiões em que teve recursos para produzir melhor, Mojica não desperdiçava. Um deles é, justamente, seu último longa, de 2008, “Encarnação do Demônio”, produzido por Paulo Sacramento e no qual, após mais de seis décadas de carreira transcorridas, finalmente conseguiu fazer um filme nos moldes do que sempre sonhou. O outro título de sua extensa filmografia em que se vale de uma produção digna é “Exorcismo Negro”, de 1974 (ano em que havia ganho dois prêmios na França, L’Ecran Fantastique e Tiers Monde). Produzido por Aníbal Massaini Neto – financiador de pornochanchadas, mas responsável também por bons longas históricos como “Independência ou Morte” e “Corisco, o Diabo Loiro” –, tem poucas locações, menos de 15 personagens e alguns figurantes. Se não se trata de uma superprodução, é suficiente para o diretor estabelecer um padrão de qualidade, que coloca “Exorcismo Negro” entre os seus melhores.

Na história. na onda do então recente sucesso de “O Exorcista”, de um ano antes, Mojica viaja para passar o Natal com os amigos num sítio onde vivem e escrever a história de seu próximo filme. No entanto, coisas misteriosas começam a se suceder na casa, com seus amigos sendo possuído por alguma força sobrenatural. Ele descobre que a matriarca da família fez, no passado, um acordo com a bruxa Malvina para engravidar e salvar seu casamento. Em troca, Malvina deve indicar o filho do Satanás, Eugênio, para se casar com a menina. Além disso, Mojica entra em conflito com o próprio Zé do Caixão, que está pronto para recolher as almas daquela família. Como é peculiar de Mojica, a autorreferência e o jogo de sentidos para com seu alter-ego dão à obra um ar metalinguístico, assim como já havia proposto em “O Despertar da Besta” e “O Estranho Mundo...”

Mojica com a família de amigos em "Exorcismo...": tensão o tempo todo
O versátil Jofre Soares sendo acometido pelo espírito de Zé do Caixão
Possessão e exorcismo: influências do recente sucesso de "O Exorcista"
“Exorcismo...” traz um manancial de referências obrigatórias a filmes de horror: a casa assombrada, objetos que se movem sozinhos, corpos sendo tomados por espíritos malignos, bichos peçonhentos, mistérios familiares que vem à tona, erotismo grotesco, um animalzinho de estimação judiado e uma criança cuja inocência é ameaçada pelo mal. Porém, mais do que uma sucessão de clichês, o filme tem a qualidade de que tudo é tecnicamente bem realizado: efeitos especiais, cenas de briga, trucagens com sangue, cenografia, corte da edição. Diferentemente do que se viu por muito tempo no cinema nacional e que se tornou-lhe, inclusive, uma pecha. Merece atenção especial, entretanto, a fotografia (quesito no qual Mojica sempre foi irreparável), que concilia a dureza da sombra marcada e a coloração que capricha nos tons quentes – principalmente, claro, no vermelho-sangue. Igualmente, não apenas o uso bem articulado da trilha sonora, outra conhecida qualidade do diretor, como, também, da própria seleção das músicas, como as de Syd Dale, Daniele Amfitheatrof e Michel Magne.

Cena do ritual: apavorante e na
medida certa
Mas, além disso, o ritmo de “Exorcismo...” é perfeito. Aquilo que é um problema em alguns filmes de Mojica, fruto justamente da dificuldade de produção que invariavelmente enfrentava, a continuidade é um trunfo deste longa. A narrativa mantém a tensão e dá sustos do início ao fim. A chegada do personagem Mojica à casa dos amigos, por exemplo, é sucedida por uma série de acontecimentos aterrorizantes, que não deixam o espectador descansar. A sequência do ritual macabro, excessivamente longa em outras realizações do cineasta (“Delírios de um Anormal” e na reedição estendida de “O Despertar...”), aqui está na medida exata entre a alucinação vivida pelo personagem e o ritmo narrativo, que não cansa quem assiste.

Premiado internacionalmente, celebrado por referências como Glauber Rocha, Gustavo Dahl e Rogério Sganzerla e, bem mais tarde, descoberto pelo mercado norte-americano, que o intitularia como Coffin Joe. Nada foi suficiente para que Mojica vencesse as restrições ao seu trabalho por quase todo o período em que esteve ativo, dos anos 40 até o século XXI. Nos anos 80, espremido pela censura e pelo sistema, partiu para o cinema pornô, que ao menos lhe daria alguma grana. Pouco antes de conceber seus últimos filmes, já nos anos 2000, Sganzerla escrevia sobre o amigo e admirado cineasta: “Além de nunca ter recebido nem adiantamento, quanto mais condições de produção compatíveis com seu talento, não filma há 15 anos, sendo vítima do descaso, inépcia, irresponsabilidade ou talvez preconceito”. Pouco visto em seu próprio país, “Exorcismo...” é, certamente, um dos melhores filmes de terror da década de 70 – rica neste gênero, aliás. A se ver por este resultado, imagine se Mojica tivesse recebido o devido reconhecimento em vida?


JOSÉ MOJICA MARINS
(1936-2020)



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assista o filme "Exorcismo Negro"



Daniel Rodrigues

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Os 100 Melhores Filmes de Terror da IndieWiere (e aquelas 12 títulos que faltaram)


 
Cada vez mais fica claro que listas são feitas para serem complementadas. As famosas (e polêmicas) seleções de melhores do cinema não desmentem: por mais criteriosas que sejam em suas elaborações, sempre deixam aquela sensação de que algo faltou. Ainda mais quando o tema envolve os melhores “de todos os tempos ", que, por motivos óbvios - o de abarcar tudo que o universo daquela temática ou recorte deve oferecer -, corre muito mais risco de erro.

"O Iluminado", um clássico do terror incontestável.
Mas há outros
Caso da lista divulgada recentemente pelo IndieWire, reconhecido portal sobre cinema, que elaborou uma publicação com os 100 melhores filmes de terror de todos os tempos. Por si só, aliás, um gênero polêmico, seja pela classificação de um filme dentro desse gênero (às vezes, discutível se é terror ou não), seja pela paixão que exerce sobre seus milhares de fãs (o que supõe uma maior diversidade de preferências). 

Porém, a IndieWire encarou a empreitada. E o fez muito bem, por sinal. Tem de tudo: zumbi, monstro, slasher, vampiro, espírito, lobisomem. Sangue, morte e medo para todos os gostos. Podem se achar listados os principais filmes de terror que se conhece. Clássicos incontestes como "O Iluminado", "O Bebê de Rosemary", "Tubarão" e "O Massacre da Serra Elétrica" estão lá. Igualmente, a consideração a obras nem tão badaladas, mas inegavelmente merecedoras, tal "A Beira da Loucura", de John Carpenter (69°), "Irmãs Diabólicas", de Brian De Palma (87°) e "Violência Gratuita", de Michael Haneke (15°). Até mesmo a primeira colocação a "Possessão" (de Andrezej Żulawski) surpreende, mas é bem interessante em se tratando de uma lista claramente revisionista. Também é apreciável o prestígio aos orientais com várias produções do Japão e Coreia do Sul da década de 50 até a de 2000. Como diz a própria publicação, “prestamos atenção às seleções que abriram caminho em inovações para o gênero e para o cinema como um todo”.

No entanto, há controvérsias, claro. A começar pela má colocação de alguns títulos que fazem jus a uma melhor pontuação, seja por sua importância para o gênero ou para a própria história do cinema, como "A Hora do Pesadelo", pondo o icônico Freddie Krugger apenas no 98° lugar; o referencial "Psicose", obra-prima de Alfred Hitchcock e possivelmente top of the tops numa relação mais tradicional, aqui contentando-se somente com o 39° posto; ou o já citado "O Bebê...", 42°, recorrentemente tido como um dos principais filmes da história do cinema em todos os gêneros. E "Nosferatu" de Murnau, na 40ª? Ou "O Exorcista" só 51ª? Sinistro...

Mas são as ausências que mais gritam tal qual a mocinha clichê fugindo do serial killer no meio da noite. Ver uma seleção de 10 dezenas de obras de terror e enxergar algumas sendo esquecidas (ou preteridas) motiva àquilo que referimos no início do texto: o ímpeto de querer complementá-la. Por isso, trazemos aqui 12 títulos não listados pela IndieWire, mas que consideramos essenciais de constarem. Tirar alguns? Ampliar? Adicionar aquele "plus"? Tanto faz. Importante é contribuir com mais filmes certamente cabíveis numa lista como esta: legal, mas incompleta. Os amantes do terror hão de concordar.


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"O MAL QUE NOS HABITA", de Damián Rugna - ARG (2023) - Um desses recentes, mas que já mexeu com as estruturas do universo do horror é o aterrorizante argentino "O Mal Que nos Habita". Tem possessão, tem gore, tem violência extrema, tem canibalismo, tem sobrenatural, tem perseguição e, de quebra, ainda, na entrelinha, crítica social. A gente fica apavorado com o que vê, cenas gráficas e sangrentas daquelas de fechar os olhos, como a famosa sequência do cachorro matando a menininha; espantado com o que aconteceu mas não viu, como o garoto que comeu a avó; e amedrontado pelo que não vê, a maldição que persegue os moradores de uma cidadezinha interiorana na argentina e que pode estar em qualquer um, em qualquer lugar. Um dos grandes filmes do gênero nos último anos.





"TERRIFIER", de Damien Leone - USA (2016) - "Terrifier" surgiu meio que como um cult. Era uma espécie de clássico do underground daqueles que só tinha visto quem conseguia por algum meio menos convencional. Mas o fato é que, mesmo difícil, restrito a alguns fanáticos sanguinários e incansáveis ratos de internet, o filme era muito comentado pelas barbaridades, atrocidades e brutalidades de um palhaço mímico que comete uma verdadeira carnificina numa noite de Halloween. E de fato, a fama não era a toa. "Terrifier" é dos filmes mais brutais que já assisti. As coisas que faz o palhaço Art são duvidáveis até para o mais acostumado fã de slashers. Tipo, "Ele não vai fazer isso... não vai fazer...  Fez!!!". O visual da fantasia preto e branco com uma mini-cartola, aquele sorriso sujo assustadoramente amplo, a determinação em seus objetivos assassinos, o sadismo doentio, e o talento para as execuções de suas vítimas fazem de Art um dos novos grandes matadores do cinema e mais um personagem clássico do horror.



"INVASÃO ZUMBI", de Yeon Sang-ho - KOR (2016) - Os zumbis foram mudando ao longo da história do cinema desde que George Romero os 'inventou". Já foram apalermados, organizados, individualistas, inconscientes, cruéis, devoradores, possuídos, experimentais... Em "Invasão Zumbi" um dos grandes baratos é que ao invés de zumbis lentos, descoordenados, capengando com os braço estendidos para a frente e babando, temos zumbis rápidos. Velozes, determinados, imparáveis e vorazes! A partir do momento que o primeiro infectado entra no trem de Seul para Busan o frenesi não tem mais fim. Aí ele morde um que morde outro que morde outro, e os corredores apertados do trem são o cenário perfeito para um dos filmes de zumbi mais alucinantes que já se viu.





"ATIVIDADE PARANORMAL", de Oren Peli - USA (2007) - Sei que o found-footage já tá enchendo no saco de tanta coisa que se fez no formato desde o sucesso do fenômeno "A Bruxa de Blair", mas não dá pra ignorar e deixar de fora o igualmente criativo "Atividade Paranormal". Basicamente uma câmera num tripé posicionada no quarto de um jovem casal que suspeita sua casa, suas vidas, estejam sendo atormentadas por alguma força sobrenatural, um espírito, um demônio ou algo assim. Para tentar tranquilizar a esposa Katie e esclarecer as dúvidas, o marido, Micah, aficionado por eletrônicos, vídeos, filmagens, coloca câmeras gravando o tempo inteiro em vários pontos da casa, inclusive no dormitório do casal. É, e para desespero dos dois, as imagens revisadas nos dias seguintes às gravações, depois de suas noites de sono, confirmam seus piores temores: tem alguma coisa lá. Simples? Sim, mas eficiente. O passar dos dias, o aumento gradual da atividade, dos fenômenos mantém o interesse do espectador. Sem graça? Uma câmera fixa na mesma posição... Que nada! Aquele silêncio, aquela imagem parada na amplitude do quarto faz a gente ficar com o olho atento a cada detalhe, a cada cantinho. Será que a porta vai mexer? Será que sai alguma coisa debaixo da cama? E o lençol? E o chinelo? E o pé dela? E o pé dele?... Pior é, depois de ver o filme, ir dormir e ter que apagar a luz do quarto.



"CREEPSHOW", de George A. Romero - USA (1982) - Se um filme dirigido por George A. Romero com argumento e roteiro de Stephen King, inspirado nos clássicos quadrinhos de terror dos anos 50 não é uma das melhores coisas do mundo do terror, eu não sei mais o que é bom ou não. Com todo aquele colorido e visual de HQ na tela, com arte desenhada, fontes Comic Sans, layout de tela como uma página de papel, os mestres do terror nos apresentam cinco contos recheados de medo, morte, sangue e humor, com mortos-vivos, criaturas assassinas, coisas de outros planetas, infestações incontroláveis, em tramas envolventes que desfilam ódio, traição, vingança, ambição e repugnância. King, Romero, quadrinhos, sangue, decapitações, zumbis, insetos nojentos, monstros... O que pode ser melhor que isso?







trailer de "Creepshow"



"O SEGREDO DA CABANA"
, de Drew Godard - USA/CAN (2012) - Reverência e crítica ao mesmo tempo, "O Segredo da Cabana" brinca com os clichês dos filmes de horror construindo a partir disso, por incrível que possa parecer, uma obra inteligente e singular. Grupo de jovens, cabana no meio do nada, lenda local, livro no porão, despertar de algo sobrenatural... Sei, sei. Já vimos tudo isso. Mas e se tudo isso estivesse sendo meticulosamente controlado por uma espécie de central mundial de eventos paranormais que decide qual monstro, assombração ou criatura será destinado para cada local, e quando e como o maligno deverá agir? Tipo de arma, tipo de morte, ambiente, essas coisas... Enquanto o 'escolhido' entra em ação, os funcionários do local, que já prepararam tudo, luz, nevoeiro, trilhas, dificuldades, obstáculos, apostam entre si, enquanto assistem por um circuito privado de vídeo, como se dará, efetivamente, cada execução: morte rápida, lenta, decapitação, mutilação, estrangulamento, muito sangue, pouco sangue, etc. Lá pelas tantas as coisas fogem do controle desse pessoal da retaguarda da 'empresa' e dois dos jovens descobrem suas instalações secretas subterrâneas, e é quando muita coisa passa a entrar em jogo, incluindo a existência da humanidade se aquela horda de aberrações, mantida até então sob controle, for libertada e sair pelo mundo afora. A hora em que os garotos abrem os elevadores das criaturas é um dos momentos de maior caos que já se viu em filmes do gênero, e ao mesmo tempo um dos momentos mais "lindos" para fãs de terror. Tudo está ali: Lobisomens, vampiros, bruxas, ciclopes, górgonas, dragões, duendes doentios, crianças malignas, palhaços assassinos, répteis gigantes, zumbis famintos, surgem todos ao mesmo tempo, remetendo a diversas referências do mundo do cinema que entusiastas do gênero com certeza não deixam de notar. "Hellraiser", "It", "O Chamado", "Poltergeist", "O Iluminado", "A Noite dos Mortos-Vivos", "A Múmia", "O Monstro da Lagoa Negra", "O Massacre da Serra Elétrica" e outros mais... todos estão homenageados nas celas de vidro ou corredores de sangue da tal 'empresa', a fábrica de pesadelos do diretor Drew Godard. Um deleite para nós, cultuadores desses filmes! Uma crítica ao cinema hollywoodiano, seus vícios, seus padrões, seus métodos, sua influência e abrangência, mas também, de certa forma, uma cutucada quanto ao mundo em que vivemos como um todo, no qual uma minoria de poderosos, 'donos do mundo', decide como as coisas são e como devem continuar sendo. 


"POLTERGEIST, O FENÔMENO", de Tobe Hooper – USA (1982) - Assim como "O Exorcista", "Tubarão" e "Pânico", o filme de Tobe Hooper - àquela altura, início dos anos 80, bem melhor aparado pela indústria do cinema do que quando realizou na raça o independente "O Massacre da Serra Elétrica" em 1974 - é daqueles que títulos que, independentemente da colocação conforme o critério adotado para a seleção, não pode faltar a uma lista de 100 best horror of all times de jeito nenhum. Produzido por Steven Spielberg e com trilha do craque Jerry Goldsmith, além do enorme sucesso que fez à época de lançamento, tornando-se um marco dos filmes de terror assim como os citados acima, "Poltergeist" "cumpre" algo que nem sempre filmes do gênero, por mais bem feitos que sejam, conseguem alcançar: ele assusta. Depois de assisti-lo, nunca mais se olha para uma árvore ao lado da janela da mesma maneira.



“O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO”, de José Mojica Marins - BRA (1968) - O máximo que a lista da IndieWire vai fora da América do Norte, da Ásia ou da Europa é um filme do Oriente Médio (“Garota Sombria Caminha pela Noite”, do Irã) e outro da América do Sul, o chileno “Santa Sangre”. Talvez por essa pouca atenção além do circuito tradicional tenham deixado de voltar seu olhar para o Brasil e o seu grande ícone do cinema de horror: José Mojica Marins, o homem por trás do personagem cujo mundo é tão estranho quanto magnífico. Os gringos que não se façam de loucos, pois o conhecem muito bem como Coffin Joe, quando o brasileiro foi descoberto nos festivais internacionais de cinema como Avoriaz, nos anos 90, e passou a ser cultuado. Poderia ser o seminal “O Estranho Mundo de Zé do Caixão” ou o lisérgico “O Despertar da Besta”, mas “O Estranho Mundo de Zé do Caixão” é sua obra mais bem acabada e sintética do estilo híbrido de seu cinema, que vai do trash e o vampirismo ao gótico e o body horror.



“O MENSAGEIRO DO DIABO”, de Charles Laughton – USA (1955) - Se tem um filme absolutamente injustiçado nessa listagem publicada esse filme é "O Mensageiro do Diabo". Clássico da segunda fase do cinema noir, o único longa dirigido pelo experiente ator inglês Charles Laughton impressiona pela perfeição em todos os aspectos fílmicos: fotografia, roteiro, edição, trilha, atuações. E que atuações! Robert Mitchum, que encarnaria o perigoso Max Cady na primeira versão de "Cape Fear" 12 anos depois, leva muito para aquele papel o clima do personagem deste filme, o assassino de viúvas ricas Harry Powell. Mas não só Mitchum: a perseguida Willa, vivida por Shelley Winters e, principalmente, as crianças (Lilian Gish e Billy Chapin) dão um show de interpretação, lembrando o desempenho acima da média de outra dupla de pequenos atores noutro título clássico do terror: "Os Inocentes" (41° da lista).





“AS DIABÓLICAS”, de Henri-Georges Clouzot – FRA (1955) - Um dos critérios adotados pela IndieWire para compor a lista é de que os filmes não fossem somente fantásticos, mas também dessem medo. Seguindo esta lógica, "As Diabólicas" não estar presente é definitivamente um equívoco. Uma das mais marcantes obras da cinematografia francesa dos anos 50 pré-Nouvelle Vague, "As Diabólicas" assusta pra caramba! Michel Delassalle dirige com mão de ferro um pensionato para meninos, assistida por sua doce esposa Christina. Ele tem por amante Nicole Horner, professora da instituição. Cansadas do despotismo de Michel, as duas mulheres unem para assassiná-lo. Alguns dias depois do crime, no entanto, o cadáver desaparece e situações estranhas começam a se suceder. Esteticamente impressionante, algo expressionista, é contado de forma magistral pelo diretor Henri-Georges Clouzot, mestre de narrativas tensas a se ver pelo sufocante Palma de Ouro "O Salário do Medo", de 1953. O ambiente sombrio do pensionato, a figura arrepiante de Simone Signoret como a fria Nicole e, principalmente, as reviravoltas do roteiro, fazem deste filme uma obra-prima do gênero do terror. Ah: e é uma das inspirações de Hitchcock para produzir "Psicose". Não precisa dizer mais nada, né?


trailer de "As Diabólicas"



"A CASA QUE PINGAVA SANGUE", de Peter Duffell - ING/IRL (1971) - Típico filme de terror inglês "das antigas": histórias criativas, instigantes e bem contadas. Reunião de quatro histórias que são contadas ao Inspetor Holloway, que investiga o misterioso desaparecimento do ator de filmes de terror Paul Henderson após mudar-se para uma antiga casa. Assassinos que saem dos livros para a realidade, um museu de cera que desperta desejos proibidos, uma menina alijada de uma boneca e uma capa capaz de dar poderes a um homem fazem dessa reunião de pequenos filmes - mas interligados entre si - daqueles clássicos que dava gosto de assistir na tevê com a dublagem da TKS. E ainda conta no elenco com o veterano Peter Cushing, que viveria Sherlock Holmes no cinema em 1984, e ele: Christopher Lee, lenda do terror.





“HALLOWEEN III – A NOITE DAS BRXAS”, de Tommy Lee Wallace – USA (1982) - Tá ok: já tem o clássico “Halloween” do Carpenter, o filme que melhor captou o lado sombrio dessa comemoração muito peculiar da cultura norte-americana, abrindo a porta para uma interminável sequência que perdura até hoje, mais de 40 anos após seu lançamento. Mas é impossível não referir nessa relação de melhores de terror uma dessas sequências, a de nº 3. Curiosamente (e isso é uma das qualidades do filme de Tommy Lee Wallace), não tem nada a ver com a história do assassino Michael Myers entabulada nos até então outros dois anteriores. Mas a principal qualidade de “Halloween III” é o de ser absolutamente arrepiante como poucos filmes o são. Antecipando a viagem paranoico-televisiva de “Videodrome” de Cronenberg e resgatando ideias de obras como “Invasores de Corpos”, dos filmes de zumbis, inova a abordagem dos filmes de bruxa ao adicionar, inclusive, a crítica ao sistema capitalista, capaz de penetrar no cérebro dos consumidores e lobotomizá-los para vender seus produtos. Isso tudo sem deixar de ser sanguinolento. Em uma época em que se começava a discutir os efeitos nefastos da propaganda subliminar, é de arrepiar só de ouvir aquele jingle maldito mas aparentemente inocente.



Cly Reis
Daniel Rodrigues

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL 11 anos do Clyblog - Zé Ramalho - "Zé Ramalho 2" ou "A Peleja do Diabo com o Dono do Céu" (1979)



"Foi o meu segundo disco. Veio implacável, com letras furiosas e políticas, ditas num tom profético e nordestino, passando para a época uma fornada de músicas, que marcaram a minha carreira para sempre." 
Zé Ramalho

Quanto mais o tempo passa, mais nos damos conta de que ele na verdade voa mesmo... Quando penso que se passaram 40 anos desde que gravamos esse lendário LP (permitam-me...), chega a ser difícil de acreditar.

Zé Ramalho tinha “estourado” para o grande público no ano anterior, 1978, com “Avôhai”, “Vila do Sossego”, “Chão de Giz” e tantos outros sucessos que são cantados até hoje. Já tínhamos começado a entrar em uma rotina de shows e viagens que só cresceria nos anos seguintes. A banda que o acompanhava, da qual eu fiz parte durante inesquecíveis cinco anos, já estava com um grande entrosamento, justamente por conta da sucessão de shows que fazíamos por todo o país. Com isso, a entrada em estúdio para gravar foi algo feito com muita tranquilidade e segurança. Quero dizer, com muito ensaio mesmo...

O saudoso estúdio da não menos saudosa CBS, situado no centro do Rio de Janeiro, era a nossa casa: lá tínhamos um espaço para ensaios onde preparávamos o repertório para os shows – e também para os discos. No fundo do corredor do clássico prédio, o enorme pé direito de um estúdio imenso, mas com apenas oito canais de gravação. Isso nos dias de hoje é quase incompreensível pelas novas gerações que só conheceram os equipamentos digitais. O “nosso” era analógico mesmo. E só oito canais mesmo...

Mas o equipamento era excelente e os técnicos também, então tudo fluía como se estivéssemos em casa. E de certa forma, estávamos: Zé Ramalho estava se tornando o principal artista da gravadora, e trazia consigo uma galera de respeito, já com “nome na praça”, mas às vésperas de alcançarem seus grandes sucessos individuais: Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, Amelinha, Cátia de França, entre tantos outros. Com tudo isso, a CBS estava totalmente voltada para esse time, e proporcionava as melhores condições para que pudéssemos trabalhar com calma.

E a capa do disco? Com sua original criatividade, Zé Ramalho convidou a excêntrica e genial figura de Zé do Caixão para representar o Diabo, enquanto ele próprio, vestido de branco, assumia o papel do “Dono do Céu”. A encenação da peleja para a foto de capa, com Zé Mojica Marins e suas enormes unhas diabólicas e duas lindas atrizes, Xuxa Lopes e Monica Schmidt cercando ambos, é um registro inesquecível na memória de todos nós que vivemos aquela época.


Arte do encarte e da capa do disco de autoria de Zé Ramalho
em parceria com o cineasta "udigrudi" Ivan Cardoso
Comandando essa galera toda estava o produtor Carlos Alberto Sion, assistido por Lygia Itiberê e por meu irmão Marcelo Falcão, que posteriormente se tornaria empresário e produtor do grande Moraes Moreira. O pianista, compositor e arranjador Paulinho Machado cuidava dos arranjos de base junto com o próprio Zé Ramalho, e se encarregava dos arranjos de orquestra, mestre que era das partituras e do bom gosto.

A sensação que tínhamos, como músicos da banda, era de uma grande animação, por percebermos que estávamos testemunhando ao vivo a ascensão de um grande artista, e nós fazíamos parte dessa interminável aventura.

Por trás da mesa de som, Manoel Magalhães, com a paciência de um monge, e Eugênio de Carvalho, aquele que perdia o amigo, mas não perdia a piada, conduziam as sessões com a habilidade de dois mestres da engenharia de gravação com anos de estrada.

No repertório, além da música-título, outros futuros sucessos já se enfileiravam: “Frevo Mulher” já mostrava sua primeira versão, mas que acabou explodindo mesmo pouco tempo depois na voz de Amelinha.
Waldemar, em 1981, em show com
a banda de Zé Ramalho

“Admirável Gado Novo” era outro sucesso aguardando a sua vez de entrar em cena. Lembro-me como se tivesse sido ontem uma noite, em 1978, quando Zé Ramalho bateu no meu quarto de hotel para me mostrar em primeira mão a “Vida de Gado” que tinha acabado de compor. Nós, na época, fazíamos o show de lançamento do primeiro disco em São Paulo e já se pressentia todo o sucesso se aproximando.

“Falas do povo”, uma homenagem a outro conterrâneo famoso, Geraldo Vandré, resumia sua força poética em dois versos simples e diretos do seu refrão: “falo da vida do povo/nada de velho ou de novo”.

A linda “Beira Mar”, que como diz o título, é um “Galope à Beira-Mar”, um dos formatos poéticos mais utilizados pelos cantadores nordestinos, também estava no repertório. Aprendi com meu compadre Zé (sou o orgulhoso padrinho de sua filha caçula, a Linda, outra artista de grande personalidade) todas as regras destes modos poéticos dos repentistas e cantadores: além do “Galope à Beira-Mar”, existem o “Martelo Alagoano”, o “Martelo Agalopado”, entre muitos outros martelos e galopes.

Lembro-me também com clareza – e sei de cor até hoje – um martelo alagoano que escrevi para ele quando estávamos em Porto Alegre em 1981 numa turnê do saudoso Projeto Pixinguinha e ele completava trinta e dois anos de idade. O aluno mostrando para o mestre que aprendeu a lição direitinho. Aí vai:

"Aproveito feliz ocasião
Pra saudar meu amigo Zé Ramalho
Companheiro de vida e de trabalho
Na batalha diária pelo pão.
Como artista é um grande criador
Seja em prosa, em canto ou em verso
É autor de inúmeros sucessos
Na sua voz de moderno cantador.
Lá do Brejo do Cruz paraibano
Caminhou sob as vistas de Avôhai
O seu velho irmão, avô e pai
Que o viu nascer há 32 anos.
Aproveito o vento minuano
Não preciso usar o dicionário
Lhe desejo Feliz Aniversário
Nos dez pés de martelo alagoano”.

Apesar dos quarenta anos de estrada, todas estas lembranças permanecem vivas na minha memória, e o melhor de tudo, a amizade continua a mesma. No ano passado, quando foi lançada uma regravação de todo este repertório com “apenas” a voz de Zé Ramalho e o seu firme violão, recebi na dedicatória que ele escreveu para mim: “Para o Mazinho, com quarenta anos de música e amizade”.

Além de tudo, este ano de 2019 comemora os setenta anos de vida deste cantador, deste grande artista e compositor, do meu compadre Zé Ramalho.


Vida longa e próspera, Compadre!


W A L D E M A R   F A L C Ã O

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FAIXAS:
1. A Peleja do Diabo Com o Dono do Céu - 04:24
2. Admirável Gado Novo - 04:53
3. Falas do Povo - 04:11
4. Beira-Mar - 03:54
5. Garoto de Aluguel (Taxi Boy) - 03:03
6. Pelo Vinho e pelo Pão - 03:19
7. Mote das Amplidões - 03:57
8. Jardim das Acácias - 05:10
9. Agônico - 01:43
10. Frevo Mulher - 03:38
11. Admirável Gado Novo (instrumental) - 4:49*
12. Mr Tambourine Man - 2:26* (Bob Dylan)
13. Hino Amizade - 3:06*
14. O Desafio do Século - 3:41*
* Faixas-bônus da reedição de 2003
Todas as composições de autoria de Zé Ramalho, exceto indicada

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OUÇA O DISCO:
Zé Ramalho - "A Peleja do Diabo com o Dono do Céu"

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Waldemar Falcão é músico, astrólogo e escritor. Atua como músico, compositor e produtor musical desde 1975. De 1978 a 1982, fez parte da banda do cantor e compositor Zé Ramalho, excursionando por todo o Brasil como flautista, vocalista e percussionista. Trabalhou como produtor  e engenheiro de som de músicos como Steve Hackett e Moraes Moreira. Em 1985, durante o primeiro Rock in Rio, foi assessor artístico de Nina Hagen e James Taylor. Astrólogo profissional desde 1987, foi membro fundador do Sindicato de Astrólogos do Rio de Janeiro (SINARJ) e do Conselho Deliberativo da Central Nacional de Astrologia (CNA). Tem quatro livros publicados: "Encontros com Médiuns Notáveis", "O Deus de cada Um", " Conversa sobre a Fé e a Ciência" com Marcelo Gleiser e Frei Betto, e "A História da Astrologia para quem Tem Pressa". 

segunda-feira, 19 de junho de 2023

CLAQUETE ESPECIAL 15 ANOS DO CLYBLOG - Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes (parte 3)


Grande Otelo em "Rio, Zona Norte" com o seu realizador, 
Nelson Pereira dos Santos, que chega para ficar
Chegamos à terceira parte de nossa lista dos 110 melhores filmes brasileiros, em comemoração aos 110 anos do primeiro filme realizado no Brasil, “Os Óculos do Vovô”. E justo naquele em que é celebrado o Dia do Cinema Brasileiro! E podemos dizer que a coisa está ficando cada vez mais séria. Não que os primeiros-últimos da ordem já não garantissem uma qualidade excepcional. Afinal, separar APENAS 110 títulos entre tantos memoráveis foi tarefa não só difícil como incompleta. Porém, é óbvio que, à medida que vai se avançando na classificação, também se intensifica a importância das obras.

É bem o caso do nosso novo recorte, que vai do 70º ao 51º posto. E em verdade vos digo: só tem filmão! Se nos 40 títulos anteriores já figuravam grandes realizadores, como Eduardo Coutinho, Glauber Rocha, Hector Babenco e Humberto Mauro, agora entram no páreo outras referências indeléveis do cinema nacional, como Leon Hirzsman, Nelson Pereira dos Santos e Kleber Mendonça Filho com seus primeiros listados. Por que, claro, todos eles voltarão mais pra frente com mais obras. Mesmo caso de Cláudio Assis, aqui com “A Febre do Rato”, e Ruy Guerra, já mencionado com seu "Os Cafajestes" (102º) e agora representado por um dos raros musicais de toda a seleção: “Ópera do Malandro”. Como Guerra, Walter Avancini, Julio Bressane, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr. e Rogério Sganzerla, já presentes, voltam à carga com todo merecimento. 

Entre as mulheres, se até então apareceram apenas filmes de Suzana Amaral, Laís Bodanzky e Tatiana Issa, Sandra Kogut amplia a representatividade feminina trazendo uma obra-prima da recente cinematografia brasileira: “Três Verões”. Por falar em época, ao contrário do recorte imediatamente anterior, onde calhou de não haver nenhuma produção dos anos 80, nesta, pelo contrário, elas são maioria entre as décadas, com 8 títulos, 4 a mais que a segunda com mais filmes, os anos 60. Este é um dos retratos de momentos importantes do audiovisual brasileiro que uma lista de teor histórico como esta pode suscitar. A constatação é uma mostra (à exceção de “Morte e Vida Severina”, teledrama da TV Globo) do quanto a Embrafilme, bem estruturada nos anos 80, rendeu ao cinema brasileiro frutos muito qualificados e duradouros. A mesma Embrafilme desmontada nos anos 90 por Collor... Mas isso é outra história.

Confiram, então, mais uma parte da lista destes filmes que, se não são necessariamente todos os melhores, infalivelmente guardam qualidades que os credenciam a estarem aqui.

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70.
“O Homem que Virou Suco”, João Batista de Andrade (1981) 

A forte e memorável atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e “Morte e Vida Severina”, leva o filme, que conta a história do poeta popular nordestino Deraldo. Ele quer tenta viver em São Paulo de sua arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor Filme em Moscou e Nevers, é daquelas corajosas realizações  ficcionais, mas abertamente realista que quase documental, e de extrema importância para o período de abertura política no Brasil após os Anos de Chumbo da Ditadura Militar.



69. “Sem Essa Aranha”, Rogério Sganzerla (1970) 
68. “Pra Frente, Brasil”, Roberto Faria (1982) 
67. “Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro”, José Padilha (2010)
66. “Ópera do Malandro”, Ruy Guerra (1986) 
65. “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, José Mojica Marins (1968)



64. “O Padre e a Moça”, Joaquim Pedro de Andrade (1966)
63. “Três Verões”, Sandra Kogut (2020)
62. “Ele, O Boto”, Walter Lima Jr. (1987) 
61. “A Pedreira de São Diogo”, Leon Hirzsman (1962) 

 
60.
“Os 7 Gatinhos”, Neville D’Almeida (1980) 


Neville é daqueles cineastas da “elite intelectual carioca” que produz coisas às vezes intragáveis, mas esse é um acerto inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos “caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste longa referencial.





59. “O Mandarim”, de Julio Bressane (1995)
58. “Morte e Vida Severina”, Walter Avancini (1981)
57. “Casa Grande”, Fellipe Gamarano Barbosa (2014)
56. “A Febre do Rato”, Cláudio Assis (2011)
55. “O Romance da Empregada”, Bruno Barreto (1888)



54. “Faca de Dois Gumes”, Murilo Salles (1989)
53. “Rio, Zona Norte”, Nelson Pereira dos Santos (1957)
52. “Aquarius”, Kleber Mendonça Filho (2016)
51. “Blá Blá Blá”, Andrea Tognacci (1968)


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Música da Cabeça - Programa #151


Bolsonazis que querem acabar com a democracia, um recado pra vocês: "o pulso ainda pulsa"! Em plena quarta-feira de cinzas, o MDC sacode a poeira e dá a volta por cima com o enredo de gente como R.E.M., Tracy Chapman, Tom Jobim, Titãs, Grant Green, Renato Russo e Neil Young. Ainda, uma homenagem a José Mojica Marins e um "Cabeça dos Outros" de quadro móvel. Aqui a gente não acaba na quarta-feira: a gente começa. E é às 21h, na carnavalesca Rádio Elétrica. Produção, apresentação e estandarte de ouro: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

20 filmes para entender o cinema brasileiro dos anos 60



Outro dia, logo após postar no Facebook que havia revisto um dos meus filmes favoritos da cinematografia nacional, “Bye Bye Brasil” (sobre o qual comentarei melhor em um próximo post), surtiram, como geralmente ocorre, alguns comentários. Na ocasião, entretanto, um dos que comentou foi meu primo e colaborador do ClyBlog (especialmente para da seção ClaqueteVagner Rodrigues. Amante de cinema, ele revelou não apenas querer conhecer o filme em questão quanto se aprofundar mais no cinema brasileiro das décadas de 60, 70 e 80.

Dispus-me, então, a elencar para ele títulos que dessem um panorama da produção de cada década no combalido e combativo cinema no Brasil. Até aí, nada incomum, considerando que gosto de compartilhar conhecimento sempre que posso e o considero suficiente para tal. O que eu mesmo não esperava era que, ao comentar brevemente cada filme somente de forma a justificar ao Vágner o porquê de sua presença numa classificação tão seleta, fui me empolgando não apenas com cada anotação, como, principalmente, com a seleção em si. Tanto que, somando-se os três períodos, cheguei a 55 títulos!

Afora a trabalheira prazerosa que sei que dei ao meu primo, acabaram surgindo três listas bem interessantes que dão a dimensão da qualidade, importância, versatilidade e profundidade artística, estilística, sociológica e política do cinema brasileiro em cada uma destas décadas, sem dúvida as melhores em nível qualitativo em toda a história dessa arte no Brasil (e olha que tem como concorrentes os fortes anos 50 e a primeira década do séc. XXI). Ao mesmo tempo, juntos, dão uma mostra bem real do quanto já foi muito mais difícil fazer cinema no Brasil, tanto pela questão técnica (produções quase sem recurso, tecnologia defasada e falta de mão de obra) quanto, principalmente nos 60 e 70, pelo cenário político, tendo em vista que muitos desses filmes – mesmo os corajosamente denunciadores – sofreram com a censura do governo militar antes, durante ou depois de lançados.

Comecemos, então, com a melhor de todas: a década de 60, marcada pelo boom do Cinema Novo – que revelou os gênios Glauber Rocha e Julio Bressane, mestres como Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade e Cacá Diegues e técnicos de primeira linha como Dib Lufti e Eduardo Escorel – mas que presenciou, tanto quanto, obras memoráveis não necessariamente ligadas ao movimento. Enfim, uma seleção de 20 títulos com seus respectivos diretores e em ordem cronológica de ano que me deram muito trabalho para escolher, mas que dão uma ideia legal da produção da época pelo filtro daquilo que gosto e acredito como arte – a sétima, neste caso.



1 - "O Pagador de Promessas", Anselmo Duarte (60) – Com absoluta convicção, o melhor de todos os tempos no Brasil. Perfeito do início a fim: fotografia, atuações, roteiro, trilha, edição, cenografia. E tem um dos papeis mais memoráveis do cinema: Leonardo Villar como Zé do Burro. E ainda é um Palma de Ouro em Cannes que venceu AntonioniPasolini e Buñuel. Tá bom pra ti? Irretocável.






2 – “Barravento”, Glauber Rocha (62) – Primeiro filme do Glauber, coloca-se num ponto entre o Neo-Realismo e o Cinema Novo. Extremamente poético, é o filme que melhor retrata o universo místico do candomblé e da vida dos pescadores do interior, aqueles que raramente temos acesso no mundo urbano. Venceu prêmio na República Checa e tem montagem do Nelson Pereira, quer mais?










3 - “Assalto ao Trem Pagador”, Roberto Faria (62) – Outro daqueles filmes essenciais. O Roberto Faria sempre fez filmes com arte e apelo popular. Esse é bem assim: com uma cara ainda de Atlântida dos anos 40/50, mas com um pé no Neo-Realismo. Atuações fantásticas do irmão Reginaldo Faria, do Grande Otelo e do ator principal, Eliezer Gomes, como o inesquecível Tião Medonho.










4 - “Os Cafajestes”, Ruy Guerra (62) – Clássico do Cinema Novo, tem toda a questão da câmera na mão, do enquadramento intuitivo, do aspecto documental, da inspiração estética e temática na nouvelle vague. Fala sobre a decadência da burguesia, pondo em evidência seu vazio e a falta de sentido. Daniel Filho e Jece Valadão ótimos. E ainda tem o primeiro nu frontal da história do cinema, e quando a Norma Bengell era tri gata!







5 - “Cinco Vezes Favela”, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Miguel Borges, Leon Hirzsman e Marcos Farias (62) – Filme de episódios (5, obviamente), todos retratando algum aspecto das então pouquíssimo retratadas favelas, papel de denúncia que o Cinema Novo foi hiperimportante. O do Cacá, embora ainda cru em termos de estilo, é bem interessante, pois fala sobre uma escola de samba e os problemas da comunidade num dia de carnaval. “Couro de Gato”, do Joaquim Pedro, chegou a ganhar Cannes. O de Leon também é incrível, “Pedreira de São Diogo”, sobre trabalhadores da pedreira que são obrigados a fazer implosões perto de uma comunidade que iria para os ares. O do Miguel Borges, sobre um lixão, é claramente uma das inspirações do “Lixo Extraordinário” e com o recente britânico-brasileiro “Trash”.







6 – “Vidas Secas”, Nelson Pereira dos Santos (63) - Genial. Precursor em muitas coisas: fotografia seca, roteiro, cenografia, atuações. Daquelas adaptações literárias tão boas quanto o livro, ouso dizer. Tem uma das cenas mais tristes que já vi, a o sacrifício da cachorra Baleia. Limite também entre Neo-Realismo e Cinema Novo. Indicado a Palma de Ouro. Aula de cinema.










7 - “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, Glauber Rocha (63) - A obra-prima do Cinema Novo, um dos maiores filmes do século XX. De tirar o fôlego. Sobre este, me reservo o direito de indicar um post inteiro que escrevi sobre ele em meu blog de cinema: http://oestadodascoisascine.wordpress.com/2010/11/09/a-terra-do-homem-e-o-mito-da-morte/









8 - “Os Fuzis”, Ruy Guerra (64) – Um soco no estômago. Sobre um cerco militar que se forma numa cidade do sertão nordestino, pondo à mostra toda a miséria social e moral gerada pelo Estado, quase um presságio do derramamento de sangue que ocorreria com os que combateriam a ditadura militar, então recém-iniciada. Dos filmes preferidos de gente como Gustavo Spolidoro e Eduardo Valente, foi Urso de Prata em Berlim em Direção.








9“Noite Vazia”, Walter Hugo Khouri (64) – O Khouri sempre teve o seu jeito de fazer cinema, abordando temas como a depressão das altas classes, o vazio existencial, a anestesia da vida moderna, e bastante inspirado em Antonioni. “Noite Vazia”, no entanto, não é uma cópia brasileira de “A Noite”: é um filme com personalidade e referencial. Trilha do Duprat, tá louco! E concorreu a Palma de Ouro. Depois, o Khouri só se repetiu, mas esse é demais.










10 - “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, Roberto Santos (65) – Uma joia meio esquecida. Leonardo Villar, de novo ele, faz o papel principal, que ele literalmente encarna. Baseado no conto-novela do Guimarães Rosa, é daquelas adaptações ao mesmo tempo fiéis mas que souberam transportar a história pra outro suporte. Obra-prima pouco lembrada.








11 – “São Paulo S/A”, Luis Sérgio Person (65) – Outro clássico. Walmor Chagas tá ótimo. Na linha d’”Os Cafajestes”, mas sob outra ótica, mostra a asfixia da classe média (paulistana, no caso), imersa na impessoaliadade da vida industrial e maquinal da grande cidade. Recebeu prêmios na Itália, México e São Paulo. Muito atual.








12 – “O Desafio”, Paulo César Saraceni (65) – Parece loucura, mas o diretor fez um filme sobre a ditadura em plena ditadura. Haja peito! E mostra em detalhes a vida daqueles que não se enquadram naquilo, a tristeza de ver seu país tomado sem lado para correr. É um filme revoltado, corajoso e triste com todos os elementos de Cinema Novo: câmera na mão, fotografia natural, improvisação, tom documental, trilha sonora da MPB combativa da época.








13 - “O Padre e a Moça”, Joaquim Pedro de Andrade (66) - Lindo. Primeira ficção do Joaquim Pedro, que foi um contista de mão cheia. Sobre um padre (o maravilhoso Paulo José) que se apaixona por uma moça de família no interior. Claro que dá merda, né? Fotografia PB rigorosa e pouco diálogo, que dá um clima sufocante à história. Indicado ao Urso de Ouro em Berlim.







14 – “O Caso dos Irmãos Naves”, Luis Sergio Person (67) – Filme de tribunal sobre uma história real de um julgamento injusto ocorrido no interior de Minas na Era Vargas envolvendo os tais irmãos da família Naves. Super bem narrado e fotografado. Alto nível. Interpretações, idem. Interessante que, por se passar em uma época antiga, o filme passou pela censura, é os militares burros não perceberam ser uma baita crítica ao governo. Até torturas mostra... Venceu Brasília (Roteiro e Atriz Coadjuvante) e foi indicado em Moscou.







15 - "Terra em Transe", Glauber Rocha (67) - Pra muitos, o melhor do Glauber. Também altamente referencial do que foi o Cinema Novo e a visão dos artistas daquela época no Brasil. Algumas das cenas – captadas pela câmera-personagem de Dib Lufti – e ícones do movimento estão diretamente ligadas a essa filme. Premiado em Cannes, Locarno e Havana. Não menos que genial.








16 - “O Dragão da Maldade Conta o Santo Guerreiro”, Glauber Rocha (68) - Espécie de continuação do “Deus e o Diabo...”, porém num outro conceito e contexto. Altamente Teatro de Arena e Teatro Oficina, considero-o uma “ópera do Sertão” em cores, uma tragédia shakesperiana nordestina. Texto incomparável. Filme amado por Scorsese. Metafórico e forte. Melhor Direção em Cannes.






17 - “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, José Mojica Marins (68) – O genial Mojica traz indiretamente seu célebre personagem, que não aparece mas “representa” os 3 episódios que compõem o longa. Sua melhor produção, que mostra o quanto ele, um dos maiores mestres do terror trash mundial, ao lado de ArgentoCarpenter e Bava, é capaz de fazer miséria com um pouquinho mais de recurso.








18 - “O Bandido da Luz Vermelha”, Rogério Sganzerla (68) – Se existe cinema marginal, é “O Bandido...”. Transgressor, louco, efervescente, non-sense, crítico, revolucionário. Adjetivos são pouco pra definir. Grande vencedor do Festival de Brasília daquele ano. O filme que fez o “terceiro mundo explodir” de criatividade.










19 – “O Anjo Nasceu”, Julio Bressane (69) – Gênio do cinema autoral da atualidade (haja vista que é vivo e segue produzindo), junto com Sganzerla originou o chamado cinema “udigrudi”, o underground brasileiro, que subvertia ainda mais a estética e narrativa do que o Cinema Novo. Segundo filme dele, que, embora tenha um pouco mais de história (o que o diretor praticamente abandonou a partir do final dos 70), é tomado de simbologias e metáforas, que, por sinal, embaralharam a cabeça dos militares, que o proibiram sem saber porquê.






20 – “Brasil Ano 2000”, Walter Lima Jr. (69) – Fala-se muito do “Macunaíma” (referencial certamente, mas um filme confuso), mas esse do Walter Lima é exemplar no que seria um cinema “tropicalista” e “antropofágico”. É um musical com trilha original do Gilberto Gil cujos temas são muito bem integrados à história, pois se trata de uma ficção surrealista inteligente e engraçada. Muita criatividade com pouco.