"Natal: Uma Crônica Para Pessoas Não Apressadas"
por Armindo Trevisan
Uma das observações mais profundas que li sobre o Natal
foi a de um célebre paleontologista e teólogo jesuíta, Pierre Teilhard de
Chardin (1881-1955), que cito de memória, parafraseando-a:
O Verbo de Deus, Filho de Deus, igual ao Pai
e ao Espírito Santo, entrou no mundo sem
rumor, formando-se no seio de uma virgem que vivia em Nazaré.
Sem rumor, também, nasceu o Menino, que
Manuel Bandeira chamou “o nosso Menino”, numa gruta, em Belém, a pequenina
cidade donde era originário o Rei David - do qual a Virgem descendia.
O
Menino foi colocado numa mangedoura, na qual sua mãe o aqueceu com os panos de
que dispunha, e pelo bafo de dois animais, que representavam os animais saídos da
Arca de Noé: um boi e um burro. O burro seria, talvez, o ancestral de outro
burro, o que carregaria Jesus na sua entrada triunfal em Jerusalém, quando o
Rabi foi aclamado pelos habitantes de Jerusalém, inclusive pelas crianças.
O
silêncio, com que o mundo acolheu a vinda do Criador à terra, foi acompanhado
de outro silêncio, o dos campos da Judéia onde pastores apascentavam seus rebanhos.
Os
únicos a terem falado foram os Anjos.
Falaram e cantaram, anunciando aos homens, amados por Deus, que o Salvador tinha
vindo à terra para trazer a paz.
Num
poema da Divina Comédia, Dante
celebrizou essa paz num incomparável verso:
-A sua vontade é a nossa paz.
É verdade que, no contexto poético de Dante, a paz era
uma espécie de tradução do termo hebraico shalom, que significa a felicidade.
As
estrelas permaneciam silenciosas no firmamento. Elas costumam transmitir umas às
outras suas mensagens misteriosas, sem nunca apelarem para as palavras.
O Salmo 19 adverte:
-Não há palavras para os dias que comunicam uns
a outros seu discurso. Deles não se ouve som algum, embora suas vozes se façam
ouvir por toda a terra”...
Apesar
de silenciosas, as estrelas do Oriente não permitiram que passasse inobservado
o fenômeno divino da Encarnação do Verbo,
que se inseriu na conturbada História da Humanidade. Uma das estrelas tomou a
si a iniciativa de guiar três Reis Magos, vindos do Irã, ao humilde Presépio,
que se situava numa cidade que ainda hoje existe, já agora num território
dilacerado por tensões étnico-religiosas.
Que maravilhoso
seria se, na comemoração do Natal, as nações cristãs, concordassem em instituir
um minuto de silêncio em homenagem a
tão grande Mistério!
Seria
preciso que não se ouvisse som algum em nosso mundo!
Seria preciso que a paz, silenciosa
como as estrelas (ao contrário de nossos ícones que, para serem ovacionados, inflamam
as multidões) entrasse nos corações na ponta dos pés, e aí fizesse adormecer as
almas ao som da Noite Feliz, traduzida
para o português por um frei franciscano de Petrópolis, o qual preferiu o
adjetivo feliz ao adjetivo original
alemão stille: Noite Silenciosa!
Não seria tão complicado fazer rimar Noite Silenciosa com Solitária Rosa!
Existe,
em toda a parte uma, ou várias rosas solitárias. Aqui e acolá, descobre-se uma
mulher silenciosa, um homem silencioso, um cachorro silencioso, uma coisa silenciosa.
A
alegria tende a exceder seus limites. As dores e as tristezas são, por
temperamento, introvertidas. Profundamente silenciosas.
Podemos,
pois, orar:
Noite Silenciosa,
Noite Feliz:
ajuda-nos a encontrar a Deus,
ou antes,
a sermos encontrados por Ele!
Escritor,
teólogo, filósofo, ensaísta, crítico de arte, poeta e cronista gaúcho, Armindo Trevisan nasceu em Santa Maria,
em 1933. Doutor em Filosofia pela Universidade de Fribourg, Suíça. Bolsista da
Fundação Calouste Gulbenkian em 1969 e 1974. Professor de História da Arte e
Estética na UFRGS, de 1973 a 1986. Lecionou no Curso de Pós-Graduação em Artes
Visuais da UFRGS até 1999. Vencedor do Prêmio Nacional de Poesia Gonçalves Dias
(1964), pela União Brasileira de Escritores, com “A Surpresa de Ser” (comissão
julgadora composta por Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Cassiano
Ricardo). Em 1972, ganhou o Prêmio Nacional de Brasília para Poesia Inédita, por “O Abajur de
Píndaro”. Em 1997, venceu o Prêmio APLUB de Literatura pelo livro “A
Dança do Fogo”. Em 2001, foi Patrono da Feira do Livro de Porto Alegre. Já em
2004, recebeu o Prêmio Fato Literário, dado a personalidade ou instituições que
mais contribuíram com as letras gaúchas. Tem poemas e ensaios traduzidos em
alemão, italiano, espanhol e inglês.