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quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Sinéad O'Connor - "Am I Not Your Girl?" (1992)

 



"São as músicas
que cresci ouvindo
e me fizeram querer
ser cantora."
Sinéad O'Connor



Sabe aqueles discos que a gente acha que ninguém mais gosta além de você? Pois é, "Am I Not Your Girl?", de Sinéad O'Connor era assim pra mim. Já era fã da cantora de seus trabalhos de carreira, mas aí na compilação "Red Hot + Blue" coletânea com vários artistas em homenagem a Cole Porter, descobri a veia jazz da irlandesa. No projeto da organização Red Hot, em benefício às vitimas da AIDS, Sinéad interpretava, de forma magnífica, a lindíssima "You do something to me" e aquilo me arrebatou. Mas acredito que a experiência tenha sido importante para ela também, uma vez que a cantora lançaria dois anos depois, um álbum só de standarts do jazz.

Sinéad canta com elegância, com precisão, confere a emoção exata para cada canção.

A faixa de abertura já justificaria todos os elogios à obra: "Why don't you do right?", canção originalmente do filme "As noivas do Tio Sam", mas imortalizada na voz da sensual personagem de desenho Jessica Rabbit, ganha carne e osso na boca de Sinéad O'Connor numa interpretação provocativa, insinuante, venenosa, digna da femme-fatale do desenho animado.

"Bewitched, Botched and Bewildered" que a segue, conjuga magicamente melancolia, delicadeza e graça, com a cantora colocando uma doçura tal, uma fragilidade na voz... que chega a ser algo realmente tocante. "Secret Love", originalmente cantada por Doris Day, nos anos 50, tem um arranjo mais aberto, mais luminoso, mas Sinéad canta num ar quase confidente ao revelar, "Once I had a secret love" e logo abre o peito para revelar que não  tem segredos para mais ninguém, "My secret love is no secret anymore". E "Black Coffee", gravada anteriormente por nomes como Sarah Vaughn e Ella Fitzgerald, e trilha do filme "Algemas Partidas" em 1960, confirma perfeitamente aquela atmosfera misteriosa de filme noir.

No entanto é em "Success has made a failure of our home" que a irlandesa despeja sua maior carga emocional em uma das canções do disco. Apoiada por um arranjo jazz-rock intenso, Sinéad numa interpretação dramática, encarna uma mulher desesperada, quase indo às  lágrimas, se desfazendo, se desintegrando diante de seu homem, implorando para que ele simplesmente diga que ela ainda é sua garota.

Outro ponto alto do disco é a ótima "I want to be loved by you", do filme "Quanto mais quente melhor", na qual Sinéad conserva a discontração e a leveza da original, interpretada por Marilyn Monroe, com direito até a um "Boop-boop-a-doop!", que, se não tem a mesma sensualidade da loira, tem graça e doçura.

A sombria canção do compositor húngaro Rezső Seress, letrada por László Jávor, "Gloomy Sunday", associada frequentemente a suicídios, traduzida para o inglês e cuja interpretação mais famosa é de Billie Holiday, ganha uma verão não menos emocional, intensa e cheia de possíveis "leituras" e "interpretações" na voz da irlandesa que, sabe-se bem, embora tenha morrido de causas naturais, tentara o suicídio diversas vezes durante a vida.

"Love Letters", clássico que já esteve nas trilhas de diversos filmes e peças, com os mais variados andamentos e ênfases, neste disco ganha uma sonoridade imponente de metais com uma poderosa introdução de uma orquestra de jazz, enquanto Sinéad, se comparada a outras grandes vozes como Nat King Cole e Elvis Presley que já interpretaram a canção, opta por uma interpretação sóbria, comedida, que lhe confere um aspecto ainda mais fragilizado.

Em uma leitura extremamente melancólica e dramática do clássico da bossa-nova, "Insensatez", de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, a irlandesa demonstra toda a importância e a influência da música brasileira em sua formação. "Scarlett Ribbons", canção de Natal na sua origem, aqui adquire uma carga quase fúnebre. Muito se dá pelo formato: a voz acompanhada apenas por uma flauta, e o tom cru do estúdio, com o ouvinte podendo captar todas as respirações, as pausas, os vazios...

"Don't cry for me, Argentina", do musical Evita, aparece em duas versões, uma cantada, que se não é nada excepcional, no mínimo é, inegavelmente, melhor do que a da Madonna, e uma instrumental, num jazz descontraído e acelerado, que, praticamente fecha o disco, que ainda tem uma mensagem pessoal da cantora sobre a dor (o que também fez ainda mais sentido depois das circunstâncias de sua morte).

Na época que soube do projeto da irlandesa, tratei de dar um jeito de dar um jeito de conseguir aquele seu novo álbum, só que duro como era na época (e ainda sou), o jeito foi gravar e ter em K7. Muito ouvi aquela fita. Gastei os cabeçotes do walkman com ela. Até evoluí depois, embora ainda sem grana, para o CD gravado, mas nunca havia tido uma mídia original. Até que numa dessas feiras de vinil, encontrei por um preço bem razoável o "Am I Not Your Girl?" em LP. O vendedor, um senhorzinho muito simpático que me contou ter sido DJ em festas disco dos anos 70, se derreteu pelo álbum. Disse ser aquele, na sua opinião, um grande disco, trabalho que muita gente não valoriza mas que para ele era o melhor da cantora, interpretações  incríveis e tudo mais... Se eu tivesse alguma dúvida, as teria abandonado naquele momento com uma manifestação tão  entusiástica como aquela. Mas a admiração pelo disco não parou nele: tenho o hábito de compartilhar nas redes sociais minhas trilhas sonoras do dia e num dia desses qualquer, ouvindo o álbum, lancei lá no Facebook, no Instagram, no Twitter, um "Ouvindo agora, "Am I Not Your Girl?", de Sinéad O'Connor". Ah, foi uma enxurrada de likes e comentários. "Grande disco", "Esse disco é muito bom", "Dos meus preferidos", e etc. Aí  que eu descobri que não sou só eu que adoro esse disco. E, cá entre nós, um disco com tantos clássicos, canções eternizadas pelo cinema, músicas já interpretadas por nomes imortais, admirado desta maneira, e com essa importância na vida de tanta gente, não pode ser considerado menos que um ÁLBUM FUNDAMENTAL

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FAIXAS:
1. "Why Don't You Do Right?" - Joe McCoy (2:30)
2. "Bewitched, Bothered and Bewildered" - Lorenz Hart, Richard Rodgers (6:15)
3. "Secret Love" - Sammy Fain, Paul Francis Webster (2:56)
4. "Black Coffee" - Sonny Burke, Paul Francis Webster (3:21)
5. "Success Has Made a Failure of Our Home" - Johnny Mullins (4:29)
6. "Don't Cry for Me Argentina" - Andrew Lloyd Webber, Tim Rice (5:39)
7. "I Want to Be Loved by You" - Bert Kalmar, Harry Ruby, Herbert Stothart (2:45)
8. "Gloomy Sunday" - László Jávor, Sam L. Lewis, Rezső Seress (3:56)
9. "Love Letters" Edward Heyman, Victor Young 3:07
10. "How Insensitive" - Vinicius de Moraes, Norman Gimbel, Antônio Carlos Jobim (3:28)
11. "Scarlet Ribbons" - Evelyn Danzig, Jack Segal (4:14)
12. "Don't Cry for Me Argentina" (Instrumental) - Andrew Lloyd Webber, Tim Rice (5:10)
13. "Personal message about pain (Jesus and the Money Changers)" (Hidden track) - O'Connor (2:00)

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Ouça:



por Cly Reis

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Música da Cabeça - Programa #329

 

sinéad o'connor não nos ensinou só a admirar a beleza de sua arte, mas a levar a música literalmente na cabeça. o programa hoje terá ela e muito mais coisas, como beck, dona ivone lara, the stranglers, vitor ramil e mais. tem, claro, a própria sinéad no quadro sete-list. combatendo o poder, o mdc entra na briga às 21h na aguerrida rádio elétrica. produção e apresentação sem comparação: daniel rodrigues 


www.radioeletrica.com

domingo, 16 de outubro de 2022

cotidianas #774 - Bola de Futebol Vermelha





Eu não sou nenhuma bola de futebol vermelha
Para ser chutado pelo jardim,
Não, não.
Eu sou uma bola vermelha de árvore de Natal,
E eu sou frágil.

Eu não sou nenhum animal,
Embora eu seja para você.
eu não sou nenhum crocodilo
Como o do zoológico de Dublin
Que viveu em uma gaiola de comprimento e largura de seu corpo,
Com uma janela pela qual as pessoas podiam olhar,
E jogue moedas em suas costas para provocá-lo,
Embora ele não pudesse se mover,
Mesmo que ele quisesse.
Eu não sou nenhum animal no zoológico.
Eu não sou nenhum garoto de chicote para você.
Você pode não me tratar como você faz


Eu não sou nenhum animal no zoológico.
Minha pele não é uma bola de futebol para você.
Minha cabeça não é uma bola de futebol para você.
Meu corpo não é uma bola de futebol para você.
Meu útero não é uma bola de futebol para você.
Meu coração não é uma bola de futebol para você.

Eu não sou nenhum animal no zoológico
Este animal vai pular e comer você.
Eu não sou nenhum animal no zoológico.
E eu tenho toda intenção
De pular e te pegar

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"Red Football"
(Sinéad O'Connor)

Ouça:

terça-feira, 11 de maio de 2021

cotidianas #717 - "I'm Stretched On Your Grave"

 



Estou estirada sobre seu túmulo
E me deitarei lá para sempre
Se suas mãos estivessem nas minhas
Eu teria certeza de que não nos separaríamos

Minha macieira, meu brilho
É hora de estarmos juntos 
pois sinto o cheiro a terra
E me desgasto pelo clima


Quando minha família pensa
Que estou segura em minha cama
Estou estirada na sua lápide

Clamando para o ar
Com lágrimas quentes e selvagens
Minha aflição pela garota
Que amei como uma criança


Você lembra a noite que estávamos perdidas
Á sombra do abrunheiro*
E ao frio da geada?

Graças a jesus fizemos tudo que era correto
E sua pureza virginal ainda é seu pilar de luz


Os padres e os monges
Aproximam-se de mim com pavor
Porque eu ainda amo você
Meu amor e você está morta

Eu ainda serei seu abrigo
Através da chuva e através da tempestade
E contigo em seu túmulo frio
Não consigo dormir aquecida


Por isso estou estirada em seu túmulo
E me deitarei ai para sempre
Se suas mãos estivessem nas minhas
Eu teria certeza de que não nos separaríamos

Minha macieira, meu brilho
É hora de estarmos juntos pois cheiro a terra
E estou desgastada pelo clima



* arbusto europeu da família das rosáceas também conhecido como ameixeira-brava)

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"I'm Stretched On Your Grave"
(Sinéad O'Connor)

Ouça:




segunda-feira, 22 de julho de 2013

Sinéad O'Connor - "The Lion and the Cobra" (1987)



Acima, a capa original
com uma Sinéad furiosa.
abaixo a edição americana
'suavizando' a imagem da cantora
"Combata o verdadeiro inimigo."
Sinéad O' Connor



Ela surgiu como uma grata novidade no mundo pop. Um sopro de vida no mundo da música. Era diferente do que se via naquele momento. Era indesmentivelmente pop, sim, não negava isso, mas mostrava que era possível fazer aquilo sem apelação, gemidinhos ou lingeries. E além do mais tinha a careca! Aquela cabeça raspada que conferia aquela garota todo um ar de agressividade e rebeldia mas que, no entanto, não era gratuita, jogo de cena ou meramente uma marca pop, e sim uma reminiscência da infância sofrida entre abusos, violência e orfanatos.
Sinéad O' Connor, aparecia lá naquele 1987 com seu vigoroso "The Lion and the Cobra", um disco que conduzia juntos força e singeleza, atitude e universalidade, fúria e sensibilidade.
"Jackie", a primeira do disco, uma faixa crescente, conduzida só na guitarra, funciona quase como uma pequena introdução ao álbum, dada sua curta duração; sendo assim, a seguir vem então uma sequência matadora com os dois principais hits do disco, a vigorosa "Mandinka" e "Jerusalém" com sua atmosfera mística e exótica de magia.
Aí o ritmo quebra um pouco com a balada quase acústica "Just Like You Said It Will B" de linhas espanholas; com a etérea "Never Get Old", de participação da também irlandesa Enya, em uma faixa bem ao estilo desta conterrânea; e com a orquestrada "Troy" que ganha em ímpeto, em intensidade, em ênfase e interpretação, até culminar num final grandioso e espetacular.
Um dos grandes momentos do álbum, "I Want Your Hands (On Me) é um um pop de primeira qualidade com uma programação de bateria pra lá de bacana, um embalo contagiante e uma interpretação fantástica da cantora com um refrão de poder hipnótico. "Drink Before the War", que vem na sequência, baixa a rotação de novo numa balada melancólica e "Just Call Me Joe", segue a linha da abertura, numa faixa conduzida por uma guitarras rascante mas que aqui contrasta com a doçura do vocal de Sinéad.
"Combata o verdadeiro inimigo"
A irlandesa viria ainda a alcançar grande com a interpretação inspiradíssima de "Nothing Compres 2 U" de Prince em seu disco seguinte "I Do Not Want What I Haven't Got", interessante mas não tão brilhante quanto o primeiro; mas prejudicou brutalmente a própria carreira quando em 1992, rasgou a foto do então Papa João Paulo II ao vivo na TV americana advertindo "Combata o verdadeiro inimigo". Atitude até com fundamento, se formos considerar a hipocrisia, o poder, e sobretudo os escândalos sexuais da igreja católica envolvendo crianças, mas naquele momento tão gratuito e fora de contexto que acabou por lhe render restrições, boicotes, vaias e, enfim, uma péssima repercussão. Talvez a cantora tenha pago o preço exatamente por não ser oportunista. Teria sido muito mais 'fácil' e garantido, se formos pensar em termos de visibilidade para um artista, fazer tal protesto diante de uma manchete forte envolvendo o Vaticano, de algum escândalo específico, ou nos dias de hoje em que os abusos são constantemente denunciados, mas naquele momento,desvinculado de qualquer fato forte o suficiente e com o carisma de João Paulo II, tudo acabou apenas conspirando contra a própria artista. Fato é que desde então a carreira (e a vida) de Sinéad tem sido uma constante confusão entre casamentos, divórcios, seitas, discos religiosos, ativismo, engajamento, polêmicas e projetos musicais interessantes porém mal resolvidos.
Sinéad O'Connor é para mim uma espécie de xodó. Até gosto mais de outras cantoras, outras tem obras mais relevantes, contribuições maiores que as dela mas gosto dela de uma maneira quase irrestrita. Além de musicalmente praticamente sempre curtir as coisas que faz, mesmo as mais esquisitas, tenho uma espécie de carinho por essa 'menina' confusa, traumatizada e revoltada como se a conhecesse pessoalmente e para cada perda de rumo ou besteira que ela faz na vida eu até entenda mas intimamente não deixe de lamentar, pensando cá comigo algo do tipo, "Ai, Sinéad, de novo?".


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FAIXA:
1. "Jackie" 2:28
2. "Mandinka" 3:46
3. "Jerusalem" 4:20
4. "Just Like U Said It Would B" 4:32
5. "Never Get Old" 4:39
6. "Troy" 6:34
7. "I Want Your (Hands on Me)" 4:42
8. "Drink Before the War" 5:25
9. "Just Call Me Joe" 5:51

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Ouça: