Abriu hoje aqui no Rio a exposição Warhol TV que mostra esta outra faceta midiática do multiartista Andy Warhol: seus trabalhos e produções para a telinha. Normalmente conhecido por suas obras de art-pop com figuras múltiplas e coloridas de Marilyn Monroe, as desfocadas de Elvis, ou as latas de feijão e sopa, o artista multimídia aparece nesta exposição em vídeos experimentais, clipes, pequenos filmes, entrevistas, aparições em programas de TV e mesmo apresentando alguns. Tipo da exposição pra ir com tempo, com calma, pra ver sem pressa. Alguns vídeos serão mais longos, outros mais curtos, mas certamente é algo pra se assitir e não pra dar uma passada de olhos.
Pretendo ir no fim-de-semana. Depois comento mais um pouco sobre as impressões do que terei visto lá no local.
Andy Wahol Nascido Andy Warhola em Pittsburgh, Pensilvânia em 6 de agosto de 1928, morreu em 22 de fevereiro de 1987. Era o quarto filho de Ondrej Warhola e Ulja, cujo primeiro filho nasceu na sua terra natal e morreu antes de sua migração para os Estados Unidos. Seus pais eram imigrantes da classe operária originários de Mikó (hoje chamada Miková), no nordeste da Eslováquia, então parte do Império Austro-Húngaro. O pai de Warhol emigrou para os E.U. em 1914 e sua mãe se juntou a ele em 1921, após a morte dos avós de Andy Warhol. Seu pai trabalhou em uma mina de carvão. A família vivia na Rua Beelen, 55, e mais tarde na Rua Dawson, 3252, em Oakland, um bairro de Pittsburgh. A família era católica bizantina e frequentava a igreja bizantina de São João Crisóstomo em Pittsburgh. Andy Warhol tinha dois irmãos mais velhos, Ján e Pavol, que nasceram na atual Eslováquia. O filho de Pavol, James Warhola, tornou-se um bem sucedido ilustrador de livros para crianças. Nos primeiros anos de estudo, Warhol teve coreia, uma doença do sistema nervoso que provoca movimentos involuntários das extremidades, que se acredita ser uma complicação da escarlatina e causa manchas de pigmentação na pele. Ele tornou-se um hipocondríaco, desenvolvendo um medo de hospitais e médicos. Muitas vezes de cama quando criança, tornou-se um excluído entre os seus colegas de escola, ligando-se fortemente com sua mãe. Às vezes quando estava confinado à cama, desenhava, ouvia rádio e colecionava imagens de estrelas de cinema ao redor de sua cama. Warhol depois descreveu esse período como muito importante no desenvolvimento da sua personalidade, do conjunto de suas habilidades e de suas preferências. Aos 17 anos, em 1945, entrou no Instituto de Tecnologia de Carnegie, em Pittsburgh, hoje Universidade Carnegie Mellon e se graduou em design. Logo após mudou para Nova York e começou a trabalhar como ilustrador de importantes revistas, como Vogue, Harper's Bazaar e The New Yorker, além de fazer anúncios publicitários e displays para vitrines de lojas. Começa aí uma carreira de sucesso como artista gráfico ganhando diversos prêmios como diretor de arte do Art Director's Club e do The American Institute of Graphic Arts. Fez a sua primeira mostra individual em 1952, na Hugo Galley onde exibe quinze desenhos baseados na obra de Truman Capote. Esta série de trabalhos é mostrada em diversos lugares durante os anos 50, incluindo o MOMA, Museu de Arte Moderna, em 1956. Passa a assinar Warhol. O anos 1960 marcam uma guinada na sua carreira de artista plástico e passa a se utilizar dos motivos e conceitos da publicidade em suas obras, com o uso de cores fortes e brilhantes e tintas acrílicas. Reinventa a pop art com a reprodução mecânica e seus múltiplos serigráficos são temas do cotidiano e artigos de consumo, como as reproduções das latas de sopas Campbell e a garrafa de Coca-Cola, além de rostos de figuras conhecidas como Marilyn Monroe, Liz Taylor, Michael Jackson, Elvis Presley, Pelé, Che Guevara e símbolos icônicos da história da arte, como Mona Lisa. Estes temas eram reproduzidos serialmente com variações de cores. Além das serigrafias Warhol também se utilizava de outras técnicas, como a colagem e o uso de materiais descartáveis, não usuais em obras de arte. Em 1968, Valerie Solanas, fundadora e único membro da SCUM (Society for Cutting Up Men - Sociedade para eliminar os homens) invade o estúdio de Warhol e o fere com três tiros, mas o ataque não é fatal e Warhol se recupera, depois de se submeter a uma cirurgia que durou cinco horas. Este fato é tema do filme "I shot Andy Warhol" (Eu atirei em Andy Warhol), dirigido por Mary Harron, em 1996. Em 1987, ele foi operado à vesícula biliar. A operação correu bem mas Andy Warhol morreu no dia seguinte. Ele era célebre há 35 anos. De facto, a sua conhecida frase: In the future everyone will be famous for fifteen minutes (No futuro todos serão famosos durante quinze minutos), só se aplicará no futuro, quando a produção cultural for totalmente massificada e em que a arte será distribuída por meios de produção de massa.
fonte: Wikipédia
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Exposição WARHOL TV Local: Oi Futuro Flamengo Endereço: Rua Dois de Dezembro, 63, tel. (21) 3131-3060. Período: de hoje (02 de fevereiro a 03 de abril Horário: 11h às 20h (fecha 2ª). Entrada: Grátis
"Andy Warhol me disse que estávamos fazendo na música o mesmo que ele na pintura, no cinema e na literatura."
Lou Reed
"Todos nós sabíamos que algo revolucionário estava acontecendo. A gente sentiu isso. As coisas não pareceriam estranhas e novas se alguma barreira não estivesse sendo quebrada."
Andy Warhol
No embalo da exposicão de Andy Warhol aqui no Rio, aproveito pra destacar aqui nos FUNDAMENTAIS um dos discos mais influentes de todos os tempos, "The Velvet Underground and Nico" de 1967. Como uma espécie de 'tentáculo' musical do projeto multimídia de Warhol, que também incluía artes plásticas, cinema, moda e literatura, o Velvet Underground apadrinhado pelo gênio da pop-art, era composto por músicos extremamente inventivos, ainda que nem todos brilhantes, como eram os casos da limitada percussionista Maureen Tucker e do esforçado Sterling Morrisson, por outro lado destacavam-se especialmente o guitarrista e vocalista Lou Reed com suas influências folk, suas levadas pesadas e letras cáusticas; e o multi-instrumentista criativíssimo John Cale, cara técnico, metódico mas aberto a todas as possibilidades e experimentações musicais. No entanto o projeto musical de Warhol ficaria completo mesmo com o acréscimo da modelo alemã Nico, agregando aos vocais da banda sua voz singela e aveludada, cheia de sotaque e sex-appeal apesar de toda a relutância inicial de Lou Reed. O resultado de tudo isso, Warhol+Velvet+Nico, foi um álbum brilhante, notável, uma referência musical e artística, um dos discos mais influentes da hstória do rock.
O produtor (na verdade, financiador) Andy Wahol
"The Velvet Underground and Nico" é marcante antes mesmo de ser ouvido, já por sua capa concebida pelo mentor e produtor Andy Warhol, com a clássica e conhecidíssima banana; mas é inegavelmente na parte musical que as coisas foram verdadeiramente impressionantes: "Sunday Morning" que abre a obra lembra uma canção de ninar embalada ao som de uma caixinha de música. Em "I'm Waiting for My Man" a guitarra ganha peso acompanhada por um piano insistente e barulhento com o vocal de Lou Reed soando escrachado enquanto versa sobre as drogas nas ruas de Nova Iorque.
"Venus in Furs", a melhor do álbum e uma das maiores da história do rock, é um épico arrastado com uma batida marcial, pontuada pela viola elétrica de Cale e com Reed, desta vez, cantando de maneira quase hipnótica.
"Heroin" outra das grandiosas do disco vai serpenteando como uma montanha-russa sonora com variações de aceleração, intensidade, ênfases e ruídos como fundo para que Reed conte detalhadamente o uso e as sensações causadas pela droga, com a bateria de Mo Tucker chegando a parecer desordenada em determinados momentos e com tudo culminando numa loucura instrumental total e o violino alucinado de Cale 'bagunce' tudo de vez num final caótico-apoteótico. Aliás, bagunça mesmo (num bom sentido), é o que não falta em "European Son" que chega a ficar praticamente inaudível tal a aceleração, a mistura de sons, as microfonias, a distorção que alcança; mas afinal o que seria do Sonic Youth, do Jesus and Mary Chain, do My Bloody Valentine sem isso?
Nico, a vocalista que Warhol praticamente impôs mas que deu grande contribuição
Nico aparece apenas como vocal de apoio em "Sunday Morning" mas faz as vezes de principal na lenta "I'll Be Your Mirror", na intensa "All Tomorrow's Parties" e na luxuriante "Femme Fatale" com um vocal sensualíssimo e uma interpretação de 'melar a cueca'.
De resto tem também a galopante e elétrica "Run Run Run", tem outra interpretação bárbara de Reed em "There She Goes Again" falando sobre prostituição, tem outra vez o violino esquizofrênico de Cale em "The Black Angel's Death Song", cara... todas demais, porra!
O disco na época não foi lá muito apreciado; vendeu mal e não obteve grande sucesso. Sua importância foi sendo notada aos poucos e já na década seguinte se sentiria sua influência com a explosão do punk rock. Mas foi só um pouco depois ainda, com o passar do tempo, que se reconheceu definitivamente seu justo status de obra-prima.
******************************* FAIXAS:
"Sunday Morning" (Reed, Cale) - 2:56
"I'm Waiting for the Man" - 4:39
"Femme Fatale" - 2:38
"Venus in Furs" - 5:12
"Run Run Run" - 4:22
"All Tomorrow's Parties" - 6:00
"Heroin" - 7:12
"There She Goes Again" - 2:41
"I'll Be Your Mirror" - 2:14
"The Black Angel's Death Song" (Reed, Cale) - 3:11
E fui dar aquela olhada na mini-exposição de Andy Warhol aqui no Rio. Conforme já havia comentado aqui no blog, a mostra, encerrada no último sábado no Shopping Leblo, apresentava poucas obras, porém contando com algumas das mais conhecidas e significativas da produção do mais pop dos artistas pop. A massificação, a idolatria, o consumismo, a impessoalidade de personalidades, a popularização de líderes, a crítica ao capitalismo, a estética, enfim, todos os elementos do conceito warholiano estavam contemplados e condensados naquelas 16 obras. Confira, abaixo, algumas imagens da exposição.
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Todas as cores do dinheiro
As latas de Campbell's, símbolos da massificação
A estética e a técnica de Warhol representada em sua 'natureza morta'.
O Mao de Warhol, uma das imagens 'criadas' pelo artista
que ajudam a explicar expressões como "O Papa é Pop"
Eu me escorando num dos pilares da "Ruína" de Lichtenstein
Numa
rápida passagem por Belo Horizonte antes de irmos a Ouro Preto, Leocádia e eu pudemos desfrutar de algumas coisas boas da capital
mineira. Conhecemos o mítico bairro Santa Tereza, berço do Clube da
Esquina de Milton Nascimento, Lô Borges, Fernando Brant, Wagner Tiso
e tantos outros talentos; almoçamos no colorido Mercado Central no
tradicional – e concorrido – restaurante Casa Cheia; e ainda
conhecemos alguns das obras de Oscar Niemeyer no Complexo da
Pampulha: o Museu de Arte, a Casa de Baile e a deslumbrante Igreja
São Francisco, embrionárias da arquitetura moderna.
O impactante óleo
"Cabeças Grandes"
de Picasso
Porém,
para nossa surpresa e felicidade, fomos recomendados por um francês
dono do hostel onde nos hospedamos a visitar uma exposição no CCBB,
num lindo prédio art nouveau dos anos 20 (antigo Comando
Geral das Forças Revolucionárias, durante a Revolução de 1930),
na Praça da Liberdade, centrão da cidade. Até tínhamos ideia de
ir a alguma exposição, mas quando ele nos mencionou que, nesta em
especial, haveria obras de Andy Warhol, Pablo Picasso e Jean-Michel Basquiat providenciamos logo de incluir em nosso roteiro. A tal
mostra é "Visões na Coleção Ludwig", que reúne 70 obras provenientes do acervo do colecionador alemão Peter Ludwig, sediada
no Museu Estatal Russo de São Petersburgo, e o Cly Reis já havia
comentado aqui quando da passagem da mesma pelo Rio de Janeiro. Com
curadoria de Evgenia Petrova e Joseph Kiblitsky, conta com
obras-primas da arte pop, do neoexpressionismo alemão, do
fotorrealismo e outros movimentos de arte a partir dos anos 1960 até
hoje.
Boquiaberto com a obra
coassinada por
Basquiat e Warhol
Fora
os já citados, havia artistas que gostamos muito e de significância
para nosso universo ideológico, como o norte-americano Roy
Lichtenstein, numa gigante serigrafia pop art com clara
referência a Dalí e De Chirico; o alemão Joseph Beuys, cuja
escultura em bronze de 1949 (“Mulher animal”) traz seu
característico toque sarcástico; e o sueco Claes Ondenburg, a quem
Leocádia já conhecia me apresentou a obra “Banana-splits e
sorvetes de degustação”, pequena instalação em gesso, cerâmica
e aço que mina tanto o consumismo quanto as indústrias bélica,
alimentícia e do sexo. Com outros, vimos pela primeira vez (Robert
Rauschenberg, Anselm Kiefer, Claudio Bravo, Julia Zastava e George
Baselitz, por exemplo). Uns interessantes, outros, nem tanto; mas, de
um modo geral, bem legal. A começar pela impressionante tela a óleo
“Cabeça de criança” (1991), de Gottfried Helnwein, com 6,50m
tomados de hiperrealismo, que já nos saltara aos olhos no belo pátio
interno do prédio.
Escultura de Beuys,
sempre contundente
No
entanto, o que realmente nos impactou foram os mestres. Já na
primeira sala após a entrada, deparamo-nos com um enorme Picasso, o
óleo sobre tela “Cabeças grandes”, de 1969. Emocionante, de
tirar o fôlego. Tivemos certeza de estarmos diante de um feito
histórico, o que até agora, de certa forma, ainda não nos
recobramos. Afinal, ver um Picasso ao vivo é sempre uma experiência
incrível – só havia tido essa oportunidade em apenas duas
ocasiões no passado. Pintura que alia a natureza
figurativo-geométrica do cubismo a uma tocante liberdade no traço e
nas paletas dignas de um artista apaixonado por sua profissão e
totalmente maduro (o catalão morreria dali a apenas 4 anos). A
sensação de choque seguiu-nos logo ao lado: um Warhol, um retrato
do próprio Ludwig, imagem, inclusive, usada na arte oficial da
mostra. Uma serigrafia bem a seu estilo, com toques cubistas no corte
da figura em linhas geométricas, construindo-a em blocos de cores e
implicações psicológicas distintas, além de seu peculiar traço
(provavelmente, em giz) pincelando algumas linhas do desenho.
As simbólicas e nefastas taças de sorvete de Ondenburg
Mais
adiante, na terceira sala, ainda não refeitos do impacto de ver
essas peças, assim mais um Lichtenstein, um Beuys e outros bem
interessantes, uma nova maravilha: outro enorme óleo sobre tela,
este fruto da parceria entre Basquiat e Warhol, de 1984, ambos já
nos seus últimos anos de vida. Numa palavra: impressionante. Toda a
violência, inquietação e poesia do neo-expressionismo de Basquiat,
expostos sem concessões nas imagens borradas e inconclusas; nos
escritos que ora se completam, ora são propositadamente rabiscados;
nas figuras cadavéricas e sofridas; na referência ao grafite e à
arte urbana; na repetição doentia de elementos e símbolos. Tudo
isso, se mistura com naturalidade ao já mencionado traço warhiano:
a combinação vermelho-azul da raiz da pop art; o uso de
signos da publicidade e do cartoon. Os dois artistas conseguem
realizar uma feliz junção de referências, estilos e escolas: o
jovem Basquiat, com sua genialidade a serviço de uma desenfreada
busca inconsciente; e Warhol, experiente, doente e muito mais vivido
que o companheiro e cujas marcas que a vida impusera (boas e ruins)
se transportavam para as obras dessa última grande fase de sua
carreira.
A modelo Claudia Schiffer
em foto de Gunter Sachs
Visto
esses, o resto era só aproveitar. Já estava garantida a visitação.
Ainda tivemos a oportunidade de ver a clássica “Cleópatra Claudia
Schiffer”, foto publicitário-artística do alemão Gunter Sachs
que virou referência nas revistas de moda nos anos 90. Enfim, uma
boa indicação que recebemos e que fazemos a quem estiver ou for à
gostosa Beagá.
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Visões
na Coleção Ludwig
Visitaçãoaté 20 de outubro, de quarta a segunda das 9h às 21h
Local:Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte - CCBB
E outra boa notícia pras artes aqui no Rio de Janeiro: Fui surpreendido ao saber que o Shopping Leblon recebe, em seu Lounge, uma pequena porém não pouco interessante exposição do mestre da pop-art, Any Warhol, desde o último dia 18 de junho. A mostra "Andy Warhol – Ícones POP", traz apenas 16 obras do artista americano apresentando entre elas, algumas de suas mais conhecidas e importantes como asserigrafias de Marilyn Monroe, Mao Tsé e a conhecidíssima lata de sopa Campbell.
Vale uma vita.
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mostraAndy Warhol – Ícones POP de18 de junhoa12 de julho local:Shopping Leblon - Lounge – 3º piso endereço:Avenida Afrânio de Melo Franco, 290 – Leblon, Rio de Janeiro desegundaa sábado, das10h às 22hedomingos,das13h às 21h
"A primeira vez que ouvi o disco "The Velvet Underground and Nico
(...) simplesmente odiei o som.
Pensei: 'Como alguém pode fazer um disco que soe como essa merda?
Isso é nojento!(...)
Esse som é um lixo!"
Então uns seis meses depois ele me pegou de jeito:
"Meu Deus! NOSSA!
Esse disco é bom pra cacete!' "
Iggy Pop
"Noventa por cento dos quadros que são vistos hoje
como algo extraordinários foram encarados como,
'Ei, isso não é arte!',
na época em que foram exibidos pela primeira vez(...)
Bem, existiam pessoas que achavam que o Velvet Underground
era um desperdício do óxido de ferro da fita de gravação."
Norman Dolph,
co-produtor do álbum
Não sei se, realmente, cada livro que leio da coleção O Livro do Disco é melhor do que o anterior, ou se é apenas uma sensação por estar diante de uma leitura tão empolgante que faz com que a sensação se renove sempre com entusiasmo. "The Velvet Underground and Nico", de Jon Harvard, o último que li não foi diferente disso. Às primeiras páginas já exclamava para mim mesmo que aquele era o melhor livro da coleção. Talvez por não ser um jornalista e por não ter sido um fã imediato do Velvet Underground, tendo percebido aos poucos que a sonoridade da banda estava em tudo o que ouvia e gostava, o trabalho soe com uma sinceridade e uma admiração mais verdadeiras do que de costume em ensaios desta natureza. Joe Harvard, músico, produtor e um dos fundadores do famoso estúdio Forte Apache onde já gravaram nomes como Pixies, Radiohead e Hole, faz questão de em toda sua pesquisa, de dar a real dimensão do que o projeto do Velvet Underground com o artista multimídia Andy Warhol representou não somente para a música mas também para o comportamento e costumes a partir de seu lançamento. A sonoridade inovadora, o experimentalismo, as concepções musicais, as letras literárias e explícitas com suas temáticas incomuns e delicadas, todos são elementos que a banda, sob o estímulo de Warhol, um badalado artista em seu apogeu, que compartilhava de toda aquela profusão criativa, apresentava de forma inédita e ainda hoje, incrivelmente, permanecem impactantes. Quem iria imaginar que em 1967 um grupo de jovens patrocinados por um artista plástico pudesse falar de forma tão aberta (e lírica) sobre o uso de heroína, ou fosse descrever de maneira quase escandalosa sessões de sado-masoquismo? Pois eles o fizeram. E Harvard, o autor, faz questão de mostrar o tamanho disso, o quanto esses temas eram tabus, o quanto o grupo foi ousado na atitude e o quanto foi inovador na linguagem e na intenção artística ao propor estes temas. "Sim, o Velvet Underground escreveu canções sobre heroína, orgias, metanfetamina, servidão e punição, submissão física e emocional, violência, transgêneros, travestis, transexuais e marginais com violência nas ruas, envolvidos com um ou todos os ingredientes acima. Por que? Porque ninguém havia feito isso antes, e porque essa coisas são interessantes." afirma o autor. E continua, "Em 1966, quando ningué falava - e muito menos cantava - sobre tais assuntos proibidos, eles eram ainda mais interessantes, e inclui-los nas letras das músicas com o objetivo de serem consumidos não era mais um truque barato: era uma atitude corajosa e arriscada. E fácil escalar uma montanha depois que os verdadeiros pioneiros passaram 35 anos abrindo uma trilha até seu cume. Em 1966, era preciso ter colhões.". Pois é... E tudo isso, como se não bastasse, embalado por uma proposta sonora altamente original, pensada artisticamente música a música e com conceitos nada aleatórios. Ou seja, um disco como poucos.
O livro desfaz o mito de que a participação de Warhol na produção do disco tenha sido tão irrisória quanto se afirma, revelando que embora não tivesse atuação efetiva na parte técnica, contribuía decisivamente de forma artística na concepção do trabalho. Lou Reed, vocalista e um dos principais compositores, declarou certa vez: "Andy fez questão de garantir que em nosso primeiro álbum a linguagem permanecesse intacta: 'Não Mude as palavras só porque é um disco". Acho que Andy estava interessado em chocar, em dar um solavanco nas pessoas..." e mais, "Ele apenas tornou possível que fôssemos nós mesmos e seguíssemos adiante, ois ele era Andy Wahrol.".
Numa trabalho bastante rico e bem embasado com relatos antigos dos integrantes da banda, matérias da época em jornais e revistas, e entrevistas com pessoas ligadas à banda, o autor destaca ainda a resistência, especialmente de Reed, em aceitar a modelo e cantora alemã Nico, sugerida por Warhol, no projeto, e "prova" que o cantor estava errado nesta relutância; revela que "Sunday Morning" fora escrita originalmente para Nico mas que, mesquinho, egoísta e vaidoso, Reed a reivindicou e não abriu mão de colocar seus vocais na canção; que a marcante caixa de música na mesma música fora uma sacada casual e genial de John Cale, a outra cabeça pensante do grupo; descreve a sintonia de Reed e Cale nas composições e em suas afinações inusitadas; traz à tona novamente a acusação, na época, de que "Heroin" estimulava o uso de drogas; e ajuda a entender por que "Venus In Furs" garantiu a eles a imagem de depravados.
Um disco que não recebeu o devido reconhecimento em sua época e, mesmo depois, demorou para que sua verdadeira dimensão fosse percebida, mas que mesmo assim chega aos dias de hoje (acredito que agora sim) entendido como um dos mais importantes e influentes de todos os tempos e ao qual um livro como este, muito bem escrito e organizado, faz plena justiça e a devida homenagem. Curiosamente, como o próprio autor salienta, "Uma coisa é certa: poucas bandas - se é que alguma - deixaram um legado tão duradouro com uma ajuda tão inexpressiva da indústria.". Talvez, no fim das contas, por linhas tortas, tenha sido melhor assim.
Começou hoje e vai até o dia 5 de junho no centro cultural da Caixa, aqui no Rio, uma mostra da obra cinematográfica deAndy Warholem 16mm, exibida no formato original. Entre experimentações, curtas, documentários, filmes conceito e até um 'semi-pornô', por assim dizer ("I, a Man"), pode-se destacar uma apresentação dos seus afilhados do Velvet Underground em Boston e seu famoso filme "Chelsea Gilrs", que inclusive será exibido com projeção dupla (dois projetores na mesma sala), conforme sua concepção original.
Confira abaixo toda a programação:
TERÇA, 24
15H SLEEP (5 HORAS 21 MIN)
QUARTA, 25
17H CAMP (66 MIN)
18H30 MY HUSTLER (66 MIN)
20H THE LIFE OF JUANITA CASTRO (66 MIN)
QUINTA, 26 (PROJEÇÕES DUPLAS)
15H LUPE (37 MIN)
16H OUTER AND INNER SPACE (33 MIN)
17H30 THE CHELSEA GIRLS (3 HORAS 30 MIN)
SEXTA, 27
15H SCREEN TEST #1 (66 MIN)
16H30 HEDY (66 MIN)
18H30 KISS (48MIN) - SESSÃO COM MÚSICA AO VIVO
20H MARIO BANANA #1 (4 MIN) + COUCH (52 MIN) - SESSÃO COM MÚSICA AO VIVO
SÁBADO, 28
16H ROLO 26 DOS SCREEN TESTS (40 MIN)
17H ROLO 25 DOS SCREEN TESTS (40 MIN)
18H I, A MAN (95 MIN)
20H SALVADOR DALÍ (22 MIN) + THE VELVET UNDERGROUND IN BOSTON (34 MIN)
DOMINGO, 29
14H SCREEN TEST #2 (66 MIN)
15H30 BLOW JOB (36 MIN) + EAT (35 MIN)
17H THE NUDE RESTAURANT (100 MIN)
19H MY HUSTLER (66 MIN)
TERÇA, 31
13H EMPIRE (8 HORAS 5 MIN)
QUARTA, 1
16H SALVADOR DALI (22 MIN) + THE VELVET UNDERGROUND IN BOSTON (34 MIN)
17H30 LONESOME COWBOYS (109 MIN)
20H BLOW JOB (36 MIN) + EAT (35 MIN)
QUINTA, 2
16H30 I, A MAN (95 MIN)
18H30 MARIO BANANA #1 (4 MIN) + COUCH (52 MIN)
20H KISS (48 MIN)
SEXTA, 3
16H THE NUDE RESTAURANT (100 MIN)
18H SCREEN TEST #2 (66 MIN)
19H30 LONESOME COWBOYS (109 MIN)
SÁBADO, 4 (PROJEÇÕES DUPLAS)
15H30 OUTER AND INNER SPACE (33 MIN)
16H30 LUPE (36 MIN)
17H30 THE CHELSEA GIRLS (3 HORAS 30 MIN)
DOMINGO, 5
14H SCREEN TEST #1 (66 MIN)
15H30 HEDY (66 MIN)
17H THE LIFE OF JUANITA CASTRO (66 MIN)
18H30 CAMP (66 MIN)
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Andy Warhol 16mm Local: Centro Caixa Cultural - Rio de Janeiro Rua Almirante Barroso, 25 - junto ao Lg. da Carioca - Centro mais informações no site do evento: http://www.andywarhol16mm.com.br/
“Lou e eu tivemos uma conversa, e se tornou muito mais importante expor o que nós dois tínhamos [de relação com Andy Warhol], criando um show com apenas duas pessoas no palco, para que todos vissem nossa história. Achei que era mais importante – quase mais importante do que a música”.
John Cale
“O que você experimenta por meio desse registro é o relacionamento entre nós e Andy. Não se trata apenas de Andy; não é apenas, ‘oh! ele fez isso, ele fez aquilo’. Quando você experimenta ‘Drella’, é sobre John e eu, é sobre mim e Andy, e é sobre John e Andy. Queremos que você conheça melhor Andy Warhol, que você o sinta como John e eu o sentimos, para que você possa vivenciar a presença dessa pessoa única e incrível e se aproximar dela.”
Lou Reed
Há quem contradiga o ditado de que “dois raios não caem no mesmo lugar”. Se for considerar a parceria entre Lou Reed e John Cale, essa máxima realmente não se aplica. Tanto pela raridade do fenômeno quanto por sua fugacidade, em todas as ocasiões em que os dois estiveram juntos ao longo de quase quatro décadas, o céu proporcionou um espetáculo irrefreável de belezas, mas também não demorou a se precipitar com violência. E isso, não apenas uma, mas duas, três vezes pelo menos. Tal como forças da natureza semelhantes e intensamente fortes, não suportam uma a outra pela tamanha atração que exercem entre si, repelindo-se mutuamente tão logo realizem seu feito.
Foi assim com Reed e Cale desde sempre. Dois dos maiores talentos de sua geração de prodigiosos jovens artistas nascidos no pós-Guerra, são figuras essenciais para a cena da contracultura nova-iorquina, que mudou os rumos da vida social na segunda metade do século XX. Isso, contudo, não impediu que as desavenças se manifestassem. Pelo contrário, era-lhes como dar mais munição. Já na Velvet Underground, histórica banda que cofundaram com Moe Tucker e Sterling Morrison nos anos 60 e espinha dorsal do rock junto a Beatles, Bob Dylan e Rolling Stones, isso já acontecia. Mesmo com a alta sinergia artística que os unia e os colocava como o principal núcleo criativo do grupo – capaz de inventar algumas das mais elevadas obras da música contemporânea, como “Heroin”, “Venus in Furs” e “Sister Ray” –, as diferenças falavam mais alto do que as semelhanças. A Velvet continuou com Reed até este partir para sua própria carreira no início dos anos 70, mas Cale, incomodado com o parceiro, não suportou mais do que dois discos e saltou fora um ano após a estreia no clássico "Disco da Banana" para voos solo e na produção musical.
Já veteranos, os integrantes da banda promoveram uma nova aproximação somente 25 anos, em 1993, para o memorável show “Live MCMXCIII”. A turnê comemorativa, que vinha emocionando fãs por onde passava, entretanto, mal havia começado e teve de ser subitamente interrompida por causa de brigas entre os dois líderes. De novo os iluminados raios se chocavam e faziam fechar o tempo, transformando a situação festiva em um dilúvio de ferozes descargas elétricas.
A Velvet com Nico: apadrinhados por Andy
Somente um milagre da natureza para fazer com que tanto talento (e ego) pudesse permanecer minimamente em harmonia por algum tempo, mesmo que curto, sem que se provocasse imediatamente mau-tempo. Esse milagre tinha nome e lhes era um velho conhecido desde os tempos das performances multimídia da Exploding Plastic Inevitable, nos primeiros anos da Velvet. Chamava-se Andy Warhol. Fazia já três anos que o pai da pop art e padrinho artístico da turma havia dado adeus, deixando neles uma sensação de dívida para com a figura que, junto com eles – mas também abarcando-os –, havia transformado os cânones da cultura mundial para sempre com sua proposta artística ousada e conectada com a pós-modernidade. No entanto, ainda precisou que um segundo raio teimasse em se lançar no mesmo ponto: praticamente um ano depois, a cantora e modelo alemã Nico, parceira do histórico primeiro disco da Velvet e musa musical de Cale por vários anos, também morria. A despedida de Nico, que dera voz a alguns das principais composições da dupla, como “All Tomorrows Parties” e “Femme Fatalle”, deixou a Cale e Reed mais do que evidente que aquele 1990 lhes trazia um aviso do firmamento. Sim, precisavam unir-se. Foi então que, entre tempestades e quietações, nasceu “Songs for Drella”, o qual completa 30 anos de lançamento.
Precavidos do próprio histórico, a combinação foi a seguinte: por três meses, os dois – e somente os dois –, suportariam o confinamento e baixariam a cabeça para comporem conjuntamente um repertório inteiramente novo em memória a Andy. Três meses apenas. O que talvez seja muito pouco tempo para alguns, foi mais do que suficiente para que os conflituosos, mas não menos experientes e afinados companheiros, compusessem uma obra-prima única em vários aspectos. A começar pela ocasião em si, para a qual Reed e Cale conceberam também algo especial, uma vez que sabiam da responsabilidade que lhes cabia: somente eles podiam cumprir aquela tarefa. Embora a vastidão da influência de Andy para a arte, estabelecendo nesta um "antes" e um "depois" de si, eram Reed e Cale seus verdadeiros herdeiros na música. Por isso, entendiam que a homenagem a Andy pedia pompas. Afinal, somente um indivíduo ímpar na humanidade poderia juntar Drácula com Cinderella (daí, o apelido “Drella”). Com isso, “Songs” saiu não apenas um disco, mas uma ópera-rock, que respeita toda a estrutura clássica tal como o rock havia incorporado ao narrar uma história de apogeu e miséria e final necessariamente trágico. Outra excepcionalidade é ter apenas os dois no recinto tocando, cantando, gravando, mixando e produzindo a si próprios. O resultado é um disco de sonoridade minimalista mas altamente expressiva, em que não há percussão, sopros, orquestra ou outras vozes, apenas as cordas vocais dos dois falando pela de Andy e intercalando-se e a de seus instrumentos: guitarras, baixo, viola e piano/teclados.
Cale, Reed e Andy em 1976: relação antiga e muito cúmplice
Para narrar a trajetória de Andy, Cale e Reed determinam, então, 15 movimentos em que se ouvem a sofisticação do art rock, a fúria do punk, a ousadia da vanguarda, a tradição clássica europeia e o palpável da canção pop. Tudo que Andy lhes legou em ideias e conceitos, desde a Velvet até as suas carreiras solo, era revisado e revisitado de forma altamente madura e concisa, mas também emocional e devota. Num teor erudito, a provocativa “Smalltown” começa como uma espécie de minueto ternário em allegro em que a voz de Reed faz resgatar o desejo do jovem Andy antes de mudar-se para a cosmopolita Nova Yprk nos anos 50. Gay, estranho e totalmente deslocado em sua Pittsburgh natal, ele tinha uma única certeza: a de que queria sair dali. “De onde é que Picasso vem/ Não há Michelangelo vindo de Pittsburgh/ Se a arte é a ponta do iceberg/ Eu sou a parte mais ao fundo“.
A percepção de que o destino de Andy era mudar os padrões da sociedade começa a ser desenhada a partir do momento em que ele pisa na Big Apple, mais precisamente quando “abre a casa” na 81st Street, em Manhattan, para receber toda a fauna de artistas e doidões de uma Nova York em plena ebulição criativa. Era a Factory, seu lendário estúdio de onde a arte ocidental entrou de um jeito e saiu de outro para nunca mais ser a mesma. A dupla dá a este momento ares litúrgicos e ambientais, mas ao mesmo tempo recorre ao minimalismo nas três notas repetidas que formam o núcleo melódico de "Open House", o mesmo que usaram em "Waiting for the Man", outra sua do repertório da Velvet.
Enquanto Cale canta a busca de Andy por patrocínio junto aos mecenas endinheirados, a quem apresenta um portfólio com suas embalagens de Brillo e uma tal banda chamada Velvet Underground (“Style It Takes”), Reed, na sequência, sob um ruidoso e minimalista rock, traz o artista em atividade (“Work”) fazendo lembrar o som hipnótico e sequencial de contemporâneos de anos 60, mas estes, da cena avant-garde da Califórnia, Philip Glass e Steve Reich. Logo começam, entretanto, os problemas. “Trouble With Classicists”, numa melodia neo-renascentista quase declamada por Cale, traz as idiossincrasias entre a arte moderna e classicismo, bem como o embate com os críticos.
A efervescência nova-iorquina agora está nas veias de Andy. A intensa “Starlight”, com as guitarras distorcidas de Reed e o toque atonal do piano de Cale, fala da casa LGBT que abrigou seus pares: Ingrid, Viva, Little Joe, Baby Jane, Eddie S. “Starlight aberto/ Luz das estrelas abre sua porta/ Isso se chama Nova York/ Com filmes na rua/ Filmes com pessoas reais/ Que você recebe é o que você vê”. Desses personagens reais surgem as famosas fotografias e serigrafias como as que imortalizou de Marylin Monroe, Elvis Presley ou Truman Capote. O genial e inquieto rapaz do interior agora se encontra totalmente consigo mesmo. Criador e criaturas se homogeneízam. Para Andy, cantado no elegante timbre de Cale numa das mais brilhantes do disco, “rostos e nomes são tudo a mesma coisa”. Kitsch, celebridades, sexo, drogas, noite, ruas. Em "Faces and Names" a arte sai pelos poros, seja pela pintura, cinema, teatro ou música. São os “15 minutos de fama” e muito mais. Andy, no auge, prossegue formando novas figuras, como Reed canta noutra maravilha de “Songs”, “Images”. A viola ao estilo La Monte Young de Cale e a guitarra com efeitos de pedal de Reed formam um corpo dissonante só para registrar que, além do figurativo, o abstrato também integra o repertório pictórico do artista visual.
A dupla em 1990 na rara reunião para homenagear o pai da pop art
Tanta exposição resulta na primeira grande crise, fato presente nas cinco faixas seguintes, que é a tentativa de assassinato que Andy sofreu da feminista radical Valerie Solanas, a qual se sentira ofendida com ele em razão de um desacerto profissional. A melodiosa “Slip Away (A Warning)” fala justamente do conselho de amigos para que fizesse o movimento inverso do que vinha procedendo: ao invés de “open house”, fechar seu estúdio. Pressentimento do pior. A barra segue pesada com “It Wasn't Me”, em que Andy tenta convencer Solanas a não se suicidar e de que ele não tinha culpa. O tiro, literalmente, saiu pela culatra: em 3 de junho de 1968, ela invade a Factory armada e desfere três tiros contra Andy, o que lhe deixou sequelas físicas e emocionais para o resto da vida. “I Believe”, outra ótima, narra com detalhes e urgência a cena do atentado, da chegada dela ao local à agonia de Andy no hospital. Solanas, que passou três anos na prisão pelo ocorrido, morreria 14 meses depois de Andy (e dois antes de Nico) em abril de 1988.
O belo country “Nobody But You” versa ainda sobre o traumático episódio (“Eu realmente me importo muito/ Embora pareça que não/ Desde que eu fui baleado/ Não há ninguém além de você”), encaminhando o musical para um desfecho, como se sabe, melancólico como em todas as óperas. Na discursiva e etérea “A Dream”, Cale traz sua veia new age e neoclássica captada junto a outros parceiros, como Terry Riley, Brian Eno e Kevin Ayers. A letra é um fluxo de pensamento de Andy, cuja descrição de um sonho traça um panorama de vários momentos de sua biografia: os primeiros anos, a Velvet, pessoas de convivência, a amizade com Reed e Cale, o incidente na Factory e as feridas que a vida lhe trouxe. A indagação: “Puxa, não seria engraçado se eu morresse neste sonho antes que eu pudesse inventar outro?”, quase ao final da faixa, denota o pressentimento de que os últimos traços de um artista sublime estavam sendo dados.
A arquitetura narrativa de “Songs” - que mantém um exemplar equilíbrio entre densidade e leveza, tonalismo e dissonâncias, agitação e calmaria, classicismo e vanguarda, agressividade e lirismo - surpreende mais uma vez na virada da contemplativa e extensa “A Dream” para o blues ultramoderno “Forever Changed”, talvez a mais impactante de todo o álbum. Ciente da proximidade da morte, Andy compreende igualmente a sina de todo grande artista: a permanência do seu legado. “Eu fui”, mas tudo “mudou para sempre”. A consciência da eternidade. Se Cale emenda as duas anteriores, é Reed quem tem o privilégio de desfechar este réquiem. Isso porque, ao invés de prosseguirem a narrativa na terceira pessoa, como que falando pela voz de Andy, são as próprias palavras de Reed que compõem a letra de“Hello It's Me” numa emocionante carta de despedida. “Andy, sou eu, não te vejo há um tempo/ Eu gostaria de ter falado mais com você quando você estava vivo”, abre dizendo na singela balada, mais uma como “Femme Fatale” e “Sunday Morning” composta pelos dois em meio aos vários proto-punks raivosos e sinfonias ruidosas dos tempos de Velvet.
Terminada a gravação, também não durou muito a turnê de “Songs”. Após algumas apresentações, Cale e Reed separaram-se novamente, como raios excelsos que entram em choque depois de mal se aproximarem. A última ocasião, o reencontro da Velvet, três anos dali, foi sentenciada com a partida de Sterling Morrison dois mais tarde e a do próprio Reed, em 2013. Antes da tormenta, contudo, o tempo colaborou para que registrassem este impecável e sui generis disco, que evidencia o quanto figuras como Andy Warhol fazem falta sempre. E por quê? Porque, como um Michelangelo, um Mozart, um Picasso, um Shakespeare, ícones revolucionários invariavelmente deixam lacunas impreenchíveis, simplesmente. Ouvir “Songs” hoje, a três décadas de seu lançamento, dá a dimensão do que existências como as de Andy, Reed, Nico e Morrison significam depois que partem e da importância dos que ficam, como Cale e Moe. Raios muito raros que, incrivelmente, caíram no mesmo lugar. Justo por isso que o disco tenha se concluído com estes versos: “Bem, agora Andy, acho que temos que ir/ Espero de alguma forma que você goste deste pequeno show/ Eu sei que é tarde, mas é a única maneira que eu sei/ Olá, sou eu/ Boa noite, Andy”.
Show de"Songs for Drella", deLou Reed e John Cale (1990)
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FAIXAS:
1. “Smalltown” - 2:03
2. “Open House” - 4:16
3. “Style It Takes” - 2:54
4. “Work” - 2:36
5. “Trouble With Classicists” - 3:40
6. “Starlight” - 3:26
7. “Faces And Names” - 4:11
8. “Images” - 3:28
9. “Slip Away (A Warning)” - 3:04
10. “It Wasn't Me” - 3:29
11. “I Believe” - 3:17
12. “Nobody But You” - 3:44
13. “A Dream” - 6:33
14. “Forever Changed” - 4:49
15. “Hello It's Me” - 3:03
Todas as composições de autoria de Lou Reed e John Cale
"Tudo o que queria no álbum foi retirado por eles.
Pedi percussão, disseram que não.
Pedi mais guitarras, disseram que não.
Pedi simplicidade, e eles o encheram com flautas!
Trouxeram cordas também; não gostava delas,
porém podia aguentá-las.
Mas a flauta!
A primeira vez que ouvi o álbum,
chorei, e tudo por causa da flauta."
Nico
Depois de ter cantado no primeiro e legendário disco do Velvet Underground, a "afilhada artística" de Andy Warhol, Christa Päffgen, conhecida no meio artístico como Nico, partia para uma carreira solo acolhida e abraçada pelos ex-colegas de banda Lou Reed, John Cale e Sterling Morrisson, que não só participaram das gravações como foram responsáveis por metade das faixas do álbum.
"Chelsea Girl" de 1967, trabalho solo de estreia de Nico, cujo nome é inspirado no filme do mentor Andy Warhol, "Chelsea Girls", é um notável exercício artístico-musical de sonoridade basicamente folk, carregado de cordas, sopros, romantismo e melancolia. Com seu inglês carregado de sotaque bávaro e interpretações inspiradas, Nico transmite sentimentos de maneira absolutamente profunda e envolvente. Tristeza, paixão, sensualidade, delírio, magia, tudo contido na voz peculiar de tom grave da cantora, da qual nunca se soube com exatidão a nacionalidade (para muitos é alemã, para outros seria húngara).
A lenta e ácida "These Days", de Jackson Browne, namorado de Nico na época; a ótima versão para ""I´ll Keep It with Mine" de Bob Dylan; e especialmente a espetacular e minha favorita "Chelsea Girl", a única em que Nico participa da composição, merecem destaque especial.
"Chelsea Girls", pela participação dos músicos do Velvet Underground e pela semelhança sonora com as músicas mais suaves do primeiro álbum da banda poderia ser considerado um "Velvet Underground and Nico 2", não fosse o fato de á própria artista não ter gostado do resultado final, reclamando inclusive de ter sido traída pelo produtor e pelos colegas de gravação que teriam colocado as cordas e flautas sem a autorização dela. O disco teve má recepção do público num primeiro momento mas permanece vivo como um clássico através do tempos. Outro caso daqueles discos renegados pelo artista mas que tornaram-se objeto de adoração e admiração pelos amantes da música.
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FAIXAS: 1 - The Fairest of The Seasons 2 - These Days 3 - Little Sister 4 - Winter Song 5 - It Was a Pleasure Then 6 - Chelsea Girls 7 - I'll Keep it with Mine 8 - Somewhere There's a Feather 9 - Wrap your Troubles in Dreams 10 - Eulogy to Lenny Bruce ********************************** Ouça: Nico Chelsea Girl