Tem gente que prefere discos ao vivo aos originais de estúdio, por conta da energia, da naturalidade, da espontaneidade ou da execução . Particularmente, prefiro as gravações de estúdio nas quais um álbum é pensado e elaborado como uma obra de arte, do início ao fim. Mas há exceções e, em alguns casos, o registro ao vivo acaba agregando elementos tão significativos ao que foi inicialmente proposto em estúdio, que se impõe, de modo a ser até mais marcante que a gravação que deu origem ao repertório executado no show. É o caso, para mim, do álbum "Live at Brixton Academy", do Faith No More, de 1990. Reproduzindo grande parte do conteúdo do disco "The Real Thing", trabalho responsável pelo estouro de popularidade e vendas da banda, a performance gravada ao vivo em Londres, originalmente para vídeo, potencializa ainda mais as virtudes já apresentadas no ótimo disco de estúdio. O ambiente do palco, a acústica de um espaço amplo com público, a espontaneidade da banda os favoreceram em tudo e seu som e "Live at Braxton Academy" acaba entregando mais do que já se tinha recebido em "The Real Thing". As virtudes dos instrumentistas e a qualidade compositiva acabam ficando mais evidenciadas sem a mixagem excessivamente limpa e cuidadosa de estúdio que, naquele momento visava atingir e conquistar um público que começava a se interessar pela mistura de peso com embalo que o Faith No More e algumas outras bandas começavam a explorar. Ali, mais cru, mais raiz, a percepção da fundição não somente do metal com o funk, mas das linhas de metal melódico, das influências de música clássica, do pop oitentista, ganhava em leitura mais clara, além, é claro, da qualidade e versatilidade vocal de Mike Patton, que, totalmente à vontade no palco, dominando o território e com um musicalidade absurda, proporcionava inúmeras possibilidades e variantes ao show. A pouco conhecida "Zombie Eaters", uma pequena sinfonia metal com ricas variações rítmicas e de intensidade, talvez seja o melhor exemplo desse ganho ao vivo. Sua composição primorosa, que consegue ir de uma linha melódica quase bachiana, às caracteristicas guitarras galopantes do metal, fica ainda mais poderosa e impressionante nessa situação. E Patton, afinadíssimo, vai do requinte à fúria, com incrível naturalidade. Aliás, o vocalista é um show à parte. Em "Edge of The world", por exemplo, ele comanda a balada, uma espécie de jazz de cabaré, com uma condução leve e descontraída que confere todo um ar bem-humorado ao número; e na badalada "Epic", Patton, depois de praticamente recriar partes do vocal da música, fazer sustenidos, baixos e chegar quase a um soprano, de quebra, no final, ainda emenda com uma improvável inserção do hit dance "Pump up the jam", do Technotronic, dando a ela toda uma leitura melancólica, no epílogo de piano.
Patton, ainda, toma conta de "We Care a Lot", faixa superdiversificada, com baixo funkeado, levada rap, transição metal e refrão pop, que já era do repertório da banda antes de seu ingresso; e, com uma performance enlouquecida, só joga mais gasolina em cima da já incendiária "From Out of Nowhere", uma espécie de synth-punk alucinante, que dá vontade de sair pulando cada vez que eu ouço.
"Falling to Pieces" é intensa e contagiante, "The Real Thing" lembra muito Black Sabbath e, propósito, a cover de "War Pigs", muito competente (mas talvez um pouco descontraída demais) confirma inspirações e referências. As duas faixas "extra" por assim dizer, uma vez que não apareciam no material original do vídeo, "The Grade", um country acelerado instrumental, e a nada mais que interessante "The Cowboy Song", são meio que dispensáveis, se bem que, sem elas a duração já curta do álbum ficaria ainda mais prejudicada.
De certa forma, dá pra dizer que essa questão, a da duração, seja, possivelmente, o único grande defeito do álbum, muito curto para um registro ao vivo. Mas, por outro lado, também dá pra dizer que o tempo utilizado é muito bem aproveitado e que, de minha parte, o tempo pelo qual se estende é curtido com entusiasmo do início ao fim, neste que é um dos meus discos ao vivo preferidos.
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FAIXAS:
- "Falling to Pieces" – 4:47
- "The Real Thing" – 7:53
- "Epic" – 4:55
- "War Pigs" – 6:58
- "From out of Nowhere" – 3:24
- "We Care a Lot" – 3:50
- "Zombie Eaters" – 6:05
- "Edge of the World" – 5:50
- "The Grade" (Instrumental) – 2:05
- "The Cowboy Song" – 5:12