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sábado, 25 de dezembro de 2021

Jingle Black - 7 vezes em que Papai Noel caiu na soul music


O black loucão George Clinton dando
uma de Papai Noel
Se tem coisa que a gente gosta é pegar como gancho o Natal para fazer paralelos com temas como cinema, literatura e música. Aí quando se junta a isso uma outra paixão, que é fazer listas, então: é só servir a ceia! Nessa
vibe natalina, pensamos em trazer aqui uma lista bem musical para esta época de Festas, mas com um, digamos, groove diferente. Sim: artistas da soul music que produziram obras com a temática natalina. E são vários! Comum no mercado fonográfico norte-americano desde os anos 50, tanto para músicos desta vertente quanto de outros gêneros, como a música popular, o country, o rock e até o jazz, claro que o clima festivo e de confraternização da data se encaixaria muito bem com os sons suingados e animados da música black. Não deu outra: a química perfeita.

E se os gringos foram os que lançaram a moda, aqui no Brasil o pessoal da soul não fica para trás, não! Tem brazucas de respeito nesta listagem também, todos hábeis em colocar Papai Noel pra remexer os quadris. Afinal, se é cabível a discussão de que Jesus Cristo era preto, porque não sondar que o Bom Velhinho também não possa ser “da cor”? Pelo menos na música, em vários momentos ele foi, e aqui vão alguns bons exemplos.

****************

The Supremes – “Merry Christmas” (1965) 

Diana Ross e suas parceiras foram a tradução do melhor que a gravadora especializada em black music Motown podia ter. Supremas na interpretação, elas cabiam perfeitamente ao estilo de arranjo e produção musical do selo, bem como no esquema de marketing da indústria fonográfica da época, a qual tinham uma boa fatia de mercado. Claro que, com todos esses atributos, não demoraria para que gravassem o seu disco especial de Natal, o que ocorreu três anos depois da estreia do grupo vocal. Clássicos do cancioneiro natalino como “Silver Bells”, “Santa Claus is Coming To Town” e “My Favorite Things” são um arraso na voz delas. OUÇA AQUI



James Brown & The Flamous Flames 
– ”James Brown Sings Christmas” (1966) 

Um velho barbudo e branco tentando bancar de rei só porque é Natal? Isso é inadmissível para quem é o Rei do Soul. James Brown não deixou por menos e gravou não um, mas três álbuns natalinos ao longo da carreira, os quais foram compilados em 2010. O melhor deles, no entanto, é o primeiro: ”James Brown Sings Christmas”, de 1966. Acompanhado da sua competente banda à época, a Flamous Flames, e com arranjos caprichados que bebem no gospel e no R&B, tem como grande detalhe ser um disco totalmente autoral, ou seja, dispensa as tradicionais regravações de standarts. É James Brown impondo a sua autoridade - Papai Noel que vá ciscar noutro lugar. OUÇA AQUI



The Jackson 5
 – “Christmas Album” (1970) 

Curiosamente, foi uma família de Testemunhas de Jeová que gravou um dos melhores álbuns de Natal todos os tempos. Outros que, assim como as Supremes, traduziam muito bem o espírito e o estilo da Motown, os Jackson 5 também modernizaram os clássicos natalinos em versões recheadas de funk e groove. Michael Jackson, então com 12 anos, já dava sinais de que, de fato, era diferenciado, mas os irmãos não ficam mal na foto, não. Além disso, a produção de Hal Davis e, principalmente, os arranjos do craque Gene Page – autor da memorável trilha do filme blackexplotation “Blackula” –, abrilhantam ainda mais o trabalho. Foi o álbum de Natal mais vendido de 1970 a 1972, com mais de 3,5 milhões de cópias em todo o mundo. OUÇA AQUI



Cassiano
 música “Hoje é Natal” de "Cuban Soul" (1976) 

Quem acha que só gringo dos States manja de soul, está muito enganado. No Brasil, pelo menos um gênio do gênero existiu e se chamava Genival Cassiano. Em seu segundo disco solo, “Cuban Soul” ou “18 Kilates”, este paraibano brilha como uma verdadeira joia. Dono de um estilo de cantar e compor inigualáveis, Cassiano tem no disco a parceria de Paulo Zdanowski em todo o repertório (que traz maravilhas como “Coleção”, “Onda” e o hit “A Lua e Eu”). Mas especialmente a faixa de abertura traz o tema natalino, na tristonha “Hoje é Natal”. Com sua melodia cheia de nuances e encadeamentos que somente um músico de mão cheia e muito inspirado sabe fazer, a música é brilhante como o título do álbum sugere. OUÇA AQUI



Gerson King Combo
 – “Jingle Black" (1977) 

Como um verdadeiro Black Moses, o cara tinha escrito a tábua da música soul brasileira em “Mandamentos Black” naquele mesmo ano. Ou seja: tava com toda a licença para tornar preto também o Papai Noel. É isso que Gerson King Combo faz com seu vozeirão e ritmo contagiante em “Jingle Black”, o sugestivo título do compacto lançado em 1977, em pleno auge de sua popularidade nos bailes funk da Zona Sul. Curiosamente, a música, escrita por ele com Pedrinho da Luz e Ronaldo Correa, traz no seu lado oposto a maravilhosa “Good Bye”, provavelmente a melhor canção do repertório do James Brown Brasileiro. No mercado negro, o raro minidisco com apenas duas faixas custa aproximadamente 200 Reais. E vale. OUÇA AQUI



Bootsy Collins
 – “Christmas Is 4 Ever“ (2006) 

Numa lista de soul natalina em que há a sonoridade tradicional, passando pelo modelo Motown, pelo funk e pelas baladas, não podia faltar a turma P-Funk, que mais do que ninguém soube subverter ao máximo o gênero adicionando-lhe psicodelia, peso e muita irreverência. E Bootsy Collins foi quem puxou o trenó no disco “Christmas Is 4 Ever”, em que reúne uma galera como George Clinton, Bernie Worrell e Bobby Womack e os rappers MC Danny Ray, Snoop Dogg e DJizzle em leituras muito inspiradas de temas típicos, mas também outras originais. O resultado é um som moderno e contagiante, em que canções tradicionais como “Jingle Bells” viram “Jingle Belz”, “Winter Wonderland”, “WinterFunkyLand” e “This Christmas”, “Dis-Christmiss”. Bem a cara malucona de Bootzilla e seus amigos. OUÇA AQUI



Aretha Franklin
 – “This Christmas, Aretha” (2008) 

A Rainha do Soul, diferentemente dos Jackson 5, foi bastante fiel às raízes protestantes de sua formação religiosa e filosófica a ponto de demorar décadas para gravar, de fato, um disco de Natal. Somente mais de meio século depois de estrear para a música que Aretha Franklin topou a empreitada no bonito “This Christmas, Aretha”. Tem standarts? Claro, mas também temas autorais como "'Twas the Night Before Christmas", dela e de Clement C. Moore, e um dueto com o filho e também cantor Edward Franklin na faixa-título. Valeu a pena a flexibilizada de Aretha: o disco alcançou a posição de nº 102 na parada de álbuns da Billboard. OUÇA AQUI



Snoop Dogg
 – “Snoop Dogg Presents Christmas In Tha Dogg House” (2008) 

Ícone do gangsta rap, Snoop Dog ficou bem conhecido com canções natalinas ao emplacar, em 2014, o tema do filme “A Escolha Perfeita 2”, cantando em dueto com Anna Kendrick "Winter Wonderland/Here Comes Santa Claus”. Mas anos antes o próprio já havia compilado várias de suas gravações com esta temática em “Snoop Dogg Presents Christmas In Tha Dogg House”. No clima “preto ostentação”, o rapper tem a companhia de diversos artistas como Chris Starr, Lil Gee, Hustle Boyz, Uncle Chucc e Soopafly. Pioneiro, o álbum foi disponibilizado apenas em formato digital, isso antes do mercado de música ser dominado pelo streaming. Títulos característicos da linguagem do gueto: "My Little Mama Trippin on Xmas", "Christmas in the Hood”, "Xmas on Soul" e "Christmas Outro". OUÇA AQUI


Daniel Rodrigues

sábado, 21 de março de 2015

A Bombacha, de Gengis Khan a Criméia, da Bahia até Paris

A Bombacha é hoje a mais conhecida vestimenta do gaúcho da pampa sul-americana. Segundo dois dos maiores pesquisadores de indumentárias campeiras, Fernando Assunção e Teresita Berón , o traje é oriundo diretamente da Guerra da Criméia (1853-1856), este foi um conflito que envolveu de um lado o Império Russo e de outro uma grande aliança formada por Reino Unido, França e o Império Otomano. Mas a primeira referência do uso de algo semelhante ao traje foi nas tropas de Gengis Khan, seus cavaleiros montados em pôneis já cavalgavam com algo similar ao que foi usado posteriormente por diversas nacionalidades.
A invasão árabe na península ibérica e principalmente na maragateria, seria uma outra versão para a vinda da vestimenta a nossa América do Sul. Pois muitos dos costumes e indumentárias dos gaúchos foram trazidos pelos imigrantes destas regiões espanholas que habitaram Uruguai, Argentina e fronteira do Rio Grande do Sul, inclusive o termo bombacha provém do espanhol, “bombacho” ou “vanvacho” que significa "calça larga". Quando os mouros ou árabes foram expulsos pelos espanhóis, a nobreza resolveu banir tudo que podia ser conotado como imposição cultural de seus invasores, a vestimenta sumiu da península, assim como muitos de seus habitantes que imigraram para outros países.
Em 1803 Napoleão resolveu invadir o Egito, e logo sofreu duras derrotas em sua cavalaria que era considerada uma arma letal, o exército inimigo todo composto por mouros era mais ágil em combate, suas cargas rápidas e com longas “cimitarras” faziam tremer os soldados de Bonaparte, mas como grande estrategista que era, ele observou os cavalarianos mouros e descobriu que o erro estava em seus soldados que usavam uniformes muito apertados ao corpo o que os deixava sem agilidade frente aos árabes e suas largas Bombachas, estas davam uma destreza sem tamanho ao cavaleiro que levava sempre vantagem nas batalhas. Após retornar a Europa, Napoleão exigiu que toda sua cavalaria e guarda de honra passasse a usar a “Bombacha Moura”, que era também utilizada usada por turcos, afegãos, cossacos, indianos e russos.
A Guerra da Criméia foi uma disputa total por mercados e uma contenção a expansão do Império Russo pelos ingleses, franceses, turcos e aliados na região dos Balcãs, esta região tinha uma saída comercial para o Mar Negro e Mediterrâneo. Os ingleses donos de uma grande indústria têxtil ficaram com a responsabilidade do confeccionar os uniformes para os turcos seus aliados na guerra, uma grande quantia foi encomendada, os russos também usavam o mesmo tipo de uniforme militar e o que facilitou com que muitos espiões fossem introduzidos atrás das linhas inimigas com os bloomers que eram usados em ambos os lados, nome dado pelos ingleses a esta roupa em homenagem a uma feminista americana que usava calças largas, os árabes a chamavam de “Sarawil”. Em 30 de março de 1856 a guerra terminava com um tratado de paz que nunca foi bem aceito por ambos os lados. As tropas das colônias francesas e os zuavos que eram os soldados que mais utilizavam o uniforme, tiveram importante papel nos combates mas os ingleses que previam uma larga duração iriam arcar com prejuízos enormes em sua indústria de roupas, pois com o fim das hostilidades muitos mercados fecharam e a saída para o excedente era uma só, a America do Sul.
A guerra da Criméia tinha desgastado economicamente a Inglaterra e trancado algumas de suas saídas comerciais e na América do Sul um pequeno país de língua Guarany e espanhola começava a surgir como uma grande potência independente, ameaçando aquilo que podia ser um novo mercado. Além das sobras de uniformes da guerra que seriam vendidas aos países do rio da prata, a Inglaterra tinha planos futuros bem mais belicosos, logo sua conspiração comercial ia colocar uma Tríplice Aliança em Guerra contra uns país que era um modelo econômico mundial e mais uma vez a bombacha estaria lá peleando, desta vez em um genocídio a serviço do reino inglês e outros interesses locais.
Por volta de 1860 navios ingleses chegavam carregados de roupas e outros materiais vendidos a América pelo rio da prata, o gaúcho ainda utilizava o chiripá como vestimenta e nas lidas de campo, os habitantes mais ricos tinham por costume usar roupas copiadas da corte europeia, logo a bombacha seria comum entre ambos e substituiria o chiripá, muito por facilitar a montaria no cavalo, mas ainda levaria algum tempo. Em relação à data da chegada do vestuário alguns historiadores divergem, há relatos de seu uso no prata desde 1842, porém sua origem árabe não é contestada. A primeira fábrica de Bombachas foi na Argentina em 1870, de um vasco chamado Juan Etchegaray que também fazia alpargatas e logo também ia confeccionar estes artigos para a Guerra do Paraguay.
Algum tempo após a chegada da indumentária, exatamente em 1864 o Paraguay invadiu o Mato Grosso, os exércitos da Argentina, Uruguay e Brasil apoiados secretamente pela Inglaterra se uniriam no combate contra a nação Guarany. Diversas unidades militares foram criadas para ir à guerra, homens de todas as idades e nacionalidades serviam como voluntários, muitos vindos do campo e da cidade, eles se incorporariam a luta por seus patrões, coronéis e caudilhos militares, dentre todos estes, um grupo de negros livres e alforriados baianos seriam os primeiros a usar de forma militar a Bombacha na América do Sul. O regimento era composto por quatro unidades de soldados negros e ficaria conhecido como Zuavo Bahiano, era uma homenagem aos combatentes da Criméia. A peça de roupa depois também seria utilizada nas Montoneras Argentinas, passando pelas lutas entre Blancos e Colorados no Uruguay, até a Revolução Federalista em 1893 e a de 1923 no Rio Grande do Sul.
Um dos maiores relatos sobre o uso desta vestimenta na Guerra do Paraguay foi deixado pelo General Dionisio Cerqueira em seu diário de campo; "Fui visitar os acampamentos dos recém chegados e encontrei amigos, colegas de colégio, que vinham partilhar nossa vida honrosa. Havia entre os voluntários, um corpo de uniforme estranho; - "largas bombachas vermelhas prêsas por polainas que chegavam à curva da perna, jaqueta azul, aberta, com bordados de trança amarela, guarda-peito do mesmo pano, o pescoço limpo sem colarinho nem gravata e um fêz na cabeça. Eram todos negros e chamavam - Zuavos baianos. Os oficiais também eram negros".
Após o fim da Guerra e com a vitória da tríplice aliança e a destruição genocida do povo Paraguayo, as nações envolvidas que tiveram contatos entre si trouxeram suas influências, uma delas foi a bombacha que acabou sendo aderida dos Zuavos Bahianos pelas tropas de cavalarias da tríplice, tanto na guerra como depois dela. Ao voltarem as suas pátrias o homem do campo passou a utilizar definitivamente a “peça” em substituição ao Chiripá, naquela época os ricos estancieiros não aceitavam esta “moda”, pois ainda era considerada roupa de galpão ou de gaúcho, falando no modo pejorativo.
O certo que é bombacha cruzou o tempo, passou por guerras, foi mercadoria, viu continentes e seus homens sangrarem e ao mesmo tempo compartilharem uma cuida de mate ou um jogo de osso, uma carreira, foi vestimenta de baile e de galpão, teve a difícil missão de vestir por uma época este personagem de patriadas, payadas, historias e estórias chamado gaúcho platino. Em Paris há um monumento aos zuavos na Praça Alma, nome de uma batalha vencida pelos berberes e ingleses na Criméia, por ironia do destino a Inglesa mais famosa do mundo morreu ali perto, a Princesa Diana. A estátua mede cerca de 6 metros de altura e fica embaixo da ponte, muitas vezes imperceptível ao olho de quem passa, nem para foto turística ela serve, de cima desta ponte temos uma visão garbosa da Torre Eiffel, mas o monumento nem aparece, fica ali escondido, meio sorrateiro. Atualmente os franceses a utilizam somente para medir o volume de água do Rio Sena, esta foi a forma mais original encontrada por este povo para homenagear e agradecer a seus colonizados e aos serviços prestados por eles. Que não façamos o mesmo com nosso gaúcho.




segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Duelo - com Paulo Telles (2ª parte)



Seguindo com a segunda parte do duelo com o radialista, locutor, cinéfilo e blogueiro Paulo Telles num bate-papo tão apaixonado pela sétima arte quanto instrutivo. Se na primeira Telles aborda o faroeste norte-americano, destacando diretores, títulos referenciais e até sobre o papel da mulher no western, agora, ele fala um pouco mais sobre o spaghetti, a versão italiana para o gênero que não só ganhou fãs no mundo todo como, de certa forma, trouxe-lhe uma nova linguagem. Ainda, aquilo que todo cinéfilo gosta: listas. O entrevistado já sai elencando seus filmes preferidos nas duas categorias e defende com muito critério e poder analítico uma a uma de suas escolhas. Vamos, então, à segunda e última parte da entrevista:



FRANCISCO BINO:- Sei que não é fácil fazer estas coisas, mas nos faça uma lista com os dez melhores western Spaghettis de todos os tempos segundo você? E os dez melhores do cinema americano?
PAULO TELLES: E não é mesmo, prezado Bino (risos). Elaborar uma lista com apenas dez de cada estilo não é uma tarefa fácil. Entretanto, há outros títulos que também estão em minha apreciação que não se encontram aqui listadas, portanto, apresento os meus Top Ten de cada estilo do gênero:

  • AMERICANOS
1 - "RASTROS DE ÓDIO"/The Saerchers (1956) – Direção: John Ford
Foi através desta obra prima (assisti pela primeira vez em 1985, com catorze anos) que comecei a me interessar sobre cinema e tentar entendê-lo como arte. Foi a partir deste momento, que me deixei penetrar pelo mundo de John Ford e no mundo dos westerns. Não tem como você não se deixar encantar pela beleza majestosa e áspera do Monument Valley, cenário natural este preferido de Ford, e pela figura estoica de Ethan Edwards, interpretado por John Wayne. Em minha opinião, foi a melhor atuação de sua carreira, digna mesmo de um prêmio, trabalho este que rendeu até elogios do cineasta e filósofo Jean-Luc Godard, inimigo declarado de Wayne por razões políticas. “Rastros de ódio” conserva os elementos dramáticos do faroeste tradicional, por seu estilo peculiar, épico e lírico, onde o cineasta descreve a odisseia de Ethan e de seus discípulo Martin Pawley (vivido por Jeffrey Hunter) na perseguição aos comanches que raptaram a jovem Debbie (vivida por Natalie Wood), e isto tudo num relato de tensão ininterrupta e de grandeza plástica e cromática, segundo as nobres palavras do finado crítico Paulo Perdigão, ex-colunista do jornal O Globo. Recentemente, o filme foi exibido em reprise nas grandes salas do Cinemark, em sua sessão de clássicos, e assisti junto ao José Eugenio Guimarães, editor do blog Eugenio em Filmes. Mesmo sem o impacto do formato VistaVision, ainda assim valeu o ingresso.


"Rastros de Ódio", cena de abertura

2 - MATAR OU MORRER/High Noon (1952) – Direção: Fred Zinnemann
Um dos grandes westerns que estabeleceu o chamado Western Psicológico, uma alusão ao Macarthismo e a sociedade americana de então, uma das obras primas de um grande cineasta, Fred Zinnemann. Poucos sabem, mas os americanos consideram tão importante este filme que uma cópia desta obra prima foi depositada numa cápsula do tempo, que só será reaberta no ano 2213. Uma trama elevada à dimensão de tragédia grega tendo como herói o xerife Will Kane (em minha opinião o mais humanizado de todos os protagonistas no gênero, digno do título de herói) vivido por um dos atores que mais bem personificaram o mito do cowboy do oeste, Gary Cooper, em uma cruzada solitária para defender sua vida. Ele durante muitos anos cuidou de uma cidade e de seus habitantes, mas agora mesmo não estando sob a insígnia da lei, estes mesmos habitantes se recusam a ajudá-lo, pois todos temem o pistoleiro e seus comparsas que descerão no trem do meio dia para matar Kane. Um estudo acurado da consciência do herói que mesmo podendo fugir ou deixar a responsabilidade para o próximo xerife, ainda sim mantém sua dignidade para ter paz consigo mesmo. Não tem como não falar deste Western sem mencionar Grace Kelly como sua esposa quaker, e a famosa canção “Do Not Forsake Me Oh My Darling”, interpretada por Tex Ritter. Solidão, consciência, medo, e ingratidão são as temáticas principais desta obra de Zinnemann.
3 - O MATADOR/The Gunfight (1952) – Direção: Henry King
Outro grande western de base psicológica dirigida por um dos grandes artesões de Hollywood, e trazendo Gregory Peck numa das melhores atuações do gênero, Jimmy Ringo, um temível pistoleiro que quer largar as armas para viver pacificamente para a esposa e seu filho, que ainda não o conhece. Contudo, sua fama de rápido no gatilho não só atemoriza as pessoas mais pacatas, mas atrai aventureiros desocupados que o querem por à prova, o que faz com que Ringo não consiga a paz que almeja. Um estudo acurado do mito do pistoleiro, que tão logo seja afamado (ou mal afamado), outros estão dispostos a temê-lo ou a desafiá-lo.
4 - DA TERRA NASCEM OS HOMENS/The Big Country (1958) – Direção: William Wyler
Um dos melhores Westerns americanos que já assisti e por muitos, e também pudera, não tinha nada para dar errado tendo na direção um dos maiores cineastas de todos os tempos, William Wyler, que assinou grandes obras primas da Sétima Arte, como “Jezebel”, “A Princesa e o Plebeu”, “Chagas de Fogo”, e “Ben-Hur”, como também não podia dar errado tendo um elenco de primeira categoria como Gregory Peck, Jean Simmons, e Charlton Heston. Outro destaque é sua produção, com uma fotografia impecável e formato de tela panorâmica que nenhum televisor poderia enquadrar, isto é, um dos primeiros faroestes americanos em superprodução para afastar o público dos televisores, que então esvaziavam as salas de exibição. Vale lembrar também de sua mensagem pacifista, coisa rara nos filmes do gênero, já que o personagem de Peck, um almofadinha do leste, se envolve na briga de duas famílias por causa da divisão de água, mas ele acredita que poderá agradar a gregos e troianos. Muito interessante! Destaque para a briga entre Peck e Heston, que viram a noite lutando, e também para eletrizante trilha sonora de Jerome Moross.
5 - OS BRUTOS TAMBÉM AMAM/Shane (1953)- Direção: George Stevens
Era o filme preferido do crítico brasileiro Paulo Perdigão, já falecido, entretanto a meu ver ele é um conto moral sobre a redenção e a ótica de uma criança ao idealizar o perfil do herói do Oeste. O baixinho Alan Ladd é perfeito como o pistoleiro Shane, que busca a paz e quer largar as armas, mas ele não consegue quando se vê obrigado a empunha-las para defender um casal e o filho deles, que o idolatra como um verdadeiro mito. Shane chega a uma cidade como um típico “anjo purificador” ao tentar distribuir dignidade e autoconfiança para os fazendeiros amedrontados. A fábula sobre o bem e o mal e disputa entre dois é bem caracterizada no duelo final entre Ladd (Shane) e o pistoleiro Wilson, vivido pelo brilhante Jack Palance. Outro clássico do gênero recomendado para todos os amantes do Western, ou simplesmente, quem ama cinema.
6 - DUELO AO SOL/Duel in The Sun (1946) – Direção: King Vidor
Verdadeiramente um Super-Western de tirar o fôlego!!! Uma nova forma bem adulta de atrair o público igualmente adulto as salas de cinema, e produzido por David O’ Selznick, o megaprodutor responsável por outra obra prima (E O Vento Levou) e estrelando a sensual Jennifer Jones e o galante Gregory Peck, que não esta nada galante nesse filme (risos). Foi o maior êxito comercial de Selznick e que foi o apogeu do Western romanesco, no entanto, acabou criando problemas com ligas puritanas americanas pelo teor de sexualidade bem apimentada e exagerada, ao introduzir o chamado “beijo francês” no cinema americano. Além disso, a trama é basicamente uma tragédia grega, onde a mestiça vivida por Jennifer Jones tem o pai condenado à morte por ter matado sua mãe e o amante dela, e daí passará a viver com uma tia, vivida por uma dama do cinema, Lilian Gish, que é esposa de um senador, vivido pelo lendário Lionel Barrymore. Mas os dois filhos do casal se interessam pela mestiça, mas ela acaba optando pelo mais sedutor e amoral, que é Gregory Peck, que não quer nenhum compromisso, em vez do decente Joseph Cotten. De resto, é uma tragédia grega a se seguir em grandes proporções, mas no grande estilo do Western Clássico Americano.
7 - A LEI DO BRAVO/White Feather (1955) – Direção: Robert D. Webb
É um dos meus prediletos por tratar-se de um tema antirracista, e um dos faroestes mais respeitados sobre a temática indígena, cujo argumento foi redigido pelo cineasta Delmer Daves, mas dirigido por Robert D. Webb (um cineasta de menor renome, mas nem por isso menos admirado). No roteiro, Daves repetiu os mesmos ingredientes de Flechas de fogo, realizado cinco anos antes, versando a trajetória de jovem guerreiro cheyenne Cão Pequeno (vivido espetacularmente por Jeffrey Hunter) e um engenheiro bem intencionado Josh Tenner (vivido por Robert Wagner). Este tenta persuadir os índios a mudar-se para uma reserva, mas o projeto acaba prejudicado pela ganância de garimpeiros. A obra caminha para uma sequência final que eu mais admiro - o confronto do solitário de Cão Pequeno, que se recusa a mudar de sua reserva, contra as tropas da União. Destaque para a bela Debra Paget, praticamente a repetir seu papel em Flechas de Fogo, como a irmã de Cão Pequeno e interesse romântico do herói vivido por Wagner. Recomendo.
Poster de "A Face Oculta, de Brando
8 - A FACE OCULTA/One-Eyed Jacks (1961) – Direção: Marlon Brando 
Outro Western em superprodução que está em minha apreciação onde se tem o registro da única experiência de Marlon Brando como diretor. Muitos apreciam "O Poderoso Chefão" como o melhor filme de Brando, mas contesto um pouco isso, tendo em vista este excêntrico trabalho do gênero onde o ator investiu cinco milhões de dólares, em dois anos de trabalho. Foi uma produção tumultuada (era para Stanley Kubrick dirigir), e das 35 horas de filme impresso, Brando selecionou material para cinco horas de filme, que acabou sendo reduzido para 2h e 21 minutos de filme. Era para ter sido o Western de maior duração da história se Brando não fosse obrigado a reeditar sua duração. Além disso, tramas ligadas sobre a vingança me fascinam, assim como a dualidade do caráter do ser humano quando se aplica no personagem vivido por Karl Malden. Malden é bandido assaltante de bancos como Brando, e acaba traindo este, seu melhor amigo, que passa cinco anos na prisão e jura vingança por todos os anos que ficou no presídio, e quando finalmente o reencontra, ele é um homem mudado, xerife de uma cidade, e respeitado pelo povo. A questão fica se ele mudou moralmente ou isso não passa de uma fachada. Brando sempre alegou que seu Western era um “assalto frontal ao tempo dos clichês”.
9 - OS PROFISSIONAIS/The Professionals (1966) – Direção: Richard Brooks
Revisitado por mim faz pouco tempo, não há a menor dúvida que esta obra de Brooks foi uma resposta americana (uma das primeiras) para o Western italiano que já invadia as salas de exibição, e também não foi pra menos, pois importaram até a beleza italiana dos deuses Claudia Cardinale para se juntar as feras do cinema americano, como Burt Lancaster, Lee Marvin, Robert Ryan, e o ator negro Woody Strode, este excelente, mas infelizmente pouco valorizado. Um ótimo exemplar de tenacidade e tensão, cuja trama vai adquirindo colorações políticas e éticas inesperadas, mas com extraordinário espírito de aventura como jamais vista no gênero americano. Destaque para a fotografia e para sua trilha sonora, de Maurice Jarre.
10 - MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA/The Wild Bunch (1969) – Direção: Sam Peckinpah
O “clímax dos clímax” do gênero, como eu defino. Para os amantes de cinema, e, sobretudo, do gênero que estamos debatendo, é a obra clímax da estilização da violência, coreografada de forma ritualística em câmera lenta, evocando um Oeste sujo e selvagem, sem qualquer idealismo romântico e lenda áurea dos mitos, com personagens decadentes, anacrônicos, e desglamourizados. Causou polêmica de fato, o que retardou o reconhecimento de Sam Peckinpah como um dos grandes cineastas do gênero, pois acabou sendo cortados 56 minutos de sua metragem original, o que provocou protestos do diretor e até mesmo por parte da crítica, que não estava ainda acostumada com este excesso da violência nos filmes. Outrora os ídolos do cinema americano, William Holden, Ernest Borgnine, e Robert Ryan, três fantásticos atores (principalmente o terceiro, que atuou em Hollywood sempre com muita competência e profissionalismo, sendo um dos meus atores preferidos) estão soberbos e maravilhosos em seus papéis, arquétipos do declínio e de toda decadência, que de uma maneira ou outra, desgraçadamente se empenham em aventurar num último golpe de suas malditas vidas. Vale também destacar a bela fotografia de Lucien Ballard.



  • ITALIANOS/EUROPEUS
1 - TRÊS HOMENS EM CONFLITO/Il buono, il brutto, il cattivo (1966) – Direção: Sergio Leone
Foi o primeiro faroeste italiano a me chamar a atenção justamente devido a falta de romancismo, idealismo, lirismo, e todo tipo de folclore tão comumente acostumado nos faroestes americanos. Propositalmente, o grande Sergio Leone soube o que fez ao retratar o Velho Oeste do jeito que fosse condizer com os fatos, e descartando mitos. A ganância e o individualismo exacerbado, pessoas querendo se dar bem à custa de outras, são características bem acentuadas nas obras deste grande cineasta, como vemos neste exemplar, revelando ao mundo um novo tipo de cowboy, o mais distante possível de John Wayne, Gary Cooper, ou Randolph Scott, e seu nome é um mito vivo – o americano Clint Eastwood. Junto a Lee Van Cleef e Eli Wallach (maravilhoso como Tuco, o feio), formam um triunvirato de trapaças e aventuras desmedidas, onde ao fim, o duelo a três é inevitável.
2 -  DJANGO/Django (1966) – Direção: Sergio Corbucci
Outra obra prima que ajudou a consolidar o faroeste italiano na minha preferência. O mundo se rendeu a um novo ídolo do Western europeu, e desta vez um genuíno italiano chamado Franco Nero, um dos meus atores favoritos do gênero. Não há como não se impressionar com uma figura calada e de toda de negro chegando a uma pequena cidade carregando um caixão. Uma cidade dominada pelo terror da famigerada Ku Klux Klan que para dominar o poder enfrenta bandidos mexicanos, e o estranho Django está no meio de tudo isso para salvar a vida de uma estranha mulher, por quem se apaixona ao seu modo. Corbucci dá a esta obra uma carga explosiva acentuada, realçada pela antológica trilha sonora de Luis Bacalov.
3 - O DIA DA DESFORRA/La Resa dei Conti (1967) – Direção: Sergio Sollima
Outro exemplar à italiana do gênero que é um exercício psicológico de tensão, mas mantendo as características do legítimo padrão do western italiano, trazendo o americano Lee Van Cleef como um caçador de bandidos da elite que persegue um mexicano (vivido pelo italiano Thomas Millan) acusado de violentar e matar uma menina. Contudo após vários reveses, em que o caçador tem o seu orgulho ferido devido à esperteza do mexicano, ele descobre que na verdade ele é inocente, vitima de inescrupulosos da alta roda em que o caçador vivido por Cleef faz parte, e por isso ele resolve ajudar o mexicano. Um dos melhores e mais expressivos filmes do Western europeu, dirigido por um Sergio, mas que não é o Leone.

O "O Dólar Furado",
dos favoritos
do faroeste spaghetti
4 - O DÓLAR FURADO/Uno Dollaro Bucato (1965) – Direção: Giorgio Ferroni
Giuliano Gemma é outro dos meus heróis do gênero à italiana, e este filme, ainda que embora tenha alguns clichês do Western americano, ainda assim vale o espetáculo, que como “Django”, de Corbucci, ajudou a impulsionar a moda do bang bang a italiana. Impressionante como uma moeda de um dólar no bolso acaba salvando a sua vida após ser abatido pelos inimigos, e como se fosse Ullysses da “Odisseia” de Homero, volta para se vingar dos homens que tentaram matá-lo, tiraram a vida de seu irmão, e raptaram sua mulher. “O Dólar Furado” é outra obra prima do gênero que ajudou no impulso do faroeste italiano.
5 - OS QUATRO MALDITOS/Los Cuetro Implacables (1965) – Direção: Primo Zeglio
Não chega a ser um clássico do gênero italiano, mas meus motivos para listá-lo são mais puramente afetivos, pois foi um dos primeiros assistidos por mim ainda na infância, e em ter como herói aqui Adam West, que no ano seguinte emplacaria como o mais famoso Batman da TV. O cowboy aqui vivido por West é quase limpinho, briga adoidado, mas a trama sobre um agente da lei (vivido por West) que tentar impedir que quatro bandoleiros (daí o título de “Quatro Malditos”, ou no original, “Os Quatro Implacáveis”) recebam a recompensa por terem capturado e matado um fugitivo da justiça que era inocente não deixa de ser de toda interessante e é uma história bem ritmada. Como não deixarão barato, os “quatro malditos” emboscam o agente da lei, e este, terá que lutar por sua vida.
6 - POR UNS DÓLARES A MAIS/Per un pugno di dollar (1964) – Direção: Sergio Leone
Leone parte com tudo nesta obra desmistificadora dos mitos laureados do Velho Oeste. A ganância, o individualismo, o dinheiro, surgindo a figura do 'caçador de recompensas', tão enormemente explorado em outros filmes, contudo sem tanta convicção e realidade como expõe Leone. Embora sem muitas afinidades, os personagens de Clint Eastwood e Lee Van Cleef, por motivos diferentes, acabam esquecendo suas diferenças e se unindo para enfrentar a quadrilha de Gian Maria Volonté, com a intenção de dividir a recompensa por eles oferecida pela Lei. Outra obra merecedora de destaque entre os grandes clássicos do gênero spaghetti de se fazer Western.
7 - ERA UMA VEZ NO OESTE/C'era una volta il West (1968) – Direção: Sergio Leone
Outro exemplar, talvez o mais popular, onde se seguiu toda a Trilogia de Leone (“Por um punhado de Dólares”, “Por uns Dólares a Mais” e “Três Homens em Conflito”). Vale destacar que o roteiro foi escrito por Leone com colaboração de Bernardo Bertolucci, com leves reminiscências do clássico americano “Johnny Guitar”, de Nicholas Ray (1954). Foi uma febre ao ser lançado nos nossos cinemas em 1971, mas infelizmente com cópias de 144 minutos devido à censura (a metragem original aos propósitos do cineasta foi de 229, sendo reduzidas umas para 137, e outras com 165 minutos, a versão apresentada no mercado de vídeo hoje). Uma trama com muito sangue e sem qualquer moral, uma verdadeira crítica à mitologia do Oeste em vez do antigo glamour dos faroestes americanos, retratando a passagem de pioneiros para os tempos da civilização com a chegada dos trilhos das ferrovias. Parece um paradoxo ao vermos Henry Fonda, outrora um representante da mitologia clássica do Western Americano, o típico mocinho das telas, na pele de um malfeitor sujo e cínico como Frank. Não foi a toa que Leone escolheu Fonda, pois era um assíduo admirador deste ator. Charles Bronson na pele de um pistoleiro, Harmônica (porque sempre toca esta gaita quando esta prestes a matar), que busca vingança contra Frank, que matou seu irmão, se destaca pelo caráter lacônico, de quase poucas falas, e de muito suspense de seu personagem, assumindo uma atitude quase parecida com a de Sterling Hayden em “Johnny Guitar”, quando protege a viúva Jill Mcbain, vivida por Claudia Cardinale. Mais do que uma superprodução, é um Super-Western, acabando por se consagrar como um dos exercícios mais ousados do cineasta Sérgio Leone.


"Era Uma Vez no Oeste", sequencia inicial

9 - CAÇADA AO PISTOLEIRO/Un minuto per pregare, un instante per morire (1968) – Direção: Franco Giraldi
Um Western italiano cheio de tensão, com argumento freudiano à dimensão de tragédia grega, mas não deixando de ser extremamente violento e desmistificador. Trata-se da história do pistoleiro Clay McCord (vivido por Alex Cord), temido e odiado por muitos, que tem sua cabeça a prêmio oferecido por um delegado corrupto de uma cidade (vivido pelo ótimo Arthur Kennedy). Contudo, o delegado age fora da lei e vem a intervir Lem Carter (o sempre brilhante Robert Ryan), governador do Novo México, que oferece uma anistia ao pistoleiro, contudo alguns aventureiros não querem saber e tentam emboscar McCord, que ainda enfrenta outro problema – ele tem momentos de ataque epilético, e carrega o trauma pelo pai também ter tido esse mesmo problema. Embora os atores principais sejam americanos, o filme ainda conta com as presenças italianas de Nicoletta Machiavelli, e do ator Mario Brega. Está entre meus colecionáveis.
10 - ADIOS SABATA/Indio Black, sai che ti dico: Sei un gran figlio di... (1970) – Direção: Gianfranco Parolini
Como não podia deixar de serem ao estilo italiano, trapaças, aventureiros sujos, e todo mundo querendo se dar bem. É assim que funciona esta obra de Parolini, tendo como anti-herói o aventureiro Sabata (na verdade, Indio Black no original), vivido pelo excelente Yul Brynner, aqui ainda um tanto limpinho e barbeado como foi em Sete Homens e Um Destino, em 1960. Sabata é um caçador de bandidos que se junta a um vigarista, Ballantine (vivido por Dean Reed) e ao engraçado e cínico revolucionário, o gordo Escudo (vivido por Ignazio Spalla) para combater as forças do Imperador do México Maximiliano, e se apoderar de um carregamento de ouro. Contudo, esta união de forças tem objetivos diversos. O destaque fica em algumas situações engraçadas, quando o ladrão Ballantine tenta enganar seus associados. Vale também a pena assistir “Sabata, O Homem que Veio Para Matar” (que não tem a ver com o filme estrelado por Brynner, apesar do mesmo nome do protagonista), estrelado por Lee Van Cleef, onde se apresentam as mesmas situações humorísticas quando se trata de bandido enganar o outro, afinal, quem disse que existe honra entre ladrões?

B: Quais você acha que são os western mais subestimados de todos os tempos?
PT: Acentuo uma obra fordiana intitulada “Audazes e Malditos”, de 1960, que trata da questão do racismo. Pela primeira vez, o Mestre John Ford desenvolveu uma mensagem antirracista em um tom bem eloquente que chega a ser comovedor, tendo como pano de fundo o ano de 1866, quando negros recém-libertados passam a integrar regimentos de cavalarias comandados por oficiais brancos. Um deles, um notável sargento vivido pelo brilhante Woody Strode, é acusado de um crime que ele não cometeu, sendo levado à corte marcial por preconceito racial. Mas ele é defendido por seu superior, vivido por Jeffrey Hunter. O relato do filme (sempre reconstituindo os fatos em flashbacks) é tenso, épico, e de uma solene dramática indescritível, que só um brilhante cineasta como Ford poderia conceber, mas eu pessoalmente considero um de seus melhores trabalhos junto às outras obras de requinte maior do diretor. Também “A Árvore dos Enforcados”, dirigido por outro grande artesão dos westerns, Delmer Daves em 1959, acredito um tanto subestimada por alguns críticos, entretanto não poderia ter um protagonista mais humano em todos os aspectos do que o médico Joe Frail, vivido por Gary Cooper em uma de suas últimas atuações. Amargo, malquisto, cínico, mas ao mesmo tempo, não isento inteiramente de altruísmo, procura esquecer um trauma do passado e tenta continuar a vida. Mas ele percebe que nem tudo esta perdido, pois se renderá ao amor de uma imigrante suíça que acaba salvando sua vida, vivida pela Maria Schell. Vale destacar a bela canção interpretada por Marty Robbins. Outro western, desta vez europeu, que acho muito subestimado é “Os bravos não se rendem”, dirigido por Robert Siodmak e Irving Lerner, que conta a trajetória do General Custer de maneira realista e desmistificadora (nada a ver com o herói pintado por Raoul Walsh no clássico “O Intrépido General Custer”, com Errol Flynn, em 1945). Robert Shaw esta perfeito como o famigerado militar em sua sede de glória, e a famosa batalha de Little Big Horn. Contudo é um dos trabalhos menos badalados (mesmo com uma bela trilha sonora), visto a índole verdadeira e descaracterizante do personagem, o que pode não agradar a todos.

B: Sam Peckinpah e Robert Altman foram meio que marginalizados por Hollywood. Mesmo com poucos filmes sobre o tema western eles impactaram a estética do gênero para sempre. Wild Bunch e Quando os Homens são Homens, são exemplos claros disso. Que grande contribuição foi essa? E que outros diretores após essa geração conseguiram essa façanha?
O genial Altman, um dos diretores que mudaram o western
PT: Conheço pouco o trabalho de Altman no gênero, com exceção do “Oeste Selvagem”, estrelado por Paul Newman, em 1976. Entretanto, posso adiantar que ambos os cineastas são oriundos da televisão e dirigiram trabalhos gratificantes no gênero para a telinha. Peckinpah chegou a dirigir episódios de “O Homem do Rifle” (com Chuck Connors) e “Paladino do Oeste” (com Richard Boone), e Altman episódios da série “Bonanza” e “Lawman. Acredito que a questão da marginalização destes cineastas é que ambos foram sinceros demais em suas obras, sem rodeios. Peckinpah recorreu à violência em “Meu ódio Será Sua Herança”, de 1969, e a partir daí, não foi só no gênero western que se viu esta apelação do diretor que é consagrado como o “Poeta da Violência”. Basta acessarmos seus outros ótimos trabalhos como "Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia" (1974) e "Sob o Domínio do Medo" (1972), que poderemos ver também esta exaltação. Quanto a Altman, como vi “Oeste Selvagem”, senti a desmistificação de uma lenda, no caso Buffalo Bill, e grande parte dos produtores embora saibam que as lendas e mitos não correspondem à verdade, ainda assim preferem que as lendas sejam impressas. Hollywood durante anos promoveu isso em seus westerns, e mesmo com o desenrolar das mudanças graças aos faroestes italianos, a indústria de cinema não parecia apoiar esta descaracterização dos mitos tão amados pelo folclore americano. Contudo, a grande contribuição destes dois mestres foi tentarem fazer um novo estilo de western, sem exaltação de mitos ou heróis, sem áura romântica, propondo para as plateias mundiais que o Velho Oeste também pode ser interessante se analisarmos seus personagens e o meio social em que viveram. Acredito que Lawrence Kasdam (que realizou em 1985 o ótimo “Silverado”), que também realizou pouquíssimos trabalhos no gênero (o último, “Wyatt Earp”, de 1994, com Kevin Costner, que foi um fracasso), e atualmente Tarantino, vem conseguindo esta proeza de impactar a estética, e por que não dizer, imortalizar o gênero.

B: Sabemos que ainda existem produções western tanto nos EUA quanto na Europa. Mesmo com Tarantino e outros diretores fazendo western a sua maneira e em forma de homenagem, podemos afirmar que esse gênero morreu ou ainda vai ressuscitar em uma grande e genial produção?
PT: Acredito que, na verdade, o western nunca morreu. Naturalmente as produções de hoje são em menor escala, e não como era a mais de 50 ou 60 anos atrás, época rica em criatividade e em franca produção, onde tínhamos cineastas brilhantes como John Ford, Raoul Walsh, Howard Hawks, Anthony Mann, Delmer Daves e claro, incluindo Peckinpah, Leone e outros mais. Mas de uma forma ou de outra, o faroeste está vivo, só esta adormecido enquanto um cineasta fera como Tarantino ou como Clint Eastwood, a lenda viva, não rodarem novos trabalhos no gênero (será que Clint pensaria em rodar um novo faroeste? Seria genial!). E enquanto isso, também, novas produções são realizadas pela TV americana ou mesmo para o cinema sem sabermos. Mas uma coisa é certa: este gênero estritamente americano também batizado pelos italianos não morreu e nem morrerá tão cedo se depender de cada fã e espectador como nós para divulgar, apreciar e assistir. Podem acreditar!

B: Quais filmes western merecem destaque a partir dos anos 80 até hoje, nos faça uma lista de alguns que são pouco conhecidos?
Willie Nelson em
"Justiça para um bravo"
PT: Não estou muito a par das novidades em matéria de western nos últimos tempos, mesmo porque sigo um esquema eclético focalizando em geral o cinema antigo e todos os seus gêneros, mas naturalmente, o western tem um espaço com todo carinho dedicado. Entretanto, posso acentuar alguns trabalhos do faroeste já tanto esquecidos na metade dos anos de 1980, como “De Volta ao Oeste” (Once Upon a Texas Train”), de 1986, para a TV, dirigido por um dos grandes especialistas do gênero, Burt Kennedy, e trazendo Richard Widmark (um notório Man Of The West de primeira), Angie Dickinson, e o cantor Willie Nelson, além de contar com presenças conhecidas como Chuck Connors, Stuart Whitman, Jack Elam, Ken Curtis, Dub Taylor. No ano seguinte, o mesmo Willie Nelson foi o protagonista de “Justiça para um Bravo” (“Red Headed Stranger”), também realizado para a TV, onde contou com as presenças da bela Katharine Ross (de “Butch Cassidy”) e do excelente Royal Dano (cujo seu melhor papel de destaque foi no western “Irmão contra Irmão”, dirigido por Robert Parrish, em 1958). Vale destacar também por esse período “O Álamo, 13 dias de Glória”, de 1987, que retrata a batalha do Álamo com mais fidelidade do que a versão patriótica apresentada por John Wayne, em 1960, onde James Arness (da série de TV Gunsmoke), interpreta Jim Bowie, Brian Keith como Davy Crockett, Lorne Greene como Sam Huston (em seu último desempenho), e o inesquecível Raul Julia como o general Santana. Em 1995, Jeff Bridges interpretou o temível Wild Bil Hickcok na produção “Uma Lenda do Oeste”, dirigida por Walter Hill, onde conta a trajetória fidedigna de uma lenda, o mais distante possível de Gary Cooper na produção “Jornadas Heroicas”, de 1936, dirigida por DeMille. Dos mais recentes que acredito que são ainda menos conhecidos, vale destacar “Inferno no Faroeste”, de 2013, sob a direção de Roel Reiné, onde estrelam Mickey Rourke e Danny Trejo. Parece-me que este western não chegou as nossas salas de exibição.

B: Há um tempo eu soube que Clint Eastwood escreveu uma carta a John Wayne pedindo a ele para fazerem um filme juntos. Isso não aconteceu é claro. Caso acontecesse essa produção seria ímpar e juntaria definitivamente os dois maiores ícones do western. Um de cada estilo. E se no final do filme houvesse um duelo entre a dupla, quem venceria?
Wayne e Clint,
o tão esperado duelo que nunca aconteceu
PT: Vixe, nem ouso te responder com segurança a esta pergunta sem levar uma bala perdida (risos). Uma parada dura já que ambos são dois gigantes do mesmo gênero, mas com estilos diferentes e épocas diferentes. O mais engraçado é que, em 1989, dez anos após a morte de Wayne, uma pesquisa realizada por uma revista de cinema apontou Clint Eastwood como o novo sucessor de John Wayne. No entanto, Clint, apesar de admirar o bom e velho Duke, jamais quis se comparar a ele ou sequer substituir John Wayne. Clint tinha como modelo para o gênero o ator Gregory Peck, do qual considera sua melhor atuação em “O Matador (“The Gunfighter”). As performances vindas de Clint para compor seus durões nos westerns, segundo ele, se inspiravam em Gregory nesta obra dirigida por Henry King em 1951. É fato (e não fita) que Clint enviou uma carta para o veterano Duke, propondo que fizessem um filme juntos. Já pensou, Bino? Dois gigantes do gênero que talvez pudesse precisar de duas telas do formato VistaVision para compor tamanho encontro! (risos). Entretanto, Wayne, que vira “O Estranho Sem Nome”, a obra de Clint dirigida em 1973, não gostou nem um pouco do estilo revisionista e violento deste western. Para Wayne, já foi difícil filmar "Bravura Indômita", em 1969, tendo que se reinventar um pouco e quase recusou o papel que deu a ele seu único Oscar como ator. Mas o gênero estava se desenvolvendo bem rápido, e os faroestes estrelados por Wayne em épocas anteriores já ficavam obsoletos para os novos padrões. Entretanto, Duke não só recusou o convite como também aproveitou para criticar o trabalho de Clint Eastwood, que não lhe deu ouvidos. A parceria não aconteceu e o maior prejudicado foi o público, ou, quem sabe, o próprio Wayne. Portanto, por mais que eu adore John Wayne, acho que Clint sacaria primeiro, ou quem sabe, por alguma "providência", um empate técnico? (risos)

B: Para finalizar, uma pergunta que será símbolo de todos os "Duelos" com entrevistados: descreva você num grande filme?
PT:Meu Ódio Será Sua Herança”. Não que eu seja o “arquétipo da decadência” como os protagonistas da obra de Peckinpah, que queriam realizar o último trabalho de suas vidas antes de se “aposentarem”, mas eu sempre procuro investir nos negócios ou em qualquer situação da minha vida como se fosse dar também o meu “último golpe”, ou concretizar meu “último trabalho”. Isso não quer dizer, literalmente, que seja o último, mas quando desejamos alcançar certos objetivos na vida com sucesso fica a lição que devemos fazer o melhor do nosso melhor em todos os nossos empreendimentos como se fosse o último. Os homens de Pike Bishop (William Holden) não desistiram, e mesmo com o resultado que obtiveram no final, eles foram determinados, e nós também não devemos desistir, mesmo que nos sintamos decaídos em algum momento de nossas vidas. Assim, me descrevo em “The Wild Bunch”!


"Meu Ódio Será Sua Herança"



domingo, 17 de setembro de 2023

Exposição "Heitor dos Prazeres é meu nome", de Heitor dos Prazeres - Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) - Rio de Janeiro / RJ

 




"Eu sou Heitor dos Prazeres,
Heitor dos Prazeres é meu nome.
Este prazer que eu tenho no nome
é o prazer que eu divido com o povo.
Este povo com quem eu reparto este prazer.
Este povo que sofre, este povo que trabalha,
este povo alegre que eu compartilho a alegria desse povo.
A alegria deste povo,
o sofrimento deste povo
é o que me obriga a trabalhar.
É o que me faz transportar para a tela
o sofrimento do povo."
Heitor dos Prazeres


A gente vai protelando, deixando pra depois, pro próximo final de semana, pro próximo, pro próximo, e às vezes acaba perdendo uma exposição daquelas que valem muito a pena.
Nessas de empurrar pra depois, acabei quase perdendo a exposição de Heitor dos Prazeres, no CCBB, aqui no Rio.
Mas deu tempo.
Fui no penúltimo final de semana, mas deu.
Heitor dos Prazeres, um dos maiores nomes das artes no Brasil, retratava em sua obra cenas cotidianas, normalmente com a figura do negro em destaque. Tradições, folguedos, festas, trabalho, brincadeiras, tudo aparece nos quadros do pintor carioca, com muito movimento, muito ritmo e muita cor, numa técnica que, à primeira vista, pode parecer limitada, primária, ingênua, mas que revela uma noção de espaço  e dimensionalidade quase ímpar na pintura mundial.
Heitor, artista multitalentoso, além de pintor, era também escultor, designer, estilista, compositor, violonista e cantor, com igual brilho e talento em todas essas outras áreas. Mas, indiscutivelmente, foi a pintura a atividade que representou a parte mais significativa de seu trabalho e, indubitavelmente, a que lhe rendeu maior reconhecimento, sendo a que recebe maior destaque na exposição e a que apresenta o maior número de itens.
Uma exposição essencial de uma obra valiosíssima da arte brasileira. Uma arte que representa tanto a cultura negra que parece emitir som, suas imagens parecem produzir o ritmo do samba. 

Prazeres? O prazer é nosso por ter o privilégio de apreciar sua obra.


Confira, aí, abaixo, alguns momentos da exposição:

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A formação das favelas cariocas, na pintura de Heitor dos Prazeres

Heitor também retratava cenas rurais em sua obra.
Negros trabalhando na roça.

Mais uma situação de trabalho.
Aqui, uma lavadeira

O belíssimo "A mulher abstrata" (óleo sobre tela)

A feira, mais uma cena cotidiana

Aqui, a seção dedicada à música.
Danças, festas, carnaval...

"Os sambistas", óleo sobre tela de 1963

Brincadeiras, crianças se divertindo na rua.

Detalhe de um dos quadros que retrata as brincadeiras da infância


Carteado, sinuca... As jogatinas

Os nus também marcaram presença na obra do artista.
No quadro, uma modelo posando para um pintor


Já em sua fase final, alguns quadros apresentavam uma
perspectiva pessimista do artista.
Neste, a solidão, a vulnerabilidade, o mercado o consumindo.


Também de sua fase final, o belíssimo "Praça XV"

Alguns esboços do artista


As partituras para sambas e o envolvimento crucial com o carnaval
para a criação das escolas de samba

A parte musical de Heitor dos Prazeres é tão significativa quanto a plástica

Trabalhos de Heitor para cenografia de peças


Figurinos do artista para um musical

Em detalhe, uma peça de vestuário desenhada pelo artista

O lado escultor de Heitor dos Prazeres.
Escultura em madeira.

Uma geral de uma das salas da exposição


Este blogueiro tendo o prazer de
apreciar a obra de Heitor dos Prazeres



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exposição "Heitor dos Prazeres é meu nome", de Heitor dos Prazeres
local: CCBB Centro Cultural Banco do Brasil - Rio de Janeiro
endereço: Rua Primeiro de Março, 66, Rio de Janeiro / RJ
período: até 18 de setembro de 2023
visitação: de segundas, quartas, quintas, sextas e sábados, das 9h às 21h
e domingos das 9h às 20h
ingresso: gratuito




por Cly Reis