"Criolo é um dos artistas mais criativos com quem já convivi na vida. Conheço poucas pessoas que conseguem fazer letra e música do jeito que ele faz." Milton Nascimento “Milton é um ser de luz. Isso não se explica, apenas, se sente.” Criolo
Milton Nascimento, além de ser um dos gênios vivos da música mundial, celebrado por gente do calibre de Wayne Shorter, Caetano Veloso, Elis Regina, Herbie Hancock e Esperanza Spalding, é conhecido pela generosidade. Tanto é que seus pares costumeiros, como Wagner Tiso ou Lô Borges, ou esporádicos, como Chico Buarque e Gilberto Gil, o elegem como o melhor parceiro para se escrever música. Generoso, porém, exigente. Não é qualquer um que coassina ou divide com ele o palco ou os microfones – quanto mais, autorias. Criolo, no entanto, está neste seleto time. Desde 2005, quando escreveram a primeira canção juntos, “Dez Anjos”, para o disco “Estratosférica”, de Gal Costa, o rapper paulista entrou para o panteão de compositores a comungarem arte com Bituca como os já citados Chico, Caetano e Gil, bem como os célebres Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Lô e Márcio Borges e outros privilegiados. O EP “Existe Amor”, produzido por Daniel Ganjaman, deste ano, já chega com o peso de ratificar esse encontro de duas gerações como o mais representativo da MPB na década. Obra essencial para a sustentação da sanidade brasileira, sagazmente contradiz os versos do próprio Criolo para lançar um sopro de esperança e resistência em meio a um caos sanitário, político e econômico que vive o Brasil.
Encontro de gerações e de almas
O impacto é forte, o que não quer dizer que, para isso, tenha-se usado toda a tonelagem. Afinal, o experiente Milton sabe muito bem que tamanho não é documento. Afeito aos formatos mais enxutos de obras sonoras, mesmo tendo lançado uma série de álbuns extensos na carreira – como os duplos “Clube da Esquina I” e “II”, “Milagre dos Peixes – Ao Vivo” e “Txai” –, o mineiro nunca deixou de apostar em compactos e EP’s. Foi assim com o emblemático “Milton & Chico”, de 1977, que trazia apenas duas faixas, as obras-primas “O Sal da Terra” e “1º de Maio”, ou com o também marcante “RPM Milton”, de 1987, quando o experiente músico soube extrair da banda de Paulo Ricardo o melhor que esta guardava já em um período pré-dissolução. Agora, com Criolo, no entanto, o tratamento ganhou ainda maior requinte.
A começar pela sensibilidade inequívoca do pianista pernambucano Amaro Freitas, um dos maiores talentos da MPB/Jazz brasileira dos últimos anos, convidado para tocar e assinar o arranjo de duas das quatro do projeto: a clássica “Cais” (de Milton e Ronaldo, escrita em 1971) e a música a qual se tira sabiamente o controverso título, “Não Existe Amor em SP” (esta, de Criolo, do seu “Nó na Orelha”, de 2011). Amaro dá uma coloração que une nitidez e abstratismo, mas em tons introspectivos, oníricos, que reinventam canções já eternizadas no cancioneiro brasileiro. Mais do que regravações, tomam caráter de ressignificação, principalmente, “Não Existe...”, cuja mensagem deliberadamente crítica de Criolo à sociedade e ao mundo materialista é endossada pelo canto incomparável de Milton.
Não apenas estas duas, mas existe ainda mais amor em “Existe Amor”. Além das duas gravadas com o toque virtuoso de Amaro Freitas, o disco apresenta duas gravações feitas pelos artistas em 2018 com regência de Arthur Verocai, outra lenda da música brasileira, compositor, arranjador e maestro carioca presente em obras memoráveis da MPB como “Por que é Proibido Pisar na Grama”, de Jorge Ben (1971), e “Pra Aquietar”, de Luiz Melodia (1973), além de seus próprios trabalhos solo, considerados cult no Brasil e no exterior. Dessa safra, Milton e Criolo regravam com a fineza dos arranjos de Verocai a já citada “Dez Anjos” e “O Tambor”, esta, parceria dos dois últimos, originalmente registada no último álbum de Verocai, “No Voo do Urubu”, de 2016. Se com Criolo a relação é mais recente, com Milton os caminhos de Verocai se cruzaram já no final dos anos 60, quando participaram do movimento Músicanossa junto de outros compositores como Roberto Menescal e Marcos Valle. Ou seja: tudo em casa, conexões certas em todos os pontos. Outras duas preciosidades que, embora difiram do arranjo contemplativo e da textura pianística das primeiras, em nada destoam no conjunto da obra, formando um disco curto, mas 100% assertivo. Um novo clássico da música brasileira.
Além da qualidade musical, a reunião também tem méritos humanistas. A venda do EP pretende arrecadar projeto R$ 1 milhão para um projeto em conjunto com a agência AKQA e o Coala.Lab para ajudar pessoas durante a pandemia do Coronavírus. Milton, em depoimento sobre a atual situação do país e o desafio cidadão deste momento, falou: “E, diante desse cenário que se mostra cada dia mais absurdo, precisamos fazer a nossa parte, urgente.” O parceiro, por sua vez, engrossa o coro: “'Arte cria energia para a luta contra quem fomenta o mal”. Ao que depender dos dois, a chama da elaboração crítica fará com que os justos sobrevivam a tamanho obscurantismo e perversidade do Brasil atual. Ao contrário de todo o mar de negatividade que se impõem, eles nos dão um lugar - de fala e de escuta. Essa "SP" real e imaginária que representa a todos. A rebeldia, a não aceitação, a insubmissão como maior prova de amor. É a negação dos versos originais ("Não existe amor") como um chamado positivo de salvamento ("Existe Amor"). Por sorte, ele ainda existe em todas as “SP’s” simbólicas a que Milton e Criolo nos loteiam.
Eu
voltei da Europa na turnê que eu fiz com o Paulo Moura,
logo depois do show do
Bituca com o ‘Clube da Esquina’.
É um disco que eu compus todo na Europa,
chamado ‘Matança do Porco’.
Música que, inclusive, tem no disco ao vivo do
Milton,
o ‘Milagre dos Peixes Ao Vivo’.
Você vê que as ideias estavam ali.
Foi
a nossa época de laboratório mesmo.
Serviu para o resto das nossas vidas.”
Wagner Tiso
Milton Nascimento foi sempre o cabeça e congregador do chamado Clube da
Esquina, esse time de artistas de Minas Gerais que mudou a cara da MPB desde a
conturbada segunda metade dos anos 60 de Ditadura Militar no Brasil. Em torno
de Bituca – e muitas vezes até motivados por ele, como no caso de Fernando Brant e Lô Borges – se configurou a movimentação musical que trouxe novas
linguagem e referências à música brasileira e até mundial se se considerar seu
pioneirismo naquilo que passou a se chamar tempo depois de world music. Wayne Shorter, Sarah Vaughan, Quincy Jones, Eric Clapton, Paul Simon, Carminho entendem isso muito bem. Porém, dos diversos
talentos surgidos à época e/ou junto com Bituca, um deles é quase tão
fundamental: o maestro Wagner Tiso. Surpreendentemente autodidata (o
saxofonista e clarinetista Paulo Moura, exímio arranjador, apenas lhe deu
toques sobre teoria), é naturalmente dono de um estilo de tocar piano e de
orquestrar que bebe no colorido de Claude Debussy e na força expressiva de
Richard Wagner, além de sua veia sacra, a qual adquiriu ainda pequeno nas
igrejas do interior de Minas que frequentava. Se Milton é o símbolo do Clube da
Esquina, principal compositor e propulsor da cena, Tiso é o centro harmônico, o
homem que aperfeiçoou a ideia e lhe deu lastro.
Tiso, sempre muito ligado a Milton Nascimento (ambos são naturais de
Três Pontas), já era o principal arranjador e regente dos trabalhos deste desde
o LP “Milton”, de 1970, mesmo ano em que, juntamente com Luis Alves (baixo), Frederyko
(guitarra) e Robertinho Silva (bateria) forma uma banda de apoio para o
parceiro. Assim surgiu a Som Imaginário,
para a qual ainda foram convocados para completar o grupo nada mais, nada menos
que três craques: Tavito (violão), Zé Rodrix (voz, órgão, flautas) e Naná
Vasconcelos (percussão). Um time de primeira. Além das essenciais participações
nos trabalhos de Milton e na de gente do calibre de MPB-4, Marcos Valle, Gal Costa, Odair José, Sueli Costa, dentre outros, a banda mantinha também carreira
própria. Depois de dois discos em que Rodrix comandava os microfones (“Som
Imaginário”, de 1970, e “Nova Estrela”, de 1971) a Som Imaginário, sem este e
Naná, sintetiza sua sonoridade psicodélica e até lisérgica e compõem um álbum
totalmente instrumental: “Matança do
Porco”, de 1973. Nele, a MPB se junta com felicidade ao rock progressivo,
ao jazz e à música clássica em seis canções assinadas por Tiso em que todos os
músicos se esmeram nos instrumentos. Solos magníficos, arranjos deslumbrantes e
orquestrações idem, cujas regências tiveram ainda a fina colaboração de Moura,
maestro Gaya e Arthur Verocai. Este último trabalho de estúdio do grupo é uma
obra-prima da música instrumental no Brasil.
“Armina”, com sua melodia valseada e melancólica, não apenas abre o
disco com o piano altamente erudito de Tiso como, igualmente, recorta-o todo,
aparecendo em vinhetas/excertos entre os outros cinco temas durante todo o
decorrer, desfechando-o também, inclusive. A canção dá o clima do álbum, cujo
peso do rock, o swing do samba-jazz e a energia do fusion são ciclicamente reconduzidos à
atmosfera do tema-tronco, o qual traça uma linha entre o litúrgico e o a
herança modernista do folclórico bachiano de Villa-Lobos. Entretanto, na
alquimia natural da Som Imaginário, de cara se ouve um potente jazz-rock de baixo-guitarra-bateria-órgão,
que faz um pequeno preâmbulo para, aí sim, dar lugar ao piano de Tiso. Depois
de um lindo solo, que traz delicadeza ao número, a banda retorna vigorosa – a
melodia lembra “I Want You (She's So Heavy)”, dos Beatles, na parte do “She so heavyyyy...”, para ver o nível
de grandioculência – para um exímio e longo solo da guitarra rasgante de Frederyko,
ao estilo de John McLaughlin. Por volta de 4 minutos e meio, param todos os
instrumentos elétricos para novamente ouvir-se o dedilhado acústico do piano,
fazendo ressurgir a valsa tristonha.
Agora sob o som de um piano elétrico, “A 3”, extremamente moderna, sintoniza
com o que Hermeto Pascoal, Airto Moreira e João Donato vinham fazendo nos
Estados Unidos àquela época e embasbacando os gringos: um jazz brasileiro com
ritmo, harmonias complexas e uma habilidade musical peculiar dos trópicos. Show
de perícia de toda a banda, que, levados pelos teclados, ganham o
acompanhamento da percussão do mestre Chico Batera e da flauta de outro professor,
Danilo Caymmi. Uma curta e orquestrada “Armínia”, arregimentada por Verocai – e
na qual se notam os toques de sua sofisticação harmônica, principalmente na
predileção pelos metais ouvidos ao final –, antecipa “A nº 2”, que inicia como
um samba cadenciado conduzido por uma linha de órgão. Vão se adicionando as
melodiosas vozes dos Golden Boys, solos da guitarra e cordas, num crescendo de
emoção. Até que, pouco antes dos 5 minutos, o baixo de Luis manda um groove e a música dá uma virada para um jazz-funk estupendo. Tiso troca o órgão para
o Hammond; Luis e Fredera, mantendo a base em repetições ágeis; Robertinho;
segurando o ritmo na variação caixa/prato de ataque. Arrasador. Digno de um
“Headhunters”, de Hancock, ou “On the Corner”, de Miles Davis.
A faixa-título, que eu conheci no disco de Milton, “Milagre dos Peixes
Ao Vivo” (1974), surpreendendo-me por demais já daquela feita, não perde em
nada no estúdio. Aliás, até ganha, tendo em vista que os registros ao vivo da
época eram deficitários tecnologicamente (o caso). Além do mais, o próprio
Bituca empresta aqui a sua voz. Então: serviço completo, nada faltando.
Sugestivo, o título remete ao arcaico ritual de abate de suínos típico do
folclore português e que, obviamente, devido a seus requintes de crueldade,
exprime algo de visceral e funesto vivido à época no Brasil de Regime Militar.
Como se tratava de uma canção “sem letra”, os milicos a consideraram inofensiva
e deixaram passar pela censura. Isso faz com que “Matança do Porco”, música e disco,
alinhem-se, pela via de um “silêncio resistente”, a “Milagre dos Peixes” de
estúdio, daquele mesmo ano de 1973, que os militares censuraram praticamente
todas as letras, transformando-o, forçadamente, num álbum semi-instrumental.
Este aqui é instrumental de propósito, pois não há palavras para exprimir o
sentimento nefasto que se presenciava. Os sons, dados à imaginação, falam por
si.
Nos mais de 11 minutos da canção “Matança do Porco”, ponto alto do
disco, deságuam boa parte da musicalidade construída pela turma do Clube da
Esquina. Seguindo a atmosfera erudita que domina o álbum, trata-se de um pequeno
réquiem transgressor, entre o rock e o jazz. Traz o vigor de um rock
progressivo, que lembra o Pink Floyd psicodélico pré-"Wish You Were Here",
ainda mais pela novamente excelente performance
de Frederyko debulhando a guitarra – e não deixando nada a dever a um David
Gilmour. O primeiro “movimento” inicia lento com acordes 2/2 de Tiso ao piano,
que exercita uma breve introdução (Kyrie e
Gloria) enquanto vão entrando aos poucos
os outros instrumentos até chegar na guitarra, que, distorcida, se adona do
campo. São quase 5 minutos de um solo dividido em dois momentos (algo que se
poderia intitular como “A Preparação”, Credo,
e “A Desforra”, Sanctus) que vai num crescendo
e toma uma carga emotiva tamanha com o poder de carregar consigo os outros
integrantes, ao final igualmente em êxtase. Robertinho dá um show de rolos e
condução; Tiso, centro da peça, lança impressionantes ataques e improvisos
jazzísticos. O ritual de morte chega a seu ápice. O sangue escorre. Morte.
Valendo-se fartamente de seu conhecimento erudito, Tiso corta mais uma
vez a canção para, numa fusão para um segundo ato, arregimentar a partir dali
uma volumosa orquestra Odeon (conduzida por Gaya), a qual toca uma melodia
triste (um Benedictus), como uma
prece à ignorância humana. Entram o coro dos Golden Boys formando um cantochão
gregoriano. Junto, para realçar ainda mais a beleza melancólica do tema, a
guitarra volta a marcar a base e Milton soma ao coro o seu inconfundível
timbre, executando vocalises arrepiantes. O final, no órgão, desfecha-a num
evidente tom fúnebre de Missa dos Defuntos, até voltar ao toque quase de
cantiga de roda dos primeiros acordes. Agnus
Dei. Um desbunde. O porco e o cidadão brasileiro, perseguidos e sem voz,
foram abatidos. “Quem é animal e quem é
gente?”, fica a pergunta.
Depois de tanta magnitude, uma gostosa “Armina” com ares de bossa-nova ameniza
o astral visitando Tom Jobim e Billy Blanco. “Bolero”, na sequência, é uma
balada com riff bem rural escrita em
parceria com Luis, Robertinho e Milton, este último de quem evidentemente
partiu a ideia do violão-base tocado por Tavito, outro dos coautores. Nova
mostra de habilidade dos músicos em que Tiso, principalmente, se destaca
manipulando os dois pianos, assim como a flauta de Danilo Caymmi. O filho do
gênio baiano é quem dá os primeiros acordes de “Mar Azul”, outro samba-jazz moderníssimo feito para os
dedos de Tiso maravilharem num Hammond, tanto quanto Tavito ao violão 12
cordas. Da segunda metade para o fim, é geral o show de improvisos. Jazz
brasileiro puro.
A intensidade orquestral finaliza este histórico álbum com a quarta e
última seção de “Armina”, novamente com o toque de Verocai, que carrega nas
cordas e metais no início para, aos poucos, verter a sonoridade para as
madeiras, numa transição extremamente apurada e apenas perceptível quando a
flauta entoa a última nota, haja vista que aumenta um tom para terminar não num
registro suave, mas grave como deveria ser. Na capa da reedição em CD, de 2003,
vê-se um plano geral de uma mesa dá bem a dimensão do período de tristeza e
decadência que o País um dia se colocou: copos, garrafas de cerveja e de
uísque, todos vazios, acompanham um cinzeiro lotado de cinzas e baganas e um papel
surrado sobre um dos copos – que bem pode ser uma carta a um ente querido
impossível de ser postada por causa do cerco da ditadura ou uma confissão de
suicídio.
Naquele 1973, o enganoso “milagre brasileiro” do governo Médici
escondia ainda mais as torturas, perseguições e exílios promovidos desde o
AI-5, de cinco anos antes. As guerrilhas eram enfraquecidas e a população,
quando não ignorante, se calava à força. Sem precisar dizer quase nenhuma
palavra, “Matança do Porco” e “Milagre dos Peixes” formam um dos mais potentes
libelos contra a opressão da ditadura militar no Brasil, duas sinfonias em nome
da liberdade que todo brasileiro decente de então merecia. É o poder da música,
é a magia dos sons. Sons capazes de despertar o imaginário de quem consegue
entender o que é dito pelo coração.
Enfim, chegamos à
terceira e última listagem de filmes brasileiros essenciais para se
entender o nosso cinema no final do século XX, terminando com a
safra dos 80. Mais do que para com os anos 60 e 70, a década de 80
foi a que mais tive dificuldade de escolher entre tantos títulos que
considero fundamentais. Talvez pelo fato de, dos anos 60,
embrionários e revolucionários, haver mais clareza quanto ao que
hoje é tido como essencial, bem como pela até injusta comparação
com os sofridos e minguados anos 70. O fato é que a produção dos
80 vem justificar, justamente, o decréscimo quali e quantitativo da
sua década anterior. Tanto é verdade que, com os reflexos visíveis
da Abertura Política e já se enxergando a tão sonhada democracia
não apenas como uma miragem, os cineastas brasileiros – mesmo com
a menos rígida mas ainda existente censura – passam a ter uma até
então inédita estrutura através de verba do próprio Governo via
Embrafilme.
Foi aí, então, que
os cineastas daqui mostraram o quanto são, de fato, brasileiros. Se
já haviam conseguido, nos 60 e 70, realizações memoráveis sem uma
Atlântida ou Vera Cruz por trás, quando tiveram um tantinho mais
fizeram “chover pra cima”. Desfalcados a maior parte da década
da tempestuosidade de ideias de Glauber Rocha, falecido em 81, além
de Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade, também vitimados cedo,
outros cabeças do cinema nacional avançaram em temática, nível
técnico, concepção e apelo com o público. Ironicamente,
entretanto, se os 80 justificaram a baixa dos 70, também herdaram o
inevitável: justo na década que talvez melhor se tenha produzido
para as massas até então, recaiu-lhes a pecha de cinema malfeito e
sem qualidade, motivado, principalmente, pela herança das
famigeradas pornochanchadas, naturalmente desvalorizadas com o
declínio do discurso do Governo Militar – estigma do qual o cinema
nacional tenta se livrar até hoje.
Para além das
comparações, a diversidade do cinema nacional dos 80 é grande. As
abordagens vão desde cinebiografias (pouco vistas até então),
felizes adaptações do teatro para as telas (finalmente!), avanço
do documentário, início da descentralização da produção eixo
Rio-São Paulo e, principalmente, uma maior liberdade de expressão.
Sem o fantasma constante das torturas e perseguições, as histórias
tocavam agora direto nas feridas da ditadura. “Nos nervos, nos
fios”. Ainda deu tempo, inclusive, de tanto Glauber quanto Leon
produzirem as talvez obras-primas de ambos. Diretores surgiam; uns,
despontavam; outros, afirmavam-se. Nesse contexto, sobraram títulos
que, por restringirmos a 20, não puderam entrar na lista, mas que
merecem menção: “Barrela”, “Cidade Oculta”, “A Dama do
Cine Shangai”, “Quilombo”, “Um Trem Pras Estrelas”,
“Gabriela”, “Índia, a Filha do Sol”, “O Romance da
Empregada”, “Inocência”, sem falar nas produções televisivas
de Walter Avancini. Mas, com esses 20 não tem erro: só filmaços.
1 - “A Idade da
Terra”, Glauber Rocha (80) – Poesia total. O último e
criticado filme de Glauber, fábula sobre as possíveis vidas e
mortes de Cristo num Brasil moderno, pode ser visto até como uma
metáfora visionária da morte do cineasta, que, entristecido com o
Brasil e com a recepção a seu filme, sucumbiu um ano depois de
lançá-lo. Esqueça os detratores: “A Idade...” é grande,
potente, cáustico, catártico, altamente filosófico. Um dia será
devidamente reconhecido.
2 - “Os 7
Gatinhos”, Neville D’Almeida (80) – Neville é daqueles
cineastas da “elite intelectual carioca” que só fala besteira e
produz coisas intragáveis e ininteligíveis, mas esse é um acerto
inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no
roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma
tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da
sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor
Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos
“caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste
longa referencial.
3 -“O
Beijo no Asfalto”, Bruno Barreto (80) – Outra feliz adaptação
de peça, outra feliz adaptação de Nelson Rodrigues. Essa, no
entanto, deixando de lado a linguagem metafórica e fantástica de
“Os 7 Gatinhos”, investe numa história contada com rigor e
direção segura, apoiada pelas ótimas atuações de todos: Ney,
Tarcisão, Daniel, Torloni, Lídia. Daqueles filmes que, se está
passando na TV, não se fixe por 15 segundos, pois senão acabarás
terminando de assisti-lo inevitavelmente.
4
- “Pixote, A Lei do Mais Fraco”,
Hector Babenco (80) – Babenco chega à maturidade de seu cinema e
faz o até hoje melhor trabalho de sua longa e regular filmografia.
Com ar de documentário, toma forma de um drama realista e trágico,
trazendo à tona mais uma mazela da sociedade brasileira: a
desassitência político-social às crianças e a violência urbana.
O pequeno Fernando, que, ao interpretar Pixote, faz bem dizer ele
mesmo, nos emociona e nos entristece. Marília está num dos papeis
mais espetaculares da história. Indicado ao Globo de Ouro e vencedor
do New
York Film Critics Circle Awards (além de Locarno e San Sebastian), é
considerado dos filmes essenciais dos anos 80 no mundo.
5 - “Eles não
Usam Black Tie”, Leon Hirszman (81) – Como um “Batalha de
Argel” e “Alemanha Ano Zero”, é uma ficção que se mistura
com a realidade, e neste caso, por vários fatores. Adaptação para
o cinema da peça dos anos 50 de Gianfrancesco Guarnieri sobre uma
greve e a repressão política decorrente, transpõe para a realidade
da época do filme, de Abertura Política e ânsia pela democracia,
retratando as greves no ABC Paulista. E ainda: tem o próprio
Guarnieri como ator, que, segundo relatos, codirigiu o filme. Filme
lindo, que remete a Eisenstein e Petri. Música original da peça de
58 de autoria de Adoniran Barbosa. Prêmio do Júri em Veneza.
6 - “Sargento
Getúlio”, Hermano Penna (81) – Pouco lembrado, mas talvez o
melhor filme nacional da década. Adaptação do romance de João
Ubaldo, dá ares de tragédia shakesperiana à história em plenos
sertão e Ditadura Militar. Crítico, poético e altamente literário,
sem deixar o aspecto fílmico de lado, haja vista a fotografia,
cenografia e a arte primorosos. E o que dizer de Lima Duarte, Melhor
Ator em Gramado, Havana e APCA? Ponha sua atuação entre as 20
maiores do cinema mundial sem pestanejar. Ainda levou Melhor Filme e
Crítica em Gramado.
7 - “O Homem
que Virou Suco”, João Batista de Andrade (81) – A forte
atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e
Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e
“Morte e Vida Severina”, leva o filme conta a história do poeta
popular, o nordestino Deraldo, quer tenta viver em São Paulo de sua
arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas
raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor
Filme em Moscou e Nevers.
8 - “Bar
Esperança, O Último que Fecha”, Hugo Carvana (82) – Poético
e divertido, “Bar...” é o típico filme do novo Brasil que se
construía com a Abertura, o que significava transformações
irrefreáveis, como o avanço da modernidade e a morte da antiga
boemia poética. Junto com a companhia Asdrúbal Trouxe o Trambone,
lançou toda a geração de atores que viriam a desembocar na TV
Pirata e afins e no cinema que se constituiu no Brasil na
pós-retomada. Cenas memoráveis, atuações impecáveis, diálogos
idem. Música-tema de Caetano com Gal Costa. Vários prêmios em
Gramado. Uma joia.
9 - “Pra
Frente, Brasil”, Roberto Faria (82) – Tijolaço na cara da
ditadura, que, embora mais branda, ainda se mantinha no governo
Figueiredo. Corajoso e sem dó, evidencia a desumanidade do regime
militar ao contar a história de um homem confundido com um
“subversivo” e que é dura e aleatoriamente torturado, fazendo um
paralelo com o clima festivo da Copa de 70. Primeiramente proibido
pela censura, depois de liberado arrebatou Gramado (Filme e Edição)
e levou prêmio em Berlim, entre outras premiações e indicações.
10 -“Nunca
Fomos Tão Felizes”, Murilo Salles (84) – O letreiro inicial
diz tudo, quando o título do filme se constrói de forma a se
entender “Tão Felizes Nunca Fomos”. Estocada forte na Ditadura,
rodado no último ano do Governo Militar, conta a história de um
filho de um misterioso militante político que é retirado de um
colégio interno para viver temporariamente num moderno e entediante
apartamento. Alto nível técnico. Arrebatou Brasília e prêmio da
Crítica em Gramado.
11 - “Verdes
Anos”, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil (84) – O cinema
gaúcho, encabeçado pela galera da Casa de Cinema, começava nos 80
a mostrar suas qualidades: roteiros tratados literariamente, ares de
cult movie europeu, técnicos competentes e sotaque diferente do
“carioquês” ou “paulistês” que todos eram acostumados a
ouvir no cinema nacional. Um sopro de criatividade que revolucionaria
o audiovisual brasileiro a partir dos anos 90. Tema musical clássico
de Nei Lisboa.
12 - ”Cabra
Marcado para Morrer”, Eduardo Coutinho (84) – Mestre do
documentário mundial, Coutinho não se entregava mesmo quando
parecia impossível. “Cabra...”, um dos maiores filmes do gênero,
é um documentário do documentário. Interrompido em 1964 pelo
governo militar, narra a vida do líder camponês João Pedro
Teixeira e teve suas filmagens retomadas 17 anos depois, introduzindo
na narrativa os porquês da lacuna. Premiado na Alemanha, França,
Cuba, Portugal e Brasil, onde conquistou Gramado e FestRio.
13 - “Memórias
do Cárcere”, Nelson Pereira dos Santos (84) – Prova de que
Nelson Pereira não tinha “perdido a mão” depois de erros e
acertos nos anos 70, se debruça novamente sobre Graciliano Ramos,
mas desta vez não como fizera com seu grande romance, “Vidas
Secas”, mas sobre o próprio escritor quando de sua prisão pelo
Governo Vargas. Um épico que ganhou prêmio da crítica em Cannes.
14 - “A Hora da
Estrela”, Suzana Amaral (85) – Exemplo de como se fazer um
filme pequeno, com baixo orçamento, mas de muito, muito esmero de
roteiro (baseado no forte texto de Clarice Lispector) e cenografia.
Cartaxo interpreta a inocente Macabéa, noutra atuação espetacular
dos anos 80 no cinema mundial, que a fez ganhar Urso de Prata em
Berlim, onde a diretora também ganhou prêmio da crítica. O filme
ainda levou tudo no Festival de Brasília.
15 -“O
Beijo da Mulher Aranha”, Hector Babenco (85) – Uma história
improvável em uma produção brasileiro-americana ainda mais
improvável de dar certo. Mas Babenco, talentoso e sensível, amarra
tudo com maestria. De roteiro primoroso, é mais uma pungente crítica
ao Governo Militar e que tem nas atuações dos estrangeiros John
Hurt e Raul Julia e na dos brasileiros, Lewgoy, Sônia Braga e Milton
Gonçalves sua base. Cannes e Oscar de Ator para Hurt, mas concorreu
também a Filme, Direção e Roteiro na Academia e a Palma de Ouro.
16 - “O Homem
da Capa Preta”, Sérgio Rezende (86) – Na sua longa
filmografia, Rezende se especializou em rodar temas ligados à
história do Brasil. Porém o seu maior acerto é justamente o
primeiro com esta temática. Sobre o controverso político de Duque
de Caxias, Tenório Cavalcanti (Wilker, incrível), é um exemplo a
se seguir de cinebiografias, as quais hoje tanto se fazem mas que
resvalam na superficialidade. Grande vencedor de Gramado.
17 - “O Grande
Mentecapto”, Oswaldo Caldeira (86) – Das melhores comédias
do cinema nacional, filme mineiro que, na linha de “Verdes Anos”,
direcionou a produção a outros Estados que não Rio e SP, e que
sedimentou a geração TV Pirata (Diogo Vilella, LF Guimarães,
Regina Casé) numa história de Fernando Sabino ao mesmo tempo
deliciosa, cômica, poética e aventuresca. Um dos finais de filme
mais bonitos do cinema brasileiro. Trilha do Wagner Tiso marcante.
Melhor Filme pelo júri em Gramado e concorreu em Cuba, Canadá e
EUA.
18 - “Ópera do
Malandro”, Ruy Guerra (86) – Ruy é o cara que sempre
produziu com alto padrão de qualidade desde que surgiu, nos anos 60.
Em “Ópera...”, coprodução da Embrafilme com a França, ele
eleva ainda mais o nível. Numa adaptação da peça de Chico Buarque
(por sua vez, baseada em Brecht e Gay), ele se vale do apoio do amigo
e parceiro não só para os maravilhosos temas musicais como até
para os diálogos. Tiro certeiro. Musical que não te cansa, pois
integra tanto a cenografia às canções que todos os atores se saem
bem cantando.
19 - “Ele, O
Boto”, Walter Lima Jr, (87) – Lenda popular e realidade se
misturam nessa fábula contada com muita poesia sobre a beleza do
imaginário e da sexualidade feminino, tema que Lima Jr. recuperaria
10 anos depois em “A Ostra e o Vento”. Dos primeiros filmes
brasileiros que me arrebataram. Nunca me esqueci da lindeza da
fotografia das cenas noturnas, com a claridade (muito bem
fotografada) da lua na praia. Outra ótima trilha de Tiso.
20 - “Faca de
Dois Gumes”, Murilo Salles (89) – Terminando a década,
Murilo acerta a mão em cheio de novo, desta vez adaptando
Best-seller de Sabino. O resultado é um drama policial potente e não
menos crítico no que se refere ao sistema. Atuações memoráveis de
José Lewgoy, Pedro Vasconcelos e Paulo José, principalmente.
Direção, Fotografia e prêmios técnicos em Gramado, além de Filme
em Natal e Rio.
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Embora goste menos
desses títulos ou até não goste de alguns, acho justo, por uma
questão jornalística e histórica, ao menos citá-los, pois cada um
tem seu grau de importância dentro do período dos anos 60, 70 e 80
que abordamos:
60: “Macunaíma”
(Joaquim Pedro, 69); “Cara a Cara” (Bressane, 67); “A Falecida”
(Leon, 65); “Porto das Caixas” (Saraceni, 62); “Bahia de Todos
os Santos” (Triguerinho, 60); “A Grande Feira” (Pires, 61); “A
Grande Cidade” (Cacá, 66)
Eu me escorando num dos pilares da "Ruína" de Lichtenstein
Numa
rápida passagem por Belo Horizonte antes de irmos a Ouro Preto, Leocádia e eu pudemos desfrutar de algumas coisas boas da capital
mineira. Conhecemos o mítico bairro Santa Tereza, berço do Clube da
Esquina de Milton Nascimento, Lô Borges, Fernando Brant, Wagner Tiso
e tantos outros talentos; almoçamos no colorido Mercado Central no
tradicional – e concorrido – restaurante Casa Cheia; e ainda
conhecemos alguns das obras de Oscar Niemeyer no Complexo da
Pampulha: o Museu de Arte, a Casa de Baile e a deslumbrante Igreja
São Francisco, embrionárias da arquitetura moderna.
O impactante óleo
"Cabeças Grandes"
de Picasso
Porém,
para nossa surpresa e felicidade, fomos recomendados por um francês
dono do hostel onde nos hospedamos a visitar uma exposição no CCBB,
num lindo prédio art nouveau dos anos 20 (antigo Comando
Geral das Forças Revolucionárias, durante a Revolução de 1930),
na Praça da Liberdade, centrão da cidade. Até tínhamos ideia de
ir a alguma exposição, mas quando ele nos mencionou que, nesta em
especial, haveria obras de Andy Warhol, Pablo Picasso e Jean-Michel Basquiat providenciamos logo de incluir em nosso roteiro. A tal
mostra é "Visões na Coleção Ludwig", que reúne 70 obras provenientes do acervo do colecionador alemão Peter Ludwig, sediada
no Museu Estatal Russo de São Petersburgo, e o Cly Reis já havia
comentado aqui quando da passagem da mesma pelo Rio de Janeiro. Com
curadoria de Evgenia Petrova e Joseph Kiblitsky, conta com
obras-primas da arte pop, do neoexpressionismo alemão, do
fotorrealismo e outros movimentos de arte a partir dos anos 1960 até
hoje.
Boquiaberto com a obra
coassinada por
Basquiat e Warhol
Fora
os já citados, havia artistas que gostamos muito e de significância
para nosso universo ideológico, como o norte-americano Roy
Lichtenstein, numa gigante serigrafia pop art com clara
referência a Dalí e De Chirico; o alemão Joseph Beuys, cuja
escultura em bronze de 1949 (“Mulher animal”) traz seu
característico toque sarcástico; e o sueco Claes Ondenburg, a quem
Leocádia já conhecia me apresentou a obra “Banana-splits e
sorvetes de degustação”, pequena instalação em gesso, cerâmica
e aço que mina tanto o consumismo quanto as indústrias bélica,
alimentícia e do sexo. Com outros, vimos pela primeira vez (Robert
Rauschenberg, Anselm Kiefer, Claudio Bravo, Julia Zastava e George
Baselitz, por exemplo). Uns interessantes, outros, nem tanto; mas, de
um modo geral, bem legal. A começar pela impressionante tela a óleo
“Cabeça de criança” (1991), de Gottfried Helnwein, com 6,50m
tomados de hiperrealismo, que já nos saltara aos olhos no belo pátio
interno do prédio.
Escultura de Beuys,
sempre contundente
No
entanto, o que realmente nos impactou foram os mestres. Já na
primeira sala após a entrada, deparamo-nos com um enorme Picasso, o
óleo sobre tela “Cabeças grandes”, de 1969. Emocionante, de
tirar o fôlego. Tivemos certeza de estarmos diante de um feito
histórico, o que até agora, de certa forma, ainda não nos
recobramos. Afinal, ver um Picasso ao vivo é sempre uma experiência
incrível – só havia tido essa oportunidade em apenas duas
ocasiões no passado. Pintura que alia a natureza
figurativo-geométrica do cubismo a uma tocante liberdade no traço e
nas paletas dignas de um artista apaixonado por sua profissão e
totalmente maduro (o catalão morreria dali a apenas 4 anos). A
sensação de choque seguiu-nos logo ao lado: um Warhol, um retrato
do próprio Ludwig, imagem, inclusive, usada na arte oficial da
mostra. Uma serigrafia bem a seu estilo, com toques cubistas no corte
da figura em linhas geométricas, construindo-a em blocos de cores e
implicações psicológicas distintas, além de seu peculiar traço
(provavelmente, em giz) pincelando algumas linhas do desenho.
As simbólicas e nefastas taças de sorvete de Ondenburg
Mais
adiante, na terceira sala, ainda não refeitos do impacto de ver
essas peças, assim mais um Lichtenstein, um Beuys e outros bem
interessantes, uma nova maravilha: outro enorme óleo sobre tela,
este fruto da parceria entre Basquiat e Warhol, de 1984, ambos já
nos seus últimos anos de vida. Numa palavra: impressionante. Toda a
violência, inquietação e poesia do neo-expressionismo de Basquiat,
expostos sem concessões nas imagens borradas e inconclusas; nos
escritos que ora se completam, ora são propositadamente rabiscados;
nas figuras cadavéricas e sofridas; na referência ao grafite e à
arte urbana; na repetição doentia de elementos e símbolos. Tudo
isso, se mistura com naturalidade ao já mencionado traço warhiano:
a combinação vermelho-azul da raiz da pop art; o uso de
signos da publicidade e do cartoon. Os dois artistas conseguem
realizar uma feliz junção de referências, estilos e escolas: o
jovem Basquiat, com sua genialidade a serviço de uma desenfreada
busca inconsciente; e Warhol, experiente, doente e muito mais vivido
que o companheiro e cujas marcas que a vida impusera (boas e ruins)
se transportavam para as obras dessa última grande fase de sua
carreira.
A modelo Claudia Schiffer
em foto de Gunter Sachs
Visto
esses, o resto era só aproveitar. Já estava garantida a visitação.
Ainda tivemos a oportunidade de ver a clássica “Cleópatra Claudia
Schiffer”, foto publicitário-artística do alemão Gunter Sachs
que virou referência nas revistas de moda nos anos 90. Enfim, uma
boa indicação que recebemos e que fazemos a quem estiver ou for à
gostosa Beagá.
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Visões
na Coleção Ludwig
Visitaçãoaté 20 de outubro, de quarta a segunda das 9h às 21h
Local:Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte - CCBB