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terça-feira, 22 de agosto de 2023

cotidianas #805 - "Quinze Anos"


arte integrante da capa do álbum
"Vivendo e Não Aprendendo"
do grupo Ira!, por Camila Trajber

Quando me sinto assim
Volto a ter quinze anos
Começando tudo de novo
Vou me apanhar sorrindo

Seu amor hoje
Me alimentará amanhã

Eis o homem
Que se apanha chorando

Vivendo e não aprendendo
Eis o homem, este sou eu
Que se diz seguro
Que se diz maduro

Seu amor hoje
Me alimentará amanhã

Eis o homem
Que se apanha chorando

Vivendo e não aprendendo
Eis homem, este sou eu
Que se diz seguro
Que se diz maduro

Seu amor hoje
Me alimentará amanhã

Eis o homem
Que se apanha chorando

★★★★★★★
"Quinze Anos"
canção da banda Ira!
(letra: Ricardo Gasparini e Edgar Scandurra)

★★★★★★★
Ouça:

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

“Pequeno Cidadão” - Arnaldo Antunes, Antonio Pinto, Edgar Scandurra e Ticiana Barros (2009)




“É sinal de educação
Fazer sua obrigação
Para ter o seu direito
de pequeno cidadão”.
refrão da música "Pequeno Cidadão"




Por um bom tempo, parecia que os memoráveis especiais de música infantil da Globo, os quais geralmente viravam LP’s de grande sucesso de público e vendas, tinham terminado. Do final dos anos 80 até a entrada do século XXI, estes ricos especiais como "A Arca de Noé" ou “Pirlimpimpim” sumiram das telas e das lojas – à exceção de “Castelo Rá-Tim-Bum”, único resistente dos anos 90. No mesmo período, não tão coincidentemente assim, os pequenos passaram a ficar cada vez mais emburrecidos pela computadorização limitadora do conteúdo educativo-cultural, desassistidos pelo desleixo das escolas e perdidos entre a superproteção e o desinteresse da “nova família” brasileira de classe média. Espaço para a criatividade, para o exercício do lúdico, para a valorização das coisas bonitas da vida – amigos, família, natureza, arte – restaram escanteados. Para que lançar produtos que elevam essas coisas “do passado”, já que não tem consumidor para tal? Resultado: desvalorização e consequente idiotização da criança.

A salvação veio a pouco mais de 10 anos pelas mãos dos paulistas da geração anos 80 – alguns dos responsáveis por, na minha infância/adolescência, fazerem-me aprender a gostar de música. São eles os criadores de um dos melhores exemplos de uma nova visão da condição infantil: “Pequeno Cidadão”. Desde este primeiro CD do conjunto, lançado em 2009, reúnem pais músicos e “mais um monte de filhos”, como eles mesmos dizem. Os protagonistas são alguns dos principais nomes da música brasileira daquela década para cá: o ex-Titã Arnaldo Antunes, o cabeça do Ira! Edgar Scandurra, a ex-Gang 90 Ticiana Barros e o multi-instrumentista Antonio Pinto (autor de várias e ótimas trilhas sonoras de filmes como “Cidade de Deus”, “Central do Brasil” e “Colateral”).

O grupo faz um som baseado no rock mas que investe também na psicodelia e nos ritmos brasileiros, passando pelo pop, funk e eletrônico. Conceitualmente, “Pequeno Cidadão” encerra a ideia de uma educação infanto-juvenil comprometida com o ser humano e com o planeta, sem perder o lado legal da brincadeira e da modernidade – ou seja, sem deixar esse “comprometimento” virar uma coisa chata e somente pró-forma. As músicas trazem como temas coisas normais (ou que deveriam ser normais) do universo infantil: alegrias, dúvidas, bichos, desafios, tristezas e aquilo que move a todos (ou deveria mover): amor. Afinal, criança não precisa de música bobinha: ela pode muito bem curtir um rock ‘n’ roll com poesia que lhe faça pensar. Multiplataforma e ativo, “Pequeno Cidadão” é, no entanto, mais do que apenas só música: o projeto conta com um segundo CD (2012), um precioso DVD de animações de todas as faixas do primeiro volume e quatro livros temáticos, além de jornal online e várias ações culturais que promovem em São Paulo. Tudo com ilustrações de Jimmy Leroy, que dá uma assinatura plástica muito peculiar em todos os materiais.

Uma das lindas artes de Jimmy Leroy.
Pontapé inicial do projeto, este CD começa pela faixa que lhe dá nome e que, de certa forma, o sintetiza, pois expressa a ideia de formar uma criança com responsabilidades mas a deixando ser aquilo que ela é: criança. E como Vinícius de Moraes ensinou: não duvidando da inteligência delas. Arnaldo, acostumado a escrever para esse público desde os Titãs, pratica isso se valendo de figuras de linguagem como anáforas, repetições no início de cada frase, e, principalmente, de anástrofes – e aí está já uma das sacadas pedagógicas da turma: mostrar para a criança a riqueza da língua portuguesa. A anástrofe é um caso especial dentro de nossa gramática, pois usa a inversão de maneira incomum: trocando sujeito e predicado, surpreende com a lógica que forma. Na letra, tudo que é brincadeira vira dever e vice-versa, estabelecendo uma dialética de correlação e não de condicionamento entre ambos. Por exemplo, o verso “Agora pode fazer a lição” ganha sentido de um consenso entre pais e filhos e não de obrigação como geralmente se entende daquilo que não é diversão. Em contrapartida, “Agora tem que jogar videogame” passa a ter a ideia de um convite à brincadeira, rejeitando o famigerado “tenke” imposto pelos mais velhos. Além de tudo, a música é um rock embalado e pegajoso, cujo gostoso refrão o resume clara e brilhantemente: “É sinal de educação/ Fazer sua obrigação/ Para ter o seu direito de pequeno cidadão”.

Antonio Pinto, coautor da primeira faixa, assina com Ticiana uma das mais lindas canções (infantis? De amor? Da música brasileira deste século?) do álbum: “O Sol e a Lua”. A música emociona a mim e a muitas pessoas que conheço, sejam crianças ou adultos. É um pop-rock cantado por ele e por um dos meninos, além do coro das crianças no refrão e das recitações na voz grave de Arnaldo. Voltada para os mais crescidinhos, fala sobre um acontecimento que ocorre com todo mundo na pré-adolescência: o amor não retribuído, aqui personificando nos dois astros. Apaixonado, o Sol pediu a Lua em casamento e disse que lhe amava há muito tempo, mas a Lua respondeu que seu coração não pertencia a ninguém, pois ela só servia para inspirar os casais, “dos grandes poetas aos mais normais”. O Astro-Rei, claro, ficou na fossa. Desesperado, foi pedir ajuda até para o Vento, que, apressado, nem parou para lhe escutar. Foi então que: “O Sol sem saber mais o que fazer/ Tanto amor pra dar/ E começou a chorar/ E a derreter/ E começou a chover, e a molhar/ E a escurecer”. E não é assim mesmo que nos sentimos quando ficamos tristes por amor: derretidos e sem brilho? No final, o consolo dito na delicadeza da voz infantil: “Se a Lua não te quer, tudo bem/ Você é lindo, cara/ E seu brilho vai muito mais além/ Um dia você vai encontrar alguém que com certeza vai te amar também”. Poesia da maior singeleza.

A doce canção de ninar “Meu Anjinho”, de Ticiana (“E aqui dentro/ no escurinho/ nos braços desta canção/ vou te ninar...”), se alinha à outra das ótimas do disco, o gostoso xote “Leitinho”, a qual traz a mensagem de que “um leitinho é muito bom” pro bebê e pros pais, pois, depois, vem aquele compensador “soninho” que descansa toda a família. Impossível não lembrar-me de uma vez com minha sobrinha Luna ainda pequena, com pouco mais de um ano, quando cantei essa música para ela, sabendo que gostava e que seu pai, meu irmão, costumava cantar-lhe e pô-la para ouvirem. A surpresa pura que ela ficou quando identificou que era a mesma música que o papai cantava foi engraçado e emocionante.

A funkeada “O ‘X’” e a agitada “Sobe Desce” são pura diversão, duas brincadeiras com palavras, letras e suas sonoridades. Mais pedagógica e profunda é “Tchau, Chupeta” (de Ticiana e Arnaldo), que versa sobre uma das maiores revoluções pessoais pela qual o passamos na infância: o momento de largar o bico. O complexo tema, que especialistas há muito discutem – os limites da chamada “fase oral” e a troca (nem sempre exitosa) de um substituto simbólico do seio materno –, é colocado de uma forma absolutamente poética e lúdica, propondo à criança nesse necessário rompimento o desapego em nome de uma nova fase de vida. “Todo mundo tem seu tempo de mamar”, diz um dos versos. Graciosa, a letra lança várias suposições de forma a demonstrar à criança que a chupeta não combina mais com alguém que não é mais neném: “Já pensou uma mãe chupando chupeta?/ Já pensou um pai chupando chupeta?/ E uma vó de bobs e chupeta?/ E um vovô de bengala e chupeta?”. E a proposta para deixar a tal peta? Libertar-se dela jogando-a no mar para, enfim, poder cantar “sem uma tampa de borracha pra atrapalhar”. O assunto é tão importante e passível de desdobramentos que virou um dos livros do projeto, de 2011 (Ed. Leya).
A banda Pequeno Cidadão, com os grandes e os baixinhos.

O tom educativo segue de outras formas. Tem as ecológicas “O Uirapuru”, bossa-nova que remete à “Passaredo”, de Chico Buarque, e a “Passarim”, de Tom Jobim, revelando a beleza linguística quase despercebida pelos brasileiros do tupi-guarani; e “Sapo-Boi”, um divertido rock ‘n’ roll urbano de Scandurra cantado por seu filho Lucas: “Se eu fosse o prefeito aqui da capital/ Pegava o sapo-boi e espalhava pela marginal (...)/ A dengue não passa de um mês/ pois o mosquito é o prato da vez”. Por falar em bichos, a punk-rock “Larga a Lagartixa”, além de ser mais uma quebra de paradigma – afinal, é saudável criança também gostar de barulho –, é igualmente educativa, uma vez que a frase principal, dita da forma acelerada para acompanhar o ritmo frenético, torna-se um trava-línguas, bom exercício para a garotada treinar a dicção.

Outra das mais queridas do disco é "Bonequinha do Papai", a qual minha sobrinha Luna gosta até hoje. Tecno bem dançante, põe a meninada na pista! Alem do mais, seu premiado videoclipe, algo como um retrô-futurista com desenhos estilo anos 20 (mas com uma animação dinâmica e moderna), é uma verdadeira obra-de-arte, o qual assisti pela primeira vez no Dia Internacional da Animação, em 2010.

Mas, claro, não podia faltar o futebol, esporte tão gostado no Brasil e praticado por meninos e meninas. Identifico-me com as duas faixas que tratam desse tema por trazerem-me lembranças de tempos passados. A primeira é mais uma bossa-nova: “Futezinho na Escola”, motivadora de outro dos livros do projeto, “1 drible, 2 dribles, 3 dribles — A história do futebol e outras informações interessantes”, de Marcelo Rubens Paiva (Companhia das Letrinhas, 2014). Nela, Scandurra aborda o que a mim era um corriqueiro hábito no 1º Grau: bater uma bola com os colegas na cancha da escola antes de começar os estudos. A letra descreve com muita sensibilidade as sensações e a dinâmica de um jogo: “O último lance, vâmo logo, passa a bola/ Recebi, quase perdi pro ladrão que eu nem vi/ Chegou primeiro pedalei e passei/ Chegou o segundo e eu também driblei/ Veio o terceiro e eu fiz uma tabela/ Tô livre parceiro, vou chutar de trivela/ É gol!”. Mas tem a hora do divertimento e a do dever. Acaba-se o jogo rapidinho, pois agora é preciso correr para ir a outro compromisso: a aula de português.

Tratando ainda do esporte bretão e fechando o disco, "Carrinho por Trás" é mais uma de Scandurra e novamente um samba. Neste caso, um partido-alto. Com uma pegada carioca e eletrônica, faz-me recordar de outra época, esta, da adolescência, quando jogávamos nos campos de várzea com nosso time de amigos, a Juventus. O universo das peladas é muito bem captado pelo compositor, que pega como mote um dos polêmicos lances que acontecem nas partidas: o carrinho (segundo a definição de Rubens Paiva, extraída do livro: “o jogador se lança no gramado e, deslizando pelo chão, tenta tirar a bola do adversário, arremessando os pés na direção dele.”). Como pode acarretar em uma jogada violenta, o carrinho é mal visto, ainda mais que nem todo jogador tem boas intenções e nem todo zagueiro tem habilidade para executá-lo. Eu, da posição, tenho lá minhas dificuldades, confesso. Porém, a canção fala sobre um defensor que entende do negócio: “O carrinho é perigoso/ No mínimo um tanto suspeito/ Mas se você acerta na bola/ É aplaudido com muito respeito”. João Nogueira merecia estar vivo para gravar essa música. Como extra, ainda tem “Pererê”, com participação do cartunista e escritor Ziraldo declamando um texto seu.

Ao escutar uma obra como essa, fica a sensação de que nem tudo está perdido no que se refere a conteúdo cultural para criança. Afora “Pequeno Cidadão”, outro projeto da mesma época, Adriana Partimpim, da cantora e compositora Adriana Calcanhoto, também teve continuidade e conquistou o público. No meu círculo, percebo, inclusive, que não são poucas as crianças que gostam de um ou de outro, desde Luna até outros pequenos que conheço como Bento, Dora e Gabriel. Bom sinal. Sinal de que há uma geraçãozinha aí antenada e bem orientada. Além disso, de que existe uma consciência do valor das coisas importantes da vida (muitas vezes, as simples), que não se resumem a consumo e tecnologia. Iniciativas como estas se mostram sintonizadas com tal mentalidade. E neste Dia das Crianças, é um alento perceber gente consciente de que, para se exercer a cidadania no mundo de hoje, começa-se desde cedo.
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FAIXAS:
1. Pequeno Cidadão
2. O Sol e a Lua
3. Meu Anjinho
4. Futezinho na Escola
5. O ´x´
6. Tchau Chupeta
7. Sapo-boi
8. Leitinho
9. Larga a Lagartixa
10. O Uirapuru
11. Sobe Desce
12. Bonequinha do Papai
13. Carrinho Por Trás
14. Pererê (extra)

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OUÇA O DISCO E VEJA OS CLIPES:



terça-feira, 15 de setembro de 2015

"Joy Division: Unknown Pleasures", de Peter Hook - Ed. Seoman (2015)





"Este livro é a verdade,
somente a verdade
e nada mais que a verdade...
do modo como me lembro."
Peter Hook




Comprei há poucos dias a biografia, "Joy Division: Unknown Pleasures", que aabou de sair no Brasil, escrita por ninguém menos que seu baixista, Peter Hook. Na verdade, apesar de ser um amante de música, não era muito de biografias de bandas e cantores até pouco tempo atrás quando li a muito boa "There's A Light That Never Goes Out - A Biografia", dos Smiths que, não somente pela história da banda em si, mas também pela boa estruturação e escrita, me despertou esse novo hábito. No caso desta do Joy Division, uma das bandas mais cultuadas de todos os tempos, o que me estimulou a querer lê-la é o fato de ser escrita por um dos integrantes, um cara inteligente, autêntico e bem articulado (polêmico, também) que tem grande possibilidade de produzir um bom material escrito. Além do mais, pelas informações que tenho do livro, parece que Hook em "Unknown Pleasures" traz uma abordagem nostálgica e carinhosa da época e dos integrantes, esquecendo em parte todo o desconforto que existe atualmente com seus ex-colegas deJoy Division/New Order. É lógico que a visão positiva do autor sobre aquele momento não o faz esquecer os momentos duros e difíceis do temperamento do vocalista e amigo Ian Curtis, seus problemas de saúde e o fatídico suicídio, mas só o fato de não ter uma disposição meramente rancorosa, privilegiando, como ele mesmo diz na introdução os fatos como ele lembra, já tornam a biografia recomendável para os fãs.
Como ingrediente extra, como se não bastasse tudo, o livro tem ainda um interessante prefácio de Edgar Scandurra, do Ira!, cara que com certeza, pelas raízes, viveu a cena pós-punk paulistana e de uma forma ou de outra, como a maioria das bandas dos anos 80, teve um pouquinho de Joy Division no DNA.
Por ser o autor quem é, um dos membros, um dos caras que estava ali todo o tempo, vivendo as coisas, convivendo com o instável Ian Curtis, e pela proposta tão corajosa e verdadeira, desde já, "Unknown Pleasures" me parece um documento indispensável pra qualquer fã desta banda que parece, ainda hoje, uma espécie de entidade, algo que não é apenas musical, algo que está entre nós de alguma forma. Poucos conseguiram isso até o hoje. E por isso o Joy Division goza de tamanho respeito e admiração em todos os segmentos do meio musical pop/rock. É uma verdadeira lenda e o legal de "Unknown Pleasures" é que, ao que aprece, Peter Hook não vem disposto a desfazê-la e sim a revelá-la ainda maior.



Cly Reis






quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

cotidianas #270 - Carrinho por Trás



"Recebeu a bola, seguiu pelo meio, passou por um ponta que atravessou a meia cancha.
Deu um drible certeiro perseguido pelo zagueiro que meu Deus!
Violentamente deu um carrinho por trás"



arte do videoclipe da música "Carrinho por Trás"
Não foi nada demais, foi um carrinho por trás
Não foi nada demais, foi um carrinho por trás

O jogo tava animado
Cada um dando o melhor de si
O time adversário quase profissional
O cara tava sozinho
Sozinho de frente pro gol
Mas não foi nada demais, só foi um carrinho por trás

Eu falei pro juíz:
Não foi nada demais, foi um carrinho por trás
Não foi nada demais, foi um carrinho por trás

Por isso ouça meu conselho
Meu caro amigo boleiro
Quem apela pro carrinho
Vai mais cedo pro chuveiro

O carrinho é perigoso
No mínimo um tanto suspeito
Mas se você acerta na bola
É aplaudido com muito respeito

Eu falei pro juíz:
Não foi nada demais, foi um carrinho por trás
Não foi nada demais, foi um carrinho por trás
Não foi nada demais, foi um carrinho por trás






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letra da música "Carrinho Por  Trás"
do projeto Pequeno Cidadão
composto por Arnaldo Antunes, Edgar Scandurra, Taciana Barros e Antônio Pinto

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Ira! - "Vivendo e Não Aprendendo" (1986)


“O Edgard senta na mesa e diz assim: ‘Olha, não é nada disso, não tem nada dessa história de rebeldia juvenil. Realmente é um preconceito contra a invasão de nordestinos, era o que eu estava pensando na época e foi isso o que eu quis dizer mesmo, eu não agüentava essa coisa de música baiana, de Caetano, de Gil'. Na hora, esse foi mais um dos insights que eu tive. Puta que o pariu, defendi durante anos essa letra, carreguei essa cruz. Agora, naquele dia, eu saí de lá falando assim ‘eu nunca mais canto essa música.’ ”
Nasi, à Revista Trip em 2008
sobre a música “Pobre Paulista”


Um dos melhores discos do rock nacional.
Mais um daquela safra brilhante da metade da década de 80 que inclui o "Dois" do Legião, o "Cabeça Dinossauro" dos Titãs, o "Selvagem?" dos Paralamas, o Capital Inicial com seu disco de mesmo nome, entre outros bons que apareceram por ali.
“Vivendo e não Aprendendo” do Ira! era a afirmação de uma banda que havia aparecido bem no seu primeiro trabalho, “Mudança de Comportamento” de 1985, mas que então ganhava o respeito definitivo de público e crítica. Mais do que isso, era a afirmação Edgar Scandurra como o melhor guitarrista brasileiro dos últimos tempos e com certeza o melhor daquela geração. Músico capaz de riffs agressivos como o da espetacular “Dias de Luta”, melodias ternas como a da melancólica “Quinze Anos”, ou referenciais como em “Envelheço na Cidade”.
Nas composições de Scandurra pela voz de Marcos Valadão, conhecido como Nasi, o Ira! proporcionava com “Vivendo e não Aprendendo”, retratos urbanos recheados de imagens, sentimento coletivo e realidade cotidiana. A confusão da cidade, a violência, as multidões, as paixões e os desencontros na ótima "Vitrine Viva" com sua linha de baixo forte e matadora; a alienação, o dinheiro, a indignação na punkzinha “Nas Ruas”; o preconceito pueril de Edgar Scandurra em “Pobre Paulista (“não quero ver mais essa gente feia / não quero ver mais os ignorantes / só quero ver gente da minha terra / eu quero ver gente do meu sangue”); e o grito coletivo de desemprego, fome poluição de “Gritos na Multidão” são exemplos perfeitos desse desenho musical social proposto pelo Ira!.
No entanto, o grande sucesso do disco, muito devido ao fato de fazer parte da trilha de uma novela, foi “Flores em Você”, canção de letra curta, que nas mãos do produtor Liminha ganhou um belíssimo arranjo de cordas que lhe conferiram toda uma grandiosidade e graça.
O Ira! nunca mais conseguiu produzir um álbum como este. Fez uma coisa boa aqui, outra ali, os integrantes principais, Nasi e Edgar envolveram-se em projetos paralelos interessantes mas o grupo nunca mais foi o mesmo. A obra excessivamente diversificada, atirando em todas as direções, fez com que nunca tivessem conseguido manter uma unidade de estilo ou de intenção e não conquistassem um grande público de fãs como foram os casos de Legião, Titãs, Capital. Talvez se tivessem se fixado um pouco mais em determinada linha, ou principalmente, se tivessem feito coisas próximas a este “Vivendo e Não Aprendendo”, tivessem se consolidado posteriormente e tivessem mantido o interesse do público por seu trabalho. Mas isso não é tudo e o Ira!, por mais que tenha sumido da grande mídia, sempre teve seu público fiel. O que importa é que certamente tratou-se de uma das grandes bandas do cenário nacional e que foi fundamental no alavancamento do rock brasileiro naquela metade de anos 80. Se teve seus erros, teve, mas teve seus acertos também, e que foram muitos.
Enfim... a vida é assim, é vivendo e aprendendo.

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FAIXAS:

01.  Envelheço Na Cidade 3:17
02. Casa De Papel 3:36
03. Dias De Luta 4:26
04. Tanto Quanto Eu 2:50
05. Vitrine Viva 2:20
06. Flores Em Você 1:54
07. Quinze Anos (Vivendo E Não Aprendendo) 2:40
08. Nas Ruas 4:17
09. Gritos Na Multidão 3:08
10. Pobre Paulista 4:57


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Ouça: