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quinta-feira, 26 de outubro de 2023

"Monstro", de Jennifer Kent (2005) vs. "O Babadook", de Jennifer Kent (2014)

 



Sabe aquela treinadora que fez um bom trabalho com um time limitado, mostrou serviço, competência mas não dava pra ganhar, aí teve reconhecimento e recebeu uma oportunidade num time maior? É mais ou menos o caso da diretora Jennifer Kent com o curta-metragem "Monstro", de (2005) e sua refilmagem, mais completa, o longa "O Babadook", de 2014.

O curta tem muitíssimos méritos e indubitavelmente se vê um bom trabalho ali, mas, claramente, foi o que deu pra fazer, até pela própria duração do projeto. Mas então, alguns anos depois, bancada por uma produtora maior, com mais orçamento, melhores condições técnicas, uma boa distribuição, Kent pôde aperfeiçoar sua ideia e entregou, nada menos que um dos grandes clássicos do terror dos últimos tempos.

A história é basicamente igual: uma mãe, cuidando sozinha de seu filho, duvida das histórias do garoto que alega que um homem assustador se abriga nos cantos ocultos da casa, no armário, debaixo da cama, na escadaria, pronto para pegá-lo. Só que aos poucos, com algumas evidências, sentindo a presença e com aparições do monstro também para a própria mãe, ela passa a acreditar e a lutar contra a criatura para livrar-se dela.

O primeiro filme é extremamente competente em nos apresentar esse cenário em dez minutos, partindo de um ponto de "normalidade" que ao mesmo tempo nos indica que alguma coisa não corre bem naquele lar, levanta a dúvida da existência do bicho, põe em cheque a sanidade mental do menino, cria a atmosfera de medo, e amplifica essa tensão até culminar num clímax de pavor. Tudo isso em uma edição ágil, precisa, e sob uma fotografia preto e branco sinistra e aterrorizante.


"Monster" (2005) - filme completo

Se no futebol, nem sempre posse de bola significa resultado, pois muitas vezes o time que fica menos tempo com ela é mais mortal, aqui faz toda a diferença: "O Babadook" é superior, em grande parte, por ter mais tempo de desenvolvimento. A diretora dispõe  mais tempo em detalhes, reforça situações com repetições, coloca mais elementos, e o espectador mergulha de maneira mais profunda na realidade daquele lar, do ambiente externo (vizinhança, trabalho, amigos, escola ..), na situação emocional da mãe, nos problemas de comportamento do garoto.

No curta, embora percebamos o desconforto da mãe, não conseguimos ter a dimensão da barra que ela vive cuidando sozinha do menino e como é difícil para ela lidar, não somente com as questões práticas do dia a dia (temos indicativos disso, como a cama molhada de urina, a casa bagunçada, louça por lavar...), como com os problemas relacionados aos pavores do filho.

Já na refilmagem, com mais tempo, com boa iluminação, com a maquiagem adequada, com uma atriz mais mais experiente, a mãe, Amélia, fica verdadeiramente exposta ao espectador. Uma personagem em frangalhos física e psicologicamente, uma viúva que, de uma hora para outra se vê diante do grande desafio de levar a vida sozinha, administrar a casa, cuidar do filho problemático, e ainda ter que aguentar as cobranças de se recuperar da perda do marido, voltar a ser alegre, estar apresentável...

Como se não bastasse tudo isso, o filho, Samuel, começa a ver coisas: um homem enorme, de preto, com dedos longos, usando uma espécie de cartola. O mesmo homem que está ilustrado num livro pop-up que, do nada, apareceu na casa deles. Amélia inicialmente acha que é bobagem, coisa de criança, primeiro não liga, depois ralha com o filho, logo, por conta de seu estado emocional, perde a paciência com o menino. Associa as inquietações do filho ao livro e tenta livrar-se dele mas o livro sempre reaparece. Pode jogar no lixo, rasgá-lo, queimá-lo, ele volta. Depois de também perceber a presença do monstro, sentir-se ameaçada por ele, embora tente lutar contra a criatura e tente expulsá-lo, começa cada vez mais a ser dominada por ele, ficar agressiva e dirigir essa agressividade para o filho.


"O Babadook" (2014) - trailer

"O Babadook" é mais do que um mero filme de terror. É um drama sobre maternidade com elementos de terror psicológico tão perturbadores que vão além do sobrenatural.

Todos os méritos para "Monstro" mas... não dá. Até guarda o seu por conta da excelente fotografia P&B, mas não resiste ao melhor futebol do adversário e deixa entrar. O primeiro, pelo melhor desenvolvimento da ideia original e complexidade do enredo;  e o segundo, pelo aperfeiçoamento do monstro, ainda mais sinistro e assustador, especialmente nas cenas em que se arrasta pelo teto, na que desce pela lareira e, na sequência final, quando se agiganta emergindo das sombras avançando contra os dois. A dupla de ataque guarda os seus: Essie Davis, como Amélia, tem excelente atuação e sua caracterização, desgrenhada, acabada, esgotada, é perfeita (3x1); e Samuel, o filho, vivido por Noah Wiseman, que consegue provocar no espectador um misto de piedade e irritação, garante com essa atuação brilhante mais um no placar. Virou goleada.

A técnica Jennifer Kent ainda faz uma substituição que lhe garante mais um gol: SAI o boneco, objeto perturbador do menino no primeiro filme, e ENTRA o livro, elemento que oferece mais possibilidades, mais alternativas visuais e dramáticas por conta dos desenhos pavorosos do monstro e dos textos ameaçadores da misteriosa publicação. Mais um para o Babadook!

O Monstro ainda desconta no finalzinho por conta de seu final mais interessante, mais plástico e sugestivo que o do longa, mas não é suficiente para uma reação.

Final: Monstro 2 x Babadook 5.

À esquerda, "Monstro", de 2005 e à direita, "O Babadook", de 2014


"Dook... Dook..."
Babadook bateu tanto, bateu tanto que Monstro
acabou deixando entrar na sua defesa.
"Let me in".







por Cly Reis





segunda-feira, 26 de agosto de 2019

ClyBlog 11 anos. Parabéns para nós!

O tempo passa... É, parece que foi ontem que começamos um blog meio sem saber o que queríamos, como fazer, o que colocaríamos nele e, hoje o nosso ClyBlog chega a seu décimo primeiro ano. Uma trajetória muito positiva que nos fez crescer junto com o blog. Crescer em conteúdo, conhecimento, ousadia, ambição, em criatividade, em qualidade. A plataforma que meramente nos propiciava a exposição de nossas produções criativas, escritas, visuais, gráficas ou quaisquer outras que pudessem se manifestar, nos possibilitou o reconhecimento destas manifestações artísticas em publicações literárias e gráficas, valorizando, sobremaneira, o conteúdo publicado no blog. Se antes utilizávamos nosso espaço para, humildemente, expormos nossas impressões pessoais sobre música, cinema e outros assuntos de nosso interesse, hoje, parceiros, amigos e convidados altamente qualificados se juntam a nós, alguns de forma constante e outros eventualmente, em ocasiões especias, dando suas colaborações nas mais diversas seções do nosso veículo, sempre demonstrando imensa satisfação em fazer parte do nosso projeto.  Além disso, as vivências e experiências de eventos, espetáculos, viagens, passeios, foram ampliadas trazendo mais variedade, informação e imagens em canais específicos para cada segmento. Ou seja, de 2008 para cá, o ClyBlog está cada vez melhor e mais interessante.
E tudo isso só se deve ao fato de que nós, as cabeças do ClyBlog, Daniel Rodrigues e eu, Cly Reis, continuamos pilhados, sempre estimulados, sempre a fim de fazer algo legal, algo diferente, acrescer qualidade, novidades, conteúdo instigante, coisas que sejam legais para o leitor, visitante ou seguidor porque seriam legais para nós. É isso que  fez com que o ClyBlog chegasse até aqui,aos 11 anos, e fará com que siga em frente, se depender de nós, ainda por muito tempo.
Nesses 11 anos tivemos um monte de coisas bacanas no ClyBlog: fomos a shows e contamos como foi, viajamos por diversos lugares e relatamos as experiências, fomos selecionados para publicações, , participamos de outros espaços em outras plataformas, tivemos convidados importantes escrevendo no ClyBlog... Enfim, foram muitos bons momentos. Não dá pra colocar todos aqui, afinal são 11 anos, mas dá pra destacar alguns. Assim, lembramos aqui um momento para cada ano desde o início do ClyBlog.



2008
Madonna no Maracanã - No ano da criação do ClyBlog, um dos momentos marcantes foi a volta da Rainha do Pop a terras brasileiras. A expectativa era grande mas o show não foi lá essas coisas. Mesmo assim, relatamos tudo, num dos primeiros ClyLive, a seção de shows do ClyBlog.

Madonna, show de constrangimentos
Vi no filme "Na Cama com Madonna" o trechos da turnê Blonde Ambition e fiquei fascinado. Quis ver aquilo! No entanto a turnê seguinte, que acabou passando pelo Brasil, foi a Girlie Show, que apesar de não ser tão boa quanto a anterior, de não ter os figurinos do Gaultier nem a performance libidinosa de "Like a Virgin" foi um belo espetáculo e me proporcionou boas surpresas.
Anos depois resolvi ir ver novamente a Madonna ao vivo pelo mero fato de ser a Madonna. Sabia já que o álbum "Hard Candy" era um horror porém guardava a expectativa de que o show, o espetáculo, o tudo, valesse a pena.
Olha, foi um circo do lamentável (...) Leia mais...




2009
Viagem ao Velho Continente: Em 2009, tive a oportunidade de ir à Europa e visitar algumas das cidades mais famosas do mundo e alguns dos destinos turísticos mais procurados. Estive em Paris, Londres, Roma, Florença e Veneza e, é claro, tudo foi para no ClyBlog, na nossa seção Arquivo de Viagem.

ARQUIVO DE VIAGEM: Europa
Aeroporto, mala, poltrona desconfortável, sono ruim, hotel, informações e é em inglês, em italiano e é em francês, e dá-lhe fotografia, fotografia, fotografia, e de novo hotel, e outro dia mais fotografia, e tome outro aeroporto, ou estação de trem, ou táxi, e outro hotel, e mais foto, foto, foto... É, isso é viajar! Mas é bom! E principalmente para a Europa que era uma antiga aspiração. O roteiro? Londres, Paris, Roma, Florença e Veneza.
A primeira parada, a terra da Rainha, que mais do que todas as outras eu tinha uma enorme vontade de conhecer por causa principalmente de toda a atmosfera rock do lugar, por causa das bandas que admiro ou mesmo por toda a influência musical e comportamental que exerce sobre grande parte do mundo, não me decepcionou (...) Leia mais...
LONDRES: Passeio por LondresFabric,  The Telegraph Pub
PARIS: Paris
ROMA: Roma
FLORENÇA: Florença
VENEZA: VenezaJazz em Veneza - Bàccaro Jazz



2010
Internacional Bicampeão da Libertadores - Neste ano, tive a felicidade de presenciar o segundo título de Libertadores da América do meu time do coração, o Sport Club Internacional, in loco, no Beira-Rio. E, como não podia deixar de ser, documentei a noite mágica do Bi da América para o ClyBlog.

Era uma vez na América (ou melhor, DUAS vezes)

Eu tinha assistido à semifinal contra o Olímpia em 89. Eu estava lá no Gigante. Não, não podia acontecer de novo.
Quando os mexicanos do Chivas fizeram o primeiro gol do jogo aquele filme de terror me veio à cabeça. E eu lá de novo. Seria EU o culpado? Teria, EU, me desbarrancado do Rio de Janeiro a Porto Alegre, sem ingresso na mão, desembarcando 4 horas antes do jogo, conseguido incrivelmente a tal entrada, tudo isso para EU dar azar pro eu time? (Torcedor pensa cada coisa, não?) Mas por certo não fui só eu. Outros devem ter pensado que aquilo estava acontecendo porque não usaram a mesma cueca, não conseguiram sentar no mesmo lugar no estádio, porque não seguiram determinados rituais, ou sabe-se lá mais o que; mas de todos estes não sei quantos ali haviam presenciado a maior "tragédia" do Beira-Rio. E eu estava lá (...) Leia mais...
Inter x Chivas
Museu do Inter




2011
"Screamadelica", do Primal Scream, ao vivo na íntegra - Enquanto na Cidade do Rock, rolava o Rock in Rio, com todas suas estrelas e nomes badalados, no Circo Voador, na Lapa, bem menos incensado, um dos discos mais importantes dos anos 90 e da história do rock era tocado na íntegra por uma das bandas mais influentes do pop rock britânico. O Primal Scream, liderado pelo dissidente do Jesus and Mary Chain, Bob Gillespie, celebrava o vigésimo aniversário de lançamento do álbum "Screamadelica" com um show sensacional que foi ainda mais especial uma vez que assisti na companhia de meu irmão, Daniel Rodrigues, que andava pelas bandas do Rio de Janeiro naquele momento. A cúpula do ClyBlog, curtindo junto um show tão especial como esse, só podia ser um dos grandes momentos de 2011.


Primal Scream - "Screamadelica 20th Anniversary Tour" - Circo Voador - Rio de Janeiro (23/09/2011)


Nesta última sexta-feira aconteceu a primeira noite de apresentações do Rock in Rio... Bom, e dai?
Azar de quem foi à tal Cidade do Rock e não estava na Lapa, como eu, delirando com o show da turnê de aniversário de 20 anos do álbum "Screamadelica" do Primal Scream.
Que Rock in Rio que nada! O verdadeiro rock no Rio de Janeiro estava acontecendo lá no Circo Voador. E se toda a cidade estava mobilizada para assistir às rihanas cláudiasleittes da vida, ali na Lapa, um pequeno grupo de fieis assistia a um show histórico, que diga-se de passagem, foi, com louvor, proporcionado por eles mesmos, que num esforço incomum fizeram trazer ao Rio uma atração que estava praticamente descartada para cá (...) 
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2012
O punk e a moda - 2012 marca o lançamento do livro "Anarquia na Passarela - A Influência do Movimento Punk nas Coleções de Moda", do irmão e parceiro de blog Daniel Rodrigues, como um dos fatos mais importantes daquele ano no ClyBlog. Um estudo profundo e criterioso sobre a música e a moda caminhando juntas, sem cair na chatice ou na mesmice com uma linguagem fácil e dinâmica. Eu posso até ser suspeito para elogiar por ser irmão, mas acho que o júri do Prêmio Açorianos, que consagrou o livro como melhor ensaio de literatura e humanidades tem isenção o suficiente.

"Anarquia na Passarela - A Influência do Movimento Punk nas Coleções de Moda", de Daniel Rodrigues (Ed. Dublinense, 2012)

(...) O livro é uma caixa de som! Sai música dele. Mas não só isso: dá vontade de usar aquela calça rasgada no joelho, de usar aquele bracelete de couro, uma camisa com dizeres desaforados...
Ele é extremamente bem fundamentado, estudado, repleto de referências, citações, com alto grau e profundidade de pesquisa mas passa longe de ser pedante e cansativo. Ele flui. Flui muitíssimo bem. 
Consegue conjugar um gosto pessoal musical, inequívoco e indesmentível, com muita informação, embasamento teórico e análise detalhada e  numa proporção perfeita e exata de modo a tornar a leitura absolutamente agradável e sempre interessante (...) Leia mais...

Anarquia em Porto Alegre - Noite de autógrafos de Daniel Rodrigues - Pinacoteca Café



2013
Álbuns Fundamentais Especial de 5 anos do ClyBlog - O quinto ano do ClyBlog foi marcado por uma série de comemorações e publicações especiais. Uma delas foi a participação especialíssima do ex-Replicante, Carlos Gerbase, na seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, falando sobre o cultuado disco de estreia da banda "O Futuro é Vortex". Tinha alguém mais autorizado a falar sobre o assunto?

Os Replicantes - "O Futuro é Vortex" (1986)

A palavra “Vortex” já significou muitas coisas na minha vida. Meu primeiro encontro com ela foi em meados dos anos 70, numa máquina de fliperama, aquelas antigas, de bolinha, imortalizadas no musical “Tommy”.  Os desenhos da máquina eram futuristas, misturando sexo e violência em doses perfeitas para a adolescência.  Na minha interpretação, esses desenhos representavam um planeta distante, cheio de monstros e mulheres maravilhosas. Eu jogava e, mesmo perdendo as cinco bolas rapidamente, curtia o visual (...) Leia mais...






2014
Copa do Mundo Rock - Era ano de Copa e o ClyBlog resolveu fazer a sua Copa do Mundo também. Só que a nossa foi uma Copa do Mundo Rock. Isso mesmo! Música contra música para descobrirmos qual a melhor obra de determinado artista. Em 2014 três bandas tiveram suas competições, The Cure, uma das favoritas dos donos do blog, Legião Urbana, também uma das nossas queridinhas, e, nada mais nada menos que os maiores de todos, os Beatles. "Comentaristas", jurados convidados decidiam os confrontos que eram sorteados e avançavam de fase, afunilando até a grande final. Foram copas com definições diferentes: resultado incontestável, favorito ganhando, decisão apertada... Enfim, um grande barato essa experiência músico-futebolística na qual quem ganhou, mesmo, foi quem acompanhou.

Copa do Mundo Rock

Qual a melhor maneira de escolher a melhor música de uma banda?
No clyblog a gente escolhe no mata-mata.
Vai começar a Copa do Mundo Rock (...)







2015
Tributo a Bukowski - Uma das coisas legais de 2015 foi outro acontecimento literário. Fui selecionado, com um conto, para integrar a coletânea "Big Buka", homenagem a Charles Bukoswki, escritor pelo qual tenho grande admiração, o que tornou ainda mais especial minha inclusão na publicação.

“Big Buka: para Charles Bukowski”, organização: Afobório (Vários Autores) - ed. Os Dez Melhores (2015)

A proposta nasceu ousada: homenagear o norte-americano Charles Bukowski , escritor de forte influência a vários outros, de grande apelo com o público e dono de um estilo muito peculiar, que vai da crueza de mau gosto e a putaria à mais doce beleza sentimental. Um homem que, por detrás da obscenidade e da contundência, era extremamente profundo, poético e comprometido com suas verdades. Assim, a coletânea "Big Buka: para Charles Bukowski" (ed. Os Dez Melhores, 2015), da qual soube do projeto ano passado, encarou o desafio de reunir dez textos que remetessem ao universo de Bukowski tanto em temática quanto em estilo. Para que tal funcionasse, contudo, os contos deveriam ser muito bem selecionados, uma vez que o risco de não corresponder à altura do mestre tornava-se um erro fácil de cometer (...)




2016
Juntos no mesmo livro - Eu já havia sido selecionado para algumas coletâneas de contos, Daniel já tinha seu próprio livro solo, mas em 2016, pela primeira vez integraríamos uma mesma publicação. Por meio de uma seletiva da editora Multifoco, contos nossos vieram a ser escolhidos para a antologia "Conte Uma Canção, vol. 2", que tinha como proposta a ligação do conto com determinada música. Posteriormente, naquele mesmo ano, promovemos um pequeno sarau, na sede da editora, no Rio de Janeiro, onde lemos nossos contos para convidados.

“Conte uma Canção – vol. 2”, organização Frodo Oliveira e Marla Figueiredo (Vários autores) – Ed. Multifoco (2016)

O Clyblog tem o orgulho de anunciar que mais uma vez nós, os editores-chefes deste espaço, Daniel Rodrigues e eu, Cly Reis, temos contos selecionados para publicações coletivas (...) Leia mais...

Já está nos pontos de venda a antologia “Conte uma Canção – vol. 2”, pela editora Multifoco, da qual meu irmão e editor deste blog, Cly Reis, e eu, subedidor, fazemos parte com um conto cada um. O livro teve lançamento no último dia 30, durante a 24ª Bienal do Livro de São Paulo, no Anhembi (...) Leia mais...

A ocasião era oportuna: meses após o lançamento da antologia "Conte Uma Canção - vol.2", da editora Multifoco, na qual participamos meu irmão Cly Reis e eu cada um com um conto, estaríamos juntos no Rio de Janeiro, sede da editora. Então, por que não fazermos um encontro que abordasse isso? Foi o que aconteceu no dia 16 de dezembro. A partir de uma ideia de Leocádia Costa, que nos deu o privilégio de fazer as honras, realizamos um sarau de leitura de ambos os contos no bistrô da própria Multifoco, na Lapa (...) Leia mais...





2017
Museu Nacional -O destaque de 2017 fica por conta da nostalgia, da lástima, da saudade, da falta que faz... Naquele ano eu visitava mais uma vez o Museu Nacional, recentemente devorado pelas chamas do descaso em um trágico incêndio, e o fazia, na ocasião, para o ClyBlog trazia, na ocasião o registro de seu acervo, sua beleza e importância. 

Museu Nacional / UFRJ - Rio de Janeiro / RJ

(...) Desta vez visitamos o Museu Nacional do Rio de Janeiro, na Quinta da Boa Vista, prédio histórico que serviu à Família Imperial brasileira no séc. XIX, que esteve meio abandonado, meio largado mas que agora, embora não na plenitude de suas condições, apresenta boas condições de visitação e um acervo muito significativo e em bom estado. O Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, é voltado à pesquisa científica, histórica e antropológica possuindo um acervo valiosíssimo em todos os seus segmentos. Possui, por exemplo, significativos fósseis de procedências diversas; registros materiais humanos de datas remotas; artefatos e relíquias de civilizações de diversos sítios; múmias de altíssimo valor histórico em ótimo estado de conservação; grande variedade de amostras animais e geológicos; e itens impressionantes como é o caso do meteorito encontrado na Bahia em 1784 exposto orgulhosamente logo na entrada do circuito (...) Leia mais...



2018
ClyBlog 10 anos - O décimo ano do ClyBlog foi comemorado com entusiasmo e durante os 12 meses do ano tivemos atrações em todos nosso segmentos, com diversos e qualificadíssimos convidados especiais em todas as áreas, como, entre outros, o diretor de teatro Cleiton Echeveste falando sobre Andrei Tarkovski, o fotógrafo Wladimyr Ungaretti apresentando-nos suas imagens que estimulam a imaginação, o ex-DeFalla Castor Daudt relatando um fato curioso com um ex-integrante do Joy Division e o músico Lucio Brancatto, inovando e destacando cinco discos de uma vez só num Super-Álbuns Fundamentais. Isso é que é aniversário. Assim vale a pena ficar mais velho.

Especiais de 10 anos no ClyBlog

Não é toda hora que se comemora dez anos, não é? E tratando-se de uma marca tão especial,conforme já adiantamos, 2018 terá uma série de atrações e participações especiais em várias seções do nosso blog. Convidados contarão histórias e desfilarão poesia nas nossas COTIDIANAS; falarão sobre seus discos preferidos e marcantes nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS; sobre grandes obras da literatura no LIDO; clássicos da sétima arte no CLAQUETE; mostrarão sua visão do mundo pelas lentes de suas câmeras na seção CLICK; e suas criações no CLYART; enfim, todos os nossos espaços estarão abertos às valiosas contribuições de nossos talentosos amigos. Então, fiquem ligados porque a partir de fevereiro, a qualquer momento poderá pintar uma das publicações especiais de 10 anos do ClyBlog. Posso garantir que vem coisa muito legal por aí.



2019
"Meia-Noite: Contos da Escuridão" -E 2019 ainda está na metade e já temos coisa boa: assim como em 2016, a pareceria se repete e Daniel e eu integraremos juntos novamente uma antologia de contos. Fomos recentemente selecionados para a coletânea "Meia-Noite: Contos da Escuridão", do selo Fantastic da editora Autografia, e teremos uma história arrepiante de cada um na publicação que será lançada daqui a alguns dias, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Além do aniversário, mais um motivo para comemorar.
Abaixo, matéria publicada no site Literatura RS sobre nossa participação na publicação.


Irmãos integram coletânea de contos de editora carioca
Dois autores gaúchos, os irmãos Daniel Rodrigues e Clayton Reis, foram selecionados para integrar a coletânea de contos de terror Meia-Noite: Contos da Escuridão, publicada pelo selo Fantastic da editora carioca Autografia. Organizada pelo editor Frodo Oliveira, a obra contou com processo seletivo no qual concorreram autores de todo o Brasil. Dentre os contos selecionados, estão Clichês, de Reis, e O Monstro do Armário, de Rodrigues. O livro será lançado em sessão de autógrafos no dia 4 de setembro, às 13h30min, durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro, no estande da editora (Pavilhão Verde, R32). Na ocasião, ambos os autores estarão presentes. (...) Leia mais...



ClyBlog 11 anos
Obrigado a todos os seguidores, amigos,
colaboradores e parceiros
que participam, visitam ou nos acompanham
nestes 11 anos de existência.




Cly Reis

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

"Hulk", de Ang Lee (2003) vs. "O Incrível Hulk", de Louis Leterrier (2008)




Não é exatamente de um remake, é mais um arrependimento. Depois de ver o resultado final de "Hulk", de 2003, sua baixa aceitação e fraca bilheteria, a Marvel, até para incluir no arco de seu Universo Cinematográfico que começara a se desenvolver a partir de "Homem de Ferro", resolveu fazer tudo de novo.. só que diferente. 
Mesmo contando com um belo orçamento, com um elenco interessante de nomes como Eric Bana, Jennifer Connely, Nick Nolte, e com um diretor de primeira, o oscarizado Ang Lee, o primeiro filme do monstrão verde não agradou a quase ninguém. A história até que era boa, explorando desde a origem, desde as experiências do pai de Bruce, resultando na mutação que o tornava resistente aos raios gama, só que desenvolvida de maneira um tanto atropelada, cheia de pontas soltas e bastante insatisfatória, como o próprio diretor, inclusive, admite. A linguagem visual também era bem interessante, remetendo diretamente às HQ's, com tela dividida, um colorido bem característico vivo e vibrante, fontes de texto típicas de HQ e onomatopeias na tela. O grande problema mesmo foram os efeitos especiais e, principalmente, o visual da criatura. 
Meu Deus!...
O Hulk, exatamente o elemento que deveria receber o maior cuidado, o melhor tratamento, parecia de borracha, totalmente artificial. Parecia um daqueles bonecos que se vende nos camelôs em época de Dia das Crianças ou Natal. Deprimente! Aí não teve jeito: o filme perdeu todo o crédito e toda a boa vontade por parte de crítica e público.
Já que ia começar, mesmo, um novo projeto, um universo contínuo, interligado e coerente entre os personagens, a Marvel, diante do insucesso do filme de origem do homem verde, resolveu refilmar o negócio todo, reformulando o elenco e trocando o diretor. É que nem aquele clube que investiu no time numa temporada, fez boas contratações, chamou um técnico de renome mas não ganhou nada e ainda foi malhado pela crônica esportiva. O que que o presidente do clube fez, então? Pra começar, contratou um gerente de futebol, que seria, no caso, o Kevin Feige, pra capitanear o projeto MCU. Com o novo manager à frente, contrataram um novo camisa 9, Edward Norton, pra ser o homem decisivo; alguém competente ali pro meio-campo, a simpática Liv Tyler, que não é nenhuma craque mas dá conta do recado; um cara ágil pra acelerar o jogo, o bom Tim Roth; e um medalhão, o veterano William Hurt, já com um prêmio de melhor do mundo FIFA nas costas (ou seja, um Oscar), pra ser aquele cara pra garantir a experiência do grupo. Pra conduzir o time, ao invés de apostar em nome de impacto, faixa no peito, taã no armário e coisa e tal, o novo diretor de futebol acabou optando por um técnico mais afeito com o tipo de jogo pretendido: correria, bola na área, marcação alta... Tiro, porrada e bomba, pra resumir. Louis Leterrier, não era nada de mais, nada brilhante, mas era acostumado com filmes de ação e, até por isso, o resultado final ficou bem mais aceitável. "O Incrível Hulk", de 2008, também não é nenhuma obra-prima mas atendia melhor as expectativas do estúdio e do público, que, até pela relação estabelecida com "Homem de Ferro" e a promessa implícita de um longa dos Vingadores, recebia bem melhor o novo projeto.
O reboot abria mão de toda a parte de origem do personagem, o que no original era crucial e ocupava boa parte do filme, para limitar-se a resumir todo o surgimento do Hulk ao longo os créditos iniciais, e daí já desembocar no momento em que, meses depois do incidente, nosso herói, alvo dos militares que desejavam o poder obtido na experiência, se escondia numa comunidade do Rio de Janeiro, tentando viver sua vidinha o mais normalmente possível, enquanto tenta descobrir uma forma de dominar permanentemente aquela coisa que quando surge de dentro dele, é incontrolável.
A sequência da perseguição na favela da Rocinha é eletrizante, a cena no campus da universidade é muito legal e a briga final entre o Hulk e o Abominável, o monstro em que o militar Blonsky, vivido por Tim Roth, se transforma, é, esta sim, digna de um filme de super-herói. Sem falar nos easter-eggs recheados de nostalgia: os olhão verdão arregalado de Banner, na primeira transformação, na fábrica, imitando a expressão de Bill Bixby, o Banner do seriado dos anos 70; a própria "aparição" de Bixby, já falecido, na tela de uma TV, na casa de Bruce; a participação de Lou Ferrigno, o fortão que fazia, sem efeitos especiais, o homem-verde na série, como segurança na faculdade; e uma breve mas significativa execução de "The Lonely Man Theme", aquela música triste que tocava no final da série quando, depois de transformado, reestabelecido como humano, o Dr. Banner seguia, sem destino por alguma estrada em busca de si mesmo e convivendo com aquele monstro que não sabia como controlar.

"Hulk" (2003) - trailer




"O Incrível Hulk" (2008) - trailer


Ampla vantagem para o filme novo: Edward Norton é muito mais jogador que Eric Bana, William Hurt, como General Ross, é muito melhor que Sam Elliot, no mesmo papel; o Abominável é um vilão muito mais fodão que o Homem-Absorvente (agora, veja só o nome...); o Hulk em si, sua figura, sua textura, sua interação com o ambiente, toda a CGI dão um banho de bola no antigo; e as referências ao seriado antigo...ah! aí desequilibra o jogo.
A namoradinha, Beth Ross é um caso à parte porque, se, por um lado, Jennifer Connely do filme de 2003 é mais atriz, por outro, a personagem da segunda versão é mais fiel, mais parceira, menos filhinha-do-papai.
A favor do primeiro filme temos o fato de esmiuçar as origens, a experiência, que levou à metamorfose; e, especialmente, a estética de histórias em quadrinhos que ficou muito show. Mas não é o suficiente. O "Incrível Hulk" de Louis Leterrier esmaga o "Hulk" de Ang Lee e vence facilmente.


Aqui, os principais destaques
das duas versões, lado a lado.


O Hulk de 2008 dá uma surra no Hulk de 2003 igual àquela que 
ele mesmo viria a dar no Loki em "Os Vingadores". 
Tratando como se fosse um boneco (e parecia ser mesmo, não?)
Vitória fácil do Verdão.
(Ah, os dois jogam de verde...)
Então, vitória do Incrível Verdão!





por Cly Reis

quinta-feira, 23 de março de 2017

cotidianas #503 - Pílula Surrealista #15


O monstro do armário havia chegado. Eram 22h44 e Júnior já havia sido posto na cama para dormir a uns 15 minutos, mas não pregava o olho. De frente para o móvel, cujos trincos simetricamente equidistantes, um em cada porta, davam-lhe a impressão de serem dois olhos a lhe mirar, o menino mirava-o com apenas os seus para fora do fofo edredom. Ouviu uma batida abafada. Vinha lá de dentro, com certeza. Seu coração disparara; a respiração, ofegava a ponto de escutar. E outra batida. E mais outra. Seguiu-se um ruído de algo arrastando no chão. Só podia ser a cauda do monstro, que, volumoso, precisava girar o corpanzil escamoso e úmido entre as roupas penduradas no cabide. Àquela altura, seus brinquedos, guardados numa caixa lá dentro, já deviam estar melecados pela gosma que besuntava toda a pele do visitante noturno.
Júnior tomou coragem: percebendo os pais atentos à tevê, cujo som provindo da sala chegava a murmúrios a seu quarto mas suficiente para saber que suplantaria qualquer ruído que tanto ele quanto o monstro fizessem, descobriu-se e foi pé por pé em direção ao armário. Descalço mesmo, somente o pijama a cobri-lo naquela fria noite de inverno. De frente para a porta entreaberta, enfiou temeroso os dedos pela fresta escura. Seu coração quase saía pela boca quando seus cinco dedos se encontraram com os três da afetuosa mão do monstro, o qual, sem precisar trocar-lhe palavras, o convidou a entrar.
Naquela semana inteira não pode sair para brincar com os amigos. Os pais, brabos, perguntavam retoricamente: “Onde já se viu passar a noite dormindo sentado e sem coberta dentro do armário!?”. Claro que não foram além da indignação e da reprimenda típica da limitação humana. A Júnior, sim, aquilo fez muito sentido. Tanto que ele, no seu íntimo, nunca mais fora o mesmo após aquela noite, mesmo hoje, tantas décadas depois.

Daniel Rodrigues

domingo, 12 de junho de 2016

COTIDIANAS nº 440 ESPECIAL DIA DOS NAMORADOS - Namorada... é que é serpente



Filippo tinha duas paixões na vida: cinema e Aurora. Mas comecemos pela mais analisada e analisável: o cinema.
Embora fosse farmacêutico, Filippo gostava mesmo era de sétima arte. Não no sentido de fazer cinema, mas de apreciá-lo. Era dedicado na sua profissão, e a cumpria muito bem. Mas os “24 quadros por segundo”, a magia do cinema, era o que realmente lhe movia. Era o que recheava sua cabeça inventiva e romântica. De certa forma, a vida de farmacêutico até o ajudava a dedicar-se ao que gostava: além de os horários na farmácia favorecerem, pois lhe davam a noite para poder ver o que queria, também ganhava o suficiente para ir ao cinema, comprar filmes e, solteiro, assistir a vários deles na TV a cabo madrugada adentro. E não era com blockbusters ou aventuras explosivas que Filippo se animava. Era cinéfilo mesmo, na verdadeira acepção da palavra. Conhecia cinema a fundo: europeu, asiático, norte-americano, alternativo, indiano, russo e por aí vai. De qualquer escola, movimento ou polo produtivo, fosse Cinema Novo Japonês ou Dogma 95, noir ou Realismo Fantástico, Filippo conhecia ao menos alguma coisa representativa.
De todas as nacionalidades do cinema, entretanto, a que mais lhe agravada era a italiana. Não necessariamente pela descendência, mas porque adorava a picardia, o conceito fotográfico, o sabor do idioma e o humor sarcástico do cinema da Itália até nos filmes não propriamente de comédia. Claro que admirava as obras dos mestres Fellini, Pasolini, Antonioni, Petri, De Sica, Visconti. Mas se deliciava mesmo era com as comédias italianas. Títulos como “Volere, Volare”, “Ladrões de Sabonete”, “O Incrível Exército de Brancaleone” e “O Monstro“ faziam-lhe a cabeça. Uma delas, porém, era a sua preferida, não apenas entre as comédias, mas entre todas as escolas, movimentos, nacionalidades e filmografias: “Parente... É Serpente”. O longa de Mario Monicelli era seu filme de cabeceira, o primeiro de todas as suas listas. Só havia um contrassenso nisso: Filippo não tinha este filme em sua videoteca. Já tivera, mas o perdera – e isso tinha uma explicação incômoda para ele. Mas exceto o fator estritamente emocional, que em seguida explicaremos, a priori, para um colecionador – ainda mais para quem gostava tanto de “Parente... É Serpente” – isso era uma falha gravíssima. Chegava a culpar-se por não tê-lo mais em sua prateleira: “Por que fui fazer a besteira de deixar o filme com ela?”
“Ela” quem? A Aurora, ora. Sim, Aurora, a segunda paixão de Filippo, aquela cuja análise é um tanto mais intrincada do que a de cinema. Mas tentemos: moça um pouco mais magra que o normal, talvez por sua estatura um pouco acima da média, era naturalmente sexy mesmo não fazendo o estilo “gostosona”. Esteticamente era bem proporcional: bunda, coxas, peitos, boca, cintura: tudo sem exagero mas sem faltar nada. Porém, o que lhe fazia sensual mesmo era seu jeitinho, o jeitinho que encantava os homens. Foi assim com Filippo naquele churrasco na casa do Douglas há quase seis anos: encantamento. Mas não só ele: o Maikinho, o Ventura, o Biboca, o Haroldo e até o dono da casa, noivo, gamaram naquela misteriosa fotógrafa lépida, faceira e desatenta aos olhares desejosos. A Priscila, a noiva do Douglas, levara a amiga na festa para fazer uns registros fotográficos despretensiosamente e sem cobrar nada, pois ela queria treinar a luz com a nova lente que acabara de comprar. Mas o que embasbacou de verdade a galera não foram as fotos, mas, sim, a própria Aurora fotografando. Era um show ao vivo do tal “jeitinho”. Com seu cabelo preto curtinho e espetado, ela passava de um lado para o outro, se agachava, se contorcia, falava sozinha, fazia careta quando encostava o visor no olho, punha uma pontinha da língua para fora da boca vermelha de batom para conferir o resultado. Era descolada, espontaneamente alegre e de gestos largos, como se não se importasse com a presença dos átomos à sua volta para exercê-los com liberdade, com iluminação própria. Uma esfinge. Uma aurora.
Ocorreu que o jeitinho de Aurora não bateu com o de mais ninguém naquela festa, apenas com o jeito nerd de Filippo. Os óculos de armação grossa estilo anos 60, o cabelo arrumado cujo corte permitia ao menos uma franja subversiva e a cabeça quadrada que comportava ricos olhos verdes trazidos de Bérgamo pelos bisavós na primeira leva da imigração italiana ao Rio Grande do Sul, cativaram a aparentemente distraída Aurora. Na verdade, confessou depois a Filippo, ela o percebera logo que entrara pela porta, sentado num banquinho tomando uma cerveja com o copo americano quase vazio. Até lhe mostrou uma série de fotos que batera dele com zoom, de longe, para não dar na vista o interesse. Fotos encantadas, que Filippo, todo bobo, não cansava de ver e rever mesmo anos depois.
Foi bonito o romance dos dois. Aurora foi a primeira namorada de verdade de Filippo, a primeira a quem ele realmente se afeiçoara. Já Filippo foi para Aurora o encontro de algo que ela precisava para preencher sua alma inquieta e perscrutadora. Era como se ele fosse um necessário prego cravado no chão segurando a barra de sua saia de modo que ela não saísse correndo desordenadamente mundo afora. Os quase dois anos de relacionamento correram com mais alegrias do que brigas. Na verdade, belicismo não era uma característica de nenhum dos dois. Apenas ocorria, isso sim, momentos de total tristeza de Aurora. Inexplicáveis. Tão sem justificativa visível que, no dia seguinte, aparecia ela de novo lépida e faceira como se nada tivesse acontecido. Filippo, por amor ou covardia, relevava.
O romance avançava para um enlace permanente: Aurora mudara-se para o apê de Filippo na Barão do Triunfo, no Menino Deus, e estabeleceram uma bonita rotina conjugal. Viajavam juntos e planejavam outras viagens; preparavam baldes de pipoca para as sessões de cinema na sala; iam ao super toda semana repor a dispensa; faziam sexo com bastantes frequência e prazer; levavam o Golias ao veterinário; pagavam a mensalidade da facúl de Aurora; compravam pão para o café da manhã do dia seguinte; essas coisas.
Tudo harmonioso, não fosse o tal jeito misterioso de Aurora. Embora gostasse de Filippo, sua ligação com ele, ou melhor, com os relacionamentos amorosos, guardava complexidades. Com o passar do tempo, foi ficando mais e mais inquieta. Ela parecia sempre estar em busca de algo que não encontrava – ou preferia não encontrar para permanecer buscando. Filippo nunca escutara dela, por exemplo, um “eu te amo”. Pelo contrário, costumava ouvir de Aurora, em tom brincadeira, outra sentença: “eu não sou casável”. E no mais, Filippo inconscientemente sabia que o seu prego cravado no chão não conteria Aurora para sempre, pois uma hora ou outra a barra do vestido se rasgaria e ela, enfim, sairia desorientada pelo planeta Terra.
A desagradável suspeita de Filippo se confirmara: a frase não tinha nada de brincadeira. Com a justificativa de fazer uma pós em São Paulo, Aurora um dia pegou sua mala e seus equipamentos fotográficos e foi morar na como ela agitada Sampa. Fim do romance, assim, sem mais nem menos, sem muita explicação. Sem olhar Filippo nos olhos na despedida. Como uma fuga, como uma busca por algo que provavelmente nem ela sabia o quê.
Não precisa dizer que Filippo ficou arrasado. Até parara de assistir filmes por um bom tempo, de modo a não gravar uma impressão ruim da obra por causa de sua inevitável fossa. Gostava muito de cinema para deixar que uma paixão maculasse a outra. “Imagina rever ‘Persona’ do Bergman nesse estado deplorável!”, pensava em sua melancolia cinéfila. “Aurora”, do Murnau, então: nem pensar! Um dia, chegara ao ponto de escondê-lo, pois seus olhos teimosamente percorriam a fileira de DVD’s na parede para baterem justo naquele maldito título: “Aurora”. No entanto, no momento em que engaiolava o clássico de Murnau, Filippo percebeu que, pouco antes na prateleira, organizada por ordem alfabética de cineastas, vagava uma caixinha. Era no “M” de Monicelli. Sim, faltava-lhe “Parente... É Serpente”. Numa recapitulação de milésimos de segundo, lembrara-se que emprestara para Aurora logo que começaram a namorar, ainda quando não moravam juntos. Ela levara para casa para assistir sozinha o filme predileto do recente namorado, num gesto de afeição dela. Já o de Filippo era de quem já acreditava naquele relacionamento, pois emprestar um item de sua coleção era uma raridade, e fazê-lo justamente com “Parente... É Serpente”, então! Uma prova de amor eterno.
Não foi eterno. Depois da tristeza pela separação, Filippo foi se recuperando do jeito que dava. Anos se passaram, namorou umas duas moças, transou com essas e mais outras três sem compromisso, mas não se firmou com nenhuma delas. Ia levando, mas sempre com Aurora lá no fundo da cabeça. Já se acostumara à vida sem ela e sem seu filme preferido. E como não convinha ir atrás dela, foi à cata do filme. Bateu aquela vontade de revê-lo, que todo cinéfilo tem para como suas fitas queridas de tempos em tempos. Pesquisou no site da Cultura e... “esgotado”. “Ok: vou procurar no site da Saraiva”. Igual. Livraria da Folha... idem. Todo comprador de internet sabe que não achar o que quer nesses sites é um mau sinal. Provavelmente é porque o produto não está disponível mesmo. Já aflito, fez uma busca genérica no Google pelo título do filme mais a palavra “comprar”. Nada, nem no Mercado Livre, onde só encontrara um VHS para vender – e ele não tinha mais videocassete há anos.
Mesmo pouco acostumado em baixar filmes, tentou ainda achar em sites de torrent e, incrível: não tinha também! Nem no Youtube, que, mesmo que tivesse, para Filippo, um colecionador à moda antiga, não cabia se contentar em tê-lo com uma imagem pixelada e correndo o risco de dessincronizar áudio do vídeo. Sim, tinha que se convencer: “Parente... É Serpente” estava fora de catálogo.
Ele se maldizia. Não convencido, pegou um dia um pedaço do horário de almoço e foi a um brique na Alberto Bins, onde sabia ter muita coisa rara. Com medo de receber de cara a má notícia do dono da loja, foi ele mesmo procurar. Em meio àquela zona totalmente fora de ordem, logo percebeu que não era possível achar qualquer coisa ali dada a bagunça, a pouca iluminação e a quantidade amazônica de DVS’s, CD’s, livros, revistas, vinis, VHS’s e até fitas cassete. Tudo junto e misturado. Um museu abarrotado e empoeirado. Podia até ser que tivesse o que procurava, mas não conseguiria achar por si só no pouco tempo que dispunha, só com muita sorte. Precisaria, enfim, consultar o dono da loja:
- Ei, tu tem o DVD do filme “Parente... É Serpente”?
- Não. – respondeu secamente sem pestanejar e nem olhar para Filippo.
- Mas tu tem certeza? Tu nem parou pra pensar, não consultou aí o computador. – disse Filippo, apontando com o queijo para um notebook dinossáurico do qual o homem não tirava os olhos.
- Tenho certeza. Esse filme tá fora de catálogo. – respondeu com a segurança de quem conhece o mercado em que atua enquanto Filippo escutava sua digitação e o som de aviso de bate-papo do Facebook saltarem do note.
- Puxa... É que, sabe, eu tinha esse filme, mas emprestei...
- Pra uma mina?
- É... pra uma namorada. – falou Filippo, constrangido com a previsibilidade de seu ato. – Ele se mudou pra São Paulo, e daí...
- Cara: que besteira que tu fez, hein? – tirando os olhos do Facebook e finalmente olhando para Filippo. – Esse filme é tri bom. Faz tempo que eu vi. Ih! Um tempão. E vou te dizer uma coisa: tu perdeu uma grana. Esse DVD é uma raridade hoje em dia. Nem no Mercado Livre tu encontra.
- É, eu já sei.
- Eu sei como é: já fiz essa merda também. O que a gente não faz por uma buceta, né? – disparou o homem, rindo, tentando criar uma cumplicidade machista.
- Não é isso, cara. – respondeu imediatamente Filippo franzindo a testa.
Mais emputecido pela busca frustrada do que ofendido com o outro, Felippo preferiu sair da loja e ir embora. Mas numa coisa ele tinha que concordar com aquele sujeito grosseiro: que besteira foi fazer em deixar o filme com Aurora! Perdera a amada e o filme amado ao mesmo tempo.
Anos se passaram até que, um dia, quando Filippo já se acostumara com a condição “sem Aurora” e “sem filme predileto”, algo improvável acontece. Voltando do Zaffari da Getúlio Vargas em direção à sua casa, Filippo dobra a esquina e com quem ele se depara? Aurora. Ela, um caminhão de mudanças estacionado na calçada e várias caixas sendo transportadas para dentro de um prédio a duas quadras de seu apartamento. Ambos pararam e se olharam com surpresa.
- Oi, Lippo!
- Oi... Aurora. Tu aqui?... – falou, apontando com o queixo para o prédio.
- Sim! Tô me mudando pra cá. Legal, né? Voltei pra Porto por que... tava com saudade daqui, do meu lugar, dos amigos. E também pra ficar perto da mãe, que anda doente. Lembra da mãe, né, dona Doralice?
- Sim, claro que lembro.
- Pois é. A mãe tá morando aqui pertinho, naquele condomínio ali na Barbedo com a Getúlio, sabe? E com esses problemas dela, o meu irmão morando em Londres, não tinha ninguém pra ficar com ela, que tá velhinha.
- Que coisa... Manda um beijo pra tia Doralice. E melhoras pra ela.
- Mando, mando, sim – disse animada, sorrindo graciosamente.
Ficaram se olhando sem trocar palavras por alguns segundos, ele segurando as sacolas brancas do Zaffari nas duas mãos, ela abraçando uma caixa grande com o número 39 escrito com hidrocor preta, que fez Filippo lembrar-se imediatamente do filme de Hitchcock, “Os 39 Degraus”, e da cena do carro de “Blow Up”, do Antonioni.
- Então: casou? – indagou ela, interrompendo o silêncio.
- Eu? Não. E tu?
- É, também não. – disse Aurora, sorrindo novamente. – Tive uns rolos em São Paulo, um outro em Budapeste, que eu passei um tempo lá. Até cheguei a morar junto por um tempo, mas, sabe como eu sou, né? “Não sou casável”, rsrs.
- É, eu sei...
- Tu não casou mesmo, então?
- Só se for com a farmácia e com meus filmes. – brincou Filippo, e os dois riram.  – A propósito: tu te lembra que eu te emprestei, faz anos isso, o meu DVD do “Parente... É Serpente”? Sabe, aquela comédia italiana do Mario Monicelli, que eu gostava muito, que eu vira e mexe comentava. Eu te emprestei antes de a gente... morar...
- Humm, acho que sei... Não lembro direito. Tenho uma vaga lembrança.
- Tu te lembra, sim: a gente até comentava que um dos personagens tinha o meu nome. Deve tá em alguma dessas tuas caixas aí.
- Não me lembro de ter visto lá em casa... Porque tu sabe, né? Minhas coisas são sempre uma bagunça! Pode ser que esteja nas minhas coisas. Tenho que procurar. É que foi tão rápida a mudança lá em São Paulo, tudo na correria, que só soquei tudo pra dentro e me toquei de lá. Nem sei direito o que tem dentro dessas caixas. Não vou estranhar se eu abrir alguma e encontrar um bicho, rsrs.
- Vai ver, tu encontra não o filme, mas uma serpente de verdade!
Riram juntos.
- Por falar em bicho, e o Golias? – lembrou-se ela, interessada.
- Foi morar com a mãe lá em Faria Lemos. Vida de cachorro velhinho não combina mais com a correria da cidade, apartamento, concreto. Agora tá curtindo uma casa com pátio e verde lá na Serra.
- Querido! Saudade dele.
Novo silêncio, agora por falta de assunto.
- Então... tchau.
- É, tenho que terminar aqui a mudança. – afirmou Aurora, convencendo-se.
- E eu tenho fazer meu almoço. A gente se fala, agora que estamos pertinho de novo, né?
- Sim! Meu celular novo com prefixo 51 é esse aqui – disse-lhe, soltando a caixa e pegando um cartão de dentro da bolsa. Ele anotou o seu celular atrás de um segundo cartão dela e despediram-se com dois beijinhos.
- Se tu achares o meu filme, me avisa, tá?
Filippo não acreditou que ela fosse ligar, e nem ele ligaria. Procurou-a no Face, achou seu perfil, mas não solicitou amizade. Adicioná-la no WhatsApp, nem pensar. Não iria atrás dela por orgulho e pela mágoa ainda mal resolvida, a qual despertara naquela semana desde que a revira.
Mas ela ligou:
- Alô?
- Oi Lippo! É a Aurora! Que tu tá fazendo?
- Eu? Tô em casa, organizando umas coisas, dando um tapa na casa, uma faxina. Por quê?
- É que eu tinha um job pra fazer agora de noite, um evento de um cliente, mas mixou. O cara desmarcou comigo em cima do laço. Tu vê, que desgraçado?!... Daí, eu pensei: por que não convidar o Lippo pra vir conhecer o meu novo apê?
- Sei...
- A gente podia jantar alguma coisinha. Tu sabe que eu não sou boa na cozinha, né? Continuo não sendo. Mas a gente chama um sushi, uma pizza, assiste um filme, sei lá. Tá tudo meio com cara de mudança aqui ainda, mas tu é de casa. Que tu acha?
- Bem... é que eu...
- Ah, Lippo, não vem com desculpa! Tu tá faxinando a casa numa sexta-feira às seis da tarde. É sinal que tu não tem nada melhor pra fazer! Diz que vem, diz que vem!
- Tá, Aurora. Acho que eu vou, sim. Deixa eu tomar um banho, que eu cheguei da farmácia e não parei. Mais tarde eu bato aí.
- Oba! Que bom que tu vem. Vou também dar uma organizada na casa pra te receber.
- E vem cá: por acaso o tal filme que tu pensou de a gente ver é o meu?
- De que filme tu tá falando, Lippo?
 - O “Parente... É Serpente”, Aurora! Que tu disse que ia procurar, pra ver se ainda tava contigo. Tu achou?
- Sinceramente, Lippo, não encontrei nada, pelo menos não nas caixas que eu abri até agora. Na real, tô achando que esse filme não tá comigo, viu? Acho que tu emprestou pra outra pessoa, outra namorada... e tá confundindo.
- Eu tenho certeza que te emprestei, Aurora. Faz tempo, mas foi pra ti. Mas, tá: deixa pra lá. Dá um tempinho que daqui a pouco tô chegando aí.
Filippo tomou banho mas vestiu-se despreocupadamente, pois não tinha a menor esperança de que alguma coisa voltasse a acontecer entre Aurora e ele depois de tanto tempo. Estava errado. Jantinha regada a vinho chileno, sala iluminada só pela luz da tevê, ela contando histórias de São Paulo e da Hungria, ele, dos aprontos do Golias, e não demorou muito. Conversa vem, conversa vai: pintou clima. A transa foi bonita e apimentada como nos velhos tempos, ali mesmo na sala e depois no quarto, madrugada adentro. Fluiu. Parecia que os anos nem haviam se passado. Aurora se entregou com prazer, linda nua. Filippo, no céu, dormiu exausto e suspenso com a sensação de que fora picado novamente pelo veneno deleitoso de sua Aurora.
Naquele sábado era sua folga, então, relaxado, Filippo deixou o sono se estender e acordou no meio da manhã ouvindo o barulho de chuva no vidro da janela. Sozinho. Não precisou chamar mais de duas vezes por Aurora para concluir que ela já não estava. Seus equipamentos sobre a cômoda não se encontravam mais ali. Decerto, tinha trabalho para fazer. Vestiu-se, bateu a porta do apartamento e desceu o elevador para voltar para casa. Não tinha porque ficar esperando ela voltar. No hall, o porteiro lhe avistou e o chamou:
- O senhor que é o senhor ‘Felipo’?
- Sim, sou eu mesmo – respondeu desconfiado.
- Dona Aurora deixou isso aqui pro senhor. Ela já tava saindo pelo portão, toda cheia de cousa, mala, bolsa, máquina de retrato, mas daí voltou aqui e disse pra mim lhe entregar isso aqui, que ela não queria voltar no apartamento pra não acordar o senhor.
E lhe estendeu a encomenda.
- A que hora foi isso?
- Cedo da manhã, senhor. Umas 6 horas.
Filippo finalmente tinha de volta seu DVD de “Parente... É Serpente”. Por dentro do plástico da caixinha, tapando a capa, um bilhete escrito a mão por Aurora:
“Lippo,
Tenho um trabalho (dava para ver escrita, por debaixo da rasura de caneta, a palavra “em”) longe, muito longe.
Na Índia.
Vou ficar seis meses fora, se não mais. Não sei ainda.
Não espera por mim, tá? Me desculpa. Tu sabe como eu sou.
Adorei te rever.
Te amo.
Adeus.”
Não assinou. Apenas gravou um beijo com seu batom cor vermelho-coral.
Felippo mal se despediu do porteiro. Atravessou a passos anestesiados a rua já molhada pela chuva que começava a apertar e foi para casa. Chegando, imediatamente repôs seu DVD perdido na prateleira sem revê-lo. Pegou, sim, o filme de Murnau, que desencarcerou do armário. Mesmo subvertendo uma norma de cinéfilo, de não assistir a um filme mudo de manhã – pois filme mudo é para ser visto no cinema ou de noite –, mecanicamente pôs para rodar aquele romance de final feliz. Sob a luz do dia, que vazava pelos cantos da janela fechada, lágrimas desesperançadas corriam soltas de seu rosto enquanto revia “Aurora”, tantas que se igualavam à quantidade de pingos da chuva que lá fora molhavam a calçada.



para Luis.