Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por data para a consulta “A Aventura de Criar” -. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por data para a consulta “A Aventura de Criar” -. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens

terça-feira, 7 de setembro de 2021

“Escolinha de Arte da UFGRS (1960-2011): 51 anos de arte/educação”, de Flávia Leal - Ed. Appris (2021)



Arte em dois tempos

Quando cursei Cerâmica no Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre com o mestre do barro e fã de João Bosco e Caetano Veloso, o querido Prof. Cláudio Ely, ouvi dele que uma ideia (ainda mais quando estamos falando em Arte), nunca aparece isoladamente na mente de um artista. O estalo ocorre em muitas pessoas que tem a mesma ideia, mas nem sempre tem a consciência do quanto estão interligadas, então se consideram num primeiro momento únicas e originais. Isso foi comentado numa aula no início dos anos 90, mais precisamente 1992, em que falávamos sobre autoria, originalidade e unicidade de uma obra de Arte. 

Logo depois, ainda na mesma década, vi o mundo iniciar as conexões em rede e aí cada qual foi descobrindo que suas ideias ecoavam ao mesmo tempo em outros cantos do planetinha azul, ainda mais quando se referiam a temas relevantes e universais voltados a coletividade. 

Em maio desse ano, quase 30 anos depois dessa reflexão do Prof. Ely, deparei-me com uma boa surpresa! Na mesma semana em que lancei o site "A Aventura de Criar os 50 anos da Escolinha de Arte do RS", falando sobre a pesquisa, filme e revista dos 50 anos da Escolinha de Arte do RS (1960-2010), outra pesquisadora lançava um livro sobre os 51 anos da mesma Escolinha. Sim, ambas pesquisadoras disponibilizavam em site e livro com um ano de diferença na história da Escolinha e 10 entre a feitura das pesquisas! 

Flávia Leal, a autora da nova pesquisa resultante do seu Mestrado na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), intitulado “Escolinha de Arte da UFGRS (1960-2011): 51 anos de arte/educação”, contatava-me para combinar gentilmente a entrega do seu livro. Recém publicado pela editora Appris, o lançamento seria na mesma semana em um encontro virtual com a sua mediação e a presença dos professores da Escolinha.

lançamento virtual do livro "Escolinha de Arte da UFGRS (1960-2011)"


O mais legal é que, logo no início da sua pesquisa, as únicas monografias com foco na Escolinha de Arte da UFRGS que ela encontrou foram a minha pela Feevale, que vocês já conhecem, e a da Mariana Ramos, pela UFRGS. A pesquisa da Mariana tem foco na prática do professor, pois ela estava cursando Pedagogia e fazia estágio em 2008 no Centro de Desenvolvimento da Expressão (CDE) em Porto Alegre, quando a escreveu. Aliás, é de lá do CDE que nos conhecemos. Já a minha pesquisa tem foco nos 50 anos da Escolinha e na produção da revista, filme e nas entrevistas com professores e alunos da Associação Cultural de Ex-Alunos do Instituto de Artes da UFRGS. A partir da leitura das nossas monografias, Flávia, como ela mesma diz no livro, teve a oportunidade de conhecer os olhares de duas pesquisadoras ligadas à Escolinha com olhares diferentes, uma como aluna e a outra como professora. Ela ressalta como isso foi relevante no seu processo de pesquisa:

“Assim, pude aprender mais sobre 
o objeto de minha pesquisa. A principal diferença 
entre o meu trabalho e o das pesquisadoras 
citadas é que ele se baseia, essencialmente, 
na análise de documentos, propondo-se a contribuir 
com uma perspectiva histórica da Escolinha.”

Acontece que a História da Escolinha não está separada de todos os processos que nela coabitam: a transformação dos alunos, a formação dos professores e a sua renovação e mudança também. A Escolinha é viva, pulsante e segue transcorrendo no decorrer dos anos, os fatos se relacionando em diversas esferas e abrangências, desde um ponto aparentemente isolado em uma cidade do interior do RS, mas altamente ligado à proposta da Escolinha de Arte do Brasil ou a outro país que levou a mesma filosofia adiante através do Movimento de Arte Educação. O que quero dizer é que as três pesquisas se interlaçam, falam entre si mesmas, independentemente do recorte acadêmico e metodologia da pesquisa, porque a Escolinha é esse oásis de oportunidades para o criar e o recriar-se. E isso é bom porque pontos de vista não aprofundados numa pesquisa aparecem mais contemplados noutra, enriquecendo a linha do tempo dessa história.  

O trabalho de Flávia, para fins de metodologia acadêmica, foi baseado em quatro pilares: o Ateliê, as Exposições, o Curso Intensivo de Arte-Educação (CIAE) e o Acervo. Em muitos momentos os depoimentos se repetem aos coletados por mim para o documentário “A Aventura de Criar”, porque a Escolinha marcou a vida dos professores e ex-alunos que por ela passaram e as histórias de cada um deles é única, sem outras versões, mesmo que os entrevistadores mudem. O livro mantém, em muitos momentos, pontos de emoção e de profundo reconhecimento pelo trabalho que as variadas equipes da Escolinha desenvolveram dentro da UFRGS o que é muito bom, já que a própria universidade pelo que eu soube nos relatos que coletei, nem sempre contribuiu muito para que esse espaço fosse mantido desde o seu início, o que gerava um esforço e uma constante luta das equipes que lá trabalharam para continuarem existindo. 

Gostei muito de ler no livro da Flávia outras informações sobre as cartas da pesquisa da simpática baiana Maria Dolores Coni Campos, a quem tive o prazer de visitar em 2009 no Rio de Janeiro. Na época, estava preparando a minha pesquisa para o filme quando pude entrevistá-la como uma das últimas vozes da Escolinha de Arte do Brasil, que conviveu com Augusto e Iara. E de quebra degustei um biju bem a moda baiana - Axé, Dolores! Ela afirmou aos gritos que a Escolinha de Arte do RS foi a que mais entendeu a proposta de Augusto Rodrigues, uma verdade incontestável! 

Curso Intensivo de Arte Educação para Educadoras
da SMED/Porto Alegre: da esquerda para direita
Cecília Machado Bueno, Maria Lúcia Campos Varnieri,
Eneida Moraes, Elton Manganelli, Sussy Possap,
Beatriz Noll e a Diretora da Creche da UFRGS/2011
Somam ainda ao livro de Flávia aspectos do CIAE que se manteve firme e forte até novembro/2011, quando realizamos um curso especial para a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (SMED), realizado na Creche da UFRGS e com as participação dos professores Maria Lúcia Campos Varnieri, Maria Beatriz Noll, Cecília Machado Bueno, Elton Manganelli e algumas participações de convidados especiais: Sandra Richter, Marília Fitchner e eu. Além disso, reforço o destaque especial à importância que Flávia oportunizou ao Acervo da Escolinha de Arte da UFRGS que serviu de base a sua pesquisa através de 214 documentos consultados no Acervo Histórico do Instituto de Artes da UFRGS e disponível a todos os pesquisadores interessados. 

Ao final do livro Flávia faz menção aos desdobramentos que podem ocorrer estimulando assim outros pesquisadores a seguirem em frente, em novas pesquisas. Entre essas sugestões, destaquei algumas que resultariam num material para a linha de tempo da Escolinha extremamente relevante e que teço alguns comparativos com o que encontrei na minha pesquisa: Analisar o papel de outros professores e áreas da Escolinha, como a música e o teatro, em minha pesquisa ficou notória a participação de áreas como o teatro, a música, a psicologia que dialogavam entre si, desde a criação da Escolinha; Analisar o acervo de 15 mil desenhos e pinturas dos alunos da Escolinha; esse ponto foi enfatizado por Maria Lúcia Varnieri inúmeras vezes, pois é o mapeamento do desenvolvimento de cada aluno em etapas diferenciadas de expressão, possibilitando aos professores compreender quais os avanços ela faz através da sua própria expressão; Pesquisar sobre o Movimento das Escolinhas de Arte no Rio Grande do Sul, estado onde a proposta de Augusto Rodrigues teve maior adesão no país; bem sobre esse ponto já comentei e, sem dúvida é o estado que mais alicerçou a filosofia da Escolinha sonhada por Augusto e desenvolveu parte das ações por ele esboçadas, ainda há muito o que construir. Com certeza serão ótimos temas para seguir completando com outras vozes a História da Escolinha! 

Dez anos após eu escrever a pesquisa "A aventura de criar: 50 anos da Escolinha de Arte do RS" e visitar as mesmas pessoas e ambientes por onde Flávia esteve recentemente, fiquei feliz com a continuidade e o diálogo mesmo sem nos conhecermos promovemos, através da pesquisa e da leitura, uma da outra. A arte se fez em dois tempos, no meu e no dela e quem ganha são os pesquisadores, os educadores e a sociedade em geral. Somamos histórias e reforçamos pontos dentro desse tempo que não vivemos presencialmente, enquanto a maior parte dos fatos acontecia, mas que nos envolveu e nos levou a buscar mais dados com quem os viveu profundamente. A força da Escolinha nos levou a compartilhar com todas as pessoas possíveis os resultados do que escutamos, descobrimos ou nos revelaram. Além disso, compartilhar aquilo que vivemos como indivíduos tocados pela sua proposta. 

Agradeço a Flávia pela consulta e inserção da minha pesquisa em diversos momentos da sua tese e me arrisco a provocar junto com ela, novamente os pesquisadores a buscarem quem sabe um novo olhar sobre a Escolinha. A Escolinha foi “um espaço de desenvolvimento das potencialidades e da liberdade de expressão, com o intuito de formar pessoas mais sensíveis, livres, criadores e críticos”, como afirma Flávia na sua análise final e eu assino embaixo. Então, quem sabe seja interessante escutar também essas pessoas em outras pesquisas? Quem sabe há muitos indivíduos espalhados pelo mundo, pelo nosso país, no nosso bairro,  transformando as vidas de outras pessoas através da filosofia da Escolinha exercendo tudo aquilo que aprenderam em seus variados ofícios? A Escolinha tem na sua essência essa força social e libertadora de promover transformação de cada pessoa, e se isso der em Arte, melhor ainda, mas nunca foi uma condição única.  

Finalizo essa pequena reflexão com um fragmento de uma entrevista de Teresa Poester, que foi minha professora e a quem tenho uma admiração imensa, ao jornal Zero Hora (2005), extraída para o livro de Flávia quando ela fala sobre a filosofia da Escolinha e numa de suas maiores porta-vozes que sempre acreditou no poder transformador da arte, Iara de Mattos Rodrigues (Iarinha, como a chamavam na Escolinha). O que Teresa afirma continua sendo essencial em nossas vidas, em nosso planeta. Ao citar Iarinha, está alertando a cada um de nós sobre a forma com a qual agimos, colaboramos, sentimos e convivemos uns com os outros. O recado é direto e muito atual: 

“Pessoas como Iara são, lamentavelmente, 
cada vez mais raras; não vivemos 
uma época de paixão, mas de um pragmatismo 
crescente. É preciso, pois, aproveitá-las. 
Deixam marcas profundas. São como crianças, 
não sabem mentir. São incômodas, 
malcriadas, ternas e teimosas. Resistem.”  

Vamos seguir em frente somando iniciativas e resistindo sempre juntos! Obrigada Beatriz Noll, Teresa Poester, Marilice Corona, Maria Lúcia Varnieri, Gení Mabília, Jailton Moreira, Élida Tessler, Eneida Moraes, Cecília Bueno e Elton Manganelli (in memoriam) e tantos outros por tudo o que nos oportunizaram nesses 51 anos de Escolinha da UFRGS. Toda a minha, gratidão! 


***************

Escolinha de Arte da UFGRS (1960-2011): 51 anos de arte/educação"
de Flávia Leal
Ed. Appris (2021)
1ª edição
R$49,50 (impresso)
www.editoraappris.com.br 


Leocádia Costa

sexta-feira, 23 de julho de 2021

Cinema e Esporte - As Modalidades Esportivas na Telona - II


Embora algumas modalidades já tenham iniciado suas competições, os Jogos Olímpicos de Tóquio estão abertos, oficialmente mesmo, a partir de hoje e, desta forma, também está aberta a temporada de publicações referentes a esporte e ao país sede, o Japão, aqui no ClyBlog.
Pra começar, assim como fizemos na última Olímpíada, preparamos uma listinha destacando alguns filmes relacionados com esportes olímpicos. Alguns filmes são especificamente sobre determinada modalidade, em outros há uma cena ou um momento marcante, em outros o esporte é um elemento contextual, em outros é decisivo para a trama... Tem para todos os gostos! O importante é que os esportes estão ali. É lógico que um evento desse porte tem tantas modalidades esportivas que não dá para destacar todas e, sinceramente, eu duvido que tenhamos filmes de algumas delas, mas aqui no Claquete destacamos dez e achamos que  ficou uma lista bem diversificada quanto a gêneros cinematográficos, estilos, abordagens, nacionalidades e com esportes bem interessantes que renderam bons filmes. Então, chega de papo-furado, e vamos à lista:

*****

"O Campeão", de Franco Zefirelli, (1979)
  - Quando se fala em filmes com esporte, é impossível não pensar nos filmes de boxe, e quando o boxe é assunto na telona, alguns filmes imediatamente vêm à mente como a saga "Rocky" e o cultuado 
"Touro Indomável". Mas outro que é referência quando se fala na Nobre Arte é o dramático "O Campeão". Dirigido por Franco Zefirelli, o filme trata da história de um boxeador aposentado, com problemas com álcool e um filho pequeno para criar, depois que a mãe os abandonara. Com problemas de dinheiro, tentando garantir a guarda do filho diante da mãe (Faye Dannaway), que retornara cheia de grana e arrependimento, e ainda querendo justificar a idolatria do filho, que o vê como um herói, Billy Flynn, vivido por John Voight, resolve voltar aos ringues. Mas já sem as melhores condições físicas e contrariando recomendações  médicas, uma nova luta, àquelas alturas, pode não ser uma boa ideia... Embora muita gente já tenha visto, não vou dar spoiler e contar o final,  mas, só para dar uma ideia, o filme é considerado um dos mais tristes de todos os tempos. Já da pra imaginar, né?

*****

"Caçadores de Emoção", de Kathryn Bigelow (1991) - O surfe, que estreia em Olimpíadas este ano, em Tóquio, aparece em "Caçadores de Emoção", uma aventura policial em que um agente se infiltra em um grupo de surfistas que, ao que parece, vem realizando roubos a bancos fantasiados com máscaras de presidentes americanos. Johnny Utah (Keanu Reeves), se aproxima, aprende a surfar e, para ganhar a confiança do líder do grupo, Bhodi, interpretado por Patrick Swayze, até pega umas ondas com os carinhas. Dirigido por Kathryn Bigelow, que anos depois seria a primeira mulher a ganhar o Oscar de melhor direção por "Guerra ao Terror", e com Patrick Swayze no auge de sua popularidade e em sua melhor forma física, para delírio do público feminino, "Caçadores de Emoção", se não é um grande filme, ao menos mantém o espectador grudado na trama e na aventura. O surfe está presente em muitos momentos do filme em boas cenas cheias de adrenalina, mas a cena final, numa espécie de "hora da verdade", é a mais marcante e uma das mais icônicas dos filmes de ação dos anos 90.

"Caçadores de Emoção - cena final"


*****

A galerinha de "Kids", com o skate presente,
dando um daqueles rolezinhos.
"Kids", de Larry Clark (1995)
- Não é um filme sobre skate e, na verdade, o esporte também debutante em Jogos Olímpicos, este ano, nem tem tanto destaque assim. O fato é que a turminha que protagoniza os eventos e envolvimentos do longa é um grupo de jovens skatistas, uma galerinha da pesada que não tá nem aí  pra nada e só quer saber de trepar, ficar doidão e barbarizar por aí. Filme pesado, duro, com algumas situações angustiantes, revoltantes e até degradantes. Produzido no auge da situação da AIDS, o filme que era para ser uma espécie de alerta para a irresponsabilidade, especialmente entre os jovens, em suas relações, parece não ter conseguido sequer controlar o próprio set de filmagem que, pelo que se sabe foi um caos com sexo e drogas para todo lado. Consta que alguns atores, muitos deles amadores, ficaram traumatizados com a experiência e outros sequer conseguiram voltar a atuar. Daquele time, no entanto sobreviveram à  experiência e vingaram na carreira as boas Rosario Dawson e Chloë Sevigny.

*****

"Troca de Talentos", de John Witesell (2012)
 - Mesma pegada do consagrado "Space Jam" mas sem os desenhos e sem a mesma qualidade. Brian, um garoto impopular, fracote, zoado, fãzaço de basquete mas sem nenhum talento para a prática do jogo, vai assistir a um jogo de seu time, o Oklahoma City Thunders, onde jogava Kevin Durant na época, e, por uma rara sorte em sua azarada vida, naqueles entretenimentos do intervalo de jogo, ganha de Durant uma bola de basquete, mas por uma circunstância toda especial e mágica, acabam trocando de talentos no momento da entrega da bola para o garoto. Aí o que acontece é que o garoto, que era um pereba na escola, passa a arrasar, entra pro time principal, vence todos os jogos contra outras escolas e, de quebra, conquista a gatinha que tanto cobiçava. Na outra ponta da história, o craque da NBA, passa a jogar nada, decepciona na liga, é responsável por derrotas, vai para a reserva e até  mesmo pensa em encerrar a carreira. Seu empresário, desesperado, passa a procurar as razões para aquela queda tamanha e repentina de qualidade e, juntando os pontos, elementos, fatos, chega até  o garoto e a noite da entrega da bola. Aí, só resta descobrir como fazer para devolver os respectivos talentos a cada um.
Filme fraquinho, previsível, cheio de clichês mas, no fim das contas, se o espectador for pela mera diversão, sem muita exigência, até pode achar uma comediazinha bem divertida.

*****

"O Casamento de Muriel", de P.J. Hogan (1994)
- Muriel é uma gordinha simpática, doce, sonhadora, fã de ABBA, mas, infelizmente, não muito popular e sem nenhum amigo. Ela tem o sonho de mudar de vida, sair da pequena Porpoise Split, conhecer gente, afastar-se de sua sufocante família, em especial de seu desprezível pai, e, acima de tudo, se casar. Mas casar da forma mais bela e tradicional: com cerimônia, bolo, vestido branco e tudo.
Mas que diabo esse filme tem a ver com esportes e com Olimpíadas? Tem que, depois de sair de Porpoise Split, encontrar uma boa amiga, finalmente se sentir viva por um momento na vida, mudar o nome para Mariel, voltar à cidadezinha, ser descoberta no golpe que aplicou na própria mãe, fugir de casa, ir morar com a amiga, nossa protagonista, decidida em casar, decide procurar, em anúncios especializados de jornais, um homem à procura de uma jovem para matrimônio. Ela conhece David Van Arkle, um nadador sul-africano que busca de uma esposa local a fim de obter cidadania australiana e e poder participar dos jogos olímpicos. Assim, Muriel consegue realizar seu sonho, embora, salvo raros momentos, o casamento não tenha sido exatamente o paraíso que ela poderia imaginar. Boa comédia com elementos dramáticos, com destaque para Tony Colette, no papal que, de certa forma, impulsionou sua carreira.

*****

"O Homem Que Mudou o Jogo", de Bebnet Miller (2012)
- Se o futebol americano já ganhou uma certa força e popularidade no Brasil, o beisebol, que tem uma quantidade considerável de produções cinematográficas por parte da indústria norte-americana, ainda nem tanto. Desta forma, salvo algum argumento mais emotivo ou atraente, os filmes sobre o tema acabam não caindo totalmente nas graças do público brasileiro. E entre tantas histórias de ex-jogadores com algum tipo de crise, dramas de superação, times infantis de bairro, paizões treinadores, animações, um dos que merece destaque dentro desse universo, muitas vezes tão pobre de qualidade, é o bom "O Homem Que Mudou o Jogo", de Bennet Miller, história real de um cara que, com muita observação, perspicácia, coragem, em 2002, impulsionou um time nada mais que mediano, o Oklahoma Atlhetics, e o tornou um dos destaques da MLB, tendo seu modelo de gestão, imitado depois, até mesmo, por times maiores e tradicionais.
É um filme de beisebol mas outras questões como os métodos do manager Billy Beane, sua determinação, os objetivos, as dificuldades, se salientam tanto que a estranheza do esporte yankee, de nossa parte, acaba sendo superada pelo bom roteiro e pela ótima atuação de 
Brad Pitt no papel do protagonista. Filme de beisebol que vale a pena, apesar do beisebol.

*****

"Uma Razão Para Vencer", de Sean McNamara (2018)
- Filmes com voleibol são bem raros e até por isso, mesmo não sendo grande coisa, vale a pena mencionar na nossa lista de filmes com esporte, o longa norte-americano "Uma Razão Para Viver". Baseado em fatos reais, o longa trata sobre um time de vôlei cuja capitã e melhor jogadora, Caroline, uma jovem alegre, positiva e vibrante, morre num acidente trágico de motocicleta, e sua melhor amiga, completamente desestruturada a partir do acidente, passa a tentar recuperar o estímulo e o prazer pelas coisas. Para isso, contará com a liderança e persistência da treinadora do time que vai fazer com que a decisão de voltarem a jogar e disputarem o torneio, se torne uma espécie  de missão  e tributo à  jovem que não está mais entre elas.
"Uma Razão Para Vencer" é um típico drama de superação, de motivação, meio irregular no ritmo, meio cansativo em alguns momentos, mas que não é um lixo e conta com um bom elenco, com nomes como a boa Erin Moriarty e os oscarizados 
William Hurt, como pai da garota falecida, e Helen Hunt, no papel da determinada treinadora.

*****

A tensa cena da corrida em que 
Ali tem que dar tudo de si (mas nem tanto assim).
"Filhos do Paraíso", de Majid Majidi (1999)
-  Não é um filme de atletismo mas a cena da corrida é uma das mais emocionantes do filme e... se encaminha para ser decisiva para a resolução do problema. E qual é  o problema? A questão toda é que um garoto, Ali, de uma família humilde de Teerã, perde o único sapato da irmã menor ao levá-lo para consertar, no sapateiro. Constrangido e culpado, e sem outra opção, dadas as condições da família e o temor de contar para os pais, ele empresta os seus próprios tênis, rasgados e velhos, para a irmã ir a escola pela manhã, aguardando que ela volte para que ele possa ir à sua aula, à tarde. Mas a combinação tem seus problemas, seus imprevistos, seus atrasos, suas correrias e a situação passa a ficar insustentável. Quando tudo só parece ficar cada vez pior, uma corrida promovida pela escola parece ser a grande oportunidade de resolver o problema, pois o prêmio para o terceiro colocado é,  nada mais nada menos que um tênis. Mesmo com uma certa indisposição dos professores em relação por conta dos muitos atrasos ocasionados pelo revezamento do tênis, Ali dá um jeito de ser inscrito na prova e terá que, ao mesmo tempo ser competente e rápido o suficiente para estar no grupo da frente, entre os primeiros, mas cuidadoso o bastante para não chegar em primeiro nem em segundo.
Como eu já disse, a cena toda é algo absolutamente tensa e agoniante, ainda mais quando, um dos concorrentes trapaceia e derruba Ali, que tem que se recuperar na prova e dá uma arrancada decisiva para que fará com que consiga (ou não) o tão almejado prêmio.
Mais um dos ótimos filmes da safra iraniana dos anos 90, com toda aquela competência que os cineastas de lá têm, de nos apresentar, dentro de uma trama aparentemente simples, todo um aspecto humano sempre relevante e significativo, além de uma contextualização de realidade social e cultural com sensibilidade e beleza.

*****

O tiro certeiro de Merida que lhe garantiu
a solteirice (e a indignação da mãe).
"Valente", de Branda Chapman (2012)
- Merida passa longe de ser a princesa ideal. É  largadona, dasaforada, rebelde e, por isso tudo, em constante conflito com a mãe, a rainha autoritária e intransigente Elinor. Ela quer que a filha siga os padrões de comportamento de acordo com sua posição e mantenha as tradições do reino, tornando-se sua sucessora, casando-se com o pretendente de outro clã que vencer um torneio de arco e flecha que ela pretende promover. Merida não quer que seu destino seja decidido numa competição, num jogo, mas, já que é  assim, ela dá um jeito, reinterpreta as regras e se habilita a competir contra os próprios pretendentes. Autoconfiante e certeira, ela, praticante desde pequena do esporte, não dá a menor chance para os competidores, acabando com essa história de casamento e causando revolta nos líderes dos outros clãs mas, especialmente na mãe, que fica uma fera. Elas discutem, brigam e Merida foge para a floresta onde é guiada por chamas mágicas à cabana de uma bruxa, a quem pede para que a mãe deixe de ser como é. A bruxa atende mas... a ideia não era bem a que Merida tinha em mente. A mãe que estava uma fera com ela, se transforma, literalmente numa fera, mesmo. A rainha é metamorfoseada num enorme urso negro e, agora, Merida tem que lidar com a criatura transfigurada da mãe e impedir um conflito que se aproxima entre seu povo e o reino vizinho, por conta do descumprimento da promessa do casamento que representaria a paz entre eles.
Muita aventura, confusão, boas risadas e algumas boas quebras de paradigmas como só a Pixar sabe fazer quando negócio é animação. "Valente" é a 
Pixar apostando num filme de princesa pouco convencional, numa fábula diferente, numa heroína incomum e acertando no alvo. 

******

"Match Point", de Woody Allen (2006)
 - 
Woody Allen teve uma sequência de trabalhos geniais, quase ininterruptamente, ali, do início dos anos '70 até a metade dos '80. Praticamente só obras-primas! Ali, a partir dos anos '90, a qualidade já passou a oscilar um pouco e, se às vezes éramos brindados com mais um filmaço que poderia se juntar, tranquilamente, à galeria dos seus melhores, outras tantas tínhamos algo bem enfadonho e dispensável. Mas nessa época de altos e baixos, um dos que, certamente, pode ir para a categoria dos grandes é "Match Point - Ponto Final", um suspense policial que, literalmente, deixa o espectador com o coração na mão até o último momento, até o último ponto.
Chris Wilton é um ambicioso ex-jogador de tênis que se torna instrutor em um requintado clube inglês e que ganha a confiança de Tom Hewitt, um ricaço filho de um grande empresário, passando a ser seu treinador somente para se aproximar de sua irmã e, quem sabe entrar para a família. O golpe está  dando certo até  que ele conhece a noiva de Tom, a belíssima Nola, o que é o começo de sua ruína. Chris casa com a filha do milionário, garante um lugar como executivo em sua empresa, dá o golpe do baú, mas o envolvimento paralelo com Nola , uma inesperada gravidez (será???) e a ameaça da revelação do affair, que colocaria todo seu esforço a perder, faz com que tome atitudes drásticas e resolva se livrar da amante.
Fora alguns contratempos, alguns imprevistos de um assassino de primeira viagem, superados com uma certa dose de sorte, seu plano corre bem, seus álibis são convincentes e não há nada que a polícia possa suspeitar. Um crime perfeito! Bom, quase... Pois uma certa intuição de que alguma coisa não fecha, não bate, faz com que um dos investigadores refaça os passos e chegue se aproxime do assassino.
Exatamente para eliminar qualquer suspeita, Chris pretende se livrar dos pertences que levara do apartamento vizinho, de modo a fazer tudo parecer mero um roubo que terminara em assassinato. Ele joga as coisas da senhoria de Nola no rio, mas ao jogar o último item que percebera em seu bolso, o anel da idosa, o objeto, 
na cena mais marcante do filme e uma das grandes da filmografia do diretor, caprichosamente, bate no parapeito, sobe e.... Allen desacelera a cena num slow-motion angustiante, com o anel no ar, e remete à própria cena inicial do filme, quando uma bola de tênis bate na rede e, num quadro parado, fica no ar, podendo decidir o jogo. Para um lado, cai na água, e a prova do crime é eliminada; para o outro, cai no chão e o policial, que se está em seu encalço, poderá ter a prova que falta de que Chris estivera no prédio no dia dos crimes.
Não vou dar spoiler aqui. Aliás já falei demais, mas posso garantir que a cena faz a gente torcer como se fosse uma partida de tênis de verdade. Filme que começa leve, parece uma comédia, parece um romance, vira um drama, passa a ser um um policial, até tornar-se um suspense eletrizante, "Match Point" é Woody Allen na melhor forma, voltando ao gênero do thriller policial, ao melhor estilo de "O Misterioso Assassinato em Manhattan", um dos  seus bons dos anos 90, só que aqui sem a comédia e com muito mais tensão.
"Match Point", em sua brilhante construção e desenvolvimento, além de todas suas qualidades e virtudes cinematográficas, tem o mérito de fazer  refletir sobre a impotência humana diante do todo, de que não temos domínio sobre tudo. Que, no fim das contas, muitas das vezes, na vida, por mais que façamos tudo "certo" ou tudo errado, as coisas se resumem, na verdade, em para qual lado a bola vai cair.

"Match Point" - cena inicial 





por Cly Reis

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

"O Vingador do Futuro", de Paul Verhoeven (1990) vs. "O Vingador do Futuro", de Len Wiseman (2012)



Paul Verhoeven pode não ser dos diretores mais elegantes no que diz respeito à sua obra, com algumas coisas bem toscas e sua tradicional violência exacerbada, mas não há como negar que, entre erros e acertos, o diretor holandês já colocou alguns de seus filmes na galeria de clássicos do cinema como é o caso do icônico "Robocop", do polêmico "Instinto Selvagem" e do frenético "O Vingador do Futuro", eletrizante ficção científica de ação que, encorajada por sua dinâmica e potencial, ganhou há alguns anos atrás uma nova versão cinematográfica. O problema principal do remake de "O Vingador do Futuro", de 2012, é que ele tenta se levar a sério demais. Quer tomar um viés político, social, até ecológico. O instigante argumento, baseado no conto de Philip K. Dick ("Blade Runner" e "Minority Report"), é mais bem aproveitado na versão original que é muito mais descontraída que a última, sem chegar a cair exatamente na comédia. A leveza, mesmo entre tiros, explosões e naquele momento o recorde de mortos em filmes de ação, se deve em grande parte à figura do carismático Arnold Shwarzenegger que, mesmo com suas inegáveis limitações de atuação, mesclava como poucos, especialmente naquele momento da cerreira, a capacidade de encarnar o brutamontes durão ao mesmo tempo que fazia o bobão cômico. Já no novo, a estrela principal é Colin Farrell, de quem já não gosto muito mas que, independentemente da minha opinião pessoal, não há como negar que não chega perto do carisma de Shwarzenegger. Ele até se esforça, faz lá uma gracinha que outra mas, notoriamente, está concentrado em sua missão, está compenetrado, está preocupado e isso torna seu personagem chato e distante.
Douglas Quaid (Shwarzie no original e Farrel no remake) é um operário de mineração que, cansado de sua vidinha rotineira é seduzido por um anúncio da empresa Rekall que promete implantes de memória que serão como férias realmente vividas em sua vida com a opção de incrementar a aventura e assumir outra identidade, outra atividade. Quaid escolhe ser agente secreto mas no momento do implante de memória algo dá errado (ou parece dar) e nos é revelado que aquele cliente já tinha um implante anterior e que não seria quem achava que era. Com a diferença que o primeiro Quaid queria férias em Marte e o segundo na União da Bretanha, o centro urbano e administrativo de um planeta Terra semidestruído por uma guerra química, a ação se desenrola em ambos, desenfreadamente, a partir do momento que Quaid sai da Recall. Tudo é muito parecido mas no de 1990 tudo é mais charmoso e cativante, até mesmo os defeitos como, por exemplo, os cenários de Venusville, a zona do meretrício de Marte, bem primários mas... o que seria de "O Vingador do Futuro" sem eles?
A refilmagem tem a vantagem do avanço dos recursos tecnológicos mas os efeitos visuais do original não ficam devendo em nada mantendo-se até hoje como referência no quesito. A cabeça-bomba da "mulher das duas semanas" e o raio-X no terminal de passageiros, os rostos inchando até os olhos quase saltarem das órbitas quando Quaid e Melina ficam expostos à atmosfera de Marte, a própria reprodução da superfície do planeta baseada em imagens obtidas pelas sondas da NASA são impactos visuais que não serão esquecidos facilmente.

"O Vingador do Futuro" (1990)
cena do disfarce no terminal de passageiros em Marte 

"O Vingador do Futuro' (2012)
cena do disfarce no terminal de passageiros da UFB
(referência à cena do original)

Além disso tem os personagens periféricos, muito mais cativantes, cada um a seu modo na versão primeira: Lori, a esposa, está muito melhor na pele de Sharon Stone do que da "soldadona" Kate Beckinsale, embora a disputa seja acirrada no quesito beleza; Melina, a agente do original (Rachel Ticotin) é muito mais simpática do que a do remake, Jessica Biel, feminina e carinhosa quando é pra ser mas durona na medida certa, e até por isso, mais carismática; Cohaagen na nova versão é quase um ninja, enfrentando no braço, de igual para igual o agente Houser (Quaid) numa das cenas decisivas do novo filme, ao passo que no anterior era somente, e muito apropriadamente, só mais um empresário bundinha bem filha-da-puta.
E tinha o Benny do táxi que tinha sete filhos pra criar; tinha o capanga, o cara que explode a cabeça de outro no "Scanners" do Cronenberg (Michael Ironside), e que sempre fazia bons vilões; e tinha o Kuato que ficava na barriga de um cara nos subterrâneos de Marte... e na refilmagem sequer tem um Kuato! Onde já se viu? O remake até faz algumas referências ao velho como à gorda na estação de embarque, à mutante de três seios, mas soam tão jocosas que, se foram homenagem, soaram mais como um injustificável escárnio.
"O Vingador do Futuro" 1990, de Paul Verhoeven ganha com facilidade. Não goleia, mas faz aquele 2x0 clássico, sem esforço. Tem melhores jogadores, melhor técnico e mais conjunto. O filme de Len Wiseman até é esforçado, tem suas qualidades, joga alguma bola, é verdade, mas, me desculpe..., Clássico é Clássico!

O momento em que as memórias são implantadas em Quaid, na Recall, em cada uma das versões.
Ambas os filmes deixam a dúvida se tudo o que acontece a partir dali foi real ou não.

Num jogo corrido, Paul Verhoeven confirma que no mata-mata, ele é o cara e não tem pra ninguém.



domingo, 14 de agosto de 2016

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL DIA DOS PAIS - Elis Regina - "Elis" (1980)







COMUNHÃO



“A vida é boa te digo eu/
A mãe ensina que ela é sábia/
O mal não faço, eu quero o bem/
A nossa casa reflete comunhão.”
da música “Comunhão”,
de Fernando Brant e Milton Nascimento,
criada para o musical Missa de Quilombo, 1982



Meu pai e eu éramos muito ligados. Nem todos os filhos sentem-se assim ligados aos seus pais. Muitos de nós passamos parte da vida lamentando o berço familiar, a descendência e tudo o que existe dentro de uma família.

Comigo não foi assim.

Cresci até os 4 anos com um pai muito feliz, animado e parceiro de aventuras. Cresci no Centro da cidade de Porto Alegre após nascer no Bom Fim. Nas imediações do Centro eu e ele íamos ao parquinho que ficava no Largo da Epatur. Eu viajava nos discos voadores, andava de charrete e montava nos cavalinhos do carrossel. Ele ficava me cuidando e fotografando ao mesmo tempo.

Meu pai curtia revelar as imagens e organizar nos álbuns, que naquele tempo eram feitas em câmera com negativo quadrado e a imagem final dependia das condições técnicas do fotógrafo – ele tinha talento! Todas as fotos aprovadas iam para um álbum-pasta que por anos nos acompanhou. Dono de um gênio forte, por vezes temperamental, sempre se percebia amor nele e alegria nestes momentos.

Assim cresci: parte saindo rumo aos parques, praças e ruas do bairro e por outras tive meus momentos de estar em casa. Lá brincava comigo de gravar a voz. Eu adorava. Vez em quando cantava ou contava do meu dia na escola.

Faz um tempo que recebi uma “cutucada”, como se diz no dialeto estranho das redes sociais, dos editores do ClyBlog para escrever sobre uma das maiores cantoras brasileiras, Elis Regina. O que isso tem a ver comigo e com a minha relação paterna? Tudo! Mas confesso que o convite me deixou atordoada, sem saber por onde começar. Elis está em muitos momentos da minha vida representando transformação.

Eu e Marcelo na abertura da exposição
A Aventura de Criar - Galeiria Duque, maio 2015
Comecei escutando Elis Regina em casa. Meu pai foi seu fã até o dia em que recebeu, junto com milhões de brasileiros, a notícia da sua morte. No auge da carreira artística, quando Elis já havia se consagrado num grande nome da música, uma estrela de maior grandeza. Meu pai não a perdoou por sair de cena tão cedo. Neste período, em plena década de 80, escutávamos sem parar os LPs da Elis em nossa vitrola CCE, que era muito bem equipada com duas caixas de som grandes para uma família de classe média. 

Depois de tantas audições no lar, eu já sabia as letras, os tempos e as paradas que a cantora fazia. Então, apresentava a dublagem nas reuniões de final de ano e nos aniversários à família. E me achava a segunda melhor cantora daquele momento por conta dessa total sintonia que tínhamos. Eu tinha de 7 para 8 anos de idade.

Nunca me rendi somente à voz, mas a toda atmosfera como intérprete que Elis criava para cada canção. A emoção, a quebra das palavras, o respirar das frases, a cadência de cada arranjo tornava cada faixa do LP única. Realmente algumas canções são “inescutáveis” se a intérprete não for Elis Regina.

O LP que mais tocou em mim é este, de 1980, que tem as faixas inesquecíveis: “Rebento” de Gilberto Gil; “Nova Estação“ de Luiz Guedes e Thomas Roth; “O Medo de Amar é o medo de ser livre” de Beto Guedes e Fernando Brant; “Aprendendo a jogar” e “Só Deus é quem sabe”, ambas de Guilherme Arantes; além da arrebatadora “Trem Azul”, de Lô Borges e Ronaldo Bastos, hino em minha vida. Quem escutava Elis recebia a melhor produção musical do momento.

Acervo de Elis da CCMQ
Jornal Zero Hora - 22/09/2005
Fui compreender seu universo e sua enorme contribuição a jovens compositores anos mais tarde, quando, adolescente, lendo matérias, vendo artigos e escutando amigos me dei conta do movimento, da visibilidade e da força que ela deu a uma galera referência até hoje na música brasileira.

O tempo passou e meu pai acabou perdoando a morte de Elis Regina, voltou a escutar sua voz e vez em quando ele comentava: “Mas ela canta como ninguém mais poderia interpretar essa canção!”, e então se recolhia ao silêncio respeitoso de escutá-la.

Em 2005, tive a alegria de ser convidada por Sergio Napp, então Diretor da Casa de Cultura Mário Quintana, a criar o Acervo Elis Regina da CCMQ. Nesta época, mergulhei em todas as informações que recolhemos de acervos doados e de livros editados sobre ela. Lembro-me do impacto que tive com a análise do mapa astral de Elis, por um dos maiores astrólogos do país, Antônio Carlos “Bola” Harres, que anos mais tarde foi meu cunhado e que apresenta a configuração astral de Elis de uma forma que compreendemos os conflitos, o fluxo das emoções e as nuances talentosas da cantora.

Elis era uma mulher com força impulsiva e, ao mesmo tempo, com alta sensibilidade. Opostos atuando sempre ao mesmo tempo. Essa análise me ajudou a compor com os arquitetos Carlos e Lizete Jardim as cores, a atmosfera e a forma de apresentar os conteúdos do Acervo. Nesta época também conheci mais profundamente o repertório de Elis e a sua estreita relação com compositores que embalaram minha mesma infância, tais como: Milton Nascimento/Fernando Brant, Gil, Beto Guedes, Guilherme Arantes, Ronaldo Bastos, Lô Borges, João Bosco/Aldir Blanc, Ivan Lins, entre outros.

Durante todo o tempo de pesquisa sobre o Acervo meu pai me incentivou com orgulho de ver aquela escuta de anos atrás se transformar em um espaço físico homenageando a intérprete e a cantora, que mesmo sendo um dos maiores nomes da música brasileira, se achava brega perto de outras cantoras da sua época, a exemplo de Rita Lee.

Meses após termos aberto o Acervo Eis Regina, fui apresentada por Luiz Carlos Prestes Filho em Porto Alegre a Fernando Brant, compositor e letrista da mais alta qualidade musical e humana. Ele ficou muito feliz com o Acervo, que conheceu numa vista a CCMQ quando estava na fase de implementação da sede da União Brasileira de Compositores na capital gaúcha.  Ficamos amigos.

Eu e Fernando Brant na inauguração do UBC
em Porto Alegre em 2006
Em 2011, numa visita a Belo Horizonte, cidade onde Fernando morava, fomos ao show de Milton Nascimento que abria o novo espaço da cidade. Fazia poucos meses que Fernando havia participado do projeto Coleção Mario Quintana para a Infância, volumes IV e V, realizado por minha empresa Aprata. Todo faceiro com a chegada da Coleção (que levei pessoalmente a ele em agradecimento por tanta generosidade), ele me recebeu com esse convite irrecusável: “Vamos assistir o Bituca, Leo? Ele fará um show no teatro recém-inaugurado aqui após reforma pelo SESC e vai homenagear a Elis. Você tem que estar lá porque vais representar Porto Alegre nesse momento. Vamos?” Como é que eu diria não?

Fomos então direto para o teatro e lá chorei por 90 minutos do show, segurando a mão do Fernando, que emocionado com a audição de suas composições, enchia os olhos de água e dava longos suspiros sorrindo. Um dos maiores presentes que recebi da vida: reunir neste dia os compositores e a carga musical que tenho em minha bagagem relacionada a Elis.

Depois desse dia, só falei com ele por telefone e e-mail. Foi a nossa despedida amiga em grande estilo envolvidos pela atmosfera musical que ele construiu de tanta beleza e com a homenagem à mulher que, segundo ele, foi a maior incentivadora da carreira de todo aquele Clube da Esquina e os outros tantos desgarrados que até então buscavam uma oportunidade para persistir na música.

Quando voltei a Porto Alegre, contei a meus pais e os dois se emocionaram muito com essa vivência em Beagá. Tentei escrever sobre todos estes momentos, mas não conseguia elencar os fatos, porque a emoção me invadia e desorganizava a escrita. Comecei a escrever o texto com meu pai e Fernando ainda vivos. Porém foi somente com a partida de ambos, Fernando em junho de 2015, e meu pai, em junho de 2016, que me senti serena para contar essa história de total sintonia entre nós.

Obrigado meu pai por não proibir a escuta, mesmo doendo demais a ausência de Elis.

Obrigado Fernando por essa amizade inesquecível.

Obrigado Elis por esse sentimento de comunhão, por trazer até todos nós em forma de Arte - essa vibração prateada, brilhante e sonora, que foi sua passagem por esse planeta e que tanto nos liga amorosamente.

Saudade de tudo que vivemos e hoje é memória viva em mim!

Gratidão, Amor e Luz para vocês.


****************

Elis Regina - "Aprendendo a Jogar" - programa Fantástico (1980)

*************** 

FAIXAS:
1. "Sai Dessa" (Ana Terra/Nathan Marques)
2. "Rebento" (Gilberto Gil)
3. "Nova Estação" (Thomas Roth/Luiz Guedes)
4. "O Medo de Amar É o Medo de Ser Livre" (Beto Guedes/Fernando Brant)
5. "Aprendendo a Jogar" (Guilherme Arantes)
6. "Só Deus É quem Sabe" (Guilherme Arantes)
7. "O Trem Azul" (Lô Borges/Ronaldo Bastos)
8. "Vento de Maio" (Telo Borges/Márcio Borges)
9. "Calcanhar de Aquiles" (Jean Garfunkel /Paulo Garfunkel)

faixas bônus do relançamento em CD 
1. "Tiro ao Álvaro" (Adoniran Barbosa / Osvaldo Molles) – Com Adoniran Barbosa
2. "Se Eu Quiser Falar com Deus" (Gilberto Gil)
3. "O que Foi Feito Devera (de Vera)" (Milton Nascimento/Fernando Brant/Márcio Borges) – Com Milton Nascimento
4. "Outro Cais" (Marilton Borges/Duca Leal) – Com Os Borges

 ***********************
OUÇA O DISCO

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Sá & Guarabyra - “Pirão de Peixe com Pimenta” (1977)



“Apesar de carioca,
sempre tive uma ‘visão exterior’
ligada ao resto do Brasil.
Meus pais viajavam muito
pelos interiores de Minas, São Paulo e Rio,
e isso, junto com as viagens que fiz com Guarabyra
ao então ignoto e isolado sertão do São Francisco,
me deram o necessário banho-Brasil.
Hoje sou um anel carioca folheado a sertão.”

“Concordo.
E concordo também com a crítica
que acha que outros é que são (risos)."
Guarabyra,
sobre a crítica considerar “Pirão de Peixe com Pimenta”
o melhor disco da dupla


Era começo de 1978, eu recém tinha passado no vestibular. Estava feliz porque tinha entrado no Jornalismo de primeira depois de “matar” o cursinho no sentido de que ia às aulas, mas sentava na última fila, onde se juntavam os malucos, baderneiros e afins. O mês era janeiro, tava um calorão e fui no Zaffari Ipiranga comprar uns discos (é, na época tinha discos pra vender no Zaffari: “economizar é comprar bem”). Dei de cara com um que tinha ouvido no rádio – 1120 Continental, por supuesto – e tinha gostado da música. Se chamava “Pirão de Peixe com Pimenta”, da dupla Sá & Guarabyra. Acompanhava os caras desde os tempos do rock rural que tinha eles mais o Zé Rodrix e do lendário jingle da Pepsi (“Hoje existe tanta gente que quer nos modificar...”). Dei uma ouvida e comprei sem pestanejar. Pois este disco me acompanha desde aquele tempo e é um dos meus discos favoritos.

A aventura musical começa com “Sobradinho”, música deles, talvez uma das primeiras a falar dos desmandos do poder público quando resolve que destruir a natureza é mais importante do que preservá-la. E a letra é explícita desde o começo: “O homem chega/ já desfaz a natureza/ tira gente põe represa/ diz que tudo vai mudar... E passo a passo vai cumprindo a profecia do beato/ que dizia que o sertão ia alagar/ O sertão vai virar mar/ dá no coração/O medo que algum dia o Mar também vire sertão... Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado, Sobradinho, Adeus, Adeus”. Preocupações ecológicas numa roupagem rock rural e a harmônica do mestre Maurício Einhorn percorrendo a canção. Grande sucesso na época, que só foi ofuscado na fase “Roque Santeiro” da dupla.

“Marimbondo”, uma parceria de Xico Sá com Marlui Miranda, bem ao estilo onomatopaico da cantora. “Marimbondo vem fazer sua casa/ em minha asa, za za/Sai azar marimbondo”. A banda base composta por Sérgio Caffa ao piano, Sérgio Magrão (Ex-O Terço, atual 14 Bis) no baixo, Luis Moreno na bateria e Chico Batera na percussão segura todas, enquanto os violões e as violas caipiras de Sá e Guarabyra encontram o bandolim de Quinintinho de Pirapora. No final, o narrador diz ao marimbondo que não pode fazer sua casa lá porque “Eu já sou torto e solto/ e não posso te morar/ ou vai curtir a bananeira/ que tem eira, eira, eira e eu/ não tenho eira nem beira não/ tenho eira nem beira”. Viagens de Xico e Marlui que S&G tornam palatáveis e, especialmente, audíveis.

Nesta fase, Sá e Guarabyra andavam muito curtindo o interior de Minas Gerais e da Bahia, e isso se reflete nas canções. “Trem de Pirapora” faz a defesa da vida interiorana: “O trem de Pirapora já passou por essa pont / perdido em Montes Claros/ achado em Belo Horizonte/ pirapora preta, preta barranqueira/ luz acesa até altas horas da noite... cadeira na calçada fugiu pra dentro de casa/ da porta entreaberta espreita a cara zangada...”. O arranjo de Nelson Ângelo valoriza as flautas de Paulo Jobim, Danilo Caymmi, Franklin e Paulo Guimarães e as cordas no final.

“João Sem Terra” toca no drama dos imigrantes e dos sem-terra numa levada sertanejo roqueira. “Desde pequeno me chamam/ desde pequeno me chamam/ João Sem Terra/ Filho de um sol estrangeiro/ que acabou me renegando/ fico onde chego primeiro/ João Sem Terra”. A questão de quem chega numa terra desconhecida é bem explorada pela dupla sem cair num rame-rame político-ideológico. Lá pelas tantas, a letra diz: “ter de se andar para frente/ sem olhar atrás o que se deixou/ não se deseja o pior inimigo/ tão sujo presente... ter de lembrar todo o dia/ o medo que te fez deixar teu chão/ nem ao pior inimigo/ se quer tão amarga recordação”. A dupla diz tudo e capta bem o sentimento do imigrante e do sem terra. Grande música.

Pra fechar o lado 1 do LP, vem a faixa-título, que dá água na boca só de ouvir: “Carne de Sol, pirão de peixe com pimenta/ e uma boa Januária completando a refeição/ dizendo assim até parece que é mentira/ de Sá & Guarabyra / coisa da imaginação...”. Com um arranjo do mestre Rogério Duprat, a canção vira uma grande celebração num coreto qualquer do interior do Brasil, com direito a bandinha. E esta comilança toda fica lá. Tanto que S&G ficam muito saudosos e dizem: “Eh parada em Carinhanha/ Eh Zé Sales nosso irmão/ Eh Ranchão de CorrentinA/ Eh paizinho de alemão/ vamos voltar no próximo verão/ O Quincas nos espera pra inauguração”. Uma delícia de canção.

Abrindo o Lado 2, tem “Coração de Maçã”, uma metáfora da busca do amor. “Coração de maçã/ uma fruta aqui dentro do peito/ que vive não fala/ tomada de horror/ pelos mistérios do mundo exterior”. Nela, se destaca o piano de Caffa, que percorre a canção enquanto os violões da dupla se misturam com as flautas de Paulo Guimarães e do lendário Copinha, arranjadas por Guarabyra e Duprat. E este coração vive um amor ardente: “Coração de maçã/ lutando contra o verão que queima este corpo/ febre equatorial/ bicho de amor/ Coração de maçã/ fechado e guardado espera/ o sangue vermelho e novo/ da primavera/ pra que possa dar sua flor”. Pelo jeito, tanto Sá quanto Guarabyra tiveram problemas com as garotas com coração de maçã.

O experimento musical mais ousado do disco vem com “Cinamomo”, que tem o baixo de Sérgio Magrão dando o tom e a flauta de Paulo Guimarães e as marimbas de Chico Batera ajudando a criar um clima. A experimentação também se dá na letra, uma poesia com jeito concretista, brincando com as sílabas: “Farta fumaceira/ faz este vapor/ moça marinheira/ quem é teu amor/ nos cabelos belos bibelôs/ nos cabelos bibelôs/ E um cinamo ci ci cinamomo/ E um cinamomo”. Deve se destacar também o piano elétrico de Caffa, que faz harmonias dissonantes.

Depois, vem outro sucesso do disco, a popular “Espanhola”, gravada por eles antes de estourar com Flávio Venturini, o autor da música junto com Guarabyra. Esta versão traz uma banda completamente diferente: Cartier no viola elétrica de 12 cordas; Burnier no violão; Gilson ao piano; Fernando Leporace no baixo; e Nonato na bateria mais o arranjo maravilhoso de cordas de Eduardo Souto Neto. A dupla só canta nesta linda canção que muita gente conhece, mas deveria ouvir esta linda versão. “Por quantas vezes/ eu andei mentindo/ só por não poder/ te ver chorando/ te amo espanhola/ te amo espanhola/ se vais chorar/ Te amo”. Vale a pena conferir.

O momento mais divertido do disco vem a seguir com “Canção dos Piratas”. O arranjo de Eduardo Souto Neto agora se utiliza dos metais com trompas, trombones e tuba pra dar um ar de trilha sonora de filme de pirata. E a letra é divertida: “Hoje o tempo parece tranquilo/uma brisa soprada de leve/ ahey, ahey/ Hoje o mar mais parece um espelho/ refletindo bonecos de neve/ ahey, ahey/ Diz o capitão que amanhã de manhã/ se continuar esta viração/ nós vamos chegar no mar do Japão”. Os backing vocals de Lizzie Bravo, Rosana, Ismail, Betinho e Didito ajudam S&G a dar o recado na canção, que tem o arranjo mais rebuscado de todo o disco.

“Pirão de Peixe com Pimenta” termina com uma canção linda que remete aos passeios no interior do Brasil, onde se pode ver a “Água Corrente”, pura e cristalina (ou pelo menos se podia naquela época). A banda está reduzida ao máximo com Sá na viola caipira, bandolim e guitarra slide; Guarabyra no violão; Sérgio Caffa ao piano; Sergio Magrão no baixo e Moreno na bateria. A letra é tão bonita que foi reproduzi-la inteira: “Água corrente, pedra rolante/ desce contigo o meu coração/ leito de rio, esconderijo e doce, doce prisão/ Deixa eu molhar minha voz e repetir a canção/ Água corrente, pedra redonda/ Onde os segredos se vão afogar/ Leva a saudade pra quem te espera longe/junto do mar/ Que nenhum desvio te possa deter/ por entre os barrancos/ palavras de amor/ lá se vão na corrente”. Linda canção, que encerra este disco e que tem um quê de country rock, o irmão americano do rock rural brasileiro.

Sou fã desta dupla e dois anos depois eles lançaram mais um disco muito bom e que, em breve vai estar aqui chamado “Quatro”. Mas isso é outra história.
*********************

FAIXAS:
1. Sobradinho  
2. Marimbondo (Xico Sá/Marlui Miranda)
3. Trem De Pirapora      
4. João-Sem-Terra         
5. Pirão De Peixe Com Pimenta               
6. Coração De Maçã      
7.  Cinamomo   
8. Espanhola (Flávio Venturini/Guarabyra)
9. Canção Dos Piratas   
10. Água Corrente

todas as composições de autoria de Sá/Guarabyra, exceto indicadas.
****************
OUÇA O DISCO