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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Música da Cabeça - programa #356

 


Carnaval chegando e a mensagem é clara: "não é não"! "Sim" só pro MDC desta semana, que vem pronto pra entrar na avenida. 

Echo & The Bunnymen , RPM , Caetano Veloso , Red Hot Chilli Peppers , Don Von Vliet e outros. Ainda, um Cabeção com o compositor polonês Witold Lutoslawski. 

Na folia, mas de boa, o programa põe o bloco na rua às 21h. Produção, apresentação e "respeita as mina": Daniel Rodrigues






quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Música da Cabeça - Programa #351

 

Consultamos as cartas para saber o que nos espera em 2024. Entre incertezas e adivinhações, uma coisa descobrimos que vai haver certo: muita música. O MDC 351, o primeiro do ano, é uma prova disso. Previmos, por exemplo, que hoje terá no programa O Rappa, Echo & The Bunnymen, Mutantes, Racionais, Pet Shop Boys e mais. A gente dá as cartas do programa hoje às 21h, na mística Rádio Elétrica. Produção, apresentação e arcano XVII: Daniel Rodrigues.


www.radioeletrica.com

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2023

 



Rita e Sakamoto nos deixaram esse ano
mas seus ÁLBUNS permanecem e serão sempre
FUNDAMENTAIS
Chegou a hora da nossa recapitulação anual dos discos que integram nossa ilustríssima lista de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS e dos que chegaram, este ano, para se juntar a eles.

Foi o ano em que nosso blog soprou 15 velinhas e por isso, tivemos uma série de participações especiais que abrilhantaram ainda mais nossa seção e trouxeram algumas novidades para nossa lista de honra, como o ingresso do primeiro argentino na nossa seleção, Charly Garcia, lembrado na resenha do convidado Roberto Sulzbach. Já o convidado João Marcelo Heinz, não quis nem saber e, por conta dos 15 anos, tascou logo 15 álbuns de uma vez só, no Super-ÁLBUNS FUNDAMENTAIS de aniversário. Mas como cereja do bolo dos nossos 15 anos, tivemos a participação especialíssima do incrível André Abujamra, músico, ator, produtor, multi-instrumentista, que nos deu a honra de uma resenha sua sobre um álbum não menos especial, "Simple Pleasures", de Bobby McFerrin.

Esse aniversário foi demais, hein!

Na nossa contagem, entre os países, os Estados Unidos continuam folgados à frente, enquanto na segunda posição, os brasileiros mantém boa distância dos ingleses; entre os artistas, a ordem das coisas se reestabelece e os dois nomes mais influentes da música mundial voltam a ocupar as primeiras posições: Beatles e Kraftwerk, lá na frente, respectivamente. Enquanto isso, no Brasil, os baianos Caetano e Gil, seguem firmes na primeira e segunda colocação, mesmo com Chico tendo marcado mais um numa tabelinha mística com o grande Edu Lobo. Entre os anos que mais nos proporcionaram grandes obras, o ano de 1986 continua à frente, embora os anos 70 permaneçam inabaláveis em sua liderança entre as décadas.

No ano em que perdemos o Ryuichi Sakamoto e Rita Lee, não podiam faltar mais discos deles na nossa lista e a rainha do rock brasuca, não deixou por menos e mandou logo dois. Se temos perdas, por outro lado, celebramos a vida e a genialidade de grandes nomes como Jards Macalé que completou 80 anos e, por sinal, colocou mais um disco entre os nossos grandes. E falando em datas, se "Let's Get It On", de Marvin Gaye entra na nossa listagem ostentando seus marcantes 50 anos de lançamento, o estreante Xande de Pilares, coloca um disco entre os fundamentais logo no seu ano de lançamento. Pode isso? Claro que pode! Discos não tem data, música não tem idade, artistas não morrem... É por isso que nos entregam álbuns que são verdadeiramente fundamentais.
Vamos ver, então, como foram as coisas, em números, em 2023, o ano dos 15 anos do clyblog:


*************


PLACAR POR ARTISTA (INTERNACIONAL)

  • The Beatles: 7 álbuns
  • Kraftwerk: 6 álbuns
  • David Bowie, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis, John Coltrane, John Cale*  **, e Wayne Shorter***: 5 álbuns cada
  • Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan e Lee Morgan: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden , U2, Philip Glass, Lou Reed**, e Herbie Hancock***: 3 álbuns cada
  • Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, Philip Glass, PJ Harvey, Rage Against Machine, Body Count, Suzanne Vega, Beastie Boys, Ride, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green, Santana, Ryuichi Sakamoto, Marvin Gaye e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum  Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"

**contando com o álbum Lou Reed e John Cale,  "Songs for Drella"

*** contando o álbum "Five Star', do V.S.O.P.



PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Caetano Veloso: 7 álbuns*
  • Gilberto Gil: * **: 6 álbuns
  • Jorge Ben e Chico Buarque ++: 5 álbuns **
  • Tim Maia, Rita Lee, Legião Urbana, Chico Buarque,  e João Gilberto*  ****, e Milton Nascimento*****: 4 álbuns
  • Gal Costa, Titãs, Paulinho da Viola, Engenheiros do Hawaii e Tom Jobim +: 3 álbuns cada
  • João Bosco, Lobão, João Donato, Emílio Santiago, Jards Macalé, Elis Regina, Edu Lobo+, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Sepultura e Baden Powell*** : todos com 2 álbuns 


*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil

**contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"

*** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"

**** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"

***** contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor" e Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"

+ contando com o álbum "Edu & Tom/ Tom & Edu"

++ contando com o álbum "O Grande Circo Místico"



PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 3
  • anos 40: -
  • anos 50: 121
  • anos 60: 100
  • anos 70: 160
  • anos 80: 139
  • anos 90: 102
  • anos 2000: 18
  • anos 2010: 16
  • anos 2020: 3


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1


PLACAR POR ANO

  • 1986: 24 álbuns
  • 1977 e 1972: 20 álbuns
  • 1969 e 1976: 19 álbuns
  • 1970: 18 álbuns
  • 1968, 1971, 1973, 1979, 1985 e 1992: 17 álbuns
  • 1967, 1971 e 1975: 16 álbuns cada
  • 1980, 1983 e 1991: 15 álbuns cada
  • 1965 e 1988: 14 álbuns
  • 1987, 1989 e 1994: 13 álbuns
  • 1990: 12 álbuns
  • 1964, 1966, 1978: 11 álbuns cada



PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 211 obras de artistas*
  • Brasil: 159 obras
  • Inglaterra: 126 obras
  • Alemanha: 11 obras
  • Irlanda: 7 obras
  • Canadá: 5 obras
  • Escócia: 4 obras
  • Islândia, País de Gales, Jamaica, México: 3 obras
  • Austrália e Japão: 2 cada
  • Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola, Nigéria, Argentina e São Cristóvão e Névis: 1 cada

*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de países diferentes, conta um para cada)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

30 grandes músicas dos anos 80 (não necessariamente as melhores)

Os irlandeses da U2, no topo da lista, em foto de
Anton Corbjin da época de "Bad"
Sabe aquela música de um artista pop que você escuta e se assombra? E o assombro ainda só aumenta a cada nova audição? “Caramba, que som é esse?!”, você se diz. Pois bem: todas as décadas do rock – principalmente a partir dos anos 60, quando as variações melódico-harmônicas se multiplicaram na reelaboração do rock seminal de Chuck Berry, Little Richard e contemporâneos – são repletas de músicas assim: clássicos imediatos. Mas por uma questão de autorreconhecimento, aquelas produzidas nos anos 80 me chamam bastante a atenção. É desta década que mais facilmente consigo enumerar obras desta característica, as que deixam o ouvinte boquiaberto ou, se não tanto, admirado.

Conseguiu entender de que tipo de música estou falando? Creio que talvez precise de maior elucidação. Bem, vamos pela didática das duas maiores bandas rock de todos os tempos: sabe “You Can´t Always Get What You Want”, dos Rolling Stones, ou “A Day in the Life”, dos Beatles? É esta espécie a que me refiro: podem não ser necessariamente as músicas mais consagradas de seus artistas, nem grandes hits, mas são, inegavelmente, temas grandiosos, emocionantes, que elevam. Você pode dizer: “mas têm outras músicas de Stones ou Beatles que também emocionam, também são grandes, também provocam elevação”. Sim, concordo. Porém, estas, além de terem essa característica, parecem conter em sua gênese a ideia de uma “grande obra”. Dá pra imaginar Jagger e Richards ou Lennon e McCartney – pra ficar no exemplo da tabelinha Beatles/Stones – dizendo-se um para o outro quando compunham igual Aldo, O Apache em "Bastardos Inglórios": “Olha, acho que fizemos nossa obra-prima!”

Quer mais exemplos? “Lola”, da The Kinks; “Heroin”, da Velvet Underground; “Marquee Moon”, da Television; "We Are Not Helpless", do Stephen Stills; "Kashmir", da Led Zeppelin. Sacou? Todas elas têm uma integridade especial, uma alma mágica, algo de circunspectas, quase que um selo de "clássica". 

Pois bem: para ficar claro de vez, selecionamos, mais ou menos em ordem de preferência/relevância, as 30 músicas do pop-rock internacional dos anos 80 as quais reconhecemos esse caráter. Para modo de poder abarcar o maior número de artistas, achamos por bem não os repeti, contemplando uma música de cada - embora alguns, evidentemente, merecessem mais do que apenas uma única indicada, como The Cure, U2 e The Smiths. Haverá as que são mais conhecidas ou mais obscuras; as que, justamente por conterem certo tom épico, se estendem mais que o normal e fogem do padrão de tempo de uma "música de trabalho"; artistas de maior sucesso e outros de menor alcance popular; músicas que inspiraram outros artistas e outras que, simplesmente, são belas. 

E desculpe aos fãs, mas, claro, muita gente ficou de fora, inclusive figurões que emplacaram superbem nos anos 80, como Michael Jackson, Elton John, Bruce Springsteen e Queen. Até coisas que adoraria incluir não couberam, como “Hollow Hills”, da Bauhaus, “Hymn (for America)”, da The Mission, "51st State", da New Model Army, "Time Ater Time", da Cyndi Lauper, "Byko", do Peter Gabriel, "Up the Beach", da Jane's Addiction, "Pandora", da Cocteau Twins, "I Wanna Be Adored", da Stone Roses... Mas não se ofendam: tendo em vista a despretensão dessa listagem, a ideia é mais propositiva do que definidora. Mas uma coisa une todos eles: criaram ao menos uma música diferenciada, daquelas que, quando se ouve, são admiradas de pronto. Aquelas músicas que se diz: “cara, que musicão! Respeitei”. 


1 – “Bad” - U2 ("The Unforgatable Fire", 1984) OUÇA
2 – “Alive and Kicking” - Simple Minds (Single "Alive and Kickin'", 1985) OUÇA
3 –
Capa do compacto de
"How...", dos Smiths
“How Soon is Now?”
- The Smiths 
("Hatful of Hollow", 1984) OUÇA








4 – “Nocturnal Me” - Echo & The Bunnymen ("Ocean Rain", 1984) OUÇA
5 – “A Forest” - The Cure ("Seventeen Seconds", 1980) OUÇA
6 – “World Leader Pretend” - R.E.M. ("Green", 1988) OUÇA
7 – “Ashes to Ashes” - David Bowie ("Scary Monsters (and Super Creeps)", 1980) OUÇA
8 – “Vienna” - Ultravox ("Vienna", 1980)

Videoclipe de "Vienna", da Ultarvox, tão 
clássico quanto a música


9 – “Road to Nowhere” - Talking Heads ("Little Creatures", 1985) OUÇA
10 – “All Day Long” - New Order ("Brotherhood", 1986) OUÇA
11  “Armageddon Days Are Here (Again)” - The The ("Mind Bomb", 1989) OUÇA
12 – “The Cross” - Prince ("Sign' O' the Times", 1986) OUÇA
13 – “Live to Tell” - Madonna ("True Blue", 1986) OUÇA

Madonna estilo diva, no clipe de "Live..."

14 – “Hunting High and Low” - A-Ha ("Hunting High and Low", 1985) OUÇA
15 – “Save a Prayer” - Duran Duran ("Rio", 1982) OUÇA
16 – “Hey!” - Pixies ("Doolitle", 1989) OUÇA
17 – “Libertango (I've Seen That Face Before) - Grace Jones ("Nightclubbing", 1981) OUÇA
18 – “Black Angel” - The Cult ("Love", 1985) OUÇA
19 – “Children of Revolution” - Violent Fammes ("The Blind Leading the Naked", 1986) OUÇA
Os pouco afamados
Alternative Radio
emplacam a fantástica
"Valley..."
20 – “Valley of Evergreen” - Alternative Radio 
("First Night", 1984) OUÇA









21  “USA” - The Pogues ("Peace and Love'", 1989) OUÇA
22  “Decades” - Joy Division ("Closer", 1980) OUÇA
23 – “Easy” - Public Image Ltd. ("Album", 1986) OUÇA
24  “Teen Age Riot” - Sonic Youth ("Daydream Nation", 1988) OUÇA
25 – “One” - Metallica ("...And Justice for All", 1988) OUÇA
26 – “Little 15” - Depeche Mode ("Music for the Masses", 1987) OUÇA
27 – "Never Tear Us Apart" - INXS ("Kick", 1987)

Hits também têm seu lugar: 
"Never Tear Us Apart", da INXS


28 – “Lands End” - Siouxsie & The Banshees ("Tinderbox", 1986) OUÇA
29 – “US 80's–90's” - The Fall ("Bend Sinister", 1986) OUÇA
30 – “Brothers in Arms” Dire Straits ("Brothers in Arms", 1985) OUÇA


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

The La's - "The La's" (1990)

Os (outros) quatro rapazes de Liverpool


“A The La’s é a [banda] que está mais próxima do sublime.” 
Liam Gallagher

O mais puro e original som saído diretamente de Liverpool e que marcou as gerações futuras de roqueiros. Quatro jovens rapazes, que, por um curto espaço de tempo, promoveram uma revolução na música pop. Não, não estamos falando dos Beatles. Outra banda da mesma cidade do noroeste da Inglaterra, guardadas as devidas proporções de abrangência e profusão, também teve papel fundamental para a linha evolutiva do rock feito na Terra da Rainha: a The La's

Se Paul, John, George e Ringo transformaram a música mundial em menos de 10 anos, a atuação deste outro quarteto, liderados por Lee Mavers (voz e guitarra), mais Peter "Cammy" Cammell (guitarra), Neil Mavers (bateria) e John Power (baixo, vocais), foi ainda mais meteórica. Tanto que, diferentemente dos primeiros, autores de 13 discos de estúdio nos libertários anos 60, a The La’s registrou apenas um histórico e irreparável álbum no início da instável e inconstante última década do século passado. Tempo suficiente, contudo, para seu rock sintético, melodioso e inspirado influenciar toda a geração do rock britânico dos anos 90, a qual teria na figura da Oasis a sua maior representação. Aliás, tanto a banda dos irmãos Gallagher quanto outras como Blur, Ride, Lemonheads e Supergrass, que, juntamente com a leva do grunge norte-americano, dominaram a cena rock noventista. O self-titled da The La’s, o qual completa 30 anos de lançamento, ao lado do igualmente estreante da Stone Roses, de um ano antes, ajudariam a formatar a estrutura que o britpop passaria a ter a partir de então. 

Esta perspectiva sonora passa, como não poderia deixar de ser, pelos originais rapazes de Liverpool. Melodias vocais apuradas, riffs criativos, reelaboração das bases do blues e a energia da Swingin’ London que remetem inevitavelmente a Fab Four. No entanto, o trunfo da The La’s vai além disso, uma vez que captam tudo aquilo que veio antes deles em termos de rock, como o glam, o punk, o pós-punk, o collage, o shoegaze e o indie. Isso faz com que o som do grupo, muito bem produzido pelo craque Steve Lillywhite junto com Mark Wallis, soe certeiro, objetivo, sem rodeios. Psicodélico na medida certa e com tudo no lugar: timbres, vocais, arranjos e instrumentação.

O quarteto liderado por L. Mavers: inconstância 
que lhes rendeu apenas um álbum

Rock, aliás, quando é bom, não tem muito o que se falar. Basta curtir. É o que faixas como a de abertura, “Son of a Gun” (rock no melhor estilo Buffalo Springfield), “I Can't Sleep” (cujo riff já ouvi de uma dita original banda brasileira...) e ”Timeless Melody” (mais Oasis, impossível) fazem: deixar quem as escuta sem palavras – porém, altamente empolgado. Que riffs grandiosos! A postura propositiva típica de um rock puro com seu saudável grau de afetação, mas despido de egocentrismo desnecessário. É rock bom e pronto! “Liberty Ship”, “Doledrum” e “Feelin'” são aulas de como fazer um country-rock. Igual pedagogia são as bluesers “I.O.U.” e “Failure”, esta última, com uma pegada do psychobilly da The Cramps. Nesta linha também, mas retrazendo a atmosfera picaresca de Syd Barrett, “Freedom Song”, outra excelente. Ainda, a balada “Looking Glass”, que encerra dignamente o álbum sob de uma melodiosa base de violão e os vocais saborosamente insolentes de Lee Mavers.

O conceito da The La's foi seguido, naqueles anos 90 de ascensão do tecno e da acid house, por outros artistas que não deixaram a música pop degringolar e repuseram o rock no seu lugar de destaque. Repetindo a "volta às raízes" que os Bealtes propuseram em “Let It Be”, os tarimbados R.E.M. (“Monster”, 1993) e Titãs (“Tudo ao Mesmo Tempo Agora”, 1991) seguiram a linha da The La’s de reencontrar a “pureza perdida”. Para novas bandas de então, como The Strokes, The Killers e Kings of Leon, pode-se dizer ainda mais fundamental a proposta desses irmãos dos Beatles. Seja de maneira mais conceitual ou por influência direta, o fato e que seu único e exemplar disco relembrou ao gênero rock, o qual recorrentemente se desvirtua demais de si mesmo, que “menos é mais”, que o “certo é o fácil”. Ter entendido este ensinamento talvez tenha sido o grande mérito da Oasis, cujo sucesso mundial provavelmente seria ameaçado caso a própria The La’s não ficasse somente no primeiro tiro, o que, mesmo cultuados, inegavelmente lhes limitou ao meio underground

Tá certo: é exagero comparar a The La’s aos autores de "Yesterday", afinal, esta disputa talvez seja somente cabível quando se fala em Rolling Stones. Mas que a The La’s é a segunda melhor banda de Liverpool (junto com a Echo & the Bunnymen, claro), isso é bem provável. Rankings como dos 40 grandes álbuns únicos de um artista/banda da Rolling Stone, em que o disco aparece em 13º, e da Pitchfork, no qual é apontado como um dos principais álbuns do britpop de todos os tempos, não deixam mentir. Por motivos pouco explicados, logo após lançá-lo, Mavers encheu-se e quebrou os pratos com os parceiros. A cara dos anos 90: instável e inconstante. Mesmo tendo havido esporádicos retornos posteriormente, o principal resultado daquilo que produziram fez com que virassem lenda, que é este incrível álbum. O primeiro e, como o próprio nome da banda sugere, “último”. E se não fosse o azar de terem nascido na mesma terra dos Beatles, eles seriam certamente os primeiros.

***********

The La's - Clipe de "There She Goes"


***********


FAIXAS:
1."Son Of A Gun" - 1:56
2. "I Can't Sleep" - 2:37
3. "Timeless Melody" - 3:01
4. "Liberty Ship" - 2:30
5. "There She Goes" - 2:42
6. "Doledrum" - 2:50
7. "Feelin'" - 1:44
8. "Way Out" - 2:32
9. "I.O.U." - 2:08
10. "Freedom Song" - 2:23
11. "Failure" - 2:54
12. "Looking Glass" - 7:52
Todas as composições de autoria de Lee Mavers

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OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Música da Cabeça - Programa #133


O óleo pode ser venezuelano, mas a incompetência é toda brasileira. Enquanto a poluição avança sobre o litoral sem contenção, nós do Música da Cabeça montamos uma força-tarefa de boas vibrações sonoras. Estão nessa conosco Morcheeba, Kraftwerk, Kleiton & Kledir, The Chemical Brothers, Meirelles e os Copa 5, Chic, Cid Campos, Echo & The Bunnymen e mais. Ainda, "Música de Fato", "Palavra, Lê" e um "Cabeção" bem avant-garde pra não aliviar mesmo. Arregaça as mangas, que o programa de hoje vem pra conter qualquer vazamento. É às 21h, na Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues (e não: não tá tudo azul).


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Música da Cabeça - Programa #129


Não tem jeito: nem a bala que atinge inocentes, nem a ofensa a nossos ídolos, nem discursos desastrosos nos abalam. Vejam só o quão forte está o Música da Cabeça de hoje: João Gilberto, Echo & The Bunnymen, Trio Mocotó, Ice-T, Tim Maia e Pixies são apenas algumas mostras disso. Se você é dos que seguram todas mesmo em meio a tanta perversidade, é sinal que você merece escutar o MDC. É às 21h, na Rádio Elétrica. Produção, apresentação e casca grossa: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Música da Cabeça - Programa #81


Se o teu celular achou que o horário de verão já tinha começado, não acredita nele e se programa pra ouvir o Música da Cabeça de hoje. Tem coisa legal pra caramba pra que deixar de escutar só por causa de uma máquina perdida no tempo! Vê se não é verdade: terá Air, Luiz Gonzaga, Echo & the Bunnymen, Carlos Dafé, Elastica, Carlinhos Brown e The Clash – só pra ficar em parte do que vai rolar. Ainda, os quadros “Música de Fato”, “Palavra, Lê” e “Sete-List”. É ou não é motivo pra não perder o programa? Então, te agenda pras 21h, na Rádio Elétrica, que não vai ter confusão. Produção e apresentação (sem fuso horário): Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

"Bingo: O Rei das Manhãs", de Daniel Rezende (2017)


É uma alegria quando se vai ao cinema – coisa que não tenho conseguido fazer com a frequência que gostaria – e o filme supera todas as expectativas. E quando isso acontece com o cinema do meu país, mais ainda. Foi assim com “Meu Nome não é Johnny” (2008), “Castanha” (2014) e “Aquarius” (2015), três dos principais representantes do cinema brasileiro do século XXI. A mesma sensação experimentei ao assistir recentemente “Bingo: O Rei das Manhãs”.  O longa é uma história muito bem contada e atenta a todos os aspectos fílmicos que as grandes obras contêm. Além disso, traz outras duas características marcantes dos filmes que vêm para marcar época: cenas inesquecíveis e a possibilidade de leituras subliminares.

A começar pelo argumento, rico e, literalmente, apimentado. O longa narra as desventuras de um artista que sonha em encontrar a fama e que se depara com sua grande chance ao se tornar Bingo, um palhaço apresentador de um programa de TV. Essa é a sinopse sem a luz correta. Virando o holofote para a direção certa, temos a verdadeira história: uma comédia dramática e biográfica inspirada na vida de Arlindo Barreto, ator que foi um dos primeiros intérpretes do palhaço Bozo, sucesso da TV americana que Silvio Santos importou, no começo dos anos 80, para comandar no SBT um programa idêntico. Claro, não tão igual assim, pois, como o filme mostra, precisou de uma boa dose de “brasilidade”, ou seja, ousadia, subversão e até picardia – como, por exemplo, trazer das boates noturnas a cantora Gretchen para sensualizar a milhões de crianças. Resultado: o programa atingiu o primeiro lugar na audiência das pueris manhãs da TV brasileira. Afinal, o que a Globo fazia com Xuxa e Cia. não era nenhum pouco diferente. O que valia mesmo era a guerra pelo Ibope.

Bingo e Gretchen: cenas quentes para crianças na TV brasileira dos anos 80
O diretor Daniel Rezende, requisitado montador de clássicos recentes da cinematografia nacional (“Cidade de Deus”, “Diários de Motocicleta”, “Tropa de Elite 1 e 2”) e internacional (“A Árvore da Vida”, do norte-americano Terrence Malick), soube mexer esse caldeirão de referências e equilibrar os elementos narrativos, a loucura da vida do protagonista com doses certeiras de comédia, dramaticidade, documentarismo e poesia.

O “vida loka” Augusto Mendes é um arquétipo do Narciso: abençoado mas confuso. Brilhantemente protagonizado por Vladimir Brichta, Augusto é um ator frustrado a quem restou apenas as pornochanchadas para atuar. Além disso, é separado da esposa (uma atriz de sucesso na “Globo” que não perde a chance de lhe rebaixar), pai de um menino que o tem como exemplo e filho de uma desvalorizada atriz de uma velha guarda, situação que o magoa por idolatrar a mãe. No entanto, corajoso, amante de sua profissão e convicto de suas habilidades cênicas, ele encontra na figura tão lúdica quanto assustadora do palhaço a máscara ideal para ascender, mas também para buscar a si próprio. Uma metáfora disso está numa das tais cenas inesquecíveis a que me referi: a do hilário e até desconcertante teste de Augusto para o papel de Bingo, momento em que o até então pouco aproveitado ator se transforma. É um lance especial do longa, quando se tem as visões da câmera da TV – objeto de observação do âmbito interno da obra – e a do próprio filme – externa, pela qual o espectador é quem enxerga o que está sendo contado. Esse conjunto/choque de ações interna e externa dá amplitude  à obra, haja vista a pegada “documental” e o jogo metalinguístico que isso resulta.

O personagem Augusto diante da imagem idolatrada da mãe: espelho
De fato, Rezende constrói uma narrativa que alia o entretenimento com uma abordagem mais profunda. O elemento “espelho” é referenciado em vários momentos, como o do camarim, que presencia a fusão ator/personagem; o evidente quadro com a imagem de sua mãe, pessoa a quem Augusto se espelha; e a própria tela da televisão, que, algoz, reproduz uma imagem distorcida da realidade. Como o Narciso, Augusto, a quem a beleza do mito grego é representada pelo brilho do talento, tenta buscar incessantemente o seu autoadmirado reflexo imergindo nas águas, mas acaba por (quase) se matar. O fundo do poço em que Augusto chega, bem como a retomada para um novo momento de vida que ocorre no transcorrer da trama, são, enfim, símbolos de morte e renascimento.

O palco, igualmente, é outra referência-chave no filme, seja o estúdio de TV, o picadeiro, o púlpito da igreja ou qualquer lugar que lhe oferecesse olhares, simbolizando o ator que quer incansavelmente os aplausos para, de alguma forma, sublimar o insucesso da mãe. Desse modo, um dos elementos básicos do cinema, a luz, ganha total importância, seja para, de forma prática, iluminá-lo no palco da vida, seja para, metaforicamente, trazer à luz aquilo que está escondido – caso dos loucos bastidores da TV brasileira daquela época e da própria personalidade autodestrutiva de Augusto, que afunda em drogas e sexo sob a capa de uma figura divertida e alegre. Não à toa, um ponto fundamental da trama é o anonimato do ator por trás do palhaço por conta de uma exigência contratual, o que se torna insuportável com o passar do tempo para Augusto e, principalmente, para seu filho, que, com os olhos descomplicados de criança, enxerga nisso uma mentira injustificável.

No palco e sob todos os holofotes
A direção de arte, a fotografia e a trilha sonora, tanto de canções incidentais (de Tokyo a Echo & the Bunnymen, Dr Silvana & Cia.) quanto compostas (Beto Villares), são trunfos de “Bingo”. Porém, muito do acerto do filme está, acima de tudo, nas atuações, em especial de Brichta. É ele quem protagoniza as melhores – e memoráveis – cenas, como as de interação com os “baixinhos” durante o programa, a da incrível “dança de regozijo” – quando atinge a liderança de audiência e é carregado nos braços da plateia de crianças – e a já referida do teste para o papel. Ator de formação em teatro e bastante tarimbado em tevê e cinema, Brichta consegue entrar no personagem de uma forma visceral. Seu êxito tem todos os méritos não só pelo tempo da comédia e pela carga certa de drama exigida mas, mais do que isso, pela interpretação do clown, coisa que qualquer ator sabe o quanto é difícil internalizar.

Criador e criatura se fundem diante
do espelho
Brichta, ao encarnar o palhaço mais "sexo, drogas e rock'n' roll" da história, sustenta com muita habilidade a dicotomia principal do filme, que é a amoralidade da vida adulta e a inocência da fase infantil. Fica claro que, quando as questões da infância não são devidamente resolvidas, o adulto recorre a perigosos brinquedos para submergi-las. Como a beleza de Narciso conduzida por  Liriope, sua mãe, pelo meio da mentira. Novamente, luz e sombra, o que é e o que não é. Se o público via um palhaço sorridente, na realidade ele carregava por trás da máscara um homem infeliz e perdido no próprio ego.

Pode haver quem critique o desfecho, que em parte credita à conversão do ator à Igreja Evangélica sua recuperação como pessoa. A meu ver, isso passa batido, até por que de muito se sabe que isso realmente ocorrera com Arlindo Barreto, o verdadeiro Bozo. O fato é que estas lendas em torno do Bozoca Nariz de Pipoca que, quando criança, eu e outras milhares assistíamos (sempre o preferi à Xuxa), são trazidas no filme. prestando um serviço documental de uma fase gloriosa – e agora, um pouco menos obscura – da TV brasileira. Agora dá pra entender o que me foi uma decepção na época: quando o Bozo "de verdade" sumiu de repente para entrar o sem graça do Luis Ricardo.

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trailer de "Bingo: O Rei das Manhãs"



por Daniel Rodrigues