A Nasa tá se quebrando pra entender o comportamento do cometa 3I/Atlas. Mas o que vai dar mesmo um nó nos cientistas é desvendar a composição do MDC desta semana. Elementos como Luiz Gonzaga, Michael Jackson, Dr. Feelgood, Banda Black Rio e Elis Regina formam uma química improvável. Ainda mais atônico é o nosso homenageado do Cabeção, o italiano Luciano Berio, que faria 100 anos. Enquanto o corpo interestelar ziguezagueia na direção da Terra, a gente escuta o programa 433 bem de boas, às 21h, na celeste Rádio Elétrica. Produção, apresentação e só de olho no céu: Daniel Rodrigues
quarta-feira, 29 de outubro de 2025
sábado, 18 de outubro de 2025
Museu da República - Rio de Janeiro/RJ
Visitar o Rio de Janeiro, o que fazemos geralmente uma vez ao ano, sempre rende bons passeios. Mas desta vez dá pra dizer que os passeios foram menos in do que outdoor. Afinal, foram as feiras de rua que nos mobilizaram bem mais do que as exposições ou atividades e lugares fechados.
Além das feiras do Beco do Pinheiro, no bairro das Laranjeiras, e a da Glória, que se agigantou em tamanho do ano passado para cá, estivemos duas vezes em feirinhas no Museu da República, que abriga o Palácio do Catete, o famigerado e histórico prédio onde Getúlio Vargas tirou a vida nos idos de 1954.
Mas os passeios por lá nada tem a ver com episódios trágicos e remotos. Pelo contrário. Foram agradáveis momentos em que pudemos conferir quiosques de roupas, acessórios, souvenires, bijus, comidinhas, cerveja artesanal, mas principalmente, estar na natureza e ver gente. Famílias, amigos, casais, crianças, idosos, jovens. De tudo, e sempre com muita gente, essa coisa admirável do Rio, que é de as pessoas aproveitarem a rua.
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| Show gostoso de MPB com Fhernanda Fernandes |
Confiram aí então, um pouco do que registamos desses dois domingos de passeio pelas feiras do Museu da República:
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| Feira entre as palmeiras imperiais do Museu da República |
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| Muita gente curtindo a feira a céu aberto |
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| Os patinhos no lago do chafariz |
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| Mais famílias aproveitando... |
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| ...e mais feirinha |
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| Click das clicks |
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| Admirando o belo paisagismo do local |
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| Nós curtindo a feira num dos finais de semana |
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| ...e no seguinte, com a faamily |
segunda-feira, 15 de setembro de 2025
Hermeto hermenêutico
quarta-feira, 13 de agosto de 2025
Música da Cabeça - Programa #423
Vocês sabiam que agora dá pra conceber embriões congelados depois de muito tempo, igual nos filmes de ficção? É a ciência evoluindo... mas, peraí: isso que está nascendo é mais um MDC! Cheio de força vital, o programa desta semana procria muita música, como as de Elis Regina, Caetano Veloso, Th' Faith Healers e The Claypool Lennon Delyrium. E se celebramos o nascimento, também lembramos do aniversário de morte de Dimitri Shostakovitch e da passagem de Arlindo Cruz. A gestação começa a contar a partir desta terceira semana de agosto, precisamente, às 21h, na fértil Rádio Elétrica. Produção, apresentação e DNA compatível: Daniel Rodrigues.
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terça-feira, 15 de julho de 2025
Guinga e Lívia Nestrovski - show “Ramo de Delírios” - Bona Casa de Música - São Paulo/SP (18/06/2025)
Numa aconchegante Bona Casa de Música, um improvável porão encravado numa zona residencial de São Paulo, não é exagero dizer que o show “Ramo de Delírios”, de Guinga e Lívia Nestrovski, aparentemente simples (violão e duas vozes, quando não apenas uma), palco com iluminação básica, sem aparatos de efeitos, foi, sim, um momento de encontro com a verdadeira arte. Assim como não é exagero nenhum dizer também que foi um dos melhores shows que já assisti, dessas belas surpresas que a arte (a vida) nos guarda.
Montado a partir de um repertório especialmente selecionado pela própria Lívia no cancioneiro de Guinga, a dupla não executou apenas: eles entregaram (como está na moda dizer) um espetáculo ao mesmo tempo vindo do coração de cada um, mas também do altíssimo nível profissional de ambos. Guinga dispensa apresentações: um dos gênios da MPB, violonista virtuoso, compositor raro, harmonista como poucos na música mundial. E ainda um excelente intérprete/cantor de suas músicas, assim como um letrista, que não deixa a dever em nada para seus clássicos parceiros Aldir Blanc e Paulo César Pinheiro que, claro, foram invocados durante o show.
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| Lívia e Guinga: simplicidade e grandiosidade no elegante palco do Bona |
Já Lívia é daquelas cantoras completas. Sem medo de repetir o que Guinga falou durante o show: Lívia está na prateleira das grandes cantoras do Brasil, assim como Elis Regina. A comparação, que num primeiro momento pode parecer exagerada, vai se confirmando à medida que cada música é executada pelos dois: ele, ao violão e/ou voz de apoio; ela, em interpretações arrasadoras, de tirar o fôlego de qualquer um que a escute. Afinação exímia, timbre bonito, trânsito entre estilos, alcance de alturas pouco comuns e, o principal: ela é integrada à música assim como a música é integrada a ela. São, ambas, música e cantora, a mesma coisa. Como Elis.
Provas disso? O set-list inteiro. O começo não poderia ser mais emblemático com “Delírio Carioca”, parceria Guinga/Aldir que dá nome ao primeiro e temporão disco do compositor, dentista por mais de 30 anos e que somente no início dos anos 90 fez-nos o favor de voltar-se somente para a música. “No Rio: mar/ Ouço Newton assoviar/ Um Gershwin Clara Nunes/ Que faz vibrar feito flauta/ Os túneis”, dizem os versos iniciais da canção. O delírio é todo nosso no duo Guinga/Lívia, que transmitem ao público uma sintonia musical e espiritual, que só mesmo a arte maior pode proporcionar.
“Paulistana Sabiá”, que na versão original Guinga divide vocais com Mônica Salmaso, não perde em nada com Lívia. Ela, como diz Zé Miguel Wisnik, “que dá triplos saltos carpados na voz sem perder a naturalidade entoativa”. Mas o próprio Guinga impressiona com seu vocal marcadamente rouco numa melodia complexa, dessas difíceis de cantar. Aliás, essa característica, embora seja uma constante na obra de Guinga, não é problema nenhum para Lívia, como ficou claro noutras duas incríveis, misteriosas, dramáticas, delirantes: “Tangará”, em que os dois criam um verdadeiro encanto/canto em duo, e “Suçuarana”, parceria com PC Pinheiro (“Ela se enrodilha ao pé da cama/ Até parece a taturana/ Que quando se toca, queima e dana a arder/ Morde minha pele com a gana/ Que nem abelha africana”).
“Neblinas e Flâmulas”, de Guinga e Aldir e originalmente feita para Leila Pinheiro, em 1996, ganha ainda mais intensidade na voz de Lívia. Que lindos versos! “Vivemos de olhares em todos os lugares/ e a gentileza em nós nos faz heróis covardes”. Deles também, outro destaque do repertório e da performance de Lívia, que usa toda a sensualidade/sexualidade feminina para interpretar a saborosamente abusada “O Coco do Coco”, rara canção sobre o prazer (e o direito ao prazer) sexual da mulher: “Moça donzela não arrenega um bom coco/ Nem a mãe dela, nem as tia, nem a madrinha/ Num coco tô com quem faz muito e acha pouco/ Em rala-rala é que se educa a molhadinha”. Ainda dos dois parceiros de composição, mais uma preciosidade: “Nem Cais Nem Barco” (“O meu amor não é o cais/ Não é o barco/ É o arco da espuma/ Que, desfeito, eu sou”), que Leny Andrade canta para Guinga em 1991. Lívia, no entanto, não deixa nada a desejar nessa melodia de estrutura inventiva e densa, que exige da intérprete.
Mas o que é o desafio de cantar Leny ou Leila para quem não teme encarar Elis? É o que Lívia faz ao trazer “Bolero de Satã” com o acompanhamento do próprio autor, canção que a Pimentinha gravou em 1979, no disco “Elis, Essa Mulher”, em duo com Cauby Peixoto. Lívia, com segurança, pega sozinha e sem precisar do apoio vocal do parceiro de palco. Única nova canção no repertório, a tocante “Rua do Pecado” – que Guinga escreveu para a mãe já falecida, uma mulher sofrida que teve que frustrar o desejo de ser cantora por causa da família e da sociedade machista – emocionou o público, principalmente após o próprio Guinga, conversador e descomplicado, revelar os sentimentos muito pessoais que motivaram a canção.
No encerramento, duas parcerias de Guinga com o jovem compositor carioca Thiago Amud, em especial a estonteante “Contenda”, uma “capoeira”, como definiu Guinga, que faz os sons dançaram ao gingado místico e bravio dos escravos. “Sou a dobra de mim sobre mim mesmo/ Nesse afã de ganhar de quem me ganha/ Tento andar no meu passo e vou a esmo/ Tento pegar meu pulso e ele me apanha”. Muita, mas muita poesia em forma de melodia e canto!
A sensação de sublimação, quando há esse misterioso encontro da simplicidade com a grandiosidade, ainda perdura nos ouvidos. Ouvir Guinga pela primeira vez, e justamente ao lado desta jovem cantora tão talentosa que é Lívia, foi um dos acontecimentos mais especiais que poderiam acontecer na nossa curta temporada paulistana. Vê-los no palco nos faz acreditar que existe arte, que existe beleza, que é possível viver, mas viver MESMO, sendo artista. Ouvir Lívia cantando faz com que, facilmente, se relativize cantoras celebradas da MPB atual como Céu, Roberta da Matta ou Marina Sena, muito mais midiáticas e MUITO menos íntegras como artistas. E Guinga... bom: Guinga, como falei de início, dispensa superlativos. Ele já o é. Como diz o título de outra música dele próprio com Aldir (aliás, mais uma especial do show), a arte, como a vida, é feita de “Simples e Absurdo”. Foi, sim, absurdo o que vimos. Simples – e complexo – assim.
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| A dupla começando o show |
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| Lívia e Guinga em total sintonia musical e espiritual |
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| Guinga ao violão. Parem tudo |
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| Lívia solta a voz |
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| Encerrando o show. Estado de graça |
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| Lívia e Guinga se despedem da plateia |
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| E nós curtindo essa noite especial em Sampa |
segunda-feira, 16 de junho de 2025
Ivan Lins - "Chama Acesa" (1975)
Um perigoso autoengano pairava no ar no Brasil de 1974. Após os anos de linha-dura de Médici, o governo militar passava para as mãos do General Ernesto Geisel aventando começar uma abertura política. Uma esperança. Desde o AI-5, em 1968, intensificavam-se a violência de Estado, a repressão, a censura prévia, os desaparecimentos, as prisões e o silenciamento das vozes oponentes. Havia de se ter um alento com a troca do comando. Afinal, lutar cansa. Infelizmente, não foi o que se sucedeu. Tanto que, depois se viu, precisaram-se de mais 11 anos para que a democracia voltasse efetivamente e a mão pesada da ditadura se manteve ainda muito ativa e sangrenta naquela metade dos anos 70. Estava claro: eles não iriam entregar o país de bandeja após o terem tomado pela força 10 anos antes com todos os custos que isso carrega. E se se nutria alguma ilusão de arrefecimento, o assassinato brutal do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, não deixou dúvidas de que os milicos estavam, sim, longe de baixar as armas.
Um dos que não se iludiu com a promessa de melhora no contexto político brasileiro de então foi Ivan Lins, um dos deuses da MPB, que chega hoje a 80 anos de vida. Já consagrado na voz de Elis Regina em 1970, com "Madalena", e um dos reconhecidos novos talentos do Movimento Artístico Universitário (MAU), Ivan levou, no entanto, alguns anos para se desfazer da imagem conformista - a qual talvez até hoje persista para alguns em certa medida. Muito por conta da música “Esse É o meu País”, que fez um inconveniente sucesso naquele mesmo ano, o que soava para a esquerda como uma piada sem graça do pior período de ditadura que o país vivia. Resultado? “Cancelamento”. Mas o filho musical de Tom Jobim e Milton Nascimento, melodista e harmonista sofisticado e de raro talento, àquela altura já havia entendido o lugar que devia ocupar. Sem medo da vigília seja do poder ou da oposição, em 1974 ele aciona o "Modo Livre", ao mesmo tempo nome de sua banda e de seu LP daquele ano, o que se torna, igualmente, o começo de uma nova fase na carreira: crítica, denunciativa, combativa – mas não menos poética e musical.
Esse espírito liberto deu a Ivan a certeza de que era momento de seguir com as armas em punho diante daquele cenário opressivo. Era necessário manter, como dizem, a “Chama Acesa”, justamente o nome do efervescente álbum que lançava em dezembro de 1975 pela gravadora RCA e o qual, assim como Ivan, faz também aniversário de data fechada em 2025, completando 50 anos. Valendo-se de sua maravilhosa musicalidade e de sensíveis letras, ele retoma o caminho aberto em “Modo Livre”, porém com importantes acréscimos, que vêm para intensificar a potência de seu corajoso discurso, agora ainda mais ardente. O principal deles é o estabelecimento definitivo da maior parceria de sua carreira, a com Vitor Martins. O letrista, que havia assinado com ele no trabalho anterior a simbolicamente intitulada “Abre Alas”, iniciando a parceria, agora responde por quase a metade das faixas do disco, dando não apenas unidade poética à obra como, principalmente, revelando o nascimento de uma das mais afinadas duplas da música popular brasileira contemporânea criadora de clássicos como “Um Novo Tempo”, “Cartomante”, “Começar de Novo”, “Vitoriosa”, "Iluminados" e “Lembra de Mim”, estas três últimas, temas de novelas da Rede Globo.
Em “Chama...” já era possível ver cristalizada a afinidade musical Ivan/Martins numa sequência vertiginosa: "Lenda do Carmo", totalmente referenciada na sonoridade de Milton Nascimento/Clube da Esquina; "Joana dos Barcos", bossa nova onírica e contística; e "Ventos de Junho'", que fecha essa sequência “mineira” com versos preocupados: “E hoje, horizontes farpados, soleiras/ Trancas, tramelas, porteiras/ Que nos caminhos de Minas/ Não abrem mais”. Nem uma vírgula era desaproveitada para se dar o recado.
A contundência maior, porém, vem no espetacular afoxé “Demônio de Guarda” ("Você vigia meus sonhos/ Me dá cachaça e as noites de orgia/ Você me dá a preguiça/ Me dá a conversa vadia de esquina/ Pra depois me jogar a polícia em cima") e, principalmente, em "Corpos", que encerra o disco dando o tom de gravidade que aqueles tempos exigiam. Dois títulos que, afora suas letras e a forma expressiva da interpretação, já dizem por si. Quanta audácia titular “Corpos” uma música para finalizar uma obra lançada menos de 2 meses depois da escandalosa morte por tortura de Herzog cuja foto do corpo falsamente enforcado tornou-se um símbolo da luta pela democracia! A letra, aparentemente amorosa, na verdade, não deixa por menos em denunciar o barbarismo e o calamento: "Existem mais corpos/ Ou vivos, ou mortos/ Entre eu e você/ Procure saber, procure em mim/ Procure em você/ Procure em todos/ Na lama, no lodo/ Na febre, no fogo".
Contudo, Ivan sabiamente mantém também outros valiosos parceiros de antes, como com o craque Paulo César Pinheiro e o primeiro deles, Ronaldo Monteiro. Ambos, igualmente indignados com o terror da ditadura e o cerceamento das liberdades, usam suas fervorosas poéticas para o mesmo fim: denunciar. Mas, claro, fazem com erudição e inteligência. Com Pinheiro, que assinara com Ivan um ano antes "Rei do Carnaval", tema de abertura de “Modo Livre”, agora retoma com nada menos que a devastada (e devastadora) faixa-título: "Você está parado na estrada/ Contemplando toda a redondeza/ Atrás a cidade assustada/ Na frente a cruel fortaleza". É deles também a etílica "Poeira, Cinza e Fumaça", balada desesperançada com “versos comuns de desgraça”. Quanto exercício literário para fazer poesia de resistência sem que a censura percebesse!
Com Ronaldo, igual sintonia. Parceiros desde o início da carreira de Ivan, agora eles vêm com “Palhaços e Reis”, que traz a metáfora circense e/ou carnavalesca para criticar o circo político da ditadura a qual Ivan aproveitaria novamente em trabalhos seguintes, como na faixa-título de “Somos Todos Iguais Nesta Noite”, do disco deste mesmo nome, de 1977, e subtitulada “É O Circo de Novo”, ou “Cantoria”, de “Nos Dias de Hoje”, de 1978. Os versos não deixam entender outro sentido, que não este mesmo: "Olha, morena/ Me dói, me dá pena/ Saber o que a vida nos faz/ Destrói, desacata/ Maldiz e maltrata/ O ano inteiro".
Tão cáustica quanto é a bossa nova "Não Há Porque", igualmente com Ronaldo, cujo abrasivo solo de flauta acompanha o sufocante encadeamento, que amontoa progressivamente rimas num crescendo a cada verso: “Do estado desse mundo Deus está ciente/ Na espreita sobrevivo até comicamente/ Os efeitos vêm a público amargamente/ Um estranho ao me ver, percebe claramente.” Se um estranho percebia tamanha inconformidade, imagine-se os milicos! Que afronta! E o jeito fervoroso, quase furioso de Ivan cantar, faz a música ficar ainda mais ardente.
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| Ivan, ao fundo com Vitor Martins e Gilson Paranzetta, essenciais para manter acesa a chama do inconformismo |
Impressiona o quanto Ivan estava imbuído de aproveitar cada verso, cada palavra, cada pronúncia, para manifestar inconformismo, seja em forma de afronta, indignação, medo, ameaça, revolta ou melancolia. "Nesse Botequim", samba-canção na linha de outros que comporia mais adiante (“Esses Garotos”, “Saindo de Mim”, “Qualquer Dia”), é de uma tristeza corrosiva. Aliás, como muitos compositores manifestavam através de suas músicas à época, a se ver pelas penosas “Chegadas e Partidas”, de Milton/Fernando Brant, “Samba de Orly”, de Chico Buarque, ou "Café", de Egberto Gismonti. Doloridas. "Nesse Botequim" se vale da imagem do espaço popular onde as pessoas deveriam ser felizes, mas que, naquele estado de coisas, não ocorria bem assim. “Nas portas desse botequim/ Passaram tempos antigos/ Passaram sonhos, amigos/ Passaram crimes, castigos”. Ou seja: o “botequim” era, metaforicamente, o Brasil onde passavam “barbas, batinas” e, pior, “mãos assassinas”. E no final Ivan ainda evoca Tom Jobim, porém ressignificando a brejeira “Águas de Março” ao destacar-lhe apenas os versos iniciais: "É pau, é pedra, é o fim do caminho/ É um resto de toco, é um pouco sozinho". É: era pau, era pedra, era solidão.
Se “Modo Livre”, que abriu caminho para o Ivan engajado e inconformado, “Chama...” deu-lhe prosseguimento – até porque o cenário, infelizmente, não aliviara. As capas de ambos os discos dão essa ideia de inevitabilidade: em “Modo...”, Ivan aparece em uma foto azulada em que parece assustado, pois prestes a "se afogar" na "água", em “Chama...”, ao contrário, seu rosto quase em êxtase está sob cores quentes de fogo. Tanto um estado físico quanto outro simbolizando a tortura física, psicológica e emocional dos porões da ditadura. Seja num extremo ou noutro, água ou fogo, o mesmo grito. Assim, “Deixa eu dizer o que penso dessa vida/ Preciso demais desabafar”, da clássica "Deixa eu Dizer", do trabalho anterior, conecta-se diretamente com os então novos versos de “Não Há Porque”: “A espécie dessa vida é morte que se sente/ A espera se renova em todo poente/ Qual espuma vivo fraco, mas eu vou em frente”.
Neste duplo aniversário, de 80 de Ivan e de 50 de “Chama...”, muito se tem por comemorar, mas também por alertar. Um dos mais celebrados autores da música brasileira, admirado por gente como Quincy Jones, Sarah Vaughn, George Duke, Ella Fitzgerald e George Benson, merece todos os aplausos. O disco, o segundo de uma série de cinco trabalhos essenciais de Ivan dos anos 70, embora reflexo doloroso de uma época, guarda em si justamente esta qualidade: a de expressar-se corajosamente e num alto nível musical e poético. Porém, não há como olhar para trás e deixar de lembrar que, há cinco décadas, atrocidades estavam sendo cometidas pelo próprio Estado contra seus cidadãos. Isso jamais deve ser esquecido, e para que nunca mais se permita repetir é necessário manter a chama, ainda hoje, acesa. E “quem quiser discordar eu vou desconfiar”. Pra valer.
terça-feira, 6 de maio de 2025
BPE + Cultura - Rua Riachuelo - Porto Alegre/RS (03/05/2025)
Que coisa louca essa vida: há exatamente um ano atrás, Porto Alegre, assim como maior parte do Rio Grande do Sul, estava debaixo de uma chuva torrencial, que não parava há dias. Vários bairros da capital, dentre eles, parte do Centro, inundados ou sem luz. Eis que, contrariando qualquer trauma, que nós gaúchos ainda estamos aprendendo a superar, o tempo se mostra há mais de uma semana ameno, ensolarado, solar, outonal, agradável. E melhor: sem um pingo d'água sequer.
Cenário perfeito para um evento de rua - algo inimaginável
naquele começo de maio de 2024. Convidado como um dos autores do BPE + Cultura,
promovido todo primeiro sábado do mês pela Biblioteca Pública do RS na própria Rua Riachuelo, em pleno Centro Histórico, tive o
privilégio de autografar alguns dos meus livros “Chapa Quente”, “Anarquia na Passarela” e a antologia “Lar”, lá de 2014. Ainda, rever amigos e, claro,
curtir o clima desse sábado iluminado de Porto Alegre.
Na companhia amorosamente inseparável de Leocádia e da
simpatia canina de Bolota, foi possível aproveitar comes, cerveja artesanal, intervenções literárias, contação de histórias, oficinas e os shows, como o de samba do competente Quinteto Benguelê. Cheios de simpatia e com uma
cantora carismática e talentosa, o grupo mandou ver em vários clássicos autores
do samba, como Elis Regina/Baden Powell (“Vou Deitar E Rolar”), Cartola
("Tive Sim"), Dona Yvone Lara ("Sonho Meu") e Nelson Cavaquinho ("Palhaço"). Teve também uma emocionante apresentação do
grupo teatral Dança do Leão e do Dragon, que trouxe a apresentação de dança O
Despertar da Fortuna baseada nas tradições chinesas. O impactante vídeo da
performance sinuosa e misteriosa do dragão ao som dos tambores típicos não
deixa mentir.
Enfim, um presente a nós e a todos os porto-alegrenses: a ocasião e a de poder aproveitá-la numa tarde de sol abençoada. Confiram um pouco de como foi:
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| Dia perfeito para feira na rua |
quarta-feira, 26 de março de 2025
Música da Cabeça - Programa #404
As algemas já estão separadas, só esperando aquele dia tão aguardado. Enquanto o processo corre, a gente prepara a festa com música. A trilha sonora do xilindró traz Chico Batera, Joe Espósito, Elis Regina + Jair Rodrigues, Frente! e mais, como Jorge Benjor, aniversariante da semana. Ah, e praquele momento mais "Cabeção" da festa, tem ainda Pierre Boulez, que completaria 100 anos. Esfregando as mãos, o MDC forma maioria hoje às 21h na justa Rádio Elétrica. Produção e apresentação "sem anistia": Daniel Rodrigues
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quarta-feira, 19 de março de 2025
Música da Cabeça - Programa #403
Em semana dos 40 anos da redemocratização e em que político brasileiro fujão se acovarda e deixa o país, o MDC com muito orgulho traz a memória de alguém que nunca fugiu da raia. Aliás, nossa Elis Regina, que completaria 80 anos se viva, não deixava barato nunca! Igual aos outros convidados do programa: Titãs, Henri Mancini, Tracy Chapman, Mutantes, Kraftwerk e mais. Mas é a Pimentinha, claro, que toma conta do nosso quadro especial Sete-List e do Palavra, Lê. Fazendo reverências mil, o MDC vai ao ar na noite do Brasil às 21h na equilibrista Rádio Elétrica. Produção, apresentação e cuca legal: Daniel Rodrigues.
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segunda-feira, 13 de janeiro de 2025
Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2024
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| Se liga rapaziada de Liverpool que o tio Wayne tá chegando |
Então surgem outras curiosidades: a gente vê vários de Rolling Stones, Elton John, Smiths, e se pergunta "Quantos ingleses tem na lista?", aí vê Ramones, Madonna, Herbie Hancock, Aretha Franklin, e compara, "Será que tem mais americanos ou ingleses?", "e os brasileiros, como estão nessa parada?", e vão surgindo categorias e mais categorias. Qual ano tem mais grandes discos lembrados? Qual década se destaca?... E assim criamos o Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, um levantamento que fazemos a cada ano, contabilizando os discos incluídos na última temporada na nossa seção, apresentando então quem está na frente em cada um dos critérios.
No último ano, entre os artistas internacionais, os Beatles continuam firmes na ponta como aqueles com mais discos citados, mas começam a sentir a proximidade do gênio do jazz Wayne Shorter que vem chegando como quem não quer nada. No âmbito nacional, se Caetano Veloso se manteve à frente por conta de um disco em parceira com Chico Buarque, o mesmo álbum fez com que o próprio Chico se aproximasse e alcançasse a segunda posição. Entre os países, o Brasil, com 8 dos 21 discos destacados no ano, deu um salto na tabela ampliando ainda mais a vantagem em relação aos ingleses, mas ainda longe dos norte-americanos que lideram com folga. Já nas épocas, a década de 70 continua sendo a que tem mais grandes álbuns mencionados, embora o ano que tenha mais obras seja da década de 80, o ano de 1986. No entanto, no ano passado, por trazer alguns discos que recentemente completavam 50 anos, o de 1974 foi o que apareceu mais na nossa galeria.
Ainda no que diz respeito aos anos, vamos dar uma 'trapaceada' desta vez: como o disco "Me & My Crazy Self", do bluesman Lonnie Johnson contém gravações de 1947 a 1953, vamos incluí-lo nos anos 40 só porque, até hoje, era a única década que não tinha nenhum disco indicado. Pode ser? (Segredo nosso. Fica entre a gente. Shhhh!!!)
Como destaques tivemos as estreias da talentosíssima musa francesa Françoise Hardy e do subestimado Ivan Lins no nosso seleto grupo de elite; o disco ao vivo de Gilberto Gil, no Tuca, um dos álbuns cinquentões do ano passado; mais um da rainha Madonna para marcar sua grandiosa vinda ao Brasil; e, em ano de Olimpíadas, um disco de atleta, o excelente "Rust in Peace", do faixa preta em taekwondo Dave Mustaine do Megadeth.
Bom, chega de papo-furado: vamos às listas, às colocações, aos números que é o que interessa aqui. Com vocês o Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2024.
Dá uma olhada aí:
PLACAR POR ARTISTA (INTERNACIONAL)
- The Beatles: 7 álbuns
- Kraftwerk e Wayne Shorter***: 6 álbuns
- David Bowie, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis, John Coltrane e John Cale* **: 5 álbuns cada
- Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan, Philip Glass e Lee Morgan: 4 álbuns cada
- Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Madonna, Iron Maiden , U2, Lou Reed**, e Herbie Hancock***: 3 álbuns cada
- Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Chemical Brothers, Sean Lennon, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, PJ Harvey, Rage Against Machine, Body Count, Suzanne Vega, Beastie Boys, Ride, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green, Santana, Ryuichi Sakamoto, Sinéad O'Connor, Marvin Gaye e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)
- Caetano Veloso: 8 álbuns*#
- Gilberto Gil * ** e Chico Buarque ++ #: 7 álbuns
- Jorge Ben ** e João Gilberto* ****: 5 álbuns
- Tim Maia, Rita Lee, Legião Urbana, , e Milton Nascimento***** º: 4 álbuns
- Gal Costa, Titãs, Paulinho da Viola, Engenheiros do Hawaii e Tom Jobim +: 3 álbuns cada
- João Bosco, Lobão, João Donato, Emílio Santiago, Jards Macalé, Elis Regina, Edu Lobo+, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Sepultura, Cartola, Baden Powell*** e Criolo º : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil
**contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"
*** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"
**** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"
PLACAR POR DÉCADA
- anos 20: 2
- anos 30: 3
- anos 40: 1
- anos 50: 121
- anos 60: 101
- anos 70: 166
- anos 80: 142
- anos 90: 108
- anos 2000: 20
- anos 2010: 18
- anos 2020: 3
*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1
PLACAR POR ANO
- 1986: 24 álbuns
- 1977 e 1972: 21 álbuns
- 1969: 20 álbuns
- 1976: 19 álbuns
- 1970, 1971, 1985 e 1992: 18 álbuns
- 1968, 1973 e 1979 17 álbuns
- 1967, 1975 e 1980: 16 álbuns cada
- 1983 e 1991: 15 álbuns cada
- 1965, 1988, 1989 e 1994: 14 álbuns
- 1987 e 1990: 13 álbuns
- 1990: 12 álbuns
- 1964, 1966, 1978: 11 álbuns cada
PLACAR POR NACIONALIDADE*
- Estados Unidos: 218 obras de artistas*
- Brasil: 167 obras
- Inglaterra: 130 obras
- Alemanha: 11 obras
- Irlanda: 8 obras
- Canadá: 5 obras
- Escócia: 4 obras
- Islândia, País de Gales, Jamaica, México: 3 obras
- Austrália, França e Japão: 2 cada
- Itália, Hungria, Suíça, Bélgica, Rússia, Angola, Nigéria, Argentina e São Cristóvão e Névis: 1 cada



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